Revista Linguasagem 15 Edição / www.letras.ufscar.br/linguasagem



Documentos relacionados
A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE PEDAGOGIA DA FESURV - UNIVERSIDADE DE RIO VERDE

RELAÇÕES INTERDISCIPLINARES ENTRE EDUCAÇÃO E SUSTENTABILIDADE

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE DE LICENCIANDOS EM MATEMÁTICA

O Determinismo na Educação hoje Lino de Macedo

O céu. Aquela semana tinha sido uma trabalheira!

SIGNIFICADOS ATRIBUÍDOS ÀS AÇÕES DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DO RECIFE/PE

Disciplina: Alfabetização

SENSO COMUM X CIÊNCIA: O AVANÇO DO CONHECIMENTO AO LONGO DA HISTÓRIA. Palavras chave: Conhecimento, Ciência, Senso Comum, Pesquisa Científica.

Denise Fernandes CARETTA Prefeitura Municipal de Taubaté Denise RAMOS Colégio COTET

CÓDIGO CRÉDITOS PERÍODO PRÉ-REQUISITO TURMA ANO INTRODUÇÃO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO DEPARTAMENTO DE LETRAS

A CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTOS PERTINENTES NA EDUCAÇÃO ESCOLAR

TENDÊNCIAS RECENTES DOS ESTUDOS E DAS PRÁTICAS CURRICULARES

A origem dos filósofos e suas filosofias

Apresentação. Cultura, Poder e Decisão na Empresa Familiar no Brasil

O REAL DO DISCURSO NA REPRESENTAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA NA ESCRITA DA CIÊNCIA DAS CIÊNCIAS SOCIAIS.

Filosofia O que é? Para que serve?

ELABORAÇÃO DO PROJETO DE PESQUISA: TEMA, PROBLEMATIZAÇÃO, OBJETIVOS, JUSTIFICATIVA E REFERENCIAL TEÓRICO

O DOGMATISMO VINCULADO ÀS DROGAS RESUMO

Disciplina Corpo Humano e Saúde: Uma Visão Integrada - Módulo 3

PROFESSOR PEDAGOGO. ( ) Pedagogia Histórico-Crítica. ( ) Pedagogia Tecnicista. ( ) Pedagogia Tradicional. ( ) Pedagogia Nova.

ITINERÁRIOS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO E A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA

CARTA ABERTA EM DEFESA DO PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA

ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NUMA ESCOLA DO CAMPO

Titulo: DILEMAS ENCONTRADOS POR PROFESSORES DE QUÍMICA NA EDUCAÇÃO DOS DEFICIENTES VISUAIS.

III SEMINÁRIO EM PROL DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Desafios Educacionais

CAPÍTULO 15 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A Busca pela Construção do Conhecimento e a Transformação das Realidades

Filosofia - Introdução à Reflexão Filosófica

Programa de Pós-Graduação em Educação

1ª. Apostila de Filosofia O que é Filosofia? Para que a Filosofia? A atitude filosófica. Apresentação

A EDUCAÇÃO PARA A EMANCIPAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: UM DIÁLOGO NAS VOZES DE ADORNO, KANT E MÉSZÁROS

O TEMPO NO ABRIGO: PRESERVAÇÃO DA HISTÓRIA, GARANTIA DE SINGULARIDADE

UNIDADE I OS PRIMEIROS PASSOS PARA O SURGIMENTO DO PENSAMENTO FILOSÓFICO.

Conteúdo Básico Comum (CBC) de FILOSOFIA do Ensino Médio Exames Supletivos/2015

O professor que ensina matemática no 5º ano do Ensino Fundamental e a organização do ensino

Gestão por Competências

1. Investigação Filosófica construir o sentido da experiência

VI Seminário de Pós-Graduação em Filosofia da UFSCar 20 a 24 de setembro de 2010

O ESTUDO DE CIÊNCIAS NATURAIS ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA RESUMO

Consumidor e produtor devem estar

INTERDISCIPLINARIDADE NO ENSINO SUPERIOR: PESQUISA-AÇÃO INTEGRAL NO CURSO BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL A DISTÂNCIA

FAZEMOS MONOGRAFIA PARA TODO BRASIL, QUALQUER TEMA! ENTRE EM CONTATO CONOSCO!

USO DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PRESENCIAL E A DISTÂNCIA

O vídeo nos processos de ensino e aprendizagem

FILOSOFIA SEM FILÓSOFOS: ANÁLISE DE CONCEITOS COMO MÉTODO E CONTEÚDO PARA O ENSINO MÉDIO 1. Introdução. Daniel+Durante+Pereira+Alves+

Marxismo e Ideologia

5 Considerações finais

JOGOS NAS AULAS DE HISTÓRIA ATRAVÉS DO PIBID: UMA POSSIBILIDADE DE CONSTRUÇÃO DE CONHECIMENTO E DE INTERAÇÃO

LICENCIATURA E ENSINO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS: UM ESTUDO INVESTIGATIVO SOBRE O CURSO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES.

Daniele Renata da Silva. Maurício Carlos da Silva

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA À DISTÂNCIA SILVA, Diva Souza UNIVALE GT-19: Educação Matemática

O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO BUSCA DE UMA POSTURA METODOLÓGICA REFLEXIVA E INVESTIGADORA E A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONAL DO FUTURO DOCENTE

Construtivismo. UNICURITIBA Curso de Relações Internacionais Teoria das Relações Internacionais II Professor Rafael Reis

PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO POT

SEGUNDO S E T Ê N I O

I OS GRANDES SISTEMAS METAFÍSICOS

Profa. Ma. Adriana Rosa

A QUESTÃO DO CONHECIMENTO NA MODERNIDADE

Mito, Razão e Jornalismo 1. Érica Medeiros FERREIRA 2 Dimas A. KÜNSCH 3 Faculdade Cásper Líbero, São Paulo, SP

Subtítulo: O uso das ciências naturais na percepção das substâncias e processos envolvidos em uma alimentação saudável por crianças.

A ORALIZAÇÃO COMO MANIFESTAÇÃO LITERÁRIA EM SALA DE AULA

O QUE OS ALUNOS DIZEM SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: VOZES E VISÕES

TEMAS AMBIENTAIS NA INTERNET

A escola para todos: uma reflexão necessária

RELATÓRIO MESA REVOLVER DESIGN (PESQUISA)

Esta é uma história sobre 4 (quatro) pessoas: TODO MUNDO, ALGUÉM, QUALQUER UM e NINGUÉM.

Estruturando o Pré Projeto

ATÉ QUANDO ESPERAR: DESLIZAMENTOS DE SENTIDOS ENTRE O RELIGIOSO E O DISCURSO CAPITALISTA

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

A Alienação (Karl Marx)

OS DESAFIOS DE ENSINAR A CLIMATOLOGIA NAS ESCOLAS

A INFORMÁTICA E O ENSINO DA MATEMÁTICA

O USO DAS TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS COMO FERRAMENTA DIDÁTICA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

RESENHA resenha resumo resenha crítica Título: Identificação do resenhista: Referência: Dados sobre o(s) autor(es): Dados sobre a obra: Apreciação:

Autor(es) PAULA CRISTINA MARSON. Co-Autor(es) FERNANDA TORQUETTI WINGETER LIMA THAIS MELEGA TOMÉ. Orientador(es) LEDA R.

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

compreensão ampla do texto, o que se faz necessário para o desenvolvimento das habilidades para as quais essa prática apresentou poder explicativo.

ANTROPOLOGIA FILOSÓFICA DE EDITH STEIN. Prof. Helder Salvador

Orientadora: Profª Drª Telma Ferraz Leal. 1 Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE.

FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES 1

BROCANELLI, Cláudio Roberto. Matthew Lipman: educação para o pensar filosófico na infância. Petrópolis: Vozes, RESENHA

O ESTUDO DE AÇÕES DE RESPONSABILIDADE SOCIAL EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR MUNICIPAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

INTERPRETANDO A GEOMETRIA DE RODAS DE UM CARRO: UMA EXPERIÊNCIA COM MODELAGEM MATEMÁTICA


DITADURA, EDUCAÇÃO E DISCIPLINA: REFLEXÕES SOBRE O LIVRO DIDÁTICO DE EDUCAÇÃO MORAL E CÍVICA

MANUAL DE TRABALHO INTERDISCIPLINAR TI - INTEGRADOR FAN CEUNSP

Fundamentos para uma prática pedagógica: convite de casamento

PRAZER NA LEITURA: UMA QUESTÃO DE APRESENTAÇÃO / DESPERTANDO O PRAZER NA LEITURA EM JOVENS DO ENSINO MÉDIO

SUPERVISOR DARLAN B. OLIVEIRA

UNIDADE III Análise Teórico-Prática: Projeto-intervenção

Módulo 14 Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas Treinamento é investimento

PROJETO DE PESQUISA: INDICAÇÕES PARA SUA ELABORAÇÃO

OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO NA GESTÃO DEMOCRÁTICA DO ENSINO PÚBLICO PÓS LDB 9394/96: COLEGIADO ESCOLAR E PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

Estratégias adotadas pelas empresas para motivar seus funcionários e suas conseqüências no ambiente produtivo

O LÚDICO COMO INSTRUMENTO TRANSFORMADOR NO ENSINO DE CIÊNCIAS PARA OS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA.

Educação transdisciplinar para pesquisadores: o ensino de interfaces.

Considerações acerca da transferência em Lacan

Transcrição:

Revista Linguasagem 15 Edição / www.letras.ufscar.br/linguasagem A FRAGMENTAÇÃO E O REDUCIONISMO DO SABER: A DESESTRUTURAÇÃO DO CIENTISTA CRÍTICO E REFLEXIVO Lafity dos Santos Silva 1 Como definirmos o Conhecimento científico? Ao fazermos ciência, qual caminho devemos trilhar, o caminho que busca cada vez mais uma super-especialização ou um caminho em que o conhecimento interdisciplinar e mais generalizado deve ser priorizado? questionamentos que discutiremos. É em torno desses Discussões teóricas Possenti (2004) afirma que geralmente há duas formas básicas de analisar a história do conhecimento, seja este geral ou de um campo mais específico. Segundo o autor, a tradição mais poderosa produz uma representação de conhecimento cumulativo e progressivo, assim (...) Haveria uma progressiva sofisticação das teorias, fruto de um progresso da razão, de uma correspondente sofisticação das técnicas e dos instrumentos, e esta conjunção faria o conhecimento avançar..., para um certo fim,... (p.355), mas tal progresso do conhecimento é, segundo Possenti, limitado, por conceber que a ciência atinge seu limiar, i.é, que não há mais nada a se descobrir. A outra forma de se conceber tal problemática, segundo o autor, é o processo de ruptura. Tal processo considera que o conhecimento não se produz de modo cumulativo, mas... por saltos e mudanças em relação às etapas anteriores (p.355), nessa perspectiva, as novas teorias representam, na visão de Possenti, um abandono de teorias anteriores, ou por estarem esgotadas ou por novas problemáticas ou vontades de verdade tomarem seu lugar, i.é, trata-se, segundo Possenti, de um outro olhar sobre a história. Ruptura significa para esse autor uma maneira de instaurar uma nova problemática, esta é a condição necessária tanto da cientificidade quanto da implementação de uma nova teoria. Ademais, não podemos deixar de mencionar aqui a diferença existente entre o conhecimento baseado em crenças, de um modo geral, visto como aquilo que tomamos como verdade e que adquirimos em nossas experiências do dia-a-dia, e o conhecimento científico, visto como algo mais palpável, analisado, que se desenvolve através da técnica, da observação, da certeza. 1 Bolsista Capes. Mestranda na área de Estudos de Linguagem pela UFPI. Integrante do grupo de pesquisa Cataphora. E-mail: lacf2806@gmail.com

Chauí (2000) traça diferenças entre o Senso Comum e a Ciência, um dos questionamentos que introduz o capítulo 1 da unidade 7 intitulado como Atitude científica feitos pela autora é: O Sol é menor do que a Terra. Quem duvidará disso se, diariamente, vemos um pequeno círculo avermelhado percorrer o céu, indo de leste para oeste?. Porém, segundo Chauí (2000), a astronomia, com um caráter totalmente científico, demonstra que o sol é maior do que a terra e é a terra que se move ao redor do sol, ao contrário do que pensa o senso comum. Chauí (2000) mostra ainda algumas características do senso comum, tais como: a subjetividade (que exprime sentimentos e opiniões individuais e de grupos, variando de uma pessoa para outra, ou de um grupo para outro, dependendo das condições em que vivemos), o caráter qualitativo (as coisas são julgadas por nós como grandes ou pequenas, doces ou azedas, assim sucessivamente), caráter heterogêneo (referem-se a fatos que julgamos diferentes, porque os percebemos como diversos entre si) a individualização (são individualizadores por serem qualitativos e heterogêneos, isto é, cada coisa ou cada fato nos aparece como um indivíduo ou como um ser autônomo) e a generalização (tendem a reunir numa só opinião ou numa só idéia coisas e fatos julgados semelhantes). O que diferencia a atitude científica do senso comum, segundo Chauí (2000), é o fato de a Ciência desconfiar de algo que é visto por parte da sociedade como verídico, o que caracteriza nossa falta de curiosidade, bem como a ausência científica. Então, conforme Chauí (2000), onde costumamos ver fatos, a Ciência ver problemas e obstáculos. Mostra também algumas características particulares do cientificismo, quais sejam: a ciência é objetiva e quantitativa, i.é, procura as estruturas universais e necessárias das coisas investigadas, além do mais, trabalha com padrões de critérios e avaliação. Assim, segundo a autora, os fatos são construídos não pela experiência cotidiana, não por tradições cristalizadas, mas pelo trabalho da investigação científica, i.é, pela investigação metódica e sistemática, pelo trabalho racional e coerente sobre a realidade. A nosso ver, o que é marcante nesse capítulo escrito por Chauí (2000), é a convicção que costumamos ter diante das coisas, tornando-a fato, é a nossa maneira de fazer ciência através de observações rotineiras vivenciadas, sem ao menos nos perguntarmos o por que dos fenômenos que acontecem. Por outro lado, o fazer científico torna-se algo crucial em nossas vidas, pois procura-se buscar respostas para as muitas indagações existentes, mas as respostas encontradas passam por comprovações através de uma investigação científica. O Fazer ciência envolve conhecimento, e tal conhecimento é algo que caminha mais e mais para um estado de fragmentação, i.é, as diversas áreas do conhecimento tem seguido um viés cada vez mais específico, por exemplo, a Linguística tem várias subdivisões, dentre elas, a Linguística de texto, a Linguística da enunciação, a Sociolingüística, a Pragmática,..., mas mesmo dentro dessas áreas específicas há categorias de análise escolhidas por um pesquisador para tornar-se um hiper-especialista, assim categorias referenciais como a anáfora, catáfora, categorização, recategoriação, nomes próprios, descrições definidas e indefinidas, assim sucessivamente, fazem parte da vida de diferentes estudiosos da linguagem. Dessa forma, não somos mais especialistas em linguística de texto de um modo geral, mas sim, hiper-especialista em nomes próprios ou em anáfora ou em categorização.... A problemática que envolve a superespecialização é trabalhado por Morin (2006, p.15), vejamos:

Os desenvolvimentos disciplinares das ciências não só trouxeram as vantagens da divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da super - especialização, do confinamento e do despedaçamento do saber. Não só produziram o conhecimento e a elucidação, mas também a ignorância e a cegueira. Segundo Morin (2006), esse despedaçamento do saber promove a dispersão do conhecimento, do saber, tendo em vista que os especialistas não conseguem sequer dominar assuntos atuais referentes à sua área. Então contextualizar-se diante do grande número de informações acrescidas dia-a-dia constitui-se um desafio para os profissionais ligados às inúmeras áreas do conhecimento, nas palavras de Morin (2006) Cada vez mais, a gigantesca proliferação de conhecimento escapa ao controle humano (p.17), corroborando as consequências trazidas pela super-especialização. Ainda, segundo Morin (2006), a globalidade pressupõe a compreensão das partes e do todo e do todo e das partes em um processo cíclico, interdependente e interativo, dito de outro modo, a especialização torna-se importante quando aliada também ao todo, i.é, a integralização de conhecimentos é vista como algo essencial. Assim, essa capacidade de pensar na complexidade de contextualizar e integrar um fato se opõe aos conhecimentos fragmentados que servem somente para usos técnicos. Tal problemática do conhecimento científico tratada por Morin (2006) dá-se também na concepção de Méis (2006), sobretudo quando este trata do processo de institucionalização da ciência, tal institucionalização implica um ciclo que a cada dia tem um aumento significativo de trabalhos de cientistas publicados. Contudo, sabemos que um mesmo fenômeno pode ser abordado de múltiplas maneiras, autores como, por exemplo, Morin e Méis criticam a divisão de saberes, consideram que tal fragmentação impossibilita a percepção de problemas que só podem ser visto quando posicionado no todo, no contexto. Para Morin (2006), a superespecialização acarreta ignorância e cegueira, impedindo a contextualização de modo conjuntural. Méis (2006) atribui a superespecialização como conseqüência da dificuldade em lidar com a grande quantidade de informações e a linguagem cada vez mais específica, impede o acesso de uma área do saber a outra, por exemplo, um biólogo não permite ao cientista das exatas apropriar-se de conhecimento que poderia ser compartilhado de forma totalizada para a sociedade, utilizado cada vez mais uma linguagem mais específica, implicando numa não clareza. Afirma ainda Méis que no início da revolução científica, o conhecimento enciclopédico era muito maior do que o disponível na Grécia Antiga, mas o volume de informações científicas que havia registrado era pequeno, dessa forma, professores dos séculos XVIII e XIX eram capazes de ensinar diferentes áreas do conhecimento com uma visão multidisciplinar, por isso muitos dos homens cultos detinham ao mesmo tempo, por exemplo, conhecimento de Química, Matemática, Biologia. Nos dias atuais, segundo Méis (2006), o número de publicações e de revistas científicas aumentou significativamente, o que impossibilita o nosso conhecimento multidisciplinar e possibilita um ambiente mais propício para uma superespecialização.

A concepção de Santos (2003) de que todo o conhecimento é local e total guarda semelhanças com o que Morin (2006) e Méis (2006) argumentam sobre a superespecialização. Pois Santos (2003) afirma que na ciência moderna o conhecimento avança pela especialização (p.73), i.é, o saber é fragmentado, é segregado, sai de um âmbito de conhecimento generalizado para um mais específico. Tal parcelização do conhecimento faz, segundo Santos, do cientista um ignorante especializado, o que implicará em efeitos negativos visíveis para a ciência e para a sociedade. Ainda segundo Santos (2003): Os males desta parcelização do conhecimento e do reducionismo arbitrário que transporta consigo são hoje reconhecidos, mas as medidas propostas para os corrigir acabam em geral por reproduzir sob outra forma. (p.75) Para Santos (2003), as novas disciplinas criadas na tentativa de se resolver problemas produzidos pelas antigas disciplinas reproduz o mesmo modelo de cientificidade, não gerando nada novo. Ou seja, permanece, quando se trata do conhecimento: o reducionismo e a parcialização. Ao lermos o texto de Calvino (1994) que se intitula Palomar na praia, depreende-se que a visão de Palomar constitui-se tal qual o olhar de um pesquisador ligado a objetivos precisos, bem como limitados, algo que se assemelha ao que Morin (2006), Méis (2006) e Santos (2003) concebem de superespecialização. Considerações finais Sabe-se que é importante estudar os objetos de forma a delimitá-lo dentro de uma área do saber, no entanto, é preciso que a integralização com outras áreas do conhecimento não seja descartada, possibilitando um estudo de problemas essenciais dentro de um campo global, i.é, que envolve a situação contextual. Temos convicção de que tornou-se um desafio para nós nos contextualizar diante do leque de informações que nos são postas todos os dias e de que deve ser uma necessidade de todo e qualquer profissional aprender novos saberes e habilidades. Entendese aqui que um profissional independente de sua área deve ser um profissional reflexivo e crítico. Referências bibliográficas CALVINO, Ítalo. Palomar. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000. MÉIS, Leopoldo de. Método científico e ensino de ciências. Fonte: www.tvebrasil.com.br/salto (série 2006)

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. POSSENTI, Sírio. Teoria do discurso: Um caso de múltiplas rupturas. In: MUSSALIM, F. & BENTES, Ana C. (Orgs). Introdução à Lingüística: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2002. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, 2003. Recebido em: 20 de setembro de 2010. Aceito em: 5 de outubro de 2010.