Serviço e Disciplina de Clínica Médica Sessão Clínica- 25/05/2015 Auditório Honor de Lemos Sobral- Hospital Escola Álvaro Alvim Orientadora: Prof a. Dr a Valeska Mansur Relatora: Dr a Lorena Pereira Braga Debatedora: Dr a Ana Carolina Xavier Milagre
Caso clínico Identificação: 36 anos, sexo masculino, casado, natural de Juiz de Fora, comerciante. Queixa principal: perda de peso. HDA: paciente refere perda de aproximadamente 14kg acompanhada de anorexia há 02 anos. Afirma ansiedade e agitação psicomotora de longa data. Insônia, nictúria, polidipsia, constipação intestinal e tremores de extremidades há 01 ano. Começou a praticar atividade física há alguns meses e relata melhora branda da anorexia. Nega febre e outros sintomas associados. Doenças associadas: ø Medicamentos: ø Etilismo: ø Tabagismo ø Faz uso irregular de Cannabis Cirurgias e internações prévias: Ø História social: boas condições de moradia, bom nível sócio-econômico. História familiar : nada digno de nota.
Caso clínico - Exame físico: Ao exame: Bom estado geral, hidratado, normocorado, acianótico e anictérico. Mãos quentes e úmidas apresentando eritema palmar e tremor de extremidades. ACV: RCR 2t BNF sem sopros PA: 120x80 mmhg FC: 100 bpm AR: MV audível bilateralmente sem RA FR: 20 ipm Abdome: Flácido e depressível, indolor a palpação superficial e profunda. Peristalse audível. Traube timpânico (livre). Ausência de visceromegalias. MMII: sem edema, panturrilhas livres, pulsos palpáveis Tireóide: elástica, móvel, indolor ã palpação e discretamente aumentada de volume. IMC: 19,8kg/m2.
Exames laboratoriais da admissão Admissão Valores Normais Ht/Hb 40,9/ 14,2 39-43% / 12-16g/dL VCM 82 80 a 100 fl Leucócitos 4060 4000-9000/mm 3 Plaquetas 190.000 150.000-450.000/mm 3 Glicose 77 Até 99 mg/dl Ur 30 Até 40 mg/dl Cr 0,8 Até 1,4 mg/dl Na + 135 135-145 meq /L K + 4,0 3.5 a 5.5 meq /L VHS 5,0 Até 15 mm/h Colesterol Total 133 <200 mg/dl Triglicerídeos 64 <150 mg/dl HDL 49 Desejável> 60 mg/dl TSH 0,01 0,45 4,5 mui/l TGO 1810 12-38 U/L TGP 431 7-41 U/
Hipóteses diagnósticas / conduta
Homem, 36 anos, com queixa de perda de peso Ansiedade, agitação psicomotora, insônia Nictúria, polidipsia Constipação intestinal Tremores de extremidades Mãos quentes e úmidas, eritema palmar Tireoide elástica, móvel, indolor à palpação e com aumento discreto de volume.
Exames iniciais Admissão Valores Normais Ht/Hb 40,9/ 14,2 39-43% / 12-16g/dL VCM 82 80 a 100 fl Leucócitos 4060 4000-9000/mm 3 Plaquetas 190.000 150.000-450.000/mm 3 Glicose 77 Até 99 mg/dl Ur 30 Até 40 mg/dl Cr 0,8 Até 1,4 mg/dl Na + 135 135-145 meq /L K + 4,0 3.5 a 5.5 meq /L VHS 5,0 Até 15 mm/h Colesterol Total 133 <200 mg/dl Triglicerídeos 64 <150 mg/dl HDL 49 Desejável> 60 mg/dl TSH 0,01 0,45 4,5 mui/l TGO 1810 12-38 U/L TGP 431 7-41 U/ TSH baixo Alteração de transaminases, com elevação maior de TGO (relação TGO/TGP >2:1)
Possíveis etiologias Tireotoxicose sem hipertireoidismo Tireotoxicose Tireotoxicose com hipertireoidismo Hipertireoidismo: refere-se ao aumento da síntese e liberação dos hormônios tireoidianos pela tireoide. Tireotoxicose: refere-se à síndrome clínica decorrente do excesso de hormônios tireoidianos circulantes, secundário a hiperfunção da tireoide ou não.
Possíveis etiologias 1ª hipótese: Doença de Graves Doença autoimune da tireoide relacionada à produção de anticorpos capazes de ativar o receptor de TSH, caracterizada por hipertireoidismo, oftalmopatia e dermopatia. A favor: É a principal causa de tireotoxicose (60-80%); Manifestações clínicas de tireotoxicose; Liberação lenta de hormônios para circulação duração prolongada dos sintomas; Disfunção hepática elevação de TGO e fosfatase alcalina; Associação com outras afecções autoimunes como a hepatite autoimune o que justificaria também o aumento de transaminases e fosfatase alcalina Contra: Afeta principalmente mulheres (9:1); Ausência de sinais específicos: Bócio difuso, oftalmopatia (olhar fixo, proptose, oculopatia congestiva lacrimejamento fácil, fotofobia e diplopia) e dermopatia infiltrativa (mixedema pré-tibial lesões elevadas, aspecto de placas de casca de laranja).
Possíveis etiologias 2ª hipótese: Tireotoxicose factícia Autoadministração de hormônio presentes em fórmulas anabolizantes ou casos de uso acidental pela contaminação de alimentos ou por erro farmacêutico. A favor: Manifestações clínicas de tireotoxicose; Ausência de bócio e oftalmopatia; Lesão hepática com aumento de transaminases decorrente da própria tireotoxicose e da ação tóxica de hormônios esteróides presentes nessas formulações; Contra: Não há relato na história clínica do paciente sobre o uso de tais substâncias.
Possíveis etiologias 3ª hipótese: Bócio Multinodular Tóxico Formação de múltiplos nódulos de tamanhos variados que são responsáveis pelo crescimento da glândula A favor: Manifestações clínicas de tireotoxicose; O TSH sempre está suprimido; História clínica crônica, > 3 meses; Ausência de oftalmopatia. Contra: O discreto aumento de volume da glândula ao exame físico do paciente.
1) Investigação ambulatorial; 2) Exames laboratoriais: T4 livre e T3 livre; Condução do caso Anticorpos antiperoxidase (Anti TPO) e antirreceptor de TSH estimulante (TRABb); Tireoglobulina elevada nos casos de hiperfunção da glândula e diminuída nos casos de tireotoxicose factícia; Sorologias para hepatites virais: investigação de aumento de transaminases; FAN, anticorpo antimúsculo liso ou anti-lkm1: investigação de hepatite autoimune. 3) Captação do Iodo Radioativo (RAIU) e USG de Tireoide Diferencia as causas de hiperfunção da glândula, das causas de tireoidites e tireotoxicose exógena; Presença de nódulo, único ou múltiplos. 4) Início do uso de beta bloqueador A prescrição de betabloqueadores esta indicada em pacientes sintomáticos com suspeita ou diagnostico de tireotoxicose (B). Controle dos sinais adrenérgicos, na dose de 20 a 60mg VO 6/6h-8/8h.
Principal hipótese: Doença de Graves Síndrome de tireotoxicose Associação com afecções autoimunes Doença de Graves História clínica crônica
Referências Consenso brasileiro para o diagnóstico e tratamento do hipertireoidismo: recomendações do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Arq Bras Endocrinol Metab. 2013;57(3):205-32.
HIPERTIREOIDISMO TGO E TGP elevadas Ansiedade,agitação, insônia, nictúria, polidipsia, constipação intestinal,tremores de extremidades, mãos quentes e úmidas apresentando eritema palmar,tireóide elástica, móvel, indolor e discretamente aumentada de volume TSH 0,01
Exames iniciais Admissão Valores Normais Ht/Hb 40,9/ 14,2 39-43% / 12-16g/dL VCM 82 80 a 100 fl Leucócitos 4060 4000-9000/mm 3 Plaquetas 190.000 150.000-450.000/mm 3 Glicose 77 Até 99 mg/dl Ur 30 Até 40 mg/dl Cr 0,8 Até 1,4 mg/dl Na + 135 135-145 meq /L K + 4,0 3.5 a 5.5 meq /L VHS 5,0 Até 15 mm/h Colesterol Total 133 <200 mg/dl Triglicerídeos 64 <150 mg/dl HDL 49 Desejável> 60 mg/dl TSH 0,01 0,45 4,5 mui/l TGO 1810 12-38 U/L TGP 431 7-41 U/L
Exames Complementares T4 L 4,8 ng/dl 0,5-1,7ng/dl TAP 13 seg 12,7-15,7seg Atividade de Protombrina 100% >70% PTT 30 seg 30-50seg Fosfatase Alcalina 65 U/L 40-129 U/L Albumina 3,7 g/dl 3,5-5 g/dl USG abdominal: normal. Sorologias para Hepatite B e C negativas. Holter: ectopias atriais isoladas. Teste Ergométrico: normal.
Evolução do caso Iniciado Tratamento para Hipertireoidismo com: Metimazol 20mg/dia, Atenolol 25mg/dia Após 04 meses de tratamento: Melhora dos sintomas Ganho de 08 Kg Parâmetros laboratorias alterados em remissão Após 07 meses de tratamento: Assintomático Ganhou mais 05Kg (IMC: 23,5 Kg/cm2) Laboratório: TSH 0,01 mui/l, T4L 1,3 ng/dl, TGO 39 U/L TGP 54 U/L
Diagnóstico Hipertireoidismo com lesão Hepática por tireotoxicose
Tireóide x Fígado Os hormônios tireoidianos regulam a taxa metabólica basal de todas as células, incluindo os hepatócitos ; o fígado metaboliza por sua vez, os hormônios da tireóide e regula seu efeito endócrino sistêmico 1. A lesão hepática causada por tireotoxicose é relativamente comum, e pode se apresentar com característica hepatocelular ou colestática 2. 1,2 MALIK R. and HODGSON H.:The relationship between the thyroid gland and the liver. Q J Med 2002; 95:559 569
Hipertireoidismo e lesão hepática Um aumento da aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT), foi relatado em 27% e 37% dos doentes, respectivamente, embora a maioria destes pacientes não apresentaram outras características clínicas e bioquímicas de insuficiência hepática 3. O mecanismo da lesão parece ser hipóxia relativa das regiões perivenulares, devido a um aumento na demanda de oxigênio sem um aumento adequado do fluxo sanguíneo hepático, apesar de um aumento da atividade metabólica basal 4. 3,4 MALIK R. and HODGSON H.:The relationship between the thyroid gland and the liver. Q J Med 2002; 95:559 569
Uma pequena proporção de pacientes têm lesão hepática progressiva, o que, histologicamente, consiste de necrose centrozonal e fibrose perivenular, afetando as áreas em que a hipóxia pode ser mais prevalentes 5. H&E-stained section of centrizonal necrosis secondary to thyrotoxic liver injury. Hv, hepatic vein; Cn, centrizonal necrosis in zone 3 of the hepatic lobule. 5 MALIK R. and HODGSON H.:The relationship between the thyroid gland and the liver. Q J Med 2002; 95:559 569
Hipertiroidismo, particularmente a doença de Graves, também pode estar associada com outras doenças do fígado. Até 10% dos pacientes com doença de Graves tem uma desordem autoimune associada 6. A associação entre a doença de Graves, cirrose biliar primária ou hepatite auto-imune está bem descrita na literatura 7. Ocorrências: hepatomegalia até 33%; icterícia 5,3% a 50%; alterações em testes de função hepática 15% a 90%; hepatite clínica aguda < 1%; FA > GGT 8. 6,7 KHEMICHIAN S.: Review Hepatic Dysfunction in Hyperthyroidism. Gastroenterology & Hepatology Volume 7, Issue 5 May 2011 8 SOARES V. D. et al: Disfunção Hepática Aguda em Paciente com Hipertireoidismo e Hepatite por Vírus B: Recuperação após Plasmaférese e Tireoidectomia. Arq Bras Endrocrinol Metab 2008;52/3.
Níveis plasmáticos elevados de transaminases podem ocorrer em cerca de 30% dos doentes tratados com propiltiouracil. O que é menos comum com o uso de Metimazol 9. Estudos têm observado que a melhora na função da tireóide é acompanhada pela normalização das alterações hepáticas 10.. Alguns casos graves de tireotoxicose e lesão hepática foram tratados com radioiodo, tireoidectomia e até plasmaferese 11. 09 MALIK R. and HODGSON H.:The relationship between the thyroid gland and the liver. Q J Med 2002; 95:559 569 10 KHEMICHIAN S.: Review Hepatic Dysfunction in Hyperthyroidism. Gastroenterology & Hepatology Volume 7, Issue 5 May 2011 11 SOARES V. D. et al: Disfunção Hepática Aguda em Paciente com Hipertireoidismo e Hepatite por Vírus B: Recuperação após Plasmaférese e Tireoidectomia. Arq Bras Endrocrinol Metab 2008;52/3.
Referências HARRISON TR. Harrison: Medicina Interna - 17a edição. São Paulo: Ed. McGraw-Hill, 2008. MALIK R. and HODGSON H.:The relationship between the thyroid gland and the liver. Q J Med 2002; 95:559 569. KHEMICHIAN S. : Review Hepatic Dysfunction in Hyperthyroidism. Gastroenterology & Hepatology Volume 7, Issue 5 May 2011. SOARES V. D. et al: Disfunção Hepática Aguda em Paciente com Hipertireoidismo e Hepatite por Vírus B: Recuperação após Plasmaférese e Tireoidectomia. Arq Bras Endrocrinol Metab 2008;52/3.
Disfunção hepática no hipertireoidismo Dra Valesca Mansur Kuba Doutora em Ciências pela USP Prof. Endocrinologia da Faculdade de Medicina de Campos
Considerações finais Considerar sempre hipertireoidismo (mesmo subclínico) diante de alterações inespecíficas dos testes de função hepática. PTU não é mais usado (hepatite fulminante dose-independente), mas apenas em: 1º. Trimestre da gravidez Tempestade tireotóxica. Metimazol: a droga de escolha Colestase rara (20-30mg/d), dose-dependente 131 I ou cirurgia (volume do bócio, risco cirúrgico, BN)