VII Congresso Brasileiro de Biometeorologia, Ambiência, Comportamento e Bem-Estar Animal Responsabilidade Ambiental e Inovação VII Brazilian Congress of Biometeorology,Ambience, Behaviour and Animal Welfare Environmental Responsibility and Innovation Relação entre o dióxido de enxofre presente na atmosfera e as internações por esclerose múltipla: Um estudo na cidade de São Paulo Fernanda Rodrigues Diniz 1, Ana Lucia de Frony Macedo 4, Marina Piacenti da Silva 2,3 1 Bosista FAPESP- Faculdade de Ciências- UNESP/Bauru 2 Departamento de Física- Faculdade de Ciências- UNESP/Bauru 3 Centro de Meteorologia de Bauru Ipmet/Bauru 4 Empresa Climatempo Saão Paulo/SP Resumo A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica degenerativa, caracterizada como desmielinizante e inflamatória. Muitos estudos vêm demonstrando relações entre internações por EM e poluentes presentes na atmosfera, devido ao fato que estes podem aumentar a resposta inflamatória e desencadear surtos nos pacientes. O objetivo deste estudo foi identificar a influência do dióxido de enxofre (SO 2) presente na atmosfera, nas internações por esclerose múltipla na cidade de São Paulo. Para realização deste trabalho foram obtidos dados mensais da temperatura do ar (mínima e máxima) e umidade relativa, da rede INMET e a concentração de SO 2 pela CETESB. As internações mensais foram obtidas pelo departamento de informática do sistema único de saúde (DATASUS). O período de estudo compreende janeiro de 2008 a março de 2016. Os modelos de regressão linear múltipla obtidos indicaram relação positiva (p <0,001) do número de internações com o aumento do poluente SO 2, sendo que 52,51% do número total de internações por EM podem ser explicados pelo aumento do SO 2. Os resultados obtidos mostram que o SO 2 pode ter influência significativa nas internações por EM em São Paulo. Palavras chave: Dióxido de enxofre, Esclerose múltipla, Poluição Os autores deste trabalho são os únicos responsáveis por seu conteúdo e são os detentores dos direitos autorais e de reprodução. Este trabalho não reflete necessariamente o posicionamento oficial da Sociedade Brasileira de Biometeorologia (SBBiomet). The authors of this paper are solely responsible for its content and are the owners of its copyright. This paper does not necessarily reflect the official position of the Brazilian Society of Biometeorology (SBBiomet). DOI: 10.6084/m9.figshare.5181280 VII Brazilian Congress of Biometeorology, Ambience, Behaviour and Animal Welfare 1
Introdução A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica degenerativa, desmielinizante e inflamatória de etiologia desconhecida, na qual a bainha de mielina é alvo de um processo autoimune, com consequente perda da função neurológica (Baggio et al, 2011). Por não ter uma etiologia conhecida a esclerose múltipla é estudada em todo o mundo, sendo que a hipótese patogênica mais aceita é que a EM seja fruto da conjunção de predisposição genética com a ação de um fator ambiental desconhecido. Ao se apresentarem num mesmo indivíduo, originam uma disfunção do sistema imunológico (Gregory et al, 2007). As internações por esta doença ocorrem devido a surtos, que consistem em um novo sintoma ou o agravo de um antigo sintoma durante o período superior a um dia (Finkelsztejn, 2007). Os principais sintomas de um paciente em surto são: fraqueza muscular, falta de coordenação, tremor, diminuição da acuidade visual unilateral, visão dupla e vertigens (Gregory et al, 2007). Assim como a etiologia da doença, as causas dos surtos também são desconhecidas, porém vêm sendo investigadas por muitos pesquisadores ao redor do mundo. Vários estudos mostram possíveis relações entre as internações por EM e a poluição atmosférica, sendo os poluentes mais estudados o MP 10, CO, NO X, O 3 e SO 2 (Angelici et al, 2016; Gregory et al, 2007). Em particular, o dióxido de enxofre é considerado um dos poluentes mais perigosos, por ser um gás altamente tóxico e incolor que provoca ações nocivas a saúde humana (CETESB, 2013). Este gás é proveniente da queima incompleta de combustíveis fósseis, podendo reagir e formar também outros poluentes na atmosfera como os materiais particulados, além de ser um dos principais causadores da chuva ácida (CETESB, 2013). Em relação à saúde humana, pode gerar agravamento de doenças respiratórias e cardiovasculares. Estudos mostram que a exposição crônica ao dióxido de enxofre pode ocasionar problemas neurológicos como neuroinflamação e perda de memória (Yao et al, 2014; Hong et al, 2002). Neste contexto o objetivo deste estudo é verificar a influência do dióxido de enxofre (SO 2) presente na atmosfera e as internações hospitalares por esclerose múltipla na cidade de São Paulo entre janeiro de 2008 e março de 2016. Metodologia Os dados utilizados neste estudo se referem ao município de São Paulo no período de janeiro de 2008 a março de 2016. Os dados mensais de internações por esclerose múltipla foram obtidos pelo Departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil (DATASUS). As variáveis meteorológicas foram obtidas através do Banco de dados do INMET que correspondem às médias mensais da temperatura do ar mínima e máxima e umidade relativa. As médias mensais do poluente em estudo SO 2 foram obtidas pelo sistema de qualidade do ar da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (QUALAR-CETESB). As análises estatísticas envolvem primeiramente as análises descritivas das variáveis em estudo. As séries temporais criadas passaram pelo método de suavização exponencial de Holt-Winters, que suaviza as curvas e elimina eventuais ruídos (Jacobs, 2011). Muitos estudos que correlacionam poluição atmosférica e variáveis meteorológicas utilizam os modelos chamados Modelos Lineares Generalizados (MLG) com a família de Poisson (Angelici, et al 2016), principalmente em estudos que envolvem a poluição e doenças respiratórias (Tadano et al, 2009). Entretanto, como os dados deste estudo possuem uma distribuição normal verificada pelo teste de Kolmogorov Smirnov, decidiu-se utilizar o modelo de regressão linear múltipla (Tadano et al, 2009). Neste modelo a variável resposta (dependente) é o número de internações por esclerose múltipla e as variáveis explicativas (independentes) são o poluente SO 2, a temperatura do ar (mínima e máxima) e a umidade relativa. Os softwares estatísticos utilizados foram o SPSS versão 13.0, Minitab16, Microsoft Office Excel 2007 e Rstudio versão 3.2.2. Resultados A Figura 1 apresenta os gráficos boxplot das concentrações de dióxido de enxofre e das internações totais mensais durante 2008 a 2016. As concentrações do poluente SO 2 durante o período foram maiores nos meses de inverno e primavera, sendo que o mês com maior concentração do período foi outubro. VII Brazilian Congress of Biometeorology, Ambience, Behaviour and Animal Welfare 2
Figura 1: Gráficos boxplot de representação mensal das variáveis: (a) Dióxido de enxofre; (b) Internações totais. A Figura 2 representa as características epidemiológicas dos pacientes com esclerose múltipla internados no período de 2008 a 2016 na cidade de São Paulo. Figura 2: Características epidemiológicas das internações por EM. (a) Gênero; (b) Faixa etária Foi observado para a cidade de São Paulo que cerca de 70% das internações totais eram do gênero feminino para o período em estudo, e que o maior índice de internações ocorreram em pacientes com idade entre 30 e 50 anos. Estes resultados estão de acordo com estudos epidemiológicos em todo o mundo, que mostram que a EM atinge principalmente mulheres adultas (Gregory et al, 2007). A Figura 3 apresenta os gráficos de dispersão e histogramas das variáveis em estudo, assim como a matriz de correlação de Pearson, mostrando uma correlação positiva (p<0,01) entre o poluente SO 2 e as internações por EM. Figura 3: Matriz de correlação de Pearson, gráficos de dispersão e histograma. O tamanho do texto é proporcional ao valor da correlação. VII Brazilian Congress of Biometeorology, Ambience, Behaviour and Animal Welfare 3
Para realização dos modelos de regressão linear múltipla as internações foram separadas em seis variáveis respostas (Int. total, Int. Fem., Int. Masc., 30 anos, 30-50 anos e 50 anos) e as variáveis independentes: temperatura do ar mínima e máxima e umidade relativa Para verificar se os dados deste estudo se ajustavam bem ao modelo foi necessário analisar os resíduos. Analisando os resíduos por meio de gráficos de resíduos versus valores ajustados verificou que os mesmos se distribuem aleatoriamente em torno da média zero, sem nenhum padrão aparente (Figura não apresentada), o que justifica que os modelos de regressão linear múltipla são adequados neste caso. Os resultados de todos os modelos indicaram relação positiva (p<0,01) do número de internações com o aumento da concentração do dióxido de enxofre presente na atmosfera, como mostram os coeficientes na Tabela 1. Apesar de todas as outras variáveis estarem nos modelos (temperatura mínima e máxima e umidade relativa), nenhuma delas além do dióxido de enxofre apresentou significância estatística (p<0,01). Tabela 1: Resultados dos modelos de regressão linear múltipla Modelos Termo Coef. β Valor-p Internações Constante -0,66 0,08 Totais SO2 0,95 0,00 Umidade 0,03 0,55 R²= 52,51% Temp. mínima 0,09 0,83 Temp. máxima 0,08 0,84 Internações do sexo Constante 7,14 0,35 feminino SO2 0,58 0,00 Umidade -0,01 0,76 R²= 31,08% Temp. mínima -0,21 0,63 Temp. máxima 0,11 0,80 Internações Constante -6,42 0,05 do sexo masculino SO2 0,36 0,00 Umidade -0,12 0,51 R²= 40,48% Temp. mínima 0,42 0,03 Temp. máxima -0,12 0,51 Internações < 30 anos Constante 13,52 0,00 SO2 0,37 0,00 R²=37,99% Umidade -0,08 0,01 Temp. mínima 0,02 0,94 Temp. máxima -0,20 0,44 Internações Constante -7,29 0,14 entre 30-50 anos SO2 0,48 0,00 Umidade 0,06 0,06 R²= 36,81% Temp. mínima 0,34 0,25 Temp. máxima -0,02 0,92 Internações > 50 anos Constante -5,67 0,03 SO2 0,11 0,01 Umidade 0,04 0,03 R²= 17,25% Temp. mínima -0,14 0,37 Temp. máxima 0,21 0,17 Nestes resultados, o melhor modelo ajustado indica que 52,51% do número de internações podem ser explicados em função da presença de SO2. O modelo de internações do gênero masculino também VII Brazilian Congress of Biometeorology, Ambience, Behaviour and Animal Welfare 4
apresentou um bom valor de coeficiente de determinação (R²=40,48%). Todos os modelos, tanto de internações por gênero como faxia etária mostram que o dióxido de enxofre pode explicar mais de 30% destas internações. Um possível mecanismo que permite explicar estas observações é descrito no estudo de Yao e colaboradores que realizaram um estudo experimental testando a exposição crônica do dióxido de enxofre em ratos de laboratório na China, como resultado os ratos apresentaram indícios de neuroinflamação e perda de memória. O estudo de Yao et al (2014) incentivou a realização deste trabalho, pois a neuroinflamação é um dos principais sintomas da esclerose múltipla (Yao et al, 2014; Finkelsztejn, 2007). Conclusão Os resultados obtidos neste trabalho mostram que na cidade de São Paulo o dióxido de enxofre pode ter um papel importante na ocorrência de surtos por EM, sendo que a influência do SO 2 é maior em homens na faixa etária abaixo de 30 anos. Esses resultados são importantes, uma vez que até o momento no Brasil não existem estudos que correlacionem o dióxido de enxofre presente na atmosfera com tal doença, e principalmente, pois podem abrir novos caminhos para investigar os mecanismos patogênicos da Esclerose Múltipla. Referências Angelici L, Piola M et al (2015) Effects of particulate matter exposure on multiple sclerosis hospital admission in Lombardy region, Italy. Environmental Research, 145, p. 68-73, 2016. Baggio BF, Teles RA et al (2011) Perfil epidemiológico de indivíduos com Esclerose Múltipla de uma associação de referência. Rev Neurocienc, 19, p. 458-461. CETESB (2013) Qualidade do ar no estado de São Paulo 2013.Companhia Ambiental do Estado de São Paulo. Finkelsztejn A (2007) Tratamento do surto de esclerose múltipla em hospital-dia: estudo de custominização. 64. Dissertação Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre. Gregory AC, Shendell DG et al (2007) Multiple Sclerosis disease distribution and potential impact of environmental air pollutants in Georgia. Science of the total environment, 396, p. 42-51. Heydarpour P, Amini H et al (2014) Potential Impact f Air Pollution on Multiple Sclerosis in Tehran, Iran. Neuroepidemiology, 43, p. 233-238. Hong, YC, Lee JT et al (2002) Effects of air pollutants on acute stroke mortality. Environ Health Perspect. 110, 187 191. Tadano YS, Ugaya CML, Franco AT (2009) Método de regressão de Poisson: metodologia para avaliação do impacto da poluição atmosférica na saúde populacional. Ambiente & Sociedade, v. 12, n. 2, p. 241-255. Yao G, Yue H et al (2015) Chronic SO2 inhalation above environmental standard impairs neuronal behavior and represses glutamate receptor gene expression and memory-related kinase activation via neuroinflammation in rats. Environmental Research, 2015, 85-93. VII Brazilian Congress of Biometeorology, Ambience, Behaviour and Animal Welfare 5