Cursos Superiores de Tecnologia do IFRN 1 uma análise epistemológica do currículo



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Transcrição:

Cursos Superiores de Tecnologia do IFRN 1 uma análise epistemológica do currículo Costa, N. L. 1 ; Silva, A. M. 2 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Brasil 2 Universidade do Minho, Portugal Email: nadja.costa@ifrn.edu.br; anasilva@ie.uminho.pt Resumo O presente trabalho enquadra-se numa pesquisa em curso no âmbito do doutoramento em Ciências da Educação, na especialidade de Desenvolvimento Curricular. Um dos objetivos da pesquisa é sistematizar e ampliar conhecimentos sobre as bases curriculares dos cursos de tecnologia e problematizar o currículo do ensino superior, considerando o atual contexto social demarcado por complexidades, incertezas e permanentes mudanças. Trata-se de um estudo de natureza qualitativa em que a pesquisa documental é uma das fontes para a recolha de dados. Nesta comunicação incide-se nalguns resultados de uma investigação bibliográfica acerca do currículo dos cursos de tecnologia do IFRN, enfocando o estudo das bases epistemológicas do desenho curricular dos cursos de graduação tecnológica reformulados a partir de 2009 e implementados, na Instituição, em 2012. A primeira parte trata da caracterização e contextualização dos cursos tecnológicos no IFRN, situando-os historicamente e acerca das bases conceituais e metodológicas orientadoras das revisões curriculares do atual contexto institucional. A segunda parte apresenta uma descrição e análise dos princípios organizadores da proposta curricular desses cursos no IFRN, as implicações didáticas e suas articulações com as necessidades formativas dos docentes do ensino superior. Desse modo, espera-se refletir a respeito da proposta curricular dos cursos de graduação tecnológica, a partir da compreensão de uma formação superior integral e produtora de sentidos no âmbito da formação humana, pessoal e profissional, tanto na perspectiva de docentes, quanto de discentes. Visa ainda, ampliar o conhecimento a respeito da concepção e do desenvolvimento curricular nos cursos de graduação tecnológica e contribuir com sistematizações teóricometodológicas que venham a fortalecer o ensino superior e a atuação docente nesse campo de formação. Em síntese, ao se estabelecer relações entre a epistemologia dos conhecimentos teóricos e a epistemologia dos saberes da prática, o estudo busca sistematizar contributos para a construção de uma nova pedagogia universitária. Palavras-chave: Conhecimento; Currículo; Graduação Tecnológica; Formação Docente. 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte. 594 1

1 Introdução Os cursos superiores de tecnologia do Instituto Federal do Rio Grande do Norte surgiram no contexto das reformas educacionais dos anos 1990. Tiveram como marco inicial de implementação, o Curso Superior de Tecnologia em Informática no ano 1998. Após quinze anos de atuação nesta modalidade da educação superior brasileira, o Instituto expandiu, reorganizou, reformulou o currículo desses cursos e, atualmente, oferta catorze cursos de graduação tecnológica. Em sua trajetória histórica, os Cursos Superiores de Tecnologia (CST) do IFRN passaram por vários contextos políticos e pedagógicos no âmbito das ações de reorganização interna e das políticas educacionais mais amplas no país no tocante à educação profissional e à educação superior. Sob o espectro de análises críticas, as reformas ocorreram a partir de políticas neoliberais e acordos multilaterais que solaparam a educação brasileira no campo da efetividade e da qualidade social (CHAUI, 2003). No IFRN, os cursos tecnológicos surgem na proposta curricular em um contexto das mudanças advindas da implementação da LBB 994/96 e com a regulamentação dos capítulos que tratam de Educação Profissional, o decreto 2.2008/97, que estruturou a educação profissional na época, em nível básico, técnico e tecnológico. Sob a ótica de um projeto de estado mínimo em que as vagas da educação profissional integrada à educação básica deveriam ser reduzidas e em contraponto, o foco de atuação se voltasse a dar respostas imediatas ao mercado de trabalho. Nesse contexto de reformas na educação profissional e tecnológica nos anos 2000, esses cursos se ampliaram e ganharam corpus significativo na abertura de vagas e na diversidade de cursos nas instituições da rede federal de educação profissional. A grande demanda por criação de novos cursos provocou necessidades institucionais de ajustes e mudanças curriculares na conceção dos cursos em perspetiva crítico-reflexiva que apontassem para alguns redimensionamentos nas propostas metodológicas de cunho interdisciplinar e contextualizado. Outro aspeto a se destacar é a superação da dicotomia entre teoria e prática na organização das matrizes curriculares e a abordagem pedagógica desses cursos nas novas propostas revisadas ente os anos 2010 e 2012. Para se compreender os movimentos de mudanças curriculares desses cursos no IFRN, é mister compreender o surgimento desse modelo de cursos na educação superior desde sua gênese. A elaboração do trabalho encaminhou-se na pesquisa documental, apoiada na perspetiva crítico reflexiva. O material analisado foi a Resolução CNE/CP, 3 de 18 de dezembro de 2002, tendo como subsídio para essa análise o Parecer CNE/CP nº 29/2002, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais de Nível Tecnólogo, assim como o projeto políticopedagógico vigente no IFRN e autores que investigam a temática. 2 Histórico dos Cursos Superiores de Tecnologia no Brasil Os cursos de graduação tecnológica na educação brasileira surgiram na década de 1960 ainda sob pressão dos movimentos sociais em busca de ampliação de vagas no ensino superior. Segundo (Bazzo, 2000), surgiram como cursos de curta duração, de caráter prático sem se voltar para conceção, apenas para a execução e gestão de processos. Desse modo, os cursos com tais características teriam menor tempo de duração e responderiam às pressões sociais. 595 2

Nos últimos anos, os avanços da ciência e da tecnologia, sobretudo no final do séc. XX e no início do séc. XXI, têm provocado grandes mudanças de conceção e de organização da sociedade. Essas mudanças, ao longo do processo histórico-social, influenciam os projetos educacionais, os modos de produção e de serviços, as relações sociais e, principalmente, as relações de trabalho do homem na sociedade. A conjuntura de reestruturação produtiva do capital sinaliza para uma (re)configuração na formação e na qualificação profissional impondo, entre outras exigências sociais, a revisão nas atuações profissionais, a criação de novas profissões e a abertura para novas formas de organização do trabalho, novos mercados nacionais e internacionais (Hrvey, 2010). Tais fatores, por sua vez, requerem, nos países em desenvolvimento, novos processos formativos e mais investimentos em educação. Nesse contexto, ressurgem no Brasil, a partir dos anos 90, os Cursos Superiores de Tecnologia. Buscam atender a uma demanda nacional: formar profissionais qualificados em áreas específicas e em tempo mais reduzido. Considere-se que o País busca o desenvolvimento tecnológico, o incremento do mercado brasileiro e o alargamento das relações internacionais, ampliando, assim, a oferta de emprego para quem possui maior qualificação profissional. Os cursos de graduação tecnológica têm o objetivo de formar profissionais aptos a desenvolver atividades profissionais de um determinado eixo tecnológico. Sob uma angulação crítica das relações com o processo produtivo, com o meio ambiente e com a sociedade em geral, esses profissionais devem ser capazes de utilizar, desenvolver e/ou adaptar tecnologias. Os cursos caracterizam-se pelo atendimento às necessidades formativas específicas na área tecnológica de pesquisas, na de disseminação de conhecimentos e na de bens e serviços. Caracterizam-se, ainda, pela flexibilidade curricular e pelo perfil de conclusão focado não só na gestão de processos tecnológicos como também na aplicação e no desenvolvimento de tecnologias. Esses cursos são organizados a partir da conceção curricular de eixos tecnológicos, de acordo com o Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia (CNST). 3 Características dos cursos de graduação tecnológica na educação brasileira Além da observância às prescrições da Lei 9.394/96 (LDB), aos Decretos 3.860/2001 e 5.154/2004 e aos demais regulamentos, os cursos de graduação tecnológica devem ter os currículos organizados atendendo ao conjunto de diretrizes curriculares explicitadas na Resolução CNE/CP 3/2002. Com intuito de demarcar as características dos Cursos Superiores de Tecnologia o documento oficial explicita: Art. 1º A educação profissional de nível tecnológico, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, objetiva garantir aos cidadãos o direito à aquisição de competências profissionais que os tornem aptos para a inserção em setores profissionais nos quais haja utilização de tecnologias. Art. 2º Os cursos de educação profissional de nível tecnológico serão designados como cursos superiores de tecnologia e deverão: I - incentivar o desenvolvimento da capacidade empreendedora e da compreensão do processo tecnológico, em suas causas e efeitos; II - incentivar a produção e a inovação científico-tecnológica, e suas respetivas aplicações no mundo do trabalho; 596 3

III - desenvolver competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, para a gestão de processos e a produção de bens e serviços; IV - propiciar a compreensão e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da produção, gestão e incorporação de novas tecnologias; V - promover a capacidade de continuar aprendendo e de acompanhar as mudanças nas condições de trabalho, bem como propiciar o prosseguimento de estudos em cursos de pós-graduação; VI - adotar a flexibilidade, a interdisciplinaridade, a contextualização e a atualização permanente dos cursos e seus currículos; VII - garantir a identidade do perfil profissional de conclusão de curso e da respetiva organização curricular. Art. 6º A organização curricular dos cursos superiores de tecnologia deverá contemplar o desenvolvimento de competências profissionais e será formulada em consonância com o perfil profissional de conclusão do curso, o qual define a identidade do mesmo e caracteriza o compromisso ético da instituição com os seus alunos e a sociedade. 1º A organização curricular compreenderá as competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, incluindo os fundamentos científicos e humanísticos necessários ao desempenho profissional do graduado em tecnologia. 2º Quando o perfil profissional de conclusão e a organização curricular incluírem competências profissionais de distintas áreas, o curso deverá ser classificado na área profissional predominante. (Brasil, 2002. p. 162-163). Os Cursos Superiores de Tecnologia caracterizam-se, principalmente, por permitirem uma formação em nível superior de graduação mais rápida e com objetividade para o atendimento a necessidades formativas específicas da área tecnológica. Possuem flexibilidade curricular, uma vez que os cursos estão organizados dentro de grandes Eixos Tecnológicos, de acordo com o Catálogo Nacional dos Cursos Superiores de Tecnologia. A proposta curricular deve abordar conhecimentos específicos e conhecimentos comuns, de modo interdisciplinar dentro de uma determinada área, traçando-se o perfil profissional de conclusão. Esses cursos de tecnologia atuam na esfera dos conhecimentos gerais e específicos, do desenvolvimento de pesquisas científico-tecnológicas e das aplicações dessas pesquisas no mundo do trabalho. As formações são definidas como especificidades dentro de uma determinada área profissional, visando, sobretudo, o desenvolvimento, a aplicação e a socialização de novas tecnologias. Visam ainda formar para a gestão de processos tecnológicos e a produção de bens e serviços. A organização curricular dos cursos busca possibilitar a compreensão crítica e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais, resultantes da interferência do homem na natureza, em virtude dos processos de produção e de acumulação de bens. De acordo com os documentos oficiais, na definição dessas ofertas, consideram-se tanto os estudos e as pesquisas sobre os arranjos produtivos, culturais e sociais locais, regionais e nacionais quanto as condições pedagógicas e administrativas da Instituição. Sem dúvida, a definição das ofertas de cursos de tecnologia sob a circunscrição das demandas culturais e sociais constitui-se em um caminho oposto à definição de ofertas baseada na lógica produtivista ou mercadológica. Essa lógica permeia as políticas traçadas no atual Plano de Desenvolvimento da Educação, evidenciando-se, em especial, no que se refere à implantação dos Institutos Federais. Tal política de implantação objetiva, de modo incisivo, ofertar cursos que possibilitam a consolidação e o fortalecimento dos arranjos produtivos locais e incentivam o 597 4

empreendedorismo. Tal enfoque, essencialmente mercadológico, enaltece o elo da educação com o setor produtivo e sinaliza uma retomada do produtivismo na formação profissional, valorizando a quantidade dos produtos e o rendimento de insumos aplicados (Oliveira, 2011). Em contradição a essa proposta de base produtivista, a escolha das ofertas no IFRN pauta-se na valorização das condições, dos interesses e das potencialidades humanos, evidenciando, em harmonia com as condições materiais, a capacidade de (re)criação e de transformação da realidade. Nesse sentido, elege-se, como referência, o foco ou a vocação tecnológica de cada campus, definindo-se a oferta de cursos a partir de discussões e de debates com a comunidade interna, em espaços institucionalizados. Além disso, torna-se imprescindível o estabelecimento do diálogo com a comunidade local, recorrendo-se a audiências públicas, visitas técnicas e outras formas de interlocução. 4 Bases epistemológicas dos cursos de graduação tecnológica do IFRN As bases epistemológicas de conhecimento fundamentam-se em teorias que evidenciam conceções de educação focadas nos conceitos de ser humano, sociedade, ciência cultura e tecnologia (IFRN, 2012). Tais conceções, articuladas aos conceitos de conhecimento, definem o ensinar e o aprender projetando um ideal de educação materializado nas finalidades presentes nos currículos. Tais finalidades são de significativa importância para a educação, visto que, em suas várias vertentes buscam aprimorar a visão do conhecimento e sua relação com o processo ensino-aprendizagem, no que tange a formação integral do ser humano. As várias conceções existentes nas bases epistemológicas norteiam as definições curriculares e orientam a busca de soluções dos problemas que surgem no cotidiano da prática educacional. 4.1 Princípios orientadores dos cursos de graduação tecnológica De acordo com o Parecer CNE/CP 29/2002, os cursos de graduação tecnológica devem primar por uma formação em processo contínuo. Essa formação deve pautar-se pela descoberta do conhecimento e pelo desenvolvimento de competências profissionais necessárias ao longo da vida. Deve, ainda, privilegiar a construção do pensamento crítico e autônomo na elaboração de propostas educativas que possam garantir identidade aos cursos de graduação tecnológica e favorecer respostas às demandas de formação no contexto social local e nacional. Para tanto, o currículo dos cursos de graduação tecnológica do IFRN deve se orientar pelos seguintes princípios (IFRN, 2012.p.115): a) compromisso com o desenvolvimento do pensamento crítico a partir dos fundamentos da formação integral; b) integração às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência, à cultura e à tecnologia, conduzindo ao desenvolvimento permanente de aptidões para a vida produtiva; c) articulação entre teoria e prática, valorizando a pesquisa tecnológica e científica, assim como a prática profissional e o desenvolvimento de práticas de extensão; d) compromisso com a produção e a inovação científico-tecnológica e suas respetivas aplicações no mundo do trabalho; 598 5

e) desenvolvimento de competências profissionais tecnológicas, gerais e específicas, voltadas para a gestão de processos e a produção de bens e serviços; f) promoção da capacidade de aprender continuamente, de acompanhar as mudanças nas condições de trabalho e de prosseguir em cursos de pós-graduação; g) adoção da flexibilidade, da interdisciplinaridade, da contextualização e da atualização permanente dos cursos e dos currículos; h) garantia, por meio da respetiva organização curricular, da identidade profissional e do perfil profissional de conclusão do curso; e i) garantia de uma matriz curricular constituída de elementos da cultura, da historicidade, da política e da ética, tendo em vista o desenvolvimento social e sustentável da sociedade. Os princípios e as características sinalizam para a necessidade de um processo pedagógico que assegure uma formação básica sólida. Procuram garantir espaços amplos e permanentes para problematizar as transformações sociais geradas pelo desenvolvimento tecnológico, pelo conhecimento científico e pelas mudanças no mundo do trabalho. Ademais, essa proposta curricular deve reservar espaço para a discussão de temas que questionem, de forma crítica, o uso da tecnologia e as relações da tecnologia com o processo produtivo, com o ser humano e com a sociedade. Desse modo, visa contribuir para uma formação profissional tecnológica de perspetiva crítica e construtiva, pautada em fundamentos científicos e humanistas. 4.2 Diretrizes estruturantes da matriz curricular dos cursos superiores de tecnologia do IFRN A organização curricular dos cursos de graduação tecnológica do IFRN, tanto na modalidade presencial quanto na modalidade a distância, observa os referenciais legais que norteiam as instituições formadoras e que definem o perfil, a atuação e os requisitos básicos necessários à formação profissional do tecnólogo. Ainda estabelece competências, habilidades, conteúdos curriculares, práticas profissionais, procedimentos de organização e de funcionamento dos cursos. No que se refere à estrutura curricular, considera a organização dos cursos superiores de tecnologia em núcleos que atendam às necessidades formativas do setor produtivo, às definições do perfil de conclusão do curso, às características especiais da graduação tecnológica e às exigências metodológicas de ordem teórica e prática. Desse modo, a matriz curricular dos cursos de graduação tecnológica organiza-se em dois núcleos, o núcleo fundamental e o núcleo científico e tecnológico. O núcleo fundamental compreende conhecimentos científicos imprescindíveis ao desempenho acadêmico dos ingressantes. Contempla, ainda, revisão de conhecimentos da formação geral, objetivando construir base científica para a formação tecnológica. Nesse núcleo, há dois propósitos pedagógicos indispensáveis: o domínio da língua portuguesa e, de acordo com as necessidades do curso, a apropriação dos conceitos científicos básicos. O núcleo científico e tecnológico compreende disciplinas destinadas à caracterização da identidade do profissional tecnólogo. Compõe-se por uma unidade básica (relativa a conhecimentos de formação científica para o ensino superior e de formação tecnológica básica) e por uma unidade tecnológica (relativa à formação tecnológica específica, 599 6

de acordo com a área do curso). Essa última unidade contempla conhecimentos intrínsecos à área do curso, conhecimentos necessários à integração curricular e conhecimentos imprescindíveis à formação específica. A matriz curricular deve ser sistematizada em práticas interdisciplinares e contextualizadas, constituindo-se, assim, em uma proposta de curso que possibilita o atendimento aos perfis profissionais de conclusão. Desse modo, a matriz enseja a formação de uma base de conhecimentos científicos e tecnológicos, mediante práticas interdisciplinares. A partir da aplicação de conhecimentos teórico-práticos específicos de uma área profissional, tais práticas organizam-se em constante sintonia com os processos produtivos de bens e de serviços. No tocante à prática profissional nesses cursos, delimita-se o cumprimento de carga horária mínima de 400 horas, priorizando-se a articulação entre teoria e prática na formação superior. Também são previstas diversas modalidades de realização dessa prática como: desenvolvimento de projetos (projetos técnicos, projetos de extensão e/ou projetos de pesquisa), de estágio curricular supervisionado e de outras atividades acadêmico-científico-culturais. Os projetos de prática profissional e o estágio curricular são desenvolvidos no IFRN, na comunidade externa por meio de projetos sociais e/ou em locais de trabalho. 5 Conclusão Para atender às exigências pedagógicas e ao perfil da graduação tecnológica numa abordagem de formação integral, devem ser proporcionadas situações de aprendizagem que superem o enfoque eminentemente técnico, que ignoram as influências recíprocas entre as trocas sociais e os desenvolvimentos científicos e tecnológicos. As reflexões precisam encaminhar-se por soluções baseadas nos estudos sobre as relações entre ciência, tecnologia e sociedade. Para tanto, as práticas devem ser alicerçadas em métodos ativos e em atividades de pesquisa e de extensão. Trabalho de iniciação científica, projeto interdisciplinar, trabalho em equipe, desenvolvimento de protótipos, monitoria e participação em empresas juniores são exemplos dessas situações de aprendizagem. Em todas elas, devem se desenvolver posturas de cooperação, de comunicação e de iniciativa de docentes e discentes. No tocante aos docentes se faz necessário um processo contínuo de formação voltado para atuação crítica no ensino superior com as metodologias ativas e inovadoras Para isto, é necessário produzir uma mudança na cultura epistemológica sobre a forma como é considerado o conhecimento na área tecnológica. Referências: Bazzo, W. A.; Pereira T.V. L & Linsingen, I. V. (2000). Educação Tecnológica, enfoques para o ensino de engenharia. Florianópolis: Edufsc. Chaui (2003). A universidade pública sob nova perspectiva. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro. Anped, n.24, 1-12. 600 7

Harvey, D. (2010). Condição Pós Moderna. 19.Ed. São Paulo: Loyola. IFRN (2014). Projeto Político-Pedagógico do IFRN: uma construção coletiva. Resolução 38/2012-CONSUP/IFRN, de 26/03/2012. Natal: IFRN Oliveira, M. R. N. S. (2011). Organização curricular da educação profissional. In: R. M. de L Araújo & D. S. Rodrigues (Org.). Filosofia da Práxis e Didática da Educação Profissional. Campinas, SP: Autores Associados. Brasil (2002). Resolução CNE/CP 3/2002. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a organização e o funcionamento dos cursos superiores de tecnologia. Diário Oficial [da] União, Poder Executivo. Brasília, DF., 23 dez. 2002. Brasílía: Conselho Nacional de Educação. 601 8