DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR EM CRIANÇAS Uma contribuição à fonoaudiologia



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Transcrição:

CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR EM CRIANÇAS Uma contribuição à fonoaudiologia Monografia de conclusão do curso de especialização em Motricidade Oral Orientadora: Mirian Goldenberg ALINE COSTA PORTO PORTO ALEGRE 1999 1

CEFAC CENTRO DE ESPECIALIZAÇÃO EM FONOAUDIOLOGIA CLÍNICA MOTRICIDADE ORAL DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR EM CRIANÇAS Uma contribuição à fonoaudiologia ALINE COSTA PORTO PORTO ALEGRE 1999 2

RESUMO Este trabalho teve por objetivo estudar teoricamente as disfunções temporomandibulares (DTM) em crianças, investigando o quão precocemente os sinais e sintomas são descritos e porque estes sinais e sintomas se manifestam em uma articulação ainda em formação. Procurou, ainda, relacionar estes dados com aspectos fonoaudiológicos, alertando os profissionais para o risco de desenvolver um trabalho sem a preocupação com a articulação temporomandibular (ATM), prevenindo, desta maneira, o agravamento dos sintomas. Foram estudados aspectos relacionados ao desenvolvimento da ATM (tanto no período pré com pós- natal); padrões alimentares, como tipo de amamentação, de mastigação e de deglutição; características de DTM e DTM em crianças. Foram encontrados relatos de sinais e sintomas de DTM desde os 3 anos de idade, mas a maior incidência encontrada foi durante a dentição mista e início da permanente. Os sinais descritos abrangem ruídos articulares, limitação nos movimentos, desvio da linha média e dores musculares, sendo estas últimas as menos freqüentes. Na bibliografia pesquisada, não foram encontrados dados específicos do trabalho fonoaudiológico em crianças com DTM, mas é feito um alerta aos profissionais que, frente aos sintomas citados, evitem exercícios que possam prejudicar a integridade da articulação, e que realizem, o mais breve possível, o encaminhamento ao profissional competente. 3

ABSTRACT The purpose of this study is to analyze in theory the temporomandibular joint disorders (TMJD)in children, by researching how precociously the signs and symptoms are described and why these signs and symptoms appear in a joint which is still in development. It also tried to relate these data with the aspects dealt with in speech terapy, warning the professionals to the risk of developing a study without worring about temporomandibular joint (TMJ), preventing, in this way, the symptoms from worsening. Aspects related to the development of the TMJ (both in the prenatal and postnatal periods) were studied; alimentary standards, such as type of nursing (lactation), of chewing and of swallowing; characteristics of TMJD and TMJD in children. Reports of signs and symptoms of TMJD since the age of 3 were found, but the highest incidence found was during the mixed and early permanent dentition groups. The signs described include joint noise, limitation of the moviments, midline deviation and muscular pain, being these last signs the least frequent ones. Specific data on the work of speech terapy in children with TMJD were not found in the bibliography researched, although the professionals facing the symptoms mentioned here are warned to avoid exercises that may damage the integrity of the joint, and also to send the patient to the competent professional as soon as possible. 4

SUMÁRIO INTRODUÇÃO...6 DISCUSSÃO TEÓRICA...7 Sistema estomatognático...7 Sucção...8 Mastigação...11 Deglutição...15 Articulação temporomandibular...17 Desenvolvimento da ATM...20 Disfunção Temporomandibular...24 Disfunção temporomandibular em crianças...26 CONCLUSÃO...30 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...32 5

INTRODUÇÃO O conjunto anatômico formado pelo sistema estomatognático permite as funções de sucção, mastigação, deglutição, fonoarticulação e respiração, sendo seu estudo de vital importância para a prática fonoaudiológica. A articulação temporomandibular (ATM) é a única articulação móvel do crânio. Portanto, seu funcionamento possibilita os movimentos necessários para a realização das citadas funções. As disfunções temporomandibulares (DTM) têm sido amplamente estudadas por diferentes profissionais, tanto pela complexidade anatomofuncional, como por sua sintomatologia. Na prática clínica venho observando um aumento significativo no encaminhamento de crianças cada vez mais jovens. Ao avaliá-las percebo, em alguns casos, características de DTM. Sabendo que a ATM tem desenvolvimento tardio e que ao nascimento é formada por estruturas quase planas, surgem alguns questionamentos quanto à faixa etária em que são desenvolvidos os sintomas, se poderá existir alguma relação com o tipo de alimentação e porque uma articulação ainda em desenvolvimento já apresenta sinais de disfunção. Além disso, o que nós, como fonoaudiólogos, podemos fazer para prevenir o estabelecimento de uma DTM. O presente estudo tem por objetivo revisar bibliograficamente as disfunções temporomandibulares em crianças, tentando esclarecer as questões levantadas. 6

DISCUSSÃO TEÓRICA SISTEMA ESTOMATOGNÁTICO: O sistema estomatognático identifica um conjunto de estruturas que atuam controladas pelo sistema nervoso, realizando as funções de respiração, sucção, deglutição, mastigação e fala (Bianchini, 1998). Tanigute (1998) divide o sistema estomatognático em estruturas estáticas, ou passivas, e estruturas dinâmicas, ou ativas. As estruturas passivas são representadas pelos arcos osteodentários, a maxila e a mandíbula, relacionados entre si pela articulação temporomandibular (ATM). Já as estruturas ativas são representadas pela unidade neuromuscular que mobiliza as partes estáticas. Essas estruturas são responsáveis pelo funcionamento harmônico da face. Savalle (1996) e Tamaki (1981) utilizam o termo aparelho mastigatório para o conjunto formado por essas estruturas. Para que a face se desenvolva, necessita, além de estímulos genéticos, de estímulos externos que são oferecidos pelas funções estomatognáticas: respiração, sucção (amamentação), mastigação e deglutição. Todas essas funções têm como característica comum a participação do único osso móvel do esqueleto crânio- facial: a mandíbula. Conseqüentemente, é fundamental a estabilidade e saúde das ATMs, pois são elas que possibilitam a movimentação da mandíbula, a partir da atuação neuromuscular. 7

Na continuação, se faz necessário um aprofundamento no estudo das funções estomatognáticas que podem interferir no desenvolvimento das ATMs: sucção, mastigação e deglutição. SUCÇÃO O reflexo de sucção aparece a partir do 5º mês de vida intra- uterina, mas é observado nitidamente na 29ª semana e tem desenvolvimento completo na 32ª semana intra- uterina (Tanigute, 1998). Permanece como reflexo até o 4º mês de vida, quando passa a ser de controle volitivo. Durante esses primeiros meses, Mueller (1980) diz que o bebê se alimenta pelo que é conhecido como reflexo de sucção- deglutição. Para Felício (1994), a exercitação provocada pela sucção é de extrema importância, tanto pela movimentação coordenada da língua, lábios e mandíbula, que supostamente preparam para os movimentos rítmicos de mastigação e fala, como pelo desenvolvimento das estruturas envolvidas. Existem muitas discussões relacionadas às influências dos métodos de amamentação no desenvolvimento das estruturas do sistema estomatognático. Fisiologicamente, a criança amamentada no seio materno movimenta a mandíbula dorsalmente, para frente e para trás, voltando à posição inicial para obter o leite. Exercita dessa forma a mandíbula, a musculatura orofacial, as bochechas, os lábios e a língua, promovendo o desenvolvimento anterior da mandíbula (Tanigute, 1998). 8

No aleitamento materno (Proença,1992), a sucção é realizada pela preensão do mamilo, sendo formado um vedamento anterior através do envolvimento da auréola pelo lábio superior e pela ponta da língua juntamente com o lábio inferior. A parte posterior da língua se eleva e funciona como um mecanismo oclusivo língua- palato mole, estabelecendo uma pressão intra-oral para a extração do leite. Assim, o mamilo é comprimido e achatado pela língua contra a papila palatina e os seus orifícios voltam-se para cima, propiciando estímulo sensório- motor no terço anterior da língua. A extração do leite do seio é ainda facilitada pelo vácuo intra-oral formado pelo rebaixamento, anteroposteriorização e elevação da mandíbula, e pelo movimento das bochechas. Durante essa fase, a língua assume uma posição de canolamento e os lábios ficam em simetria. A mandíbula, que se encontra em posição de retração em relação à maxila e à língua, com a exercitação do rebaixamento, ânteroposteriorização e elevação concomitantes, vai se transformar provocando o crescimento ósseo- mandibular. Este crescimento favorecerá futuramente um certo posicionamento das gengivas, para a erupção dos dentes. Os movimentos ântero- posteriores realizados pela cabeça da mandíbula, durante a sucção, propiciam a desvascularização e desinervação do centro do disco articular (Felício, 1994). A alimentação no seio materno provoca 2.000 a 3.500 movimentos de mandíbula, enquanto a alimentação artificial provoca de 1.500 a 2.000 movimentos (Tanigute, 1998). Assim, o aleitamento materno propicia melhores condições de estimulação do sistema sensório motor oral, pois requer maior 9

força muscular para manter um fluxo de leite satisfatório. Com esse processo, ocorrerá um aumento de espaço oral e um equilíbrio da morfologia dentária, fatores que contribuem para o alojamento da língua dentro das arcadas dentárias e seu livre movimento nestas. Este processo gradativo vai propiciar um posicionamento simétrico, mas não constante, dos lábios, por volta do sexto mês de vida, e vai culminar com o posicionamento da língua dentro da cavidade oral e vedamento labial, no final do primeiro ano. Portanto, a exercitação da sucção natural é um processo que contribui para o crescimento da mandíbula, favorecendo o desenvolvimento facial, mobilidade da língua dentro da cavidade oral e facilitação de um tônus muscular normal que influenciará positivamente nos sons da fala (Proença, 1992). Andrade e Garcia (1998) estudaram a influência do tipo de aleitamento de 25 crianças de 0 a 5 meses e o padrão de sucção que apresentavam. Concluíram que, dos 3 tipos de aleitamento ( natural, artificial e misto), 100% dos bebês que recebiam aleitamento exclusivamente artificial apresentaram inadequação nos padrões neurovegetativos de sucção e deglutição e o aleitamento natural é o que apresenta maior grau de adequação. Continuam dizendo que sobre a influência do tipo de aleitamento nos padrões de sucção e deglutição dos bebês configura-se o natural como aquele que indiscutivelmente mais favorece a harmonia, sincronia e estabilidade funcional desses sistemas. O tipo artificial configura-se como o mais prejudicial, e, o misto, o que gera maior instabilidade nesses padrões, possivelmente por requerer a adaptação do bebê às duas formas de mamar. Com relação à influência do tipo de aleitamento sobre 10

os padrões miofuncionais orais (tonicidade, mobilidade e postura) dos bebês, 100% dos bebês apresentaram padrões adequados para miofuncionalidade da língua, independente do tipo de aleitamento. Para a miofuncionalidade de lábios, o aleitamento artificial mostrou ser o que mais prejuízos acarreta, seguido do misto, sendo o natural significantemente melhor. Para a miofuncionalidade de masseter, o aleitamento misto mostrou ser o mais prejudicial, seguido do artificial e sendo o natural aparentemente melhor. Com relação às ações mandibulares, não foi encontrada diferença significativa entre o aleitamento natural e o misto, mas o artificial mostra acarretar maior comprometimento para a estrutura. MASTIGAÇÃO Enquanto as funções de respiração, sucção e deglutição são inatas e inicialmente controladas de forma reflexa, a mastigação é uma função aprendida e dependente de inúmeros fatores (Bianchini, 1998). Esta função só pode ser aprendida a partir do momento em que exista um aumento do espaço intra- oral, para possibilitar o movimento das estruturas envolvidas. Este aumento de espaço é propiciado pelo crescimento crânio- facial, sendo a amamentação um importante estímulo inicial para este crescimento. A mastigação é definida como a ação de morder, triturar e mastigar o alimento, sendo considerada a função mais importante do sistema estomatognático (Tanigute, 1998). É um ato fisiológico complexo que envolve atividades neuromusculares e digestivas. Tem evolução gradativa, dependente dos 11

padrões de crescimento, desenvolvimento e amadurecimento do complexo crânio- facial, do sistema nervoso central e das guias oclusais. São funções da mastigação: fragmentar os alimentos em partículas menores, ação bacteriana sobre os alimentos, proporcionar a força e a função indispensáveis para o desenvolvimento normal dos ossos maxilares e a manutenção dos arcos dentais, estabilidade da oclusão e estímulo funcional sobre o periodonto, músculos e articulação. Os movimentos da mastigação surgem por volta do 7º mês de vida, mas são mal coordenados e dirigidos. Segundo Mueller (1980), por volta dos seis, sete meses, há sinais no bebê normal, de que o controle oral está se desenvolvendo, pois ele começa a mascar, estando quase pronto para morder e mastigar alimentos sólidos. Proença (1992) fala sobre o reflexo de mordida, que está presente até aproximadamente o quarto mês de vida, e que vai se transformando paulatinamente em uma ainda imatura mastigação, que chama de mascagem. É neste período, que a língua sofre uma ampliação no seu movimento, demonstrando uma lateralização, ou seja, um direcionamento intraoral, em direção às bochechas, à procura do estímulo introduzido na boca. Mas a deglutição ocorre com movimentos de amassamento feito pela língua em relação ao bolo alimentar, visivelmente observáveis pela direção posteroanterior com ponta rebaixada e ultrapassando o limite das gengivas. Durante o período de aprendizagem da mastigação, a orientação sensorial é fornecida pelos receptores da ATM, da membrana periodontal, da língua e 12

da mucosa e dos músculos orais (Moyer e Carlson, 1998). Para Bianchini (1998), é fundamental, durante esta fase, que a criança tenha possibilidades de estimulação diferenciada, fornecida tanto pela alimentação com diferentes texturas, quanto pelo uso de brinquedos ou objetos que leva à boca. A evolução da mastigação é considerada gradativa, sendo que no início (entre 5 e 6 meses) a criança apresenta movimentos verticais de aproximação e distanciamento da mandíbula e maxilar, diante de legumes amassados, frutas de consistência mole ou alimentos que diluam na boca. A utilização repetitiva e constante deste padrão de movimento acarreta a lateralização da língua em direção à bochecha do mesmo lado, a qual se encontra contraída. Verifica-se isso por volta do sétimo mês de vida. Com a erupção dos dentes, principalmente dos molares, a mastigação se torna mais efetiva, dando condições para a criança ingerir alimentos mais sólidos. Entre um ano e um ano e meio, começa a aparecer um jogo do alimento de um lado para o outro, dentro da cavidade bucal, com contração da bochecha e rotação da mandíbula. A mastigação já tem condições de ser bilateral e os lábios ficam em selamento. Já pode ser comparada com o padrão adulto (Tanigute, 1998). Após os dois anos e meio, quando a criança já apresenta uma dentição decídua completa, ela apresenta total vedamento labial na trituração alimentar e na deglutição, com a ponta da língua tocando cada vez mais a papila palatina. Segundo Felício (1994), o surgimento dos movimentos de rotação mandibular durante a mastigação, substitui os movimentos de charneira até então 13

utilizados. A mastigação é composta por três fases: incisão, trituração e pulverização (Bianchini, 1998; Tanigute, 1998). Na fase de incisão, o alimento é apreendido entre os dentes incisivos. Ocorre abertura bucal e protrusão da mandíbula, para conseguir a posição de topo dental anterior. Ocorre a contração da musculatura elevadora e retorno da mandíbula à posição inicial. A língua leva o alimento até a fase oclusal dos dentes posteriores. Durante a trituração, a língua leva o alimento à face oclusal dos dentes e este é retornado a cada ciclo mastigatório pela ação conjunta do músculo bucinador de fora para dentro. Ocorre principalmente em pré- molares, por terem maior possibilidade de pressão intercuspidiana. Finalmente, na fase de pulverização, que ocorre principalmente em molares, os movimentos mandibulares são variados e de menores dimensões em termos de amplitude. Nas duas últimas fases (trituração e pulverização) podem ocorrer deglutições reflexas, à medida em que parte do alimento já pulverizado vai sendo posteriorizado pela ação da língua e bucinador, que ao tocar os pilares anteriores da faringe desencadeiam o reflexo de deglutição. É importante também o conceito de ciclo mastigatório, que corresponde a um movimento mandibular completo (Bianchini, 1998). O ciclo inicia com a abertura bucal (da mandíbula), seguindo do fechamento, até ocorrer o contato e intercuspidação dos dentes partindo o alimento em fragmentos menores 14

(golpe mastigatório). No plano frontal, com o alimento de um lado da boca, a mandíbula desce e desloca-se para o lado do alimento (lado de trabalho ou lado ativo), elevandose novamente até alcançar a intercuspidação máxima. Este deslocamento lateral tem amplitude reduzida. A cada ciclo ocorre redução da amplitude e modificação da força empregada, pois o alimento mistura-se à saliva, é triturado e pulverizado. A mastigação bilateral alternada distribui a força mastigatória, intercalando períodos de trabalho e de repouso (muscular e articular), levando à sincronia e equilíbrio muscular e funcional. Este padrão depende de harmonia morfológica e funcional das estruturas estomatognáticas (Bianchini, 1998). A mastigação unilateral estimula inadequadamente o crescimento e impede a estabilização das estruturas. Estimula um maior desenvolvimento pósteroanterior da mandíbula do lado do balanceio (lado sem o alimento) e maior desenvolvimento maxilar do lado do trabalho (lado do alimento), para fora e para frente. A musculatura adquire maior potência no lado de trabalho enquanto que, do lado do balanceio encontra-se mais alongada e com rebaixamento de tônus. É possível perceber discreta assimetria muscular. DEGLUTIÇÃO É a primeira função a manifestar-se no feto, aproximadamente na 12ª semana gestacional (Tanigute, 1998). Inicialmente segue um padrão infantil, amadurecendo com a mudança de consistências alimentares. 15

O padrão infantil caracteriza-se por um posicionamento da língua entre as gengivas, contração da musculatura facial para estabilizar a mandíbula e é guiada pela relação sensorial existente entre os lábios e a língua. Segundo Moyers & Carlson (1998), no exato momento da deglutição do lactente, a língua situa-se entre os roletes gengivais e próxima da face lingual dos lábios. Entre 12 e 18 meses, a deglutição se processa através das contrações de lábios e esboço de elevação da ponta da língua, através dos dentes superiores, podendo os lábios já estarem completamente vedados, escondendo a língua, a qual ainda, vez por outra, pode se mostrar interposta entre os dentes, mas não entre os lábios (Proença, 1992) Na deglutição madura, os dentes entram em oclusão, a mandíbula é estabilizada pelas contrações dos músculos elevadores da mandíbula, o terço anterior da língua se coloca acima e atrás dos incisivos superiores e os lábios estão unidos, com uma contração mínima. A criança já tem condições de realizar este tipo de deglutição com o surgimento dos primeiros molares decíduos. A transição da deglutição infantil para a madura se dá ao longo de vários meses, sendo que muitas crianças adquirem as características de deglutição madura entre os 12 e os 15 meses. Esta transição é auxiliada pelo amadurecimento da neuromusculatura, pelo surgimento da postura ereta de cabeça e por uma mudança de direção das forças gravitacionais na mandíbula (Moyers & Carlson, 1998). Para Tanigute (1998), a forma de deglutir também 16

depende das características faciais, do tipo de oclusão e de mordida, da idade do indivíduo e da natureza do alimento. ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR A ATM é a área onde a articulação craniomandibular ocorre, sendo a articulação mais complexa do corpo humano. É considerada tecnicamente como uma articulação ginglemoarticular, pois realiza movimentos de rotação e translação. É ainda classificada como uma articulação composta, já que o disco articular age funcionalmente como um osso não calcificado que permite os movimentos complexos da articulação. (Okeson, 1992). Segundo Latarjet (1996), os movimentos de fechamento e abertura bucal, bem como os de didução e lateralidade da mandíbula possibilitados pela ATM, permitem a mastigação dos alimentos, mas esta função exige a integridade das duas articulações temporomandibulares. A ATM é uma articulação dupla, bilateral, com movimentos sincronizados (Bianchini, 1998). São seus componentes: a cavidade condilar (no osso temporal), a eminência articular do osso temporal, o côndilo mandibular, o disco articular, a cápsula articular e ligamentos. A cavidade condilar, chamada por Tamaki (1981) de fossa mandibular, é oval e côncava. Está delimitada anteriormente pela eminência articular, posteriormente pelo tubérculo pós glenóide do osso temporal, internamente pela fissura tímpano escamosa e externamente pelo processo retroarticular. A superfície das vertentes da eminência articular, bem como a cabeça do 17

côndilo, são protegidas generosamente por tecido fibrocartilaginoso, estando preparadas para suportar as forças de compressão. O côndilo tem forma cilíndrica, e seu longo eixo se dispõe perpendicularmente ao ramo ascendente. A parte superior é totalmente lisa e apresenta convexidades nos sentidos ânteroposterior e vestíbulo lingual. A superfície lisa entra em contato com a cavidade articular. A superfície da parte inferior é irregular, e faz conexão com o ramo da mandíbula. O disco articular está localizado entre as superfícies articulares, e facilita o contato destas durante os movimentos mandibulares, regulando-os. É dividido morfológica e fisiologicamente em duas porções: central (formada de tecido fibrocartilaginoso) e periférica (de tecido conjuntivo). É preso à porção posterior da cápsula por tecido retrodiscal (zona bilaminar) e ao côndilo, medialmente e lateralmente, por meio de ligamentos. A cápsula articular é formada por tecido conjuntivo denso, e envolve toda a articulação. Os ligamentos que fazem parte da ATM são o ligamento temporomandibular, o esfenomandibular e o estilomandibular. Eles possuem receptores mecânicos e de dor. Funcionam como estruturas proprioceptivas para monitorar os movimentos e as posições dos componentes da articulação. Funcionam também como estabilizadores, limitando os movimentos e evitando ultrapassar os limites. A movimentação da ATM tem participação dos músculos elevadores da mandíbula (masseter, temporal, pterigoideu medial ou interno) e 18

abaixadores (pterigoideu lateral ou externo e digástrico); sendo que o masseter, o pterigoideu medial e, principalmente, o pterigoideu lateral são os responsáveis pela protusão mandibular. O digástrico realiza a retrusão e o temporal e o pterigoideu lateral fazem a lateralidade. A vascularização da ATM é mantida, em geral, pela circulação colateral da região, sendo possível destacar ramificações da artéria carótida externa, artéria masseterina e temporal profunda (ramos da artéria maxilar interna), artéria timpânica anterior, auricular profunda e meníngea média e artéria temporal superficial. Os vasos linfáticos da região posterior e medial da ATM drenam no nódulo linfático submandibular, ao passo que os da região anterior, no nódulo linfático parotídico. As regiões vascularizadas da ATM apresentam inervações, enquanto as partes pobremente vascularizadas (porção central do disco) são quase destituídas de nervos. A porção anterior da ATM é inervada pelos ramos do nervo masseterino (que é constituinte de um dos ramos do nervo trigêmio), e a parte posterior é inervada pelos ramos do nervo aurículo temporal (que faz parte da divisão posterior do ramo mandibular do nervo trigêmio). A ATM produz líquido sinovial, o qual é lubrificante e nutriente. É revestida por fibrocartilagem, portanto, em razão das necessidades ou possibilidades funcionais da ATM, ocorrem modificações em suas superfícies articulares. Os principais movimentos articulares são de rotação, onde o côndilo gira sobre seu próprio eixo, e de translação,onde o côndilo desliza ao longo da 19

cavidade condilar até a eminência articular do osso temporal. Mas ocorrem ainda movimentos de lateralidade, ou laterotrusão, onde os côndilos executam padrões motores diferentes, sendo que um deles,o do lado do movimento, realiza um pequeno movimento para fora e um discreto deslocamento para cima, enquanto o outro côndilo desliza para frente e para baixo e, levemente, em direção à linha mediana (Bianchini, 1998). O disco articular acompanha o côndilo, tornando os movimentos mais harmônicos. DESENVOLVIMENTO DA ATM: Analisando aspectos embriológicos relacionados à ATM, Moffet, citado em Paiva (1997) afirma textualmente: A ATM se desenvolve relativamente tarde na vida embrionária, se comparada às grandes articulações das extremidades. Tal fato é provavelmente relacionado ao seu desenvolvimento evolutivo tardio. Por volta da 7ª semana de vida pré-natal faltam na ATM a cartilagem de crescimento condilar, as cavidades articulares, o tecido sinovial, a cápsula articular e os elementos esqueléticos; a mandíbula e o osso temporal não apresentam contato articular entre si. Em contraste, no mesmo período embrionário, todos os componentes maiores das articulações coxo- femural e joelhos, por exemplo, estão presente em forma e disposição muito semelhantes àquelas que terão no indivíduo adulto. Com relação ao crescimento pré-natal da mandíbula e da articulação temporomandibular, Avery (1991) afirma que a parte inferior da face é sustentada pela cartilagem de Meckel, a qual tem forma de vara e se 20

estende das proximidades da linha média do arco mandibular, posteriormente, até a cápsula ótica, onde os dois elementos mais tarde se transformam nos ossos martelo e bigorna do ouvido médio. Há evidências de que esses dois ossos funcionam para prover uma articulação móvel até que o côndilo mandibular se desenvolva em relação à fossa glenóide do osso temporal. Portanto, entre a 8ª e a 18ª semana gestacional, essa articulação pode funcionar no movimento da mandíbula, até que ocorra um deslocamento anterior na ATM, quando essas cartilagens se ossificam e funcionam como ossos do ouvido médio. O corpo da mandíbula está ligado à cartilagem de Meckel, se desenvolvendo lateralmente a ela. Desta maneira, pode funcionar e ser levado para a frente, no crescimento, até a regressão da cartilagem, quando o côndilo se torna funcional. O côndilo surge independentemente, no início, como uma cartilagem em forma de cenoura (aproximadamente na 16ª semana) e é envolvido pelo osso em desenvolvimento da parte posterior da mandíbula. A cartilagem condilar é transformada em osso rapidamente, exceto em seus extremos proximais, onde forma uma articulação com o osso temporal, na fossa glenóide (24ª semana). A cabeça cartilaginosa do côndilo é envolvida por uma cobertura fibrosa contínua com a cápsula articular, persistindo e funcionando como um centro de crescimento até os 15 anos de vida pós-natal aproximadamente. A cabeça condilar é separada do osso temporal por um disco delgado de tecido conjuntivo, o qual aparece como resultado de duas fendas no tecido 21

fibroso que forma os compartimentos superior e inferior da cavidade articular. Gradualmente, ele se torna espesso, com o osso que forma a cavidade articular, até que se desenvolva a articulação completa. Com relação ao desenvolvimento pré-natal da língua e das funções realizadas pelo sistema estomatognático, Proença (1992) afirma que na oitava semana gestacional, a língua já está com o seu desenvolvimento completo. No entanto, apresenta-se maior que a mandíbula, interpondo-se entre as lâminas palatinas e ocupando todo o espaço buconasal. Entre a oitava e a décima segunda semanas, junto com o crescimento mandibular, a língua assume posição mais baixa, ocupando somente o espaço bucal e ocorrendo o fechamento das lâminas palatinas. Na décima sexta semana de vida intra-uterina, a língua começa a movimentar-se, aparecendo o reflexo de deglutição. Na vigésima semana acontece o reflexo de sucção. E, a partir da trigésima segunda semana, ocorrerá a coordenação entre a sucção e a deglutição, atingindo o seu auge de coordenação no período neonatal. Ao nascimento, o ângulo da mandíbula tem cerca de 130 graus em relação ao côndilo, quase uma linha reta com o corpo, enquanto o grande processo coronóide se projeta acima da cabeça do côndilo (Avery,1991). Moyers e Enlow (1991) destacam que as superfícies articulares do recémnascido são quase planas, pois a eminência e a fossa não estão bem diferenciadas, faltando a forma de S característico na articulação dos adultos. Durante o desenvolvimento da dentição primária, a profundidade da fossa aumenta consideravelmente e a eminência torna-se claramente 22

identificada. O disco articular, que ao nascimento é completamente vascularizado, mais tarde torna-se claramente avascular na região média. A vascularização da superfície superior do côndilo desaparece aproximadamente na mesma época. A delimitação dos contornos da articulação é, provavelmente, o resultado do estímulo da função mastigatória inicial, já que tanto a forma como a posição da fossa são diferentes, com a ausência congênita do ramo ou na condilectomia unilateral. Durante a infância, a fossa mandibular se torna mais profunda e a vertente da eminência se torna maior, como resultado da aposição e absorção diferencial, principalmente aposição na eminência. A eminência articular cresce e se remodela continuamente, mas de uma maneira desacelerada, à medida em que ocorrem crescimento e remodelação óssea em outras áreas do corpo. Segundo Felício (1994), a remodelação da ATM se intensifica por volta dos seis anos, com a fase de trocas dentárias e, aos doze, quando a mastigação evolui para um padrão adulto típico. A ATM termina o seu desenvolvimento por volta dos vinte anos de vida, aproximadamente (Paiva, 1997). No entanto, a mesma continua sofrendo mudanças adaptativas em resposta às modificações funcionais nos tecidos circundantes. Entre os fatores que podem afetar a articulação, cita-se: o avanço etário, com sua conseqüente diminuição da atividade muscular, a perda progressiva dos dentes e as conseqüentes modificações na oclusão. Como resultado de tais fatores, as alterações tissulares mudam a 23

configuração da articulação e função, gradualmente, de modo mais perceptível nas superfícies ósseas, através da remodelagem. A atividade de remodelagem varia de acordo com a área em que ocorrer. O côndilo mandibular mostra mais atividade remodeladora do que a fossa e a eminência articular, exibindo maior número de alterações na sua morfologia óssea. DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR Para Steenks & Wijer (1996) não existe na literatura especializada uma definição exata do conceito de disfunção temporomandibular, sendo que definições diferentes vêm sendo atribuídas a casos de sintomatologia idênticas. Okeson (1989) diz que o termo disfunção temporomandibular foi adotado para descrever todas as disfunções relacionadas à função das estruturas mastigatórias. Bianchini (1998) considera que o termo disfunção temporomandibular, ou alteração da ATM, abrange uma série de sintomas clínicos que envolvem a musculatura mastigatória, as estruturas articulares ou ambas. Steenks & Wijer (1996) entendem por DTM os distúrbios funcionais do aparelho mastigatório, levando em consideração as interrelações artrogênicas e miogênicas, assim como a influência do sistema nervoso, dos órgãos internos e do psiquismo. A DTM tem etiologia multifatorial, sendo levados em consideração numerosos possíveis fatores etiológicos, entre eles problemas degenerativos, traumas, problemas oclusais, alterações esqueléticas, fatores emocionais e hábitos nocivos. Bernal & Tsamtsouris (1986) ressaltam que uma combinação de 24

múltiplos fatores parece ser importante para o desenvolvimento de sinais e sintomas de DTM em crianças, sendo que hábitos orais devem fazer parte dos fatores etiológicos por serem muito comuns em crianças. A DTM é caracterizada por uma série de sinais e/ou sintomas como dor na musculatura mastigatória e na ATM, ruídos (estalos ou crepitação) ao movimentar a mandíbula, limitação ou desvio no percurso mandibular, zumbido ou sensação de ouvido tapado e alterações funcionais, principalmente na mastigação (Bianchini, 1998). Diversos estudos (Bernal & Tsamtsouris, 1986; Block, Riba, Redensky & Munoz, 1995; Laine, Pahkala, Jaroma & Qvarnström, 1992; Okeson, 1989) enfatizam a diferença entre sinais e sintomas de DTM. Entre os sinais estão incluídos desvio da mandíbula na abertura ou fechamento, hipersensibilidade à palpação dos músculos mastigatórios e à movimentação articular, ruídos articulares, restrição dos movimentos mandibulares, desvio da linha média, assimetria dos movimentos condilares, desgaste dentário. Como sintomas, são citados: bruxismo, dor de cabeça, dor de ouvido e dor ou cansaço ao mastigar. Para Okeson (1989), é interessante notar que a incidência de sinais e sintomas geralmente aumentam com a idade. Para Steenks e Wijer (1996), os sintomas dolorosos do aparelho mastigatório podem se localizar na nuca e nos ombros, bem como em órgãos que são do domínio da otorrinolaringologia por irradiação da dor. Especial atenção foi dada por Block, Riba, Redensky & Munoz (1995) aos ruídos articulares. Estes foram divididos em bump (ruído de impacto), 25

clinck (estalo), pop (estouro) e grind (crepitação). DISFUNÇÃO TEMPOROMANDIBULAR EM CRIANÇAS Embora ainda sejam poucas as referências a este tema, observou-se um aumento significativo nas publicações a partir dos anos 90. Os estudos mostram grande variação na idade da população pesquisada, tendo como conseqüência uma grande variação nos achados. Block, Riba, Redensky e Munoz (1995) estudaram 90 crianças entre 3 e 16 anos, tentando determinar a idade em que se poderiam observar os sintomas de DTM. Destas 90 crianças, 52% mencionou dor de cabeça. Os ruídos articulares também se destacaram, aparecendo em 28,9% à direita e 28,7% à esquerda. Desvio da linha média foi observado em 26,6% do total. Concluíram, no estudo, que os sintomas de DTM são encontrados na população selecionada, mas acreditam que estes sintomas não aborreçam o paciente, visto que o tratamento não é procurado. Deng, Fu & Haag (1995) em um estudo com 3105 crianças chinesas entre 3 e 19 anos, acharam uma prevalência de DTM de 17,9%, não sendo encontrada diferença significativa entre os sexos. Os sinais de DTM apareceram em maior número nas crianças com dentição mista e no início da dentição permanente, sendo em menor número nas crianças com dentição permanente e decídua. O sinal mais comum encontrado foram ruídos articulares (encontrados em 87,7%), seguido de movimentos mandibulares anormais (23,6%). Dor foi registrada em apenas 0,6% da população. 26

Laine, Pahkala, Jaroma & Qvarnström (1992) colocam que os sinais de DTM em crianças não são necessariamente considerados patológicos e acham preferível relacioná-los com o desenvolvimento normal e maturação das funções orofaciais. Um estudo preliminar mostrou que crianças que apresentam desordens de fala apresentam mais sinais de DTM do que as crianças do grupo controle, o que se confirmou entre as crianças estudadas, com idade entre 6 e 8 anos, as quais apresentaram sinais como interferências oclusais, alterações na capacidade de movimentação mandibular, entre outras variáveis que refletem no padrão motor oral. Bernal & Tsamtsouris (1986) examinaram clinicamente 149 crianças, entre 3 e 5 anos, e aplicaram um questionário nos pais dessas crianças. Colocam que sintomas subjetivos foram relatados pelos pais em 38% das crianças, e a maior prevalência foi dor de ouvido e ranger de dentes. No mínimo um sinal de DTM foi encontrado em 36,4% do total da amostra. A maior prevalência foi de alterações no padrão de movimento dos côndilos, que apareceram em 20% do total, podendo ser atribuído a mudanças no contorno da ATM, o que está ocorrendo nessa faixa etária. A prevalência de ruídos articulares foi mais baixa do que em outros estudos, sendo registrada em 5% dos casos. Contudo, há um aumento na freqüência deste sinal com o aumento da idade. Foi encontrada também, uma correlação positiva entre idade e desgaste dentário. Para Okeson (1989), que revisou bibliograficamente a DTM em crianças, há uma alta prevalência de sinais e sintomas relatados na literatura (de 20 à 74%) e os estudos revelam uma grande variação nos achados. O autor afirma 27

que a criança tem grande habilidade para tolerar mudanças nas estruturas estomatognáticas, referindo pouca dor ou desconforto. Conclui dizendo que não há documentação científica que comprove que a correção precoce da maloclusão irá prevenir o estabelecimento da DTM. Goho e Jones (1991) afirmam que a ATM é formada em idade suficientemente precoce para ser afetada por hábitos parafuncionais. No entanto, não encontraram associação estatística significante entre desgaste de dente decíduo e sinais de DTM. Como resultados similares foram encontrados na população adulta, concluem que o desgaste dentário em qualquer idade não é a razão para suspeitar de DTM. Koidis, Zarifi, Grigoriadou e Garefis (1993) encontraram uma proporção de 4 mulheres para cada homem com DTM, sendo que a dor foi considerada como o sinal mais comum. A prevalência de sinais como ruídos, dor de cabeça, hipomobilidade, dificuldade de mastigação e sintomas neuromusculares é maior em mulheres jovens, do que em outros grupos. Cabe ressaltar que seu estudo abrange uma população a partir dos 16 anos. Widmalm, Gunn, Christiansen e Hawley (1995) encontraram uma correlação significante entre bruxismo, roer de unhas, sucção digital e a maioria dos sinais e sintomas de DTM em crianças de 4 a 6 anos. Estes sinais e sintomas de DTM também são correlacionados com a raça, enquanto que a associação com o sexo foi encontrada somente com relação à dor de cabeça, ruídos e dor ao mastigar. Os resultados de seu estudo sustentam o conceito de que as parafunções orais tem um papel significativo na etiologia da DTM, e de 28

que os efeitos são evidentes desde os 5 anos de idade, com associação entre raça e sexo. Ressaltam que, enquanto a maioria dos sintomas de DTM em crianças é suave, há o risco de aumentar a severidade com a maturidade da criança. 29

CONCLUSÃO O presente trabalho teve por objetivo revisar as publicações referentes à disfunção temporomandibular em crianças, e foram encontradas descrições a partir dos 3 anos de idade. Nos artigos estudados, os autores falam de sinais como desvio de linha média, limitação nos movimentos mandibulares, ruídos articulares, entre outros. Há o relato de dores musculares, mas essas foram de menor incidência, o que pode ser explicado pelo fato de a criança fazer menos referência à dor que sente. São levados em consideração, também, os sintomas como dor de cabeça, dor de ouvido e ranger de dentes. Como já foi citado, esses sinais e sintomas são relatados desde os 3 anos de idade, mas a população infantil mais afetada é a que se encontra no período de dentição mista e início da dentição permanente, ou seja, entre os 7 e os 13 anos de idade. Não foi encontrada nenhuma causa específica para o aparecimento dessas alterações em uma articulação em formação, mas os autores concordam com a origem multifatorial dos sintomas. Porém, considero que o tipo de amamentação recebida pela criança possa interferir, já que a amamentação natural provoca uma maior movimentação bucal, e maior força muscular, podendo delimitar os contornos articulares mais precocemente do que a amamentação artificial. No entanto, não há na literatura nada que 30

comprove esta suposição, devendo ser realizada pesquisa mais aprofundada nesse aspecto. O mesmo ocorre com questões próprias da fonoaudiologia. Não há nada definido sobre o papel do fonoaudiólogo no trabalho com essas crianças. No entanto, é de extrema importância que os profissionais se preocupem com o aparecimento destes sinais e sintomas, para o encaminhamento, o mais precocemente possível, pois as alterações estruturais que ocorrem na ATM não são reversíveis, e só o correto manejo, em etapa inicial, poderá evitar o estabelecimento do quadro. Além disso, temos que estar atentos, pois na rotina de trabalho com essas crianças, podemos solicitar exercícios e movimentos que prejudiquem a articulação, caso esta esteja em desequilíbrio. 31

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