Boletim do Legislativo nº 6



Documentos relacionados
Desenvolvimento e Meio Ambiente: As Estratégias de Mudanças da Agenda 21

Resumo. O caminho da sustentabilidade

P.42 Programa de Educação Ambiental - PEA Capacitação professores Maio 2013 Módulo SUSTENTABILIDADE

ACORDO-QUADRO SOBRE MEIO AMBIENTE DO MERCOSUL

RIO+20: AVALIAÇÃO PRELIMINAR DE RESULTADOS E PERSPECTIVAS DA CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Tratados internacionais sobre o meio ambiente

Declaração de Pequim adotada pela Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz (1995)

PROTEÇÃO DOS BENS AMBIENTAIS: PELA CRIAÇÃO DE UMA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE (OME). Brasília, 20/04/2012 Sandra Cureau


Plataforma de Cooperação da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) na Área Ambiental

Política de Sustentabilidade das empresas Eletrobras

Os Princípios do IDFC para Promover um Desenvolvimento Sustentável 1

APRESENTAÇÃO. Dois temas centrais foram selecionados para o debate na conferência de 2012:

Termo de Referência nº Antecedentes

POLÍTICAS DE GESTÃO PROCESSO DE SUSTENTABILIDADE

Promover um ambiente de trabalho inclusivo que ofereça igualdade de oportunidades;

ECS -ASSESSORIA E CONSULTORIA TÉCNICA. ISO 14001:2015 Tendências da nova revisão

Contextos da Educação Ambiental frente aos desafios impostos. Núcleo de Educação Ambiental Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro

Para Refletir... De onde vem essa tal Educação Ambiental?

Política de Sustentabilidade das Empresas Eletrobras

CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO CAPÍTULO 30 FORTALECIMENTO DO PAPEL DO COMÉRCIO E DA INDÚSTRIA INTRODUÇÃO

Declaração sobre meio ambiente e desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992)

A CARTA DE BANGKOK PARA A PROMOÇÃO DA SAÚDE EM UM MUNDO GLOBALIZADO

Convenção sobre Diversidade Biológica: O Plano de Ação de São Paulo 2011/2020. São Paulo, 06 de março de GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Ciências Humanas e Suas Tecnologias - Geografia Ensino Médio, 3º Ano Principais Conferências Internacionais sobre o Meio Ambiente

Documento em construção. Declaração de Aichi-Nagoya

Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

BRICS Monitor. Especial RIO+20. Os BRICS rumo à Rio+20: África do Sul. Novembro de 2011

Declaração de Brasília sobre Trabalho Infantil

BR/2001/PI/H/3. Declaração das ONGs Educação para Todos Consulta Internacional de ONGS (CCNGO), Dakar, 25 de Abril de 2000

INSTITUTOS SUPERIORES DE ENSINO DO CENSA PROGRAMA INSTITUCIONAL DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA PROVIC PROGRAMA VOLUNTÁRIO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA

ENCONTRO DE MINISTROS DA AGRICULTURA DAS AMÉRICAS 2011 Semeando inovação para colher prosperidade

VI REUNIÃO DE MINISTROS DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ENSINO SUPERIOR DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA. Maputo, 15 de Abril de 2014

Estratégias e Desenvolvimento Sustentável. Ementa desta Aula. Ao Final desta Aula, Você Deverá ser Capaz de: Histórico de Desenvolvimento

Plano Municipal de Educação

Produção e consumo sustentáveis

Declaração do Capital Natural

Desigualdades em saúde - Mortalidade infantil. Palavras-chave: mortalidade infantil; qualidade de vida; desigualdade.

UNESCO Brasilia Office Representação no Brasil Declaração sobre as Responsabilidades das Gerações Presentes em Relação às Gerações Futuras

Andréa Bolzon Escritório da OIT no Brasil. Salvador, 08 de abril de 2013

O BRASILEIRO E AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS

Termo de Referência nº Antecedentes

A GOVERNANÇA INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: ECOSOC, COMISSÃO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, PNUMA

A ASSOCIAÇÃO DAS NAÇÕES DO SUDESTE ASIÁTICO E SEU AMBIENTE DE NEGÓCIOS

Aliança do Setor Privado para a Redução do Risco de Desastres no Brasil. Escritório das Nações Unidas para a Redução do Risco de Desastres

A preparação do Brasil para a Conferência Rio+20 Sugestões para contribuições

TERMO DE REFERÊNCIA SE-001/2011

PALAVRAS DO GOVERNADOR TASSO JEREISSATI POR OCASIÃO DA ABERTURA DO SEMINÁRIO "LIDERANÇA JOVEM NO SECULO XXI", AOS 07/03/2002 ~j ~/02

DECLARAÇÃO FINAL Quebec, 21 de setembro de 1997

EFIÊNCIA DOS RECURSOS E ESTRATÉGIA ENERGIA E CLIMA

Direitos das Pessoas Idosas e a Implementação da Convenção

A SAÚDE NÃO É NEGOCIÁVEL

SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL

O Marco de Ação de Dakar Educação Para Todos: Atingindo nossos Compromissos Coletivos

Café com Responsabilidade. Sustentabilidade: a competência empresarial do futuro. Vitor Seravalli

Cooperação científica e técnica e o mecanismo de intermediação de informações

Declaração de Santa Cruz de la Sierra


CARTA ABERTA AO BRASIL SOBRE MUDANÇA DO CLIMA 2015

M ERCADO DE C A R. de captação de investimentos para os países em desenvolvimento.

Geografia. Professor: Jonas Rocha

Desenvolvimento Sustentável. Professor: Amison de Santana Silva

DIÁLOGOS PARA A SUPERAÇÃO DA POBREZA

Associação sem fins lucrativos, fundada em 1998, por um grupo de 11 empresários; 1475 associados: empresas de diferentes setores e portes.

Posição da indústria química brasileira em relação ao tema de mudança climática

PROJETO INTEGRADO ESCOLA VERDE: EDUCAÇÃO, SAÚDE E MEIO AMBIENTE. Sustentabilidade e Biodiversidade

EDUCAÇÃO EM SAÚDE AMBIENTAL:

Comunidade de Prática Internacional para apoiar o fortalecimento e liderança da BIREME OPAS/OMS Fortalecimento institucional da BIREME OPAS/OMS

Carta para a Preservação do Patrimônio Arquivístico Digital Preservar para garantir o acesso

Conteúdo Específico do curso de Gestão Ambiental

XVIII REUNIÃO ORDINÁRIA DO CONSELHO DE MINISTROS DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

OS PRINCÍPIOS DO EQUADOR

Planejamento Estratégico do Setor de Florestas Plantadas -2012

Plataforma dos Centros Urbanos

Carta da Terra e Ecopedagogia

IMPORTANTES ÁREAS PARA SUCESSO DE UMA EMPRESA

ISO Estrutura da norma ISO 14001

Nações Unidas A/RES/64/ de março de 2010

PROGRAMAÇÃO DO EVENTO

Instituto Ethos. de Empresas e Responsabilidade Social. Emilio Martos Gerente Executivo de Relacionamento Empresarial

RESENHA. Desenvolvimento Sustentável: dimensões e desafios

O Ambiente: Do Rio + 20 à Situação Nacional. Francisco Nunes Correia

DIRETORIA DE PLANEJAMENTO DIPLA Produtos Fortaleza 2040 Processos Gestão do Plano Fortaleza 2040 Integração de planos setoriais

POLÍTICA DE SUSTENTABILIDADE

05 DE JUNHO DIA MUNDIAL DO MEIO AMBIENTE

VAMOS CUIDAR DO BRASIL COM AS ESCOLAS FORMANDO COM-VIDA CONSTRUINDO AGENDA 21AMBIENTAL NA ESCOLA

A Declaração recomenda prudência na gestão de todas as espécies e recursos naturais e apela a uma nova ética de conservação e salvaguarda.

DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL E AS NOVAS DEMANDAS DE CONSUMO. Belém/ Pará Outubro/ 2010 Luzia Aquime

DECLARAÇÃO DE POLÍTICA DE DIREITOS HUMANOS DA UNILEVER

Projetos acadêmicos Economia verde

LURDINALVA PEDROSA MONTEIRO E DRª. KÁTIA APARECIDA DA SILVA AQUINO. Propor uma abordagem transversal para o ensino de Ciências requer um

Rio+20 Comitê Nacional de Organização Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável Rio de Janeiro, de junho de 2012

GESTÃO AMBIENTAL. Profª: Cristiane M. Zanini

Segurança Alimentar e Nutricional

MBA Gestão Integrada de Resíduos Sólidos

Trabalho, Mudanças Climáticas e as Conferências do Clima: subsídios para as negociações da UGT na COP-21 Resumo Executivo

Conjunto de pessoas que formam a força de trabalho das empresas.

À Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) As organizações brasileiras que subscrevem esse documento manifestam:

Estruturando o modelo de RH: da criação da estratégia de RH ao diagnóstico de sua efetividade

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL 4ª CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO SUB-GRUPO DE TRABALHO DE TRATADOS INTERNACIONAIS

Transcrição:

Boletim do Legislativo nº 6 Estocolmo 72, Rio de Janeiro 92 e Joanesburgo 02 : as três grandes conferências ambientais internacionais Carlos Henrique Rubens Tomé Silva 1 Em junho de 2012, será realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20, que terá como objetivo geral a renovação do compromisso político com o desenvolvimento sustentável, a avaliação do progresso e a identificação de gargalos e novos desafios à implementação das ações previstas nas conferências anteriores. Os trabalhos terão dois focos: (i) a promoção da economia verde, no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza e (ii) a formatação de uma estrutura institucional efetiva e eficiente para o desenvolvimento sustentável em todos os níveis, orientada para a implementação da Agenda 21, o acompanhamento dos resultados das principais cúpulas mundiais sobre desenvolvimento sustentável e a identificação de novos desafios ao desenvolvimento sustentável. Trata se da quarta grande Conferência ambiental da história. Mais que isso, a Rio+20 constitui o ápice até o momento do processo internacional que vem moldando essas cúpulas. Essa evolução pode ser aferida pelas sucessivas alterações na denominação dessas reuniões: Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo (1972), Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro (1992) e Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em Joanesburgo (2002), denominação repetida para a Rio+20. Nesse contexto, parece oportuna uma breve revisão histórica das três Conferências que antecederam a Rio+20. Em 1968, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) convocou uma Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente Humano, realizada quatro anos depois, em Estocolmo, na Suécia. Já nas reuniões preparatórias dessa Conferência, ficou evidente a oposição entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Os primeiros enfatizavam aspectos relativos à poluição (da água, do solo e da atmosfera) derivada da industrialização e demandavam que os países em 1 Consultor Legislativo do Senado Federal para as áreas de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia.

desenvolvimento fornecessem instrumentos adicionais de prevenção dos desequilíbrios ambientais, em âmbito mundial, causados, nas décadas e séculos anteriores, sobretudo por um desenvolvimento industrial desordenado na Europa Ocidental, nos Estados Unidos da América (EUA) e no Japão. Países em desenvolvimento, por outro lado, temiam que políticas preservacionistas eventualmente adotadas pudessem servir de instrumento de interferência nos seus assuntos domésticos, além de dificultarem o desenvolvimento nacional. Na época, alcançou muita repercussão um relatório elaborado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), no bojo do Projeto do Clube de Roma sobre o Dilema da Humanidade. Intitulado Limites do Crescimento, o documento segue nitidamente a linha neomalthusiana do pensamento ecológico. As conclusões do relatório foram, entre os diversos cenários possíveis, bastante pessimistas. O relatório destaca a enorme desigualdade entre os países do Norte (que representam a minoria da população do planeta, consomem a maior parte dos recursos naturais e desfrutam de melhor qualidade de vida) e os do Sul (onde milhões de habitantes sofrem com carências básicas, como a escassez crônica de alimentos). Embora o Clube de Roma tenha sido financiado e tenha recebido apoio de industriais e banqueiros, enfatizou que a produção industrial e a exploração dos recursos naturais precisavam ser revistas e até estagnadas. O ponto principal da proposta foi a defesa do crescimento zero, o que impossibilitava o desenvolvimento dos países mais pobres. A Conferência de Estocolmo 72 teve como ponto marcante a contestação das propostas do Clube de Roma sobre o crescimento zero para os países em desenvolvimento. Na Conferência, o Brasil atuou na liderança dos países em desenvolvimento contrários à limitação de crescimento supostamente pretendida pelas nações mais ricas. Como resultados importantes da Conferência, podemos citar: (i) a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, com 26 princípios, além de um preâmbulo de sete pontos; (ii) um plano de ação para o meio ambiente, com 109 recomendações subdivididas em três grandes linhas de ação; (iii) uma resolução sobre aspectos financeiros e organizacionais no âmbito da Organização das Nações Unidas; (iv) a criação do Programa das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (PNUMA). No período entre as duas grandes conferências mundiais sobre ambiente humano (Estocolmo 72) e sobre meio ambiente e desenvolvimento (Rio 92), foi editada parte substancial dos atos normativos internacionais multilaterais vigentes atualmente. A elaboração de legislações ambientais nacionais foi impulsionada por organizações regionais de integração econômica, para solucionar problemas de custos da adoção de medidas preservacionistas por parte dos Estados e o conseqüente aumento dos preços finais das mercadorias colocadas no comércio, com risco de seus produtos tornarem se menos competitivos no mercado regional e internacional.

Entre 1972 e 1992, as organizações não governamentais assumiram posição de importantes atores internacionais na proteção do meio ambiente, ao promoverem atividades de conscientização da opinião pública e mobilizações contra políticas ou atos dos Estados, entre outras ações de defesa do meio ambiente. Nesse período, ocorreram catástrofes ambientais com efeitos internacionais, como os desastres de Bophal, em 1984, na Índia, e de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia. As soluções reparatórias dadas a esses eventos não contribuiriam para apaziguar opinião pública mais consciente e temerosa dos perigos que rondam a sociedade moderna, seu meio ambiente doméstico e, em virtude da inexistência de limites entre este e o meio ambiente internacional, dos riscos ambientais internacionais e das ameaças à própria espécie humana. A Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD), criada pela Conferência de Estocolmo 72, elaborou o Relatório Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland), em 1987, em que foi cunhado o conceito de desenvolvimento sustentável, como aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras para atenderem também às suas. Para a Comissão, no mínimo, o desenvolvimento sustentável não deve pôr em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. Além disso, afirma o relatório, o desenvolvimento sustentável é, em essência, um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas. Após Estocolmo 72, a mais importante reunião sobre o tema denominou se Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) e ocorreu no Rio de Janeiro, em 1992. A Rio 92 (ou Eco 92), como ficou conhecida a reunião, foi a grande marca da internacionalização definitiva da proteção ambiental e das questões ligadas ao desenvolvimento, criando elementos importantes como a Agenda 21 e o Fundo Global para o Meio Ambiente, do Banco Mundial. Convocada em 1989 e realizada após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, a Conferência Rio 92 propiciou uma oportunidade para que aflorassem as disparidades Norte Sul, uma vez enfraquecida sobremaneira a bipolaridade Leste Oeste. Dentre outros resultados da Rio 92, merecem destaque: (i) a adoção de duas convenções multilaterais Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e Convenção sobre a Diversidade Biológica; e (ii) a subscrição de documentos de fixação de grandes princípios normativos e/ou de linhas políticas a serem adotadas pelos governos Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21 e Declaração de Princípios sobre Florestas. Merece destaque a incorporação à

Declaração do Rio do conceito de desenvolvimento sustentável, forjado pelo Relatório Brundtland. A década que separa as conferências mundiais sobre meio ambiente e desenvolvimento (Rio 92) e sobre desenvolvimento sustentável (Joanesburgo 02) foi marcada por intenso crescimento econômico, impulsionado por circunstâncias políticas (o fim da Guerra Fria e a decisão da China de, progressivamente, integrar dimensões capitalistas ao seu modelo), por avanços tecnológicos (que permitiram grandes saltos setoriais, como nas comunicações) e pelo vertiginoso aumento do fluxo de transações comerciais e financeiras. Esse processo de globalização fortaleceu, em todo o mundo, a busca pelos padrões de vida ocidentais. O desenvolvimento associado à globalização, no entanto, não segue os preceitos do desenvolvimento sustentável. A globalização parece pender mais para o modelo de capitalismo selvagem do que para conceito mais humanista de desenvolvimento sustentável, negociado no âmbito da ONU e centrado numa proposta de equilíbrio entre três aspectos: viabilidade econômica, justiça social e sustentabilidade ambiental. Embora a globalização promova valores importantes, como a democracia e o combate à corrupção, ela é resultado de processos negociadores diferentes, dirigidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), pelo Banco Mundial (BIRD) e pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Por outro lado, os atentados de 11 de setembro de 2001 provocaram uma mudança radical das prioridades da agenda política internacional. Esse deslocamento não favorecia o debate sobre o desenvolvimento sustentável. Apesar dos múltiplos elementos que relacionam segurança e desenvolvimento sustentável, com efeitos de médio e longo prazo, o momento político tinha como prioridade o curto prazo. Naquele contexto político, a Conferência de Joanesburgo era vista pelos EUA como uma distração, uma perda de tempo diante de tantas questões urgentes na agenda internacional. A Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em Joanesburgo em 2002, foi convocada pela ONU com o objetivo de promover uma revisão decenal do progresso alcançado na implementação dos resultados da Rio 92. O consenso político obtido dez anos antes em torno do conceito de desenvolvimento sustentável parecia haver criado uma sólida base para a colocação em prática das recomendações da Agenda 21. Verificavam se avanços nas áreas de conhecimento científico, progresso tecnológico e envolvimento do setor privado. Além disso, na maioria dos países, fortalecia se a legislação ambiental e crescia a informação e a participação da sociedade civil.

No entanto, diante das expectativas em torno da reunião, o Secretário Geral das Nações Unidas reconheceu, um mês antes da Conferência, que o período entre a Rio 92 e Joanesburgo 02 testemunhou um progresso lento e o aprofundamento da crise ambiental. Apesar do enriquecimento do arcabouço jurídico negociado no âmbito da ONU, com conseqüências diretas ou indiretas sobre o desenvolvimento sustentável, a dificuldade de implementação dos compromissos era inegável. O sistema multilateral, que parecia ter saído fortalecido no Rio, tornara se referência de insucesso pela falta de resultados. O processo preparatório da Cúpula de Joanesburgo foi, desde o início, menos ambicioso que o do Rio: não havia processos de negociação para Convenções a serem assinadas na Conferência, nem se pretendia elaborar um documento da complexidade e abrangência da Agenda 21. O desafio do processo preparatório era progredir onde, no Rio, se havia verificado impasse ou não se lograra cumprimento, e encontrar caminhos realistas para que o acordado no Rio fosse implementado. Ante os diversos impasses verificados às vésperas da Conferência, a África do Sul, sede da reunião, manejou com habilidade a mudança do foco da Cúpula para o tema do combate à pobreza. O foco sobre a pobreza era bem visto pelos países desenvolvidos, que, ao fortalecê lo, podiam satisfazer importantes setores da sociedade civil de seus países que queriam ver atitudes que demonstrassem algum progresso na mitigação dos impactos negativos da globalização. Contudo, mesmo trinta anos após a Conferência de Estocolmo, a relação entre pobreza e meio ambiente continuava a ser interpretada de maneiras diferentes por países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para estes, o combate à pobreza é o principal caminho, ou condição essencial, para o desenvolvimento sustentável. Por outro lado, se em 1972 os países desenvolvidos acreditavam que a diminuição da poluição passa pela diminuição da população pobre, via controle de natalidade (e não via desenvolvimento), em 2002 sua interpretação era de que os principais problemas do meio ambiente estão ligados à pobreza e, portanto, aos países em desenvolvimento. Diante de um quadro de insatisfação com os resultados das iniciativas multilaterais, a Cúpula de Joanesburgo enfatizou projetos que independem de entendimentos entre governos e que estimulam a relação direta entre governos locais, comunidades, entidades e empresas ou ONGs. Alguns países interpretaram esse fato como uma forma de privatizar as Nações Unidas, diminuindo a intervenção governamental e dando à iniciativa privada, às ONGs, enfim, à sociedade civil a capacidade de efetivamente acelerar os avanços na área ambiental. Isso demonstra, porém, a crescente aceitação, por parte significativa de ONGs, das forças de mercado como aliado da proteção ao meio ambiente. Essa perspectiva revelou se essencial nos

países desenvolvidos, onde se começou a reconhecer os limites do sistema de comando e controle. Os mais significativos resultados da Cúpula de Joanesburgo incluem a fixação ou a reafirmação de metas para a erradicação da pobreza, água e saneamento, saúde, produtos químicos perigosos, pesca e biodiversidade; a inclusão de dois temas de difícil progresso em inúmeras negociações anteriores (energias renováveis e responsabilidade corporativa); a decisão política de criação de fundo mundial de solidariedade para erradicação da pobreza; e o fortalecimento do conceito de parcerias entre diferentes atores sociais para a dinamização e eficiência de projetos. As maiores vitórias, para os grandes grupos negociadores, também foram contabilizadas pelo que conseguiram impedir que fosse aprovado na Cúpula. As críticas à reunião foram infinitamente mais numerosas do que as menções às suas conquistas. Os resultados demonstraram, no entanto, que persiste considerável consistência no tratamento das questões ligadas ao meio ambiente, e não se pode minimizar a importância da manutenção da continuidade do caminho traçado no Rio, apesar dos obstáculos econômicos e políticos da década que separa as duas Conferências. Essa experiência histórica deve orientar o planejamento, a condução e a avaliação dos trabalhos da Rio+20. É importante perceber que a temática das Conferências há muito tempo deixou de limitar se à preservação ambiental. O enfoque atual, que foi moldado ao longo do tempo, diz respeito a estratégias de desenvolvimento, que devem, necessariamente, contemplar as dimensões econômica, social e ambiental, sob pena de não poderem ser consideradas desenvolvimento. Referência Bibliográfica LAGO, A. A. C. do (2007). Estocolmo, Rio, Joanesburgo O Brasil e as Três Conferências Ambientais das Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco; Fundação Alexandre de Gusmão, 2007 (276 p.). Julho/2011