R.L. Silva 1*, J.G. Mendonça Filho 2, A.C. Azerêdo 3, L.V. Duarte 4



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Transcrição:

Versão online: http://www.lneg.pt/iedt/unidades/16/paginas/26/30/141 Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 113-118 ISSN: 0873-948X; e-issn: 1647-581X Palinofácies e caracterização de matéria orgânica da Formação de Cabaços (Bacia Lusitânica): contributos para a discriminação das dinâmicas paleobiológicas e paleoambientais em meios carbonatados dominantemente não-marinhos Palynofacies and organic matter characterization of the Cabaços Formation (Lusitanian Basin, Portugal): contributions to the discrimination of the palaeobiological and palaeoenvironmental dynamics in mainly non-marine carbonate settings R.L. Silva 1*, J.G. Mendonça Filho 2, A.C. Azerêdo 3, L.V. Duarte 4 Recebido em 15/01/2013 / Aceite em 10/05/2013 Disponível online em Junho de 2013 / Publicado em Junho de 2013 2013 LNEG Laboratório Nacional de Geologia e Energia IP Artigo original Original article Resumo: Neste estudo foram analisadas 31 amostras (Carbono Orgânico Total e Palinofácies) de três cortes geológicos chave onde é possível observar a transição Jurássico Médio Jurássico Superior na porção norte da Bacia Lusitânica: Cabo Mondego (Figueira da Foz), Pedrógão (Praia de Pedrogão, Vieira de Leiria) e Vale de Ventos (Maciço Calcário Estremenho). O objectivo deste trabalho é demonstrar a elevada dinâmica paleobiológica associada às rápidas alterações paleoambientais que caracterizam os meios deposicionais carbonatados maioritariamente nãomarinhos da Formação de Cabaços. Uma análise detalhada destas séries mostra que o Carbono Orgânico Total e as associações de querogénio apresentam uma grande variação entre ambientes deposicionais relativamente próximos e em pequenos intervalos verticais. Estas variações estão provavelmente relacionadas com mudanças do nível de base e/ou condições de preservação. Genericamente observa-se uma diminuição da influência marinha de norte para sul, ou seja, do Cabo Mondego para o Maciço Calcário Estremenho. Palavras-chave: Palinofácies, Carbono Orgânico Total, Jurássico Médio Jurássico Superior, Bacia Lusitânica, Portugal. Abstract: In this study, 31 samples from three key sections where it is possible to observe the Middle Upper Jurassic transition in the northern part of the Lusitanian Basin were analyzed (Total Organic Carbon and Palynofacies): Cabo Mondego (Figueira da Foz), Pedrógão (Praia de Pedrogão, Vieira de Leiria) and Vale de Ventos (Maciço Calcário Estremenho). The objective of this work is to demonstrate the high palaeobiological dynamics associated to the rapid palaeoenvironmental changes that characterize the mainly non-marine carbonate depositional environments of the Cabaços Formation. A detailed analysis of these series shows that both the Total Organic Carbon and the kerogen assemblages present a great variation between relatively close depositional environments and along narrow vertical intervals. These variations are probably related to changes in base level and/or preservation conditions. Generically, marine influence decreases from north to south, that is, from the Cabo Mondego towards the Maciço Calcário Estremenho. Keywords: Palynofacies, Total organic carbon, Middle-Upper Jurassic, Lusitanian Basin, Portugal. 1 IMAR-CMA, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra, Portugal 2 Departamento de Geologia, Instituto de Geociências, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cidade Universitária, CEP: 21949-900, Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, Brasil. 3 Universidade de Lisboa, Faculdade de Ciências, Departamento e Centro de Geologia, Campo Grande, C6, 4º, 1749-016 Lisboa, Portugal. 4 Departamento de Ciências da Terra. Faculdade de Ciências e Tecnologia. Universidade de Coimbra, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra, Portugal. *Autor correspondente / Corresponding author: ricardo.cdv@gmail.com 1. Introdução No registo geológico da Bacia Lusitânica (Portugal), a Formação de Cabaços (sensu Azerêdo et al., 2002) corresponde a um dos dois intervalos estratigráficos de extensão bacinal potencialmente gerador de petróleo. Recorrendo a diversos parâmetros sedimentológicos e geoquímicos, estudos recentes têm permitido uma reconstituição bastante fina das condições vigentes durante a sedimentação desta unidade (e.g. Azerêdo & Cabral, 2004) e o aperfeiçoamento dos respetivos modelos sedimentares (Azerêdo et al., 2002). Neste estudo foram analisadas 31 amostras [Carbono Orgânico total (COT) e Palinofácies] de três secções chave onde é possível observar a transição Jurássico Médio Jurássico Superior e a Formação de Cabaços na porção Norte da Bacia Lusitânica: Cabo Mondego (Figueira da Foz), Pedrógão (Praia de Pedrogão, Vieira de Leiria) e Vale de Ventos (Maciço Calcário Estremenho). O objectivo deste trabalho é demonstrar a elevada dinâmica paleobiológica associada às rápidas alterações paleoambientais que caracterizam os ambientes deposicionais carbonatados maioritariamente não-marinhos da Formação de Cabaços (e.g. Azerêdo et al., 2002).

114 R.L. Silva et al. / Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 113-118 2. Enquadramento geológico e estratigráfico A evolução triásico jurássica da Bacia Lusitânica consiste em duas grandes etapas de sedimentação limitadas por descontinuidades, correspondendo aos períodos de tempo Triásico Superior Jurássico Médio (Fig. 1) e Jurássico Superior Cretácico Inferior (e.g. Wilson et al., 1989). Fig.1. Esquema litostratigráfico genérico para o intervalo Triásico Superior Jurássico Superior na Bacia Lusitânica (modificado de Azerêdo et al., 2002; Silva et al., 2011). 1-Cabo Mondego; 2-Pedrógão; 3-Vale de Ventos. Fig.1. Generic lithostratigraphic scheme for the Upper Triassic-Upper Jurassic interval in the Lusitanian Basin (modified from Azerêdo et al., 2002; Silva et al., 2011). 1-Cabo Mondego; 2-Pedrógão; 3-Vale de Ventos. As unidades de Silves e de Dagorda (Triásico base do Jurássico Inferior, Hetangiano) marcam o início da sedimentação na bacia e são sobrepostas pela Formação de Coimbra (Jurássico Inferior, Sinemuriano) e os grupos informais Brenha e Candeeiros (Jurássico Inferior topo do Jurássico Médio). A passagem Jurássico Médio Superior corresponde a um hiato bacinal, abrangendo o Caloviano superior Oxfordiano inferior, embora, pontualmente e em regiões mais a leste, possa abranger até o Batoniano superior. Esta desconformidade é precedida por uma regressão forçada complexa, resultando em bruscas variações litológicas (Azerêdo et al., 2002). Os primeiros sedimentos do Jurássico Superior pertencem à Formação de Cabaços (Fig. 1) e correspondem ao desenvolvimento de sistemas deposicionais do tipo lacustre, lagunar e marinho raso (e.g. Ramalho, 1981; Azerêdo et al., 2002, 2010; Azerêdo & Cabral, 2004). A Formação de Cabaços (Oxfordiano inferior?/médio) representa os primeiros sedimentos de idade Jurássico Superior na Bacia Lusitânica (Fig. 1). O seu registo em afloramento é relativamente reduzido e o seu reconhecimento de campo implica bom conhecimento da unidade, pois é condicionado pela ausência de qualquer (macro) fóssil-índice (ver em Azerêdo et al., 2010, a mais recente observação em afloramento desta formação). Esta unidade traduz uma grande dinâmica sedimentar. A norte, no Cabo Mondego, na base da sucessão acima da descontinuidade, observam-se fácies de carácter misto entre o siliciclástico e o carbonatado, possivelmente correspondendo a uma primeira incursão deltaica e ao desenvolvimento de pequenas baías de água doce a salobra (Wright, 1985). Um pouco mais a sul e ao longo da costa, em Pedrógão, a parte da série lateralmente equivalente ao referido acima para o Cabo Mondego, tem um carácter parálico, com o desenvolvimento de sistemas lacustres semipermanentes que se tornam persistentes para sudeste e com claras evidências de exposição (ver, por exemplo, Azerêdo et al., 2002; Azerêdo & Cabral, 2004) (Fig. 2). Para o topo, a sucessão tende a apresentar um carácter mais marinho (e.g. Azerêdo et al., 2002), tornando-se marinho franco na unidade sobrejacente, a Formação de Montejunto, embora pontualmente se observem fácies proximais do tipo

Palinofácies e matéria orgânica da Formação de Cabaços 115 peritidal (e.g. Azerêdo & Wright, 2004; Wright & Azerêdo, 2006). 3. Materiais e métodos Neste estudo foram analisadas 31 amostras [Carbono Orgânico total (COT) e Palinofácies] das secções do Cabo Mondego (Figueira da Foz), Pedrógão (Praia de Pedrogão, Vieira de Leiria) e Vale de Ventos (Maciço Calcário Estremenho) (Fig. 1). O Carbono Orgânico Total (COT) e a Palinofácies foram realizados no Laboratório de Palinofácies e Fácies Orgânicas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. O COT foi determinado utilizando um analisador LECO SC-144DR, com uma precisão analítica de ± 0,1wt.%. A análise da Palinofácies foi realizada por microscopia ótica por luz transmitida e fluorescência, seguindo a metodologia e sistema de classificação para os grupos da matéria orgânica e subgrupos propostos por Tyson (1995), mais tarde modificado e descritos em pormenor por Mendonça Filho et al. (2011, 2012). 4. Resultados e discussão Os dados de COT apresentam uma grande variação em cada local e de secção para secção. O valor máximo de COT, 30,7%, da Formação de Cabaços foi determinado no Cabo Mondego, atingindo o máximo de 11,6% no Maciço Calcário Estremenho (Vale de Ventos) e 4,7% em Pedrógão (Fig. 2 e Tabela 1). Os estudos palinofaciológicos em curso nestes locais (ver Silva et al., 2013) mostram que a matéria orgânica particulada é predominantemente continental (fitoclastos, pólenes e esporos) (Fig. 3 e Tabela 1), pontuada por eventos menores de influência marinha (por exemplo, ocorrência de raras algas prasinófitas e quistos de dinoflagelados). Alguns dos níveis analisados possuem uma importante contribuição de outros tipos de componentes orgânicos, como matéria orgânica amorfa ou algas de água doce (ver também Barrón & Azerêdo, 2003 para um maior detalhe sobre os estudos palinológicos). Os biomarcadores relacionados com proveniência são consistentes com a palinofácies (Silva et al., 2011). 4.1. Contributo para o reconhecimento das dinâmicas paleobiológicas e paleoambientais As associações de querogénio (Fig. 3 e Tabela 1) da Formação Cabaços são bastante variáveis (Silva et al., 2013), refletindo variações de alta frequência e interações complexas dos ambientes deposicionais, maioritariamente não marinhos carbonatados (e.g. Azerêdo & Cabral, 2004). Em geral, os dados de palinofácies da série do Cabo Mondego (Figueira da Foz) sugerem que a deposição ocorreu em ambientes cada vez mais calmos e proximais, adjacentes à área de origem (ver, por exemplo, Tyson, 1995; Mendonça Filho et al., 2011). A presença maciça de partículas relacionadas com tecidos vegetais muito pouco resistentes (cutículas e restos de epiderme) ao transporte (Figs. 3a e 3b e Tabela 1), reforça as interpretações anteriores (Wright, 1985; Azerêdo et al., 2002; Azerêdo & Wright, 2004) de uma sedimentação relacionada com um sistema deposicional deltaico. Fig.2. Mapa genérico de distribuição de fácies (de acordo com Azerêdo et al., 2002) e COT máximo para a base da Formação de Cabaços (modificado de Silva et al., 2011). Fig.2. Generic facies distribution map (according to Azerêdo et al., 2002) and maximum TOC values obtained at the base of the Cabaços Formation (modified from Silva et al., 2011). Os estudos da palinofácies em Pedrógão (Figs. 3c, 3d, 3e e 3f) indicam que a matéria orgânica particulada é, na sua maioria, de origem continental (fitoclastos, cutículas, membranas, pólenes, esporos e Botryococcus sp.), pontuada por eventos menores de influência marinha (ocorrência rara de prasinófitas e quistos de dinoflagelados; ver também Barrón & Azerêdo, 2003). A Palinofácies mostra um claro padrão de variação vertical, inferindo-se que estas representam alterações na espessura da coluna de água e/ou períodos de restrição ambiental (Tabela 1 e Silva et al., 2013). No entanto, a ligação entre estes ciclos e um controlo eustático não é evidente, devido ao mau controlo biostratigráfico destas séries (ver Azerêdo et al. 2002). Em Vale de Ventos (Maciço Calcário Estremenho), as associações de querogénio são claramente de origem continental (Figs. 3g e 3h), refletindo, na sua maioria, os processos pedogénicos descritos em Azerêdo et al. (2002).

116 R.L. Silva et al. / Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 113-118 Tabela 1. Distribuição dos teores de carbono orgânico total e principais grupos de querogénio nas secções de Cabo Mondego, Vale de Ventos e Pedrógão (modificado de Silva et al., 2013). Table 1. Total organic carbon distribution and main kerogen groups from the Cabo Mondego, Vale de Ventos and Pedrógão sections (modified from Silva et al., 2013). C F Formação de Cabaços; - não determinado

Palinofácies e matéria orgânica da Formação de Cabaços 117 Fig.3. Aspectos particulares das associações de querogénio da Formação de Cabaços. a) e b) amostra CM6 (Cabo Mondego); c) amostra P9 (Pedrógão); d) amostra P12 (Pedrógão); e) amostra P13(Pedrógão); f) amostra P17(Pedrógão); g) e h) amostra VV3 (Vale de Ventos). Fi Fitoclastos; MOA matéria orgânica amorfa; Memb - Membrana. a), c), d), e), f) e g) modo fluorescência; b) e h) luz transmitida. Fig.3. Particular aspects of the kerogen assemblages from the Cabaços Formation. a) and b) sample CM6 (Cabo Mondego); c) sample P9(Pedrógão); d) sample P12(Pedrógão); e) sample P13 (Pedrógão); f) sample P17(Pedrógão); g) and h) sample VV3 (Vale de Ventos). Fi phytoclasts; MOA amorphous organic matter; Memb - membrane. a), c), d), e), f) and g) fluorescence mode; b) and h) transmitted white light.

118 R.L. Silva et al. / Comunicações Geológicas (2013) 100, Especial I, 113-118 5. Considerações finais A Formação de Cabaços (Oxfordiano inferior?/médio) representa os primeiros sedimentos de idade Jurássico Superior na Bacia Lusitânica. Uma análise detalhada destas séries mostra que o COT e a Palinofácies apresentam uma grande variação entre ambientes deposicionais relativamente próximos e em pequenos intervalos verticais. Estas variações estão provavelmente relacionadas com mudanças do nível de base e/ou condições de preservação. Genericamente, observa-se uma diminuição da influência marinha de norte para sul, ou seja do Cabo Mondego para o Maciço Calcário Estremenho. Agradecimentos Ricardo L. Silva agradece à FCT-MCTES pela sua bolsa de doutoramento SFRH/BD/47362/2008. Trabalho parcialmente realizado no âmbito do Projecto PTDC/CTE- GIX/098968/2008 (FCT-Portugal e COMPETE-FEDER). Referências Azerêdo A. C., Cabral, M. C., 2004. Bio-sedimentary signatures of high-frequency salinity/subaerial exposure changes: Examples from the Oxfordian of Portugal (Cabaços Formation). Rivista Italiana di Paleontologia e Stratigrafia, 110, 231-238. Azerêdo, A. C., Cabral, M. C., Martins, M. J., Loureiro, I. M., Inês, N., 2010. Estudo estratigráfico dum novo afloramento da Formação de Cabaços (Oxfordiano) na região da Serra do Bouro (Caldas da Rainha). Comunicações Geológicas, 97, 5-22. Azerêdo, A. C., Wright, V. P., 2004. Multi-scale signatures and events in carbonate systems (Middle to early Upper Jurassic, Lusitanian Basin). In: Duarte, L. V., Henriques, M. H. (Eds.), Carboniferous and Jurassic Carbonate Platforms of Iberia. 23rd IAS Meeting of Sedimentology, Field Trip Guide Book, Coimbra, volume 1, 75-91. Azerêdo, A. C., Wright, V. P., Ramalho, M. M., 2002. The Middle- Late Jurassic forced regression and disconformity in central Portugal: eustatic, tectonic and climatic effects on a carbonate ramp system. Sedimentology, 49, 1339-1370. Barrón, E., Azerêdo, A. C., 2003. Palynology of the Jurassic (Callovian-Oxfordian) succession from Pedrógão (Lusitanian Basin, Portugal). Palaeoecological and palaeobiogeographical aspects. Neues Jahrbuch für Geologie und Paläontologie, Abhandlungen, 227, 259-286. Mendonça Filho, J. G., Menezes, T. R., Mendonça, J. O., 2011. Chapter 5: Organic composition (Palynofacies Analysis). In: Flores, D., Marques, M. (Eds), ICCP Training Course on Dispersed Organic Matter. International Committee for Coal and Organic Petrology, Porto, 33-81. Mendonça Filho, J. G., Menezes, T. R., Mendonça, J. O., Oliveira, A. D., Silva, T. F., Rondon, N. F., Da Silva, F. S., 2012. Organic Facies: Palynofacies and Organic Geochemistry approaches. In: Panagiotaras, D. (Ed), Geochemistry Earth's System Processes. InTech, 211-248. Ramalho, M. M., 1981. Note préliminaire sur les microfaciès du Jurassique supérieur portugais. Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal, 67, 41-45. Silva, R. L., Duarte, L. V., Azerêdo, A. C., Mendonça Filho, J. G., 2011. Contributos sedimentológicos e geoquímicos para a modelação dos sistemas petrolíferos portugueses: as séries jurássicas ricas em matéria orgânica da Bacia Lusitânica (Portugal). Modelação de Sistemas Geológicos, Laboratório de Radioactividade Natural da Universidade de Coimbra, Coimbra, 383-391. Silva, R. L., Mendonça Filho, J. G., Azerêdo, A. C., Silva, T. F., Duarte, L. V., 2013. Palynofacies and TOC analysis of marine and non-marine sediments across the Middle-Upper Jurassic boundary in the Central-Northern Lusitanian Basin (Portugal), Facies, doi: 10.1007/s10347-013-0369-x Tyson, R.V., 1995. Sedimentary organic matter. Organic Facies and Palinofacies. Chapman & Hall, London. 615. Wilson, R. C. L., Hiscott, R. N., Willis, M. G., Gradstein, F. M., 1989. The Lusitanian basin of west-central Portugal: Mesozoic and Tertiary tectonic, stratigraphy, and subsidence history. American Association Petroleum Geologists Memoir, 46, 341-361. Wright, V. P., 1985. Algal marsh deposits from the Upper Jurassic of Portugal. In: Toomey, D. F., Nitecki, M. H. (Eds.), Palaeoalgology: Contemporary Research and Applications. Springer-Verlag, 330-341. Wright, V. P., Azerêdo, A. C., 2006. How relevant is the role of macrophytic vegetation in controlling peritidal carbonate facies?: Clues from the Upper Jurassic of Portugal. Sedimentary Geology, 186, 147-156.