RESTAURO E MODERNIZAÇÃO DA BIBLIOTECA CENTRAL DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Resumo: Em 2004, integrando o Plano Diretor de Obras da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, o arquiteto Paulo Bruna foi contratado para o projeto de restauro e requalificação da sua biblioteca central: 2.850 metros quadrados distribuídos em quatro pavimentos. Visibilidade, acessibilidade e funcionalidade, somadas às necessidades de ampliação do acervo de livros, organização das áreas administrativas e estruturação da circulação foram idéias que nortearam o projeto. Com a reforma, o acervo de livros aumentou sua capacidade de 53.000 para 117.000 exemplares. O acervo de periódicos, uma estrutura metálica dos anos 1930, agora é visualmente acessível a partir da circulação do primeiro pavimento e pelo acesso principal. O foco foi tanto com relação às novas necessidades funcionais quanto à preservação e respeito a este edifício de inquestionável importância histórica, institucional, urbanístico e arquitetônico. Palavras-chaves: Biblioteca de medicina. Arquitetura. Restauro. Abstract: In 2004, the architect Paulo Bruna was hired to make the project of restoration and requalifyng of its central library, as part of the Master Plan of Works in the Faculdade de Medicina of Universidade de São Paulo FMUSP: a 2850-squaremeter library divided in four floors. Visibility, accessibility and functionality, necessity for larger space for the bookshelves, organization of administration areas and a well structured circulation were the main ideas. After the works, the books collection increased in capacity from 53.000 to 117.000 volumes. The periodicals collection, seated on an interesting 1930 s metallic structure, now is visually accessible from the circulation on the first floor and from the main entrance. The focus was about the new functional necessities and about the preservation and respect to this building, which has unquestionable historical, institutional, urbanistic and architectural importance. Keywords: Medicine library. Architeture. Restoration.
Introdução O primeiro instrumento legal da Escola Médica em São Paulo - a Academia de Medicina, Cirurgia e Pharmacia - foi a lei nº. 19, de 24 de novembro de 1891, e 21 anos após foi outorgada a lei nº. 1357, de 19 de dezembro de 1912, que implantou a Faculdade de Medicina e Cirurgia de São Paulo, com regulamento estabelecido no decreto nº. 2.344, de 31 de janeiro de 1913. Em 1914 as aulas passaram a ser ministradas na sede provisória da Faculdade, localizada à Rua Brigadeiro Tobias. A construção do edifício central da Faculdade, na Avenida Municipal, atual Avenida Dr. Arnaldo, foi autorizada em 1916, sendo lançada sua pedra fundamental em 25 de janeiro de 1920. Contratado o Escritório Técnico Ramos de Azevedo, o início da construção deu-se em 25 de janeiro de 1928. O edifício sede foi concebido em estilo gótico, típico de universidades americanas no século XIX e início do XX e contou com a Fundação Rockefeller, que apoiou iniciativas no setor da saúde pública e do ensino e pesquisa na área biomédica em São Paulo.(Faria, 2002). Teve sua inauguração em 15 de março de 1931 e em 1934 foi integrada à recém-criada Universidade de São Paulo. A planta do edifício sede da Faculdade de Medicina está organizada em torno de dois pátios internos, enclausurados; três blocos perpendiculares e dois paralelos à Avenida Dr. Arnaldo os delimitam. A entrada pela Avenida, tem gradil que delimita a propriedade, com algumas pilastras com desenho gótico e é enfatizada pela maior altura deste bloco, que abriga a administração e que conduz ao hall central e à escada principal. Os blocos laterais, simétricos e de menor altura, abrigam a biblioteca e o anfiteatro. Devido à sua importância histórica e arquitetônica, conforme registro da Secretaria de Estado de Cultura, o edifício da FMUSP foi tombado em 16 de março de 1981, pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo - Condephaat, cujo presidente era o Prof. Dr. Nestor Goulart Reis Filho, que fez parte,
em 2004, do projeto de restauro e requalificação da Biblioteca Central da Faculdade de Medicina, do arquiteto Paulo Bruna (Figura 1). Figura 1 - Fachada da FMUSP, década de 1930. Fonte: Processo de Tombamento do Condephaat. Desenvolvimento Em 2004, após vencer concorrência, o arquiteto Paulo Bruna foi contratado para o projeto de restauro e requalificação da Biblioteca Central da FMUSP, como parte da primeira etapa do Plano Diretor, norteador do Projeto de Restauro e Modernização da FMUSP, que prevê o restauro de todo o prédio, para recuperação de seus aspectos histórico-arquitetônicos, remodelação, modernização e ordenação das atuais instalações, visando à adequação do edifício às necessidades e aos novos conceitos do ensino e pesquisa médicos. Os quatro pavimentos ocupados pelos cerca de 2.500m 2 da Biblioteca Central traziam uma série de questões a serem resolvidas, como a entrada original, no nível da Avenida Dr. Arnaldo, com aproximadamente duzentos metros quadrados, que fora ocupada por outro serviço, fazendo com que o acesso principal ficasse em área interna, no segundo pavimento. Os problemas físicos e espaciais iam, desde a insuficiência de área para acervos e atendimento adequado ao usuário até a necessidade de condicionamento térmico, além da umidade e infiltrações que comprometiam a integridade do acervo. Os ambientes eram mal distribuídos e o excesso de paredes e portas impedia a fluidez, com locais mal aproveitados. À ausência de lógica nos fluxos unia-se a descontinuidade da escada principal,
interrompida no primeiro andar. O projeto atuou no sentido de pensar as instalações em função das novas necessidades funcionais traduzidas em visibilidade, acessibilidade, ampliação da área de acervo, organização das áreas administrativas e estruturação da circulação. Ao passar a entrada para sua posição original o acesso tornou-se independente da faculdade, constituindo-se num fator de segurança e racionalidade; a partir desta decisão, o projeto foi estruturado, traçando claramente os diversos fluxos e os níveis de acesso (Figuras 2 e 3). Foram criadas zonas funcionais bem definidas: no primeiro pavimento está o setor de atendimento ao usuário; no embasamento, áreas de oficinas, copiadora e acervo de periódicos, com acesso restrito; no segundo pavimento está a maior parte do acervo de livros e as salas de estudo; o terceiro abriga as áreas de processos técnicos e administrativas. Figura 2 - Antiga entrada, pelo segundo pavimento. Figura 3 - Nova entrada no primeiro pavimento, com o novo balcão de atendimento. O novo balcão de atendimento foi desenhado de forma a organizar e distribuir racionalmente os usuários: o guichê frontal é destinado à devolução de material, sem que haja necessidade de entrar, à direita, estão os armários para guarda de pertences dos usuários, antes de passar pela catraca, ao lado do balcão. A retirada de material e pedidos de periódicos são feitos do lado oposto da devolução, e a saída dá-se pelo lado esquerdo. Na área lateral está o Serviço de Acesso à Informação - SAI. Após o ingresso, o usuário depara-se com um grande caixilho de vidro que permite contato visual com o mobiliário anteriormente oculto do acervo de periódicos. Ao seu lado organiza-se o sistema de circulação vertical, com
a escada à direita e o elevador e monta-carga, à esquerda. A escada que conduz que conduz ao embasamento, teve a execução minuciosa das peças do guardacorpo em ferro e madeira, tanto quanto o piso em granilite, mantendo o mesmo tom dos degraus existentes. Este espaço subutilizado, tinha a escada principal interrompida e substituída por outras duas em lance reto, direcionalmente opostas. Sua reconstrução até o embasamento, aliada à instalação do elevador e do montacarga, foi essencial para a integração da biblioteca (Figuras 4 e 5). Figura 4 - Antiga escada. Figura 5 - Hoje com continuidade até o embasamento. A execução do poço do elevador foi a operação mais delicada da obra; sendo escolhido um elevador sem casa de máquinas, pois o pé-direito amplo permitiu a inserção dos comandos sob a última laje, evitando, assim, interferências na cobertura. Adjacente ao elevador foi colocado o monta-carga, que atende todos os pavimentos, e junto a ele há um shaft de instalações elétricas, hidráulicas e de ar condicionado, com acesso em todos os pavimentos. A grande intervenção sofrida na área do acervo de livros, na década de 1970, prejudicou o encaminhamento das águas pluviais. Infiltrações também provinham dos terraços, cujo ladrilho hidráulico original foi totalmente retirado e reproduzido em peças novas, para a execução de nova impermeabilização e correto encaminhamento das águas para os coletores existentes. A solução para o telhado,
com várias águas, foi instalar terças metálicas sobre as vigas, cobertas com telha metálica. O diferencial deste projeto foi o baixo custo de estrutura, mantendo as passarelas metálicas (Figuras 6 e 7). Figura 6 - A cobertura com problemas de escoamento de águas pluviais Figura 7 - Acervo de livros e área de leitura, antes da reforma A escada helicoidal foi substituída por uma escada metálica em lance reto, mais larga e segura. Seis vãos foram abertos, na cobertura, e colocadas telhas de policarbonato, para iluminação. Todos os acabamentos antigos tinham a predominância do cinza e vinho, com a reforma as estantes receberam pintura eletrostática na cor verde. O guarda-corpo teve fechamento em vidro laminado fosco e as passarelas metálicas receberam piso vinílico, para conforto térmico e acústico. O piso granilite existente, por ser original, não foi removido e a solução foi manter o mesmo material. O piso em parquet, na atual área administrativa, e o piso em taco, no acervo de periódicos, também foram restaurados. O grande desafio, contudo, era aumentar a área de acervo de livros. Ao incorporar a área da entrada original e outras de aproximadamente 50m² cada, junto aos corredores do primeiro e segundo pavimentos, a biblioteca passou a ocupar 2.850m², permitindo o aumento de sua capacidade de armazenamento. A área dos computadores para pesquisa, cerca de 25 equipamentos, ficou concentrada em dois pontos, no primeiro e no segundo andares. Anteriormente havia duas mesas,
externas à biblioteca, para o estudo em grupo, e com as obras foram destinadas quatro salas fechadas, para seis pessoas cada uma e com isolamento acústico adequado. O acervo de periódicos não teve sua capacidade ampliada, mas recebeu acabamentos novos, adequando-se às normas de combate a incêndio. A estrutura dos anos 1930 apresentava problemas: algumas prateleiras metálicas haviam sido substituídas por outras de madeira, incompatíveis com os critérios de conservação de coleções antigas e as luminárias eram ineficientes; todas as partes metálicas receberam o mesmo tratamento dado ao acervo de livros e a plataforma metálica foi revestida com piso vinílico. As paredes em contato com solo receberam tratamento contra infiltração (Figuras 8 e 9). Figura 8 - Acervo de livros, com a nova escada metálica e novos acabamentos. Figura 9 - Acervo de livros no segundo pavimento. Com a incorporação da área no primeiro pavimento, foi possível a acomodação junto aos periódicos das três Coleções Especiais, com seu acesso pelo acervo de periódicos, requerendo adequação da escada metálica que dava acesso aos dois níveis superiores da estrutura. O levantamento minucioso das peças metálicas da escada existente permitiu que o desenho original e a continuidade da escada fossem mantidos. Nos patamares foram instalados hidrantes e nas portas de vidro foram colocadas barras anti-pânico, garantindo a segurança deste que é o ponto mais crítico em caso de emergência. Com a reforma, toda a biblioteca recebeu condicionamento térmico artificial, cujas casas de máquinas foram instaladas no embasamento, no segundo andar e sobe o hall dos elevadores. O layout interno
considerou, além das áreas de acervo e estudo, as áreas para funcionários, organizados em quatro grupos com tarefas bem definidas. O mobiliário existente, cujos modelos e padrões de acabamento diferentes exigiram estudo cuidadoso. A nova organização espacial levou em conta a organização do trabalho, com o Serviço de Promoção e Divulgação SPD e o Serviço de Acervo e Tratamento da Informação - SATI, no terceiro pavimento, além de uma sala de treinamento. A Diretoria Técnica, passou para o terceiro pavimento. O SAI Serviço de Acesso à Informação tem o atendimento ao usuário concentrado no 1º pavimento, com um posto localizado no 2º andar. O desafio da execução foi manter serviços essenciais em lugares adaptados, ainda que precariamente, pois todo o acervo foi transferido para um depósito especial, ficando disponível apenas 3.000 volumes da bibliografia básica e a logística deveria combinar os remanejamentos de áreas e o cronograma de serviços, que começaram pelas mudanças estruturais, como a demolição dos trechos de laje para a execução do poço do elevador e das novas lajes dos sanitários, a construção do novo lance da escada principal, a instalação da nova escada metálica, além das obras na cobertura. Devido à natureza do projeto, foi solicitado o acompanhamento do arquiteto durante os serviços. A inauguração foi em 18 de outubro de 2006, com as obras civis concluídas, necessitando apenas de pequenos ajustes e retoques; em dezembro do mesmo ano, a biblioteca passou a funcionar com entrada independente pelo jardim. Resultados Usuários e funcionários aprovaram a nova estrutura funcional da biblioteca, com instalações modernas e espaços amplos que valorizaram seu papel referencial entre as instituições de ensino médico. O desenho de Ramos de Azevedo
foi respeitado e desvendado. Tanto o projeto quanto sua execução estiveram perfeitamente alinhados com as diretrizes do Plano Diretor, baseados na recuperação dos aspectos histórico-arquitetônicos do prédio, na remodelação e modernização das atuais instalações de acordo com os novos conceitos do ensino e pesquisa e as necessidades impostas pelas novas tecnologias de acesso à informação. As metas foram atingidas com êxito, sem prejudicar os aspectos históricos e as características originais cabíveis foram respeitadas, com a cuidadosa combinação entre partes novas e partes recuperadas, para não criar sobreposições desagradáveis ou desconexas. Os espaços internos foram organizados e modernizados, de acordo com os fluxos dos processos de trabalho. O projeto adequou a biblioteca em função das novas necessidades funcionais traduzidas em visibilidade, acessibilidade, ampliação da área de acervo, organização das áreas administrativas e estruturação da circulação. Todos os colaboradores mantiveram-se em contato constante com a equipe de projetos da FMUSP, bem como com a equipe da Biblioteca, de forma a conduzir de modo participativo o projeto e compatibilizar todas as intervenções com o Plano Diretor. A avaliação final é positiva (Bruna e Gouveia, 2007)... o respeito ao original não limitou o atendimento às necessidades de modernização, assim como a modernização não implicou em intervenções drásticas e traumatizantes. O antigo abriga o moderno, numa convivência harmoniosa. O moderno reporta-se ao antigo, numa atitude respeitosa e louvável. Ambos resultam em uma biblioteca funcional, agradável e adequada ao uso. Referências FARIA, Lina Rodrigues de. A Fundação Rockefeller e os serviços de saúde em São Paulo (1920-30): perspectivas históricas. In: História, Ciências, Saúde- Manguinhos, vol. 9, n. 3. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=s0104-59702002000300005 > Acesso em 26 abr. 2007.
CALDEIRA, Marina Pires do Rio. História da criação da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Disponível em: http://www.fm.usp.br/sobre/ historico.php > Acesso em 18 abr. 2008. São Paulo. Secretaria de Estado da Cultura. Lista dos Bens Tombados no Estado de São Paulo. Faculdade de Medicina USP (Avenida Dr. Arnaldo, 445 - Cerqueira César) Processo: 20625/78, Tomb.: Res. 8 de 16/3/81, D.O.: 17/3/81, Livro do Tombo Histórico: Inscrição nº 1, p. 26, 29/5/1981. Disponível em: <http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/sec/menuitem.da9951edef838c342ff05210c 19714a0/?vgnextoid=6ef9fbe356338010VgnVCM1000001c79410aRCRD > Acesso em 26 abr. 2007. Eixo temático: Impacto das Tecnologias de Informação na gestão de Bibliotecas Universitárias ambiente físico de Biblioteca face às mudanças decorrentes do impacto das tecnologias RESTAURO E MODERNIZAÇÃO DA BIBLIOTECA CENTRAL DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Autores: Bruna, P. 1 Crestana, M. F. 2 Instituições: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Endereços eletrônicos: 1 2 pb@paulo-bruna.com.br crestana@usp.br