ENRIQUECIMENTO DO SOLO EM QUINTAIS NA TERRA INDÍGENA ARAÇÁ E SUAS APLICAÇÕES



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Transcrição:

ENRIQUECIMENTO DO SOLO EM QUINTAIS NA TERRA INDÍGENA ARAÇÁ E SUAS APLICAÇÕES Rachel Pinho Sonia Alfaia Robert Miller Katell Uguen Leovone Magalhães Marta Ayres Viviane Freitas Ralph Trancoso 1. INTRODUÇÃO Os habitantes da Terra Indígena (TI) Araçá, das etnias Macuxi, Wapixana, Taurepang e Sapará, assim como de outras terras indígenas do Lavrado de Roraima, plantam ao redor de suas casas, em sítios e quintais, uma grande diversidade de fruteiras, principalmente mangueiras, cajueiros, limoeiros, bananeiras, e também outras espécies com diversas finalidades como sombra, alimentação para os animais, uso medicinal, fornecimento de pequenas peças de madeira, entre outras (Figura 1 e Tabela 1). Com tempo, há também o crescimento espontâneo de outras árvores, nativas, como jatobá e jenipapo, que tem suas sementes jogadas no solo pelas pessoas que consomem a fruta, ou outras plantas que têm suas sementes trazidas por animais (pássaros, porcos etc) ou pelo vento. Esses sítios localizados no entorno das casas são de grande importância alimentar para as comunidades indígenas, com uma grande variedade de fruteiras que produzem em diferentes épocas do ano, se desenvolvendo com pouco ou nenhum uso de insumos externos (adubos químicos, por exemplo). Ao contrário dos solos das roças em áreas de mata que empobrecem após dois a três anos de cultivo, o solo dos sítios se enriquece com o passar do tempo, devido ao aumento de matéria orgânica, proveniente dos resíduos orgânicos domésticos (cascas e restos de alimentos, ossos, palha etc), e também do material vegetal das próprias plantas do sítio (folhas, galhos, raízes etc), todos os quais são fontes dos nutrientes essenciais para o crescimento das plantas. Além disso, as fezes e urina dos animais presentes nos sítios (galinhas, patos, porcos e etc.) e também as que são trazidas como adubo (esterco de gado, por exemplo) contribuem para o enriquecimento do solo ao longo do tempo. No presente estudo são apresentados os resultados do Projeto Wazaka ye sobre este processo de melhoria da qualidade do solo em sítios com diferentes idades, para avaliar como os teores de nutrientes aumentam com o passar dos anos. Também foi feita a comparação do solo dos sítios com solos de áreas de Lavrado, capoeira e mata. Nesta publicação, reúne-se, portanto, os resultados de duas dissertações de mestrado desenvolvidas no âmbito do Projeto Wazaka ye, realizadas pelas estudantes Rachel

Pinho 1 e Viviany Freitas 2. O objetivo é levar as informações obtidas nestes trabalhos para o conhecimento e uso por parte das comunidades indígenas. Embora o estudo tenha focalizado a TI Araçá 3, espera-se que seus resultados tenham aplicação para outras terras indígenas do Lavrado. Figura 1. Sítios (quintais) na TI Araçá, Roraima. A: Sítio novo; B: Sítio antigo; C: Dentro do sítio, mostrando a área de terreiro em volta da casa. (FIGURAS COLORIDAS) 1 Quintais agroflorestais indígenas em área de savana (Lavrado) na Terra Indígena Araçá, Roraima INPA/UFAM, 2008. 3 Dinâmica dos nutrientes em capoeiras e florestas em savanas de Roraima INPA/UFAM, 2008 4 A TI Araçá, localizada em área de Lavrado no município de Amajari, foi demarcada em 1982 com extensão de 50.013 hectares. Na TI Araçá há cinco comunidades (Araçá, Guariba, Mangueira, Mutamba e Três Corações) onde vivem cerca de 1490 habitantes pertencentes às etnias Macuxi, Wapichana, Taurepang e Sapará.

Tabela 1. Espécies encontradas nos 60 quintais estudados na TI Araçá. ESPÉCIE Nome popular Nome científico Família FREQÜÊNCIA (Número de quintais onde cada espécie foi encontrada, de um total de 60 quintais) ABUNDÂNCIA (N úmero total de plantas de cada espécie, de um total de 6677 plantas) Manga Mangifera indica Anacardiaceae 56 717 Limão Citrus aurantifolia Rutaceae 54 866 Coco Cocos nucifera Arecaceae 52 245 Caju Anacardium occidentale Anacardiaceae 50 661 Goiaba Psidium guajava Myrtaceae 49 691 Laranja Citrus sinensis Rutaceae 46 476 Ata Annona squamosa Annonaceae 39 196 Araçá Psidium guineens Myrtaceae 37 851 Ingá Inga spp. Mimosaceae 34 110 Jenipapo Genipa americana Rubiaceae 34 541 Acerola Malpighia punicifolia Malpighiaceae 33 81 Azeitona Syzygium cumini Myrtaceae 29 77 Dão Ziziphus mauritiana Rhamnaceae 27 61 Graviola Annona muricata Annonaceae 24 68 Maracujá Passiflora edulis Passifloraceae 22 - Peão Roxo Jatropha gossypifolia Euphorbiaceae 21 142 Banana Musa paradisiaca Musaceae 21 - Pitomba Talisia esculenta Sapindaceae 19 36 Abacate Persea americana Lauraceae 18 27 Algodão Gossypium Malvaceae 18 101 Mamão Carica papaya Caricaceae 17 38 Tangerina Citrus reticulata Rutaceae 17 32 Jatobá Hymenaea courbaril Caesalpinaceae 13 27 Mirixi Byrsonima spp. Malpighiaceae 12 73 Lima Citrus limetta Rutaceae 12 37 Maria Preta Vitex polygama Verbenaceae 12 4 Abacaxi Ananas comosus Bromeliaceae 11 - Tamarindo Tamarindus indica Caesalpinaceae 9 18 Peão Branco Jatropha curcas Euphorbiaceae 9 66 Pimenta Capiscum spp. Solanaceae 9 25 Caimbé Curatella americana Dilleniaceae 8 21 Buriti Mauritia flexuosa Arecaceae 7 20 Vara Branca Casearia sp. Flacourtiaceae 7 16 Carambola Averrhoa carambola Oxalidaceae 7 11 Seriguela Spondias purpurea Anacardiaceae 6 9 Jaca Artocarpus heterophyllus Moraceae 6 6 Jambo Syzygium malaccense Myrtaceae 6 14 Urucum Bixa orellana Bixaceae 5 10 Embaúba Cecropia sp. Cecropiaceae 5 8 Romã Punica granatum Punicaceae 5 6

Tabela 1. CONTINUAÇÃO Nome popular Nome científico Família FREQÜÊNCIA (Número de quintais onde foi encontrada) ABUNDÂNCIA (N úmero total de plantas) Açaí Euterpe sp. Arecaceae 4 5 Jucá Casealpinia ferrea Caesalpinaceae 4 64 Paricarana Bowdichia virgilioides Fabaceae 4 6 Cupuaçu Theobroma grandifolium Sterculiaceae 4 11 Sucúba Himatanthus sucuuba Apocynaceae 3 3 Inajá Maximiliana maripa Arecaceae 3 11 Tucumã Astrocarium tucuma Arecaceae 3 8 Feijão Guandú Cajanus cajan Fabaceae 3 26 Tento Adenanthera pavonina Fabaceae 3 3 Acácia Acacia mangium Mimosaceae 3 4 Marfim Agonandra brasiliensis Opiliaceae 3 5 Mari-Mari Cassia moschata Caesalpinaceae 2 32 Peão verde Jatropha sp. Euphorbiaceae 2 51 Pitanga Eugenia uniflora Myrtaceae 2 2 Maracujá da mata Passiflora sp. Passifloraceae 2 6 Pitomba da mata Talisia sp. Sapindaceae 2 5 Abiu Pouteria caimito Sapotaceae 2 2 Tabacorana Aegiphila sp. Verbenaceae 2 4 Taperebá Spondias sp. Anacardiaceae 1 2 Conde Annona glabra Annonaceae 1 1 Graviola do mato Annona sp. Annonaceae 1 1 Coco Babão Acrocomia aculeata Arecaceae 1 2 Pau d arco branco Godmania aesculifolia Bignoniaceae 1 2 Pata de Vaca Bauhinia sp. Caesalpinaceae 1 5 Pau-Brasil Caesalpinia echinata Caesalpinaceae 1 1 Oiti Licania tomentosa Chrysobalanaceae 1 1 Lacre Vismia guianensis Clusiaceae 1 3 Mamona Ricinus communis Euphorbiaceae 1 2 Pau-Pajé Fissiocalyx fendleri Fabaceae 1 1 Umiriri Humiria balsamifera Humiriaceae 1 1 Algodão da mata Gossypium sp. Malvaceae 1 10 Angico Anadenanthera sp. Mimosaceae 1 1 Apuí Ficus sp. Moraceae 1 1 Jaboticaba Myrcia cauliflora Myrtaceae 1 1 Tachi Triplaris surinamensis Polygonaceae 1 1 Café Coffea sp. Rubiaceae 1 1 Sapoti Manilkara zapota Sapotaceae 1 1 Mutamba Guazuma ulmifolia Sterculiaceae 1 2 Uva Vitis sp. Vitaceae 1 1 Total 6677

Os sítios encontrados ao redor das casas na TI Araçá correspondem ao que se chama de quintal agroflorestal na literatura científica. Embora pouco estudados em Roraima, os quintais agroflorestais são considerados o sistema agroflorestal mais difundido no mundo, sendo encontrados em praticamente todas as regiões tropicais. Os sistemas agroflorestais (SAFs) são sistemas agrícolas onde são consorciadas árvores com culturas agrícolas ou a criação de animais, podendo abranger uma grande variedade de tipos, desde os quintais agroflorestais ao redor das casas até situações como o manejo da rebrota de pau rainha e outras madeiras em meio aos cultivos das roças, sistema também praticado na TI Araçá. Embora existam muitos estudos sobre a composição de espécies dos quintais agroflorestais em vários lugares do Brasil e do mundo, há poucas pesquisas sobre a dinâmica dos nutrientes nos solos nesses quintais. Esta publicação visa apresentar informações úteis a partir dos resultados obtidos nesse estudo, que poderão ser aplicadas em plantios agroflorestais nas comunidades indígenas do lavrado. 2. MÉTODOS 2.1 Coleta e análise das amostras de solo A partir do levantamento de 60 sítios na TI Araçá, foram escolhidos aleatoriamente 15 sítios para amostragem de solo. Estes 15 sítios foram classificados de acordo com a idade, sendo feita a coleta de solo em 3 quintais em cada uma das 5 comunidades, nas seguintes categorias: um quintal novo (idade de 0 a 10 anos), um quintal estabelecido (15 a 35 anos) e um quintal antigo (mais de 40 anos), onde foram coletadas amostras de solo (Tabela 2 e Figura 2). Tabela 2. Descrição dos sítios (quintais) estudados (TI Araçá, Roraima). Comunidade Classificação Idade Quintal novo 5 anos Araçá Quintal estabelecido 21 anos Quintal antigo mais de 40 anos Quintal novo 8 anos Guariba Quintal estabelecido 25 anos Quintal antigo mais de 40 anos Quintal novo 3 anos Mangueira Quintal estabelecido 15 anos Quintal antigo mais de 40 anos Quintal novo 9 anos Mutamba Quintal estabelecido 15 anos Quintal antigo mais de 40 anos Quintal novo 2 anos Três Corações Quintal estabelecido 17 anos Quintal antigo mais de 40 anos

Figura 2. Locais onde foram realizadas as coletas de solos nas 5 comunidades da Terra Indígena Araçá. FIGURA COLORIDA, TRADUZIR As coletas de solo evitaram os terreiros próximos da casa, pois são locais que são sempre mantidos limpos, e não há acúmulo de matéria orgânica. As amostras de solo foram retiradas de locais um pouco mais afastados, onde se acumulam folhas e outros materiais orgânicos, conforme mostra a Figura 2. Para coletar o solo, delimitouse uma parcela de 10 x 15 m, a uma distância de, no mínimo, 2 metros do final do terreiro. Para fins de comparação, para cada quintal amostrado foi feito também uma coleta em área de Lavrado (savana), ao lado do sítio. Essas coletas no Lavrado foram feitas a uma distância de 7 metros da beira do sítio (medindo a partir das últimas árvores), seguindo os mesmos procedimentos (Figura 4). As coletas de solo evitaram os terreiros próximos da casa, pois são locais que são sempre mantidos limpos, e não há acúmulo de matéria orgânica. As amostras de solo foram retiradas de locais um pouco mais afastados, onde se acumulam folhas e outros materiais orgânicos, conforme mostra a Figura 3. Para coletar o solo, delimitou-se uma parcela de 10 x 15 m, a uma distância de, no mínimo, 2 metros do final do terreiro.

A SÉRIE PROJETO WAZAKA YE - RESULTADOS B C D SÉRIE PROJETO WAZAKA YE - RESULTADOS Figura 3. Exemplos de locais dos sítios onde foi feita a coleta de solos. A: sítio novo; B: sítio estabelecido; C: sítio antigo; D: Lavrado ao lado do sítio. SÍTIO LAVRADO 2 m Terreiro 15 m 7 m 15 m 10 m 10 m Figura 4. Desenho esquemático da localização das parcelas para coleta de solo nos sítios e na área no Lavrado próximo.

Para avaliar os teores dos nutrientes encontrados em diferentes camadas do solo, foram retiradas amostras em 3 profundidades de solo: 0 a 10 cm, 10 a 20 cm e 20 a 30 cm. As amostras foram levadas para o Laboratório de Solos do INPA em Manaus, onde foi feita análise química para determinar o teor de nutrientes, de matéria orgânica e acidez no solo de cada um dos 15 sítios estudados e no Lavrado ao lado. Nos gráficos desse trabalho, os valores representados pelas barras foram obtidos calculando-se a média das 3 profundidades. Para se ter uma idéia melhor do processo de enriquecimento do solo dos sítios no contexto mais geral da TI Araçá, os valores encontrados nos sítios foram comparados com os valores obtidos em outro estudo feito pelo Projeto Wazaka ye, com o solo debaixo de capoeiras de diferentes idades e floresta, nas ilhas de mata usadas para a agricultura. Nas matas e capoeiras, a coleta de solos foi feita da mesma maneira, porém o tamanho da parcela foi maior: 45 x 45 m. No laboratório do INPA, foram realizadas análises de: - macronutrientes: Ca (cálcio), Mg (magnésio), K (potássio), P (fósforo) - micronutrientes: Cu (cobre), Zn (zinco), Mn (manganês) e Fe (ferro) - ph (potencial hidrogeniônico) e Al (alumínio), que medem a acidez - matéria orgânica

3. RESULTADOS 3.1 Teores de nutrientes Os gráficos de barras a seguir mostram os resultados para cada um dos nutrientes analisados, em vários locais: Lavrado, quintal novo, quintal estabelecido, quintal antigo, capoeira (de 10 anos) e mata. Cada barra cinza no gráfico mostra a concentração do nutriente em um desses locais: quanto maior for a altura da barra, maior é a quantidade (teor) do nutriente naquele local. Para chegar nesses valores, foram tiradas as médias das três profundidades amostradas, e dos quintais do mesmo grupo de idade (novo, estabelecido e antigo). Potássio (K) A seguir, apresentamos o gráfico para o potássio (K), que é um nutriente que ajuda a planta a resistir à seca e ao ataque de pragas, e a encher os grãos. A unidade de medição do potássio nos diferentes tipos de solo é o cmol.kg -1, que representa a quantidade do elemento encontrado em um quilograma (Kg) de solo. (cmolckg -1 ) A primeira barra, referente ao solo de Lavrado (próximo dos sítios) é menor que as demais barras, mostrando que o solo do Lavrado possui baixo teor desse nutriente. Nas três barras seguintes, que mostram os valores dos nutrientes nos sítios (sítio novo, sítio estabelecido e sítio antigo), podemos constatar que o teor de potássio vai aumentando gradativamente com o passar dos anos. A barra do quintal novo é um pouco maior que a do Lavrado, mostrando que em menos de 10 anos as práticas

desenvolvidas no sítio já começam a contribuir significativamente para enriquecer o solo. No quintal estabelecido (15 a 25 anos), a barra aumenta mais um pouco, mostrando o acúmulo desse nutriente. E o solo dos quintais antigos possui a barra ainda maior, mostrando que após 40 anos o solo do sítio possui mais do que o dobro de potássio do que o solo original de Lavrado. As duas últimas barras mostram os valores dos nutrientes na capoeira e na mata. Antes de fazer a comparação, temos que lembrar que as ilhas de mata na TI Araçá possuem tipos de solo (geralmente o barro vermelho ) que são naturalmente diferentes do Lavrado (e também dos quintais), pois são formadas em cima de rochas. Ainda assim, é impressionante perceber que o teor de potássio é maior nos quintais do que na mata e na capoeira. Ou seja, mesmo que, em geral, os solos das áreas de mata sejam considerados mais férteis que o Lavrado, isso não acontece no caso específico do nutriente potássio, e também do fósforo, como veremos a seguir. Fósforo (P) O fósforo (P) é um nutriente importante no crescimento das raízes e na produção e amadurecimento de frutos. A unidade de medição do fósforo nos diferentes tipos de solo é mg Kg -1 que corresponde a quantos miligramas do elemento são encontrados em um quilograma de solo. (mg Kg -1 ) Nesse caso, vamos começar analisando pelas duas últimas barras, da capoeira e da mata. Na capoeira, o teor de fósforo é baixo, parecido com o do Lavrado (primeira

barra), indicando que o uso agrícola do solo leva ao esgotamento deste nutriente, e que a área precisa descansar ainda por mais alguns anos para recuperar a mesma quantidade de fósforo que tem na mata (última barra). Essa recuperação acontece, em parte, pelo fato das árvores da capoeira retirarem fósforo das camadas mais profundas do solo e promoverem sua reciclagem a partir da queda de folhas, galhos e outras partes das plantas. Nos sítios novos de mesma idade da capoeira (10 anos), a quantidade de fósforo já é bem maior nos sítios do que na capoeira. Com o passar do tempo, o teor aumenta nos solos dos quintais estabelecidos (entre 25 e 35 anos), e mais ainda nos quintais antigos (mais de 40 anos), que possuem trinta vezes mais fósforo que o Lavrado, onde o sítio começou (barra 30 vezes maior), e possuem 4 vezes mais fósforo do que os solos da mata (barra 4 vezes maior). O fósforo (P) e o potássio (K), quando em falta, podem ser adicionados ao solo de várias maneiras. Ambos elementos são encontrados no adubo químico NPK, junto com o nitrogênio (N), mas também podem ser acrescentados ao solo de outras formas, no caso do fósforo, como rocha fosfática moída ou como farinha de osso. Os ossos são compostos basicamente de fósforo e cálcio, sendo que um preparado de adubo caseiro consiste de fazer a queima incompleta de ossos e depois pilar. Essa farinha de ossos é muito útil para a adubação de covas onde serão plantadas árvores frutíferas. O potássio está presente nas cinzas (junto com cálcio e magnésio, principalmente), de forma que não devem ser desperdiçadas as cinzas dos fogões de lenha e fornos de farinha. Essas cinzas podem ser usadas para adubar as plantas, especialmente fruteiras como o coqueiro e a bananeira, que são exigentes em potássio. Cálcio (Ca) e Magnésio (Mg) O cálcio e o magnésio apresentaram comportamento parecido, portanto os gráficos serão apresentados juntos. O cálcio é um nutriente que ajuda a planta a resistir ao ataque de pragas, a ficar rígida (faz parte da parede celular) e também estimula o crescimento das raízes. Já o magnésio participa na fotossíntese (transformação da luz do sol em energia para a planta crescer). Ambos os elementos tem como unidade de medição o cmol Kg -1, que representa a quantidade do elemento encontrado em um quilograma de solo

5 (cmolckg -1 ) 4 3 2 1 0 (cmolckg -1 ) (cmolckg -1 ) A quantidade de cálcio e magnésio nos sítios novos é quase igual no Lavrado, mostrando que mesmo após 10 anos o acúmulo desses nutrientes é muito lento. Já nos sítios estabelecidos (com 15 a 25 anos de idade), as quantidades começam a subir, e nos sítios antigos, após 40 anos, a quantidade de cálcio e magnésio no solo é mais do que o dobro do que há no Lavrado, ou em sítios novos. Apesar do cálcio e magnésio aumentarem no solo dos sítios com o passar do tempo, eles não chegam a alcançar as altas quantidades presentes na capoeira e na mata, por causa da fertilidade natural dos solos das ilhas de mata. Os gráficos anteriores mostraram os valores de macronutrientes (nutrientes que as plantas precisam em grande quantidade). Os próximos gráficos mostram os valores de micronutrientes (nutrientes que as plantas precisam em pequena quantidade), a começar pelo zinco.

Zinco (Zn) O zinco é um nutriente importante para a planta conseguir produzir o hormônio do crescimento e também é essencial na composição de muitas enzimas. As plantas variam quanto a sua exigência de zinco, sendo que o milho é considerado uma cultura muito exigente em relação a esse nutriente. Juntamente com o boro (B), o zinco é considerado muito importante no cultivo das frutas cítricas (laranja, limão, mexerica etc.) (mg Kg -1 ) (mg Kg -1 ) A quantidade de zinco no solo dos sítios variou de maneira parecida com o cálcio e magnésio: no sítio novo, ainda não há acréscimo de zinco, comparando-se com o Lavrado. O teor de zinco começa a crescer nos sítios estabelecidos, e mais ainda nos antigos, atingindo valores um pouco superiores aos da capoeira e da mata. Ferro (Fe) O ferro também é importante para possibilitar a fotossíntese, e está envolvido nos processos que ocorrem no DNA da planta como a multiplicação das células, formação das estruturas reprodutivas, como pólen por exemplo, dentre outras funções. Geralmente, os solos tropicais não possuem problemas por falta de ferro, a não ser em solos alcalinos formados sobre rochas calcárias, com ph alto.

Avaliando o teor de ferro nos sítios, aparentemente ocorre um aumento deste elemento ao longo dos anos, pois os sítios antigos apresentaram teores maiores do que os sítios de menor idade, e também do que o Lavrado. Porém, no caso do ferro, pode ser que esse aumento não seja por causa das práticas desenvolvidas no sítio, mas sim porque alguns sítios antigos se desenvolveram sobre solo com muita piçarra, que é naturalmente rico em ferro. Os solos das ilhas de mata também se mostraram com grande quantidade desse nutriente. Cobre (Cu) e Manganês (Mn) O cobre é um nutriente importante na fotossíntese, e também ajuda a planta a resistir à seca. O manganês acelera a germinação da semente e ajuda os frutos a amadurecerem. (mg Kg -1 ) (mg Kg -1 )

Para o manganês e o cobre aparentemente não há aumento nos teores com o passar dos anos, pois as barras dos sítios das 3 idades possuem tamanhos parecidos, e são parecidos também com o tamanho da barra do Lavrado. Já a capoeira e a mata possuem altos valores desses nutrientes, provavelmente devido ao tipo de solo diferente. Os próximos gráficos mostrarão os teores de matéria orgânica, ph e alumínio. Matéria orgânica do solo A matéria orgânica encontrada no solo representa os restos de plantas e animais, depositados na superfície do solo e depois transformados e incorporados pelo processo de decomposição, com a ajuda de minhocas, insetos, bactérias e fungos. Também inclui os restos de raízes e organismos vivem no interior do solo. A matéria orgânica não é um nutriente, mas sim um material que libera nutrientes, dentre outras funções importantes. Ao alimentar a vida do solo, a matéria orgânica tem dois efeitos principais: (1) ao ser decomposta, disponibiliza os nutrientes que faziam parte dos tecidos das plantas e animais, permitindo que sejam novamente aproveitados pelas raízes das plantas; e (2) mantém a estrutura física do solo, a partir da formação de agregados ou grumos. Estes agregados são formados pela ação dos vários organismos presentes no solo, que cimentam as partículas de areia, argila e silte, permitindo que o solo tenha uma estrutura de macroporos ou canais. Esse espaço entre as partículas do solo facilita o crescimento das raízes e sua oxigenação, bem como a penetração da água da chuva. Entre os principais responsáveis pela formação dos agregados e a manutenção da estrutura do solo estão as minhocas, que usam a matéria orgânica como alimento. Além de alimentar a vida do solo, a presença de matéria orgânica sobre a superfície tem o efeito de amenizar a temperatura do solo, manter sua umidade e proteger contra o impacto das gotas de chuva, que pode causar a desagregação dos grumos e a perda da estrutura do solo, bem como a erosão. Por fim, os processos biológicos no solo criam um grupo de compostos orgânicos estáveis denominados húmus, que além de atuar na estrutura do solo, são responsáveis por reter e promover a lenta liberação dos nutrientes que as plantas precisam.

(g kg -1 ) Nos quintais novos o teor de matéria orgânica é baixo, parecido com o do Lavrado, mas na medida em que o quintal vai ficando antigo, a matéria orgânica aumenta. A capoeira e a mata possuem os maiores teores de matéria orgânica, provavelmente porque a produção farta de matéria orgânica é uma característica do ecossistema florestal. Pode haver também uma relação com o teor de argila nesses solos, pois nas ilhas de mata os solos são mais argilosos do que no Lavrado (e que os quintais, por conseqüência), e a argila ajuda o solo a segurar mais a matéria orgânica. A decomposição da matéria orgânica nos sítios acontece principalmente nas áreas um pouco mais afastadas da casa, pois é para onde se varrem as folhas, onde se amontoa o mato capinado, e onde se joga os restos de alimentos. Potencial Hidrogeniônico (ph) O ph não é um nutriente, mas sim uma medida que pode influenciar na disponibilidade dos outros nutrientes no solo. O ph é inverso à acidez do solo, sendo que quanto maior o ph, menor é a acidez. Quando o valor do ph é muito baixo, indicando solo com muita acidez, alguns nutrientes importantes se tornam indisponíveis para absorção pelas raízes das plantas. O fósforo (P), por exemplo, tem a tendência de formar compostos insolúveis com ferro (Fe) e alumínio (Al) em solos muito ácidos, tornando-se indisponível para as plantas.

O gráfico mostra que o ph nos sítios é um pouco maior que no Lavrado, mostrando que as práticas desenvolvidas nos sítios ajudam a aumentar a disponibilidade dos outros nutrientes para as plantas. A queima das folhas e capim nos sítios, gerando as cinzas, contribui para aumentar o ph do solo. O solo da floresta e da capoeira naturalmente tem um ph mais alto, associado ao tipo diferente de solo. Alumínio (Al) O alumínio é um elemento geralmente tóxico para muitas plantas, principalmente nos solos mais ácidos. Algumas plantas, como o milho, são mais sensíveis ao excesso de alumínio, enquanto outras, como a mandioca, são menos sensíveis. O gráfico abaixo mostra que os sítios contribuem para diminuir a quantidade de alumínio disponível no solo, pois no Lavrado o teor de alumínio é maior. Nas capoeiras e mata, o teor de alumínio é tão baixo que nem aparece no gráfico. (mg Kg -1 )

3.4 Enriquecimento do solo nos sítios lições práticas No sítio acontece não só a decomposição (ou queima) das folhas caídas e do mato capinado, mas também dos restos de alimentos que são consumidos nas casas, do esterco que pode ser trazido para adubar as plantas, e das palhas de buriti que são trocadas de quando em quando. A decomposição de todos esses materiais naturais no sítio é responsável pelo enriquecimento do solo, conforme constatado pelo estudo. Porém isso acontece de maneira muito lenta, com o passar dos anos. Como podemos acelerar e aproveitar melhor esse processo natural, pensando na produtividade de fruteiras e outras plantas dos sítios? Aqui estão algumas dicas: - Colocar cinzas no pé das plantas, especialmente as mais exigentes, como o coqueiro; - Varrer as folhas para fazer cobertura vegetal ao redor das plantas, principalmente aquelas ainda pequenas (isso também ajuda a diminuir o calor e evita o ressecamento do solo); - Utilizar material vegetal bem decomposto (terra preta), cinzas, ossos e esterco bem curtido para adubar as covas quando for fazer o plantio de mudas; - Plantar leguminosas (plantas que produzem vagens), pois suas folhas são ricas em nitrogênio e ajudam a fertilizar o solo no processo conhecido como adubação verde. - Alguns restos de alimentos podem ser jogados diretamente no pé das plantas, como borra de café e cascas secas de macaxeirae mandioca. Deve-se ter cuidado com alimentos que acumulam moscas ou produzem mal cheiro, como carne. Nesses casos é melhor enterrar ou fazer compostagem. - Utilizar o esterco para adubar as plantas, tomando cuidado para não queimar as plantas mais sensíveis (como cupuaçu) com estrume verde. As Figuras 5, 6 e 7 a seguir ilustram várias dessas técnicas sendo utilizadas.

A B C D E Figura 5. Exemplos de cobertura vegetal ao redor das plantas (A e B: capim; C: tronco de bananeira, D: folhas de bananeira; E: palha de inajá). Comunidade Araçá, TI Araçá, RR.

Figura 6. Casca do fruto de buriti sendo jogada diretamente no pé de uma planta. Comunidade Guariba, TI Araçá, RR. A B C B D Figura 7. Exemplos de plantas usadas como adubação verde: feijão-guandu em área de roça (A) e caiçara (B e C). D: Feijão-de-porco plantado na caiçara, ajudando a combater o crescimento do mato. Comunidade Mutamba, TI Araçá, RR.

Outra forma de melhorar o solo do Lavrado que também é uma prática comum nas comunidades indígenas é a caiçara, onde a adubação é feita pelo gado, que dorme em uma área cercada por um determinado período de tempo. Quando a área da caiçara recebe estrume suficiente, passa a ser utilizada para o plantio de bananeiras, mandioca e outras culturas. Em muitos casos, as caiçaras ficam afastadas das casas, portanto são locais menos adequados para o plantio de frutíferas. No entanto, seria interessante experimentar nelas o plantio de árvores madeireiras, tal como o pau rainha, que tem se tornado escasso em várias comunidades. Diferente do sítio, aonde o solo vai sendo enriquecido ao passar dos anos, as caiçaras geralmente são abandonadas após poucos anos. No entanto, é provável que as caiçaras plantadas com árvores possam desenvolver um solo mais rico, a partir da contribuição das folhas e da possibilidade das raízes poderem explorar e reciclar nutrientes de camadas mais profundas do solo. 4. CONCLUSÕES Quando comparados com áreas de Lavrado, os solos dos sítios (quintais agroflorestais) na TI Araçá apresentaram um importante aumento de nutrientes ao longo do tempo. Em alguns casos, os nutrientes atingiram níveis parecidos ou maiores que solos de florestas e capoeiras, que possuem solos naturalmente mais férteis. A prática de plantar árvores frutíferas nos sítios, junto com as atividades domésticas que caracterizam a ocupação do local, resulta na criação de ilhas de fertilidade no meio do Lavrado, onde os solos geralmente são muito pobres. Esse aumento de nutrientes nos sítios acontece em razão dos resíduos orgânicos depositados ao redor das casas, como restos de alimentos, esterco de gado, palhas, madeira, entre outros, ou provenientes das próprias plantas do quintal, como folhas que caem no chão e são varridas, galhos podados e mato capinado. Ao invés de esperar o longo processo de enriquecimento do solo dos quintais que demora muitos anos, os agricultores indígenas podem aproveitar os princípios envolvidos de maneira mais rápida, usando materiais disponíveis nas comunidades (cinzas, folhas, esterco, ossos, restos de alimentos etc.) para adubar plantios e enriquecer o solo.

Outra tecnologia indígena que merece estudos mais aprofundados é a caiçara, que apresenta potencial para o cultivo de árvores em áreas de Lavrado. AGRADECIMENTOS A equipe do projeto Wazaka ye agradece aos tuxauas das comunidades Araçá, Guariba, Mutamba, Mangueira e Três Corações bem como aos estudantes e técnicos agrícolas indígenas Marcelo, Geronildo, Carlos e Toniéllison, aos professores, alunos e demais lideranças e membros das comunidades da TI Araçá que nos acompanharam e apoiaram esse trabalho. Agradecemos também ao CIR (Conselho Indígena de Roraima) pelo apoio e parceria. E à Comunidade Européia, CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo financiamento e concessão das bolsas de estudo. ESCLARECIMENTO SOBRE AUTORIZAÇÕES Os estudos dos solos dos sítios e das matas e capoeiras foram realizados no âmbito do projeto Wazaka ye-guyagrofor: Estudo de solos, roças e florestas em Roraima, que obteve autorização do CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético) em dezembro/2006 para realização de pesquisa científica com acesso a conhecimento tradicional associado na TI Araçá. A autorização se baseou em parte no Termo de Anuência Prévia (TAP) discutido e assinado pelas comunidades envolvidas. O TAP é um documento que esclarece como serão feitas as atividades do projeto, de maneira a assegurar aos indígenas que seus direitos e costumes serão respeitados, inclusive o direito de impedirem a realização do projeto. A autorização da Funai (Fundação Nacional do Índio) para entrada em Terra Indígena se baseou em análise interna e em parecer sobre o mérito científico emitido pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Ciência e Tecnologia) e na consulta às comunidades. Os projetos de mestrado também foram submetidos à aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa do INPA (CEP-INPA) e pelo Comitê Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), em Brasília.