A mercantilização da educação superior e o processo de financeirização das universidades

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Transcrição:

A mercantilização da educação superior e o processo de financeirização das universidades António Augusto Baptista Rodrigues ISEC Instituto Superior de Educação e Ciências aarodrigues@isec.universitas.pt Resumo Num sistema de economia aberta, a mercantilização da educação superior é uma realidade com a qual temos de conviver. Pode o Estado impedir que tal não aconteça? As universidades públicas quando cobram propinas não estão a colocar em causa o princípio constitucional da gratuitidade do ensino? A massificação de alunos no ensino superior e a crise económica com repercussões no financiamento público das universidades, proporcionaram uma mudança no setor com a prática de lógicas de mercado mais acentuadas. A mudança do papel do Estado, que passa a ser essencialmente avaliador ou regulador, confronta-nos a todos com o papel que as Universidades devem prosseguir. Este artigo assenta na perspetiva de que as duas realidades coexistem, o meio-termo assenta numa fórmula de atuação de compromisso em que o conhecimento, ainda que não em exclusivo da universidade pública, deve ser assegurado com níveis de qualidade excelência mantido. É certo que o paradigma institucional da universidade, enquanto instituição de conhecimento e de investigação ainda prevalece, e ainda bem, mas as próprias instituições públicas redesenharam os seus processos de captação de alunos com vista à melhoria da sua situação financeira, pressuposto muitas vezes apontado como exclusivo e nefasto da prática da mercantilização do ensino. Resultados para a sociedade existem e são provenientes dos dois modelos de atuação, com universidades públicas e privadas a figuram em rankings internacionais. Como na vida empresarial, existem instituições de ensino pioneiras, inovadoras e vanguardistas e outras, seguidoras, que estão no mercado numa perspetiva de marcar uma quota de mercado meramente comercial. O mercado é poderoso e dita as orientações a que as instituições devem prosseguir, por isso, muitas das universidades públicas, valorizam

estratégias de abertura a novos mercados numa lógica concorrencial, sem perder de vista a caraterística de bem público que é a educação. Palavras Chave: Bem Público, Concorrência, Financiamento, Mercado, Mercantilização 1.Introdução A mercantilização da educação superior é o nome dado ao processo em que o desenvolvimento dos fins e dos meios da educação superior, tanto no âmbito estatal como no privado, sofre uma reorientação de acordo com os princípios e a lógica do mercado e sob a qual a educação superior, gradativa e progressivamente, perde o status de bem público e assume a condição de serviço comercial. O financiamento das universidades públicas é maioritariamente proveniente das transferências de verbas inscritas anualmente no Orçamento de Estado obedecendo ao disposto na Lei n.º 37/2003 de 22 de Agosto, alterada pela Lei n.º 49/2005 de 30 de Agosto e pela Lei n.º 62/2007 de 10 de Setembro. Para além do valor das transferências do Orçamento de Estado, as universidades públicas financiam a sua atividade através do recurso a receitas próprias provenientes de propinas, verbas de projetos de investigação, fundos comunitários, serviços prestados à comunidade, entre outros. No caso da Universidade Católica Portuguesa, tendo sido criada pela Concordata entre o Estado Português e a Santa Sé, não tem um caráter estatal pelo que não recebe verbas provenientes do Orçamento de Estado. Assim, as suas fontes de receitas são idênticas às universidades públicas estatais, à exceção da impossibilidade de acesso ao financiamento proveniente do Orçamento de Estado. 2. Meio envolvente objetivo e meio envolvente percebido Considerando as universidades como organizações, não é discutível que a sua sobrevivência não dependa da capacidade de interação e ação com o meio envolvente. Na literatura de gestão estratégica é consensual reconhecer que o meio envolvente contextual condiciona a longo prazo as atividades das organizações. Embora o conceito de meio envolvente se apresente simples e claro na sua essência, é importante compreender que a forma como se apreende e se interioriza na empresa é crucial no processo de formulação da estratégia. O meio envolvente é complexo: abrange uma vasta gama de aspetos que se entrecruzam e que, de forma direta ou indireta afetam as organizações. A esta complexa teia de fenómenos correspondem

leituras que podem ser feitas com diversas perspetivas ou privilegiando vertentes particulares, consoante o objetivo central pretendido (Nicolau,2001). Sendo as universidades, instituições de conhecimento e de investigação, é relevante conhecer se são as condições objetivas que o meio envolvente lhe proporciona e que constituem o enquadramento ambiental da sua atividade e, por isso, deverão ser consideradas para a definição do comportamento estratégico, ou se, pelo contrário, o que importa verdadeiramente é a forma como são percebidas e interiorizadas essas condições. Estamos perante duas perspetivas assentes em aspetos diferentes e com resultados previsíveis consequentemente diferentes. A consideração do meio envolvente objetivo corresponde a assumir que são as condições concretas em que as empresas atuam que, em última instância, contribuem ou determinam o sucesso ou insucesso da forma como decidem desenvolver a sua atividade, independentemente da leitura mais ou menos correta que os agentes possam fazer da realidade. Conceber a envolvente deste modo não significa que os problemas de perceção não sejam relevantes no processo de formação das estratégias, mas estes são um fenómeno não externo mas interno, ligado à capacidade dos agentes na recolha, organização, análise e seleção da informação relevante. Na perspetiva de Anderson e Paine (1975) e Smart e Vertinsky (1984), o meio envolvente só se torna conhecido para a organização através da perceção dos seus gestores e é tendo em conta essa perceção que se formam as respostas estratégicas das empresas (Fombrun e Zajac, 1987). Na perspetiva de Santiago (2005), o contexto que marca a ascensão dos mercados no ensino superior pode ser claramente percebido através: (i) das pressões para a mudança de produção do conhecimento e na educação/formação com vistas às suas aplicações para a economia e para o mercado; (ii) da expansão dos sistemas via diversificação de instituições e da separação das dimensões de investigação e ensino; (iii) das mudanças nas estratégias de controle social das instituições por meio de avaliações regulatórias e exigência de prestação de contas; (iv) pela autopressão interna que vislumbra nas novas situações de mercado uma oportunidade de legitimação social da universidade.

Nas últimas duas décadas, num contexto simultâneo de massificação dos alunos, de redução de financiamento público e de desenvolvimento de novas tecnologias de informação e comunicação, a educação superior sofre uma transformação inédita com a introdução de lógicas de mercado. Para Seixas (2003), tal transformação ocorre associada a uma mudança do papel do Estado, que passa a ser essencialmente avaliador ou regulador, atingindo principalmente as universidades, confrontando- as com crises de identidade. O modelo da universidade orientada pelo e para o conhecimento entra em colisão com o modelo da universidade pelo e para o mercado 3. A realidade atual O Estado assume funções de regulador e avaliador das instituições através da figura da acreditação dos cursos 1. As sociedades mudaram em todos os aspetos e as universidades não puderam permanecer iguais a si mesmas, independentemente da abordagem ideológica que se pretenda adotar. A força do meio envolvente obrigou a uma reorientação estratégica das suas finalidades e objetivos. É assim em qualquer organização, e num contexto de escassez de recursos financeiros o Estado enquanto principal financiador não foi capaz de garantir as transferências necessárias para o funcionamento e as universidades tiveram de encontrar formas e modelos adequados ao novo contexto. Apesar dos esforços, das dificuldades e da discussão do modelo de financiamento mais adequado, não é por acaso que as universidades assumem também um papel central na requalificação da economia (Estratégia Europa 2020) e para potenciar a competitividade dos mais variados setores. Este objetivo é importante para o país de tal forma que as universidades públicas têm vindo a afirmar-se nos contextos nacional e internacional evidenciado pela presença crescente em rankings de referência. Sem nunca perder de vista a caraterística de bem público que é a educação, a adaptação às novas condições do meio envolvente decorre de variáveis contextuais nomeadamente o aumento do número de cursos e a investigação dirigida ao mercado em que naturalmente os alunos são os primeiros destinatários. 1 Através do Decreto-Lei n.º 369/2007, de 5 de novembro, é instituída pelo Estado Português a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), que tem como fins a avaliação e a acreditação das instituições de ensino superior e dos seus ciclos de estudos, bem como o desempenho das funções inerentes à inserção de Portugal no sistema europeu de garantia da qualidade do ensino superior.

É uma falsa questão e uma retórica não aceitar que a dimensão económica está presente na vida de qualquer organização. Não significa isto que as instituições, em particular as universidades não possam nem preservem a sua missão. 4. Conclusões Em Portugal não se pode falar propriamente de um processo de financeirização 2 entendido na perspetiva do atual de funcionamento do capitalismo global, originado na década de 1980, contemporâneo da mundialização financeira, marcado pela importância da lógica da especulação, ou seja, por decisões de compra e venda de ativos comandadas pela expectativa de revenda e recompra com lucros em mercados secundários de ações, imóveis, moedas, créditos, commodities e vários outros ativos. O número de estudantes matriculados nas universidades não apresenta dimensão de escala relevante, como acontece no Brasil, para que o processo seja reconhecido na realidade, embora seja pertinente refletir no assunto. Além do número de alunos, fator que atualmente define quase integralmente o financiamento estatal a cada instituição de ensino superior, a tutela quer também introduzir no modelo de cálculo os compromissos futuros assumidos por cada instituição, bem como de fatores de qualidade, incluindo mudanças positivas na gestão das instituições e os resultados da sua interação com o tecido económico e cultural de cada região. Novas exigências dos mercados e financiamento das universidades são uma realidade indesmentível. A primeira altamente exigente e instável não só na diversidade mas também como força motriz do desafio de gerir instituições com uma cultura histórica enorme, a segunda carece de uma reformulação na distribuição de recursos a instituições tão diversas em número de alunos, número de docentes, capacidade de investigação e internacionalização. Esquecer que a verdadeira razão para existência das universidades são os alunos, e são estes que comunicam o que querem é reconhecer que as universidades não mudaram 2 Configurada pela concentração de capital decorrente da formação de grandes grupos educacionais (nacionais e transnacionais), a partir de fusões e aquisições. Esses grupos, por sua vez, quando lançam seu capital na bolsa de valores (financeirização), passam a submeter-se ao controle de grupos de investimento, resultando na depreciação da qualidade de ensino e restrição da função social da universidade. A mercantilização é composta da desnacionalização e da financeirização, que podem manifestar-se em conjunto ou separadamente.

preferindo estar em bicos de pés alimentadas por uma perceção irreal da sua existência condicionada por uma dimensão ideológica em que o Estado tem sem nenhuma reserva, garantir a todo o custo os recursos necessários para garantir a universalização da educação pública. Autonomia pressupõe a melhor afetação dos recursos disponíveis independentemente da maior ou menor quantidade. Um modelo baseado na relação entre a capacidade das universidades, medida pelos recursos que tem á sua disposição e os resultados alcançados parecer ser um modelo justo e equilibrado de financiamento. Para isso, a definição de um indicador de capacidades e vários indicadores de resultados que reflitam a missão da universidade em termos de formação e produção académica e a respetiva relação permite estabelecer o desempenho de cada universidade A autonomia universitária reconhecida pela Constituição da República Portuguesa implica a consagração da regra geral que consiste na liberdade de funcionamento das universidades. Esta liberdade de ação reconhece às universidades o direito de estabelecer, arbitrar e aplicar os seus recursos para o cumprimento da sua missão social e função institucional entre outras. Sendo as transferências do Orçamento de Estado as maiores receitas, seguindo-se as propinas dos alunos e as restantes, receitas próprias, é de assinalar o trabalho notável que as instituições fizeram nos últimos anos de diminuir a despesa e aumentar as receitas de diversas formas, preservando a missão institucional sem tornar o conhecimento uma mercadoria. Não existe nenhuma alquimia distributiva que possa resolver os problemas de financiamento. O bom senso apela a um balanço justo e equitativo entre a necessidade de manter instituições de qualidade e a necessidade de reconhecer e financiar o crescimento do ensino superior. A tensão entre apoiar adequadamente o que existe em vez de responder às exigências da expansão do ensino é endémica é uma questão de políticas a prosseguir. Falar de modelos ou metáforas de financiamento implica modos diferentes de perspetivar o funcionamento das universidades. Um financiamento de índole burocrático não garante a autonomia efetiva dos sistemas de educação superior, a qualidade e a eficiência no uso dos recursos públicos. Um

financiamento de índole corporativo não resiste ao corporativismo, e não se adapta à diferenciação e massificação do ensino. Por último, um financiamento do tipo mais mercantil coloca em risco o futuro ameaçando a capacidade de autorregulação das instituições e a própria autonomia universitária. Mas, por outro lado, alguma organização do tipo burocrática é necessária, pois é consensual que os governos usando recursos públicos garantam o acesso a todos à educação superior, os mecanismos corporativos são necessários para o bom desempenho das atividades que dependem da iniciativa, da criatividade e preservação da identidade e missão histórica das universidades. Alguma visão mercantilista é necessária para controlar os efeitos nocivos do corporativismo, da oligarquização e da burocratização do Estado. Os três tipos de financiamento e coordenações académicas no sentido weberiano só podem existir de maneira combinada. O bom desempenho de um sistema de educação superior depende menos do predomínio de um dos modelos, que do tipo de combinação que se consegue estabelecer em cada caso entre os três. Sistemas altamente burocratizados e verticais têm muito a ganhar com a introdução da competitividade; experiencias de introdução de mecanismos de mercado, parecem que requerem parâmetros mais explícitos, e formas mais estruturadas de controlo e coordenação; formas extremas de autonomia corporativa necessitam ser moderadas pelas exigências e interesses da sociedade, seja por via do governo, ou por via do mercado. As três modalidades de financiamento devem coexistir e contrabalançarem-se mutuamente. Além do número de alunos, fator que atualmente define quase integralmente o financiamento estatal a cada instituição de ensino superior, urge aplicar uma modelo hibrido que envolva os compromissos futuros assumidos por cada instituição, bem como fatores de qualidade, incluindo mudanças positivas na gestão das instituições e os resultados da sua interação com o tecido económico e cultural de cada região. A abertura ao sector privado na década de 80, a introdução de propinas na década de 90,a publicação da lei de bases do financiamento do ensino superior, em 2007, que impele as universidades a procurarem receitas próprias e o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior que instituiu a possibilidade de as Instituições de Ensino Superior adotarem o regime de fundação pública com regime de direito privado, foram

sinais positivos de reconhecer a mudança no setor da educação superior. O Estado é um avaliador, provedor e financiador de recursos. Em conclusão, as universidades enfrentam e não podem fugir da realidade das exigências do meio envolvente. Isso, não significa que a mercantilização do ensino é uma força arrasadora da função social que desempenham. Acompanhar a realidade e as exigências do meio é um sinal de maturidade e de compreensão dos novos papéis no ensino e na investigação sob pena de as universidades estagnarem e não atraírem alunos estrangeiros e investigadores não serem reconhecias internacionalmente e não contribuírem para o desenvolvimento do país. Depender financeiramente do Estado e/ou depender de financiamentos externos alimenta o debate da autonomia universitária, mas o dia-a-dia das universidades revela-se na capacidade de expandirem as suas bases de receita, condição indispensável para a sua sobrevivência e consequentemente prosseguirem a missão de produção e difusão do conhecimento. 5.Referências bibliográficas Nicolau Isabel (2001). O conceito de meio envolvente. ISCTE. Andserson, C.R.e F. T. Paine (1975). Managerial Perception and Strategic Behavior, Academy of Management Journal, 18(4),813-823. Smart, C. e I. Vertinsky (1984). Strategy and the Environment: A Study of Corporate Responses to Crisis, Strategic Management Journal, 5, 199-213. Fombrun, C. J. e E. J. Zajac (1987). Structural and Perceptual Influences on Intraindustry Stratification Academy of Management Journal, 30(1), 33-50. Santiago, R. (2005).O Managerialismo no Campo Organizacional das Instituições de Ensino Superior. Aveiro: Universidade de Aveiro. Seixas, Ana Maria (2003). Políticas Educativas e Ensino Superior em Portugal: a inevitável presença do Estado. Coimbra: Quarteto Editora, p.22.