INÁCIO CORREIA PAMPLONA: O



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Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas DECIS Programa de Pós-Graduação em História - PGHIS INÁCIO CORREIA PAMPLONA: O Hércules do sertão mineiro setecentista Maria Emília Aparecida de Assis São João del Rei 2014

Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal de São João del Rei - UFSJ Departamento de Ciências Sociais, Políticas e Jurídicas DECIS Programa de Pós-Graduação em História - PGHIS INÁCIO CORREIA PAMPLONA: O Hércules do sertão mineiro setecentista Dissertação de Mestrado apresentada ao curso de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São João del Rei, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em História. Orientadora: Profa. Chaves de Resende. Dra. Maria Leônia Maria Emília Aparecida de Assis São João del Rei 2014

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor de Processamento Técnico da Divisão de Biblioteca da UFSJ Assis, Maria Emília Aparecida de A848i Inácio Correia Pamplona: o Hércules do sertão mineiro setecentista [manuscrito] / Maria Emília Aparecida de Assis. 2014. 176f.; il. Orientadora: Maria Leônia Chaves de Resende. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de São João Del Rei. Departamento de Ciências Sociais, Política e Jurídicas. Referências: f. 177-192. 1. Poder político - Teses 2. Entradas e bandeiras Teses 3. Sesmarias Minas Gerais Teses I. Minas Gerais História Teses II Pamplona, Inácio Correia III. Resende, Maria Leônia Chaves de (orientadora) IV. Universidade Federal de São João del Rei. Departamento de Ciências Sociais Políticas e Jurídicas V. Título CDU: 981.51

Programa de Pós-Graduação em História Este exemplar da dissertação intitulada INÁCIO CORREIA PAMPLONA: O HÉRCULES DO SERTÃO MINEIRO SETECENTISTA da mestranda MARIA EMÍLIA APARECIDA DE ASSIS, corresponde à redação final aprovada pela Banca Examinadora, em 03 de fevereiro de 2014, constituída pelos seguintes membros: Profa. Dra. Maria Leônia Chaves de Resende Universidade Federal de São João del- Rei Orientadora Profa. Dra. Núbia Braga Ribeiro Universidade do Estado de Minas Gerais Membro Titular Prof. Dr. Danilo José Zioni Ferretti Universidade Federal de São João del-rei Membro Titular

Agradecimentos Aos meus pais, Mário e Maria Natividade, com todo amor e carinho! A vida é repleta de etapas a serem cumpridas e nenhuma delas seria vencida se caminhássemos sós. Assim, ao fim deste trabalho restaram várias pessoas as quais devo algum tipo de gratidão. Inicialmente, devo agradecer a Deus, pelo dom da vida e por ter me concedido força e sabedoria para prosseguir nos momentos mais difíceis desta caminhada. Com muito amor, a minha mãe, Maria Natividade, baluarte de minha vida, por toda dedicação, valores transmitidos, e por não ter poupado esforços, dentro de suas possibilidades, para que eu pudesse chegar até aqui. A meu pai, Mário, que a cada encontro me fazia retornar a doce infância e esquecer por alguns instantes meus problemas! Agradeço pela cumplicidade e incentivo. Obrigada por entenderem muitas vezes minha ausência e por terem sido meus amigos e meus maiores cúmplices e por terem me mostrado que os desafios fortalecem e que é necessário encará-los com coragem, e que os fracassos existem para que exercitemos a humildade e saibamos sempre recomeçar. Nos momentos difíceis de minha vida sempre me espalharei em vocês! Aos meus irmãos, Karina e Mário Henrique, pelo exemplo de luta e caráter. A minha madrinha, Leila Dias pelas preces e serenidade em momentos essenciais desta jornada. A minha orientadora, Professora Maria Leônia, devo eterna gratidão por todos os documentos coletados para suas próprias pesquisas e que gentilmente me concedeu, como por exemplo, seção de alguns manuscritos da Biblioteca Nacional e obras de difícil obtenção que foram de grande importância na reflexão empreendida. Por suas leituras sempre críticas, rigorosas e justas, e, principalmente por me instigar a ler e produzir História na contramão das velhas verdades. Ensinou-me a olhar por outro ângulo a História do Brasil Colonial e foi de fundamental importância na minha opção pela História de Minas Gerais Setecentista. Agradável e único encontro! A Professora Núbia Braga devo muito mais que agradecimentos. Pela interlocução, pelas preciosas sugestões e indicações bibliográficas por correio eletrônico na fase do Bacharelado e que muito ajudaram na consolidação e amadurecimento do texto que viria se tornar uma dissertação. Pelas leituras críticas e atenciosas trazendo ponderações pertinentes e interessantes.

Ao Professor Danilo José Zioni Ferretti, cuja participação na banca de qualificação foi essencial para a tomada de novas posições. Sua generosidade, sua capacidade de trabalho e seu compromisso com a História são, sob todos os aspectos, dignos de admiração. Ao Professor Francisco Eduardo de Andrade que participou do exame de qualificação, pelas observações, críticas e sugestões, que foram primordiais para o aprimoramento do estudo. Sou grata a Professora Sílvia Brügger, que na disciplina, Seminários de Pesquisa, me ensinou a desconfiar dos discursos. Aos funcionários do Arquivo Regional do IPHAN de São João del Rei, que viabilizaram a digitalização do testamento e do inventário de Inácio Correia Pamplona e aos servidores do Arquivo Público Mineiro pela receptividade e presteza. Ao diretor da Casa Setecentista, Cássio Sales, e ao Monsenhor Flávio Carneiro Rodrigues, do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana que me acolheu e permitiu o acesso ao Processo Matrimonial de Inácio Correia Pamplona e do Processo de Habilitação de Genere, Vitae et Moribus, de seu filho, o Pe. Inácio Correia Pamplona Corte Real. Documentos inéditos e de extrema relevância para compreender a trajetória de vida de Inácio Correia Pamplona. Ao Aílton, secretário do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de São João del Rei, por sua generosidade e agilidade na deliberação de todas as questões burocráticas. Aos funcionários da E. E. Padre Crispiniano Ritápolis/MG -, pelo incentivo. Agradeço com imensa alegria a minha amiga, Joyce, A sinhazinha das Lavras Novas do Funil, pelo reencontro acadêmico e por dividirmos as angústias da escrita. Aos meus amigos nos momentos difíceis e incertos, em especial Júlio, Cláudia, Sheila e Sílvia Costa: palavras, atos, felicidade e companheirismo são para sempre. Amigos de verdade são aqueles que nos marcam para sempre, estando sempre conosco independente de qualquer circunstância da vida. A São João del Rei, cidade dos sinos, da música e da História, conhecida como Princesa do Oeste! Foi nesta cidade cheia de histórias e tradições, de um coração cheio de estudantes de vários lugares, além de seu povo sempre acolhedor que objetivei tornar-me historiadora. Nada mais prazeroso que estudar História em uma cidade tão rica como esta! É por isso que neste momento, orgulho-me de ter dado aqui meus primeiros passos, concluindo um dos períodos mais importantes de minha vida!

Resumo A proposta desta pesquisa é analisar e compreender as estratégias utilizadas por um representativo potentado local, Inácio Correia Pamplona, de usar o poder lusitano para projetar-se no sertão oeste da Capitania de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. O presente estudo considera as relações de poder estabelecidas no sertão num emaranhado de interesses entre potentados e autoridades coloniais com a Coroa. Daí a discussão das estruturas de poder, das trocas de interesses serem parte para compreensão da atuação dos sertanistas e em específico de Pamplona. O sertanista conseguiu a confiança de importantes governadores das décadas de 1760 a 1780 se projetando no cenário colonial como um altivo representante das autoridades coloniais na esfera pública. Como líder sertanista foi responsável por inúmeras campanhas militares com o objetivo de civilizar e limpar os sertões de seus habitantes considerados bárbaros, ou seja, quilombolas, gentios e vadios. Para legitimar essas expedições foram criadas várias representações negativas dessa população. Assim através dessas expedições, o sertanista conquistou todo o sertão do Campo Grande sob a justificativa de um projeto civilizatório. No entanto, Pamplona ficou conhecido, antes de tudo, como o terceiro delator da Inconfidência Mineira. Palavras-chave Poder político - entradas e bandeiras sesmarias Minas Gerais colonial.

Abstract The aim of this research is analyze and understand the strategies of a representative local potentate, Inácio Correia Pamplona, in order to protrude himself into the west backlands of Minas Gerais s Captaincy in the second half of the eighteenth century. This study considers the power relations between stablished in the west backlands among potentates, colonial authorities, and the Portuguese Crown interests. Pamplona got the confidence of important rulers of the 1760 s and 1780 s, projecting himself as a proud representative of the colonial authorities in the public sphere. The power structures discussion and the exchange of interests are important to understand the role of sertanistas and, in particular, of Pamplona s role. As a sertanista leader he was responsible for numerous military campaigns with the goal of civilizing and clearing the backlands of its inhabitants considered barbarians: quilombolas, gentios and vadios. To legitimize these expeditions, several negative representations of this population were created. So through these expeditions, the sertanista conquered all the backlands of Campo Grande on the promise of grounds of putting on a civilizing project. Keywords - Political Power colonial expeditions - sesmarias - colonial Minas Gerais.

Lista de Ilustrações 1. Capela de Nossa Senhora da Glória do Arraial da Passagem Mariana - 35 Edificação do século XVIII 2. Genealogia da ascendência de Inácio Correia Pamplona 38 3. Genealogia da descendência de Inácio Correia Pamplona 39 9

Lista de mapas 1. Mapa da Comarca do Rio das Mortes com os termos das Vilas de São João del 44 Rei matizado e São José branco. 2. Carta Geographica da Capitania de Minas Gerais [Caetano Luiz de Miranda, 45 1804, Arquivo Histórico do exército, RJ]. 3. Mapa do itinerário feito pela comitiva de Luís Diogo Lobo da Silva em 1764. 95 4. Mapa da conquista do mestre de campo Inácio Correia Pamplona. 109 5. Mapa da conquista do mestre de campo, regente, chefe da legião Inácio Correia 116 Pamplona (cerca de 1784). X

Sumário Lista de Ilustrações Lista de mapas IX X Introdução ----------------------------------------------------------------------------------- 13 Capítulo 1 - O personagem e seu tempo: Inácio Correia Pamplona - trajetória pessoal e familiar ---------------------------------------------------------------------------------------- 27 1.1 - Origem, destinos e família ------------------------------------------------------------ 27 1.2 - Comarca do Rio das Mortes: uma terra promissora à espera de Pamplona ---- 41 1.3 - Administração, busca pela honra e remuneração dos vassalos na América portuguesa do Antigo Regime -------------------------------------------------------------- 47 Capítulo 2 Uma trajetória de conquista e civilização: o sertão oeste das Minas Gerais setecentista ----------------------------------------------------------------- 67 2.1 O sertão: uma só terra e várias simbologias ------------------------------------------ 67 2.2 Palco de disputas e um mundo cheio de incertezas - região oeste mineira setecentista: o sertão gentílico e quilombola --------------------------------------------- 72 2.3 As entradas nos sertões do Eldorado mineiro e a perenidade da instituição das sesmarias -------------------------------------------------------------------------------------- 80 2.4 As expedições de Pamplona no sertão oeste mineiro ------------------------------- 87 2.4.1 Ensaio da primeira experiência sertanista de Pamplona ------------------------- 89 2.4.2 As expedições de 1764 e a de 1767 primeira marcha de Pamplona ao oeste mineiro ---------------------------------------------------------------------------------------- 93 2.4.3 A expedição de 1769 Inácio Correia Pamplona em marcha para civilizar um sertão rebelde ---------------------------------------------------------------------------- 103 2.4.4 As expedições de 1773-1781-1782 o sertão da riqueza: terra, ouro e índios 117 2.5 Um herói para o sertão ------------------------------------------------------------------ 120 Capítulo 3 Da sedição à sedução: as manobras do Visconde de Barbacena e de Pamplona na Inconfidência Mineira (1789), e a morte de um revoltoso

astucioso (1810). ---------------------------------------------------------------------------- 1135 3.1 Inconfidência Mineira: um breve diálogo com a historiografia ---------------- 1135 3.2 - Visconde de Barbacena: leal ou desleal vassalo? -------------------------------- 139 3.3 Quando Pamplona joga seu jogo mais arriscado: a Inconfidência Mineira -- 149 3.4 A morte de Pamplona: um revoltoso agoniado (1810) ------------------------ 165 Considerações Finais ---------------------------------------------------------------------- 174 Fontes ---------------------------------------------------------------------------------------- 177 Bibliografia --------------------------------------------------------------------------------- 180

Introdução Que intrépido, que ardente, que pasmoso! Vencendo vai ao monte desmedido Um novo herói buscando o cume erguido, Onde a fama erigiu seu templo honroso (...). * Hércules lhe dá a clava e diz a fama Respeitem as idades o meu brado; Aqui um Alcides novo hoje se aclama. * Já que foi como Hércules esforçado Cinja o grande Pamplona a verde rama Que o faça sempre eterno e decantado 1. Durante a década de 70, a historiografia sobre a América portuguesa sofreu um duplo abalo. Internamente, as obras de Ciro Flamarion Cardoso e Jacob Gorender 2 questionaram a máxima inaugurada e perpetuada nos anos anteriores que enrijecia a relação entre Portugal e suas conquistas americanas, bem como apontava a dependência, através do pacto colonial, destas últimas em detrimento da primeira. Na prática, estes autores colocaram em xeque a teoria do sentido da colonização de Caio Prado Júnior, mas respaldada por autores como Celso Furtado e Fernando Novais 3. Preocupados em entender a dinâmica interna, Cardoso e Gorender tentavam demonstrar que havia uma vida própria e autônoma nos confins da América, e que as necessidades da Coroa 1 Ao senhor Inácio Correia Pamplona condecorado com vários honrosos postos na sua expedição para a conquista do Campo Grande, cabeceiras do Rio São Francisco, Indaiá e Pernaíba [sic]. In: NOTÍCIA diária e individual. Anais da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, v. 108, pp. 53-113, 1988, p.56. 2 CARDOSO, Ciro Flamarion. As concepções acerca do sistema econômico mundial: a preocupação obsessiva com a extração de excedente. In: LAPA, José Roberto do Amaral. Modos de produção e realidade brasileira. Petrópolis: Vozes, 1980. GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo, Ática, 1978. 3 PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. Colônia. 16ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1942. FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 17ª edição. São Paulo: Editora Nacional, 1980. NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 1979. 13

portuguesa não impediam a proliferação de outros modos de uso do negro e de atividades agrícolas. Externamente, o complexo colonial lusitano e as estruturas do Antigo Regime também foram questionadas com os trabalhos de Charles R. Boxer, A.J.R. Russell- Wood, António Manuel Hespanha 4 e outros. De um lado, Portugal passava a não ser visto mais isoladamente e sim inserido em um complexo ultramarino, marcado por uma teia de relações sociais que o dotavam de amplos tentáculos imperiais que precisavam ser harmonizados; do outro, sua estrutura política absolutista foi relativizada, demonstrando a existência de um corpo administrativo auxiliar e de um poder corporativo. Entender a lógica de funcionamento da sociedade colonial brasileira nesse contexto tem sido o mote dessa linha interpretativa. Os reflexos desses novos olhares, novas propostas e descobertas empurraram a historiografia colonial a tentar enxergar peculiaridades, especificidades e individualidades nas décadas seguintes. João Fragoso, Maria Fernanda Baptista Bicalho, Maria de Fátima Gouvêa 5, Stuart Schwartz 6, só para ficar em alguns casos, aprofundaram os estudos iniciados pelos historiadores dos anos 70 e descortinaram uma nova América portuguesa: com uma economia multifacetada, uma base política marcada pela negociação, com uma sociedade ampla, complexa e desenhada por características lusitanas adaptadas. Noções como economia do dom 7, economia de serviços circular 8, economia política de privilégios 9, dentre outras, têm informado os trabalhos empíricos sobre o período. Tomando a historiografia sobre Minas Gerais, confere-lhe uma conotação política também diferente, no tocante as relações verticais, distendendo as relações de dominação que se verificam de cima para baixo e enfatizando a capacidade de 4 BOXER, Charles R. A idade de ouro do Brasil: dores de um crescimento de uma sociedade colonial. Trad. Nair de Lacerda. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. RUSSEL-WOOD, A. J. R. O governo local na América portuguesa: um estudo de divergência cultural. Revista de História USP, ano 25, v. 55, pp. 25-80, 1977. XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA, António Manoel. As redes clientelares. In: MATOSO, José (Direção). História de Portugal: o Antigo Regime. Lisboa: Estampa, 1998. 5 FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. 6 SCHWARTZ, Stuart. Segredos Internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 7 XAVIER, Ângela Barreto e HESPANHA, António Manoel. As redes clientelares. Op. cit. 8 MONTEIRO, Nuno Gonçalo. O crepúsculo dos grandes. A casa e o patrimônio da aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional da Casa-Moeda, 1998. 9 FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda & GOUVÊA, Maria de Fátima (Org.). O Antigo Regime nos trópicos. Op. cit. 14

habitantes da colônia comunicarem-se diretamente com a metrópole. Reconhecendo o potencial interpretativo possibilitado por esse viés, a eficácia da elite colonial com a capacidade de tecer redes clientelares, descortina-se os emaranhados das relações de poder na capitania mineira setecentista. Esse retrato começou a ser repensado no início dos anos oitenta. Através de um tratamento documental diferenciado, os autores contemporâneos perceberam outras perspectivas para se abordar o universo setecentista mineiro. A tese da centralidade política portuguesa na América foi enfaticamente refutada. Desta forma, os pesquisadores instigaram a repensar os discursos que permeiam a relação dicotômica entre Colônia e Metrópole 10. A riqueza de situações particulares revela a natureza da política e da prática administrativa, talhada nos inúmeros levantes e repressão; o nascimento de uma sociedade pluriétnica e pluricultural, tributária de moldes europeus, mas fadada a buscar arranjos novos para camuflar sua natureza. O olhar sobre o mercado interno, a tentativa de percepção das estratégias de potentados locais e de sua jus particular possibilitam ricas interpretações históricas sobre o sertão de Minas Gerais ampliando a compreensão sobre o cotidiano desse espaço histórico complexo. Assim buscamos ilustrar esses aspectos, rastreando a trajetória de Inácio Correia Pamplona, que muito contribui para dar carne e ossatura ao que, sem as personagens, seria apenas cogitação. 10 Destacam-se os trabalhos luminosos das atuais perspectivas e suas consequentes inovações nas interpretações da diversidade e complexidade da economia, do cotidiano, da política e da administração na Capitania de Minas Gerais no período setecentista. Para citar apenas alguns trabalhos, entre outros tantos: SOUZA, Laura de Mello e. Política e administração colonial: problemas e perspectivas. In: O sol e a sombra: política e administração na América Portuguesa do século XVIII. São Paulo, Cia. das Letras, 2006. pp. 27-77. FURTADO, Júnia Ferreira. Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para o império marítimo português no século XVIII. In: SOUZA, Laura de Mello e; FURTADO, Júnia Ferreira & BICALHO, Maria Fernanda. O Governo dos Povos. São Paulo: Alameda, 2009, pp. 107-130. PAULA, João Antônio de. A mineração de ouro em Minas Gerais do século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLATA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: As Minas Setecentistas. Vol. 1. Belo Horizonte: Autêntica, Companhia do Tempo, 2007, pp. 279-301. FURTADO, Júnia Ferreira. O Distrito dos diamantes: uma terra de estrelas. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLATA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: As Minas Setecentistas. Op. cit. pp. 303-320. GUIMARÃES, Carlos Magno; REIS, Flávia Maria da Mata. Agricultura e mineração no século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLATA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: As Minas Setecentistas. Op. cit. pp. 321-336. MENESES, José Newton Coelho. A terra de quem lavra e semeia: alimento e cotidiano em Minas Gerais colonial. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLATA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: As Minas Setecentistas. Op. cit. pp. 337-358. SILVA, Flávio Marcus. Práticas comerciais e abastecimento alimentar em Vila Rica na primeira metade do século XVIII. In: RESENDE, Maria Efigênia Lage de; VILLATA, Luiz Carlos. História de Minas Gerais: As Minas Setecentistas. Op. cit. pp. 359-376. 15

A Capitania de Minas Gerais foi marcada desde a origem pela atividade mineradora que, embora não sendo atividade econômica exclusiva, foi um dos principais fatores que configurou a estrutura socioeconômica regional. A capitania passou a ocupar lugar central nas articulações político-econômicas do mundo lusobrasileiro setecentista. Tendo atraído grandes contingentes populacionais, aventureiros de várias partes do reino e também de outras regiões da própria América Portuguesa, os governos impuseram a capitania algumas adaptações. Através de um rápido processo de diferenciação socioeconômica, para receber e abrigar um elevado número de recémchegados, a maioria deles movidos pela mais desenfreada ambição e potencialmente propensos a entrar em conflitos de interesse, quer com seus iguais, quer com o Estado Português. Nas primeiras décadas do século XVIII, as Minas Gerais passaram por um processo de urbanização considerável marcado pela desorganização, todavia verificamse as estruturas de poder criadas nos núcleos urbanos e possivelmente sem par na história da colonização portuguesa até então conhecida. O cenário dominante nas Minas era de um permanente confronto dos novos habitantes desejosos de enriquecer rapidamente, e, portanto, tentando fugir da ação limitadora do Estado com as autoridades designadas para controlar o território, prontas a utilizar instrumentos de poder que a Coroa lhes conferia 11. Na medida em que se consolidavam as Minas de ouro, intensificou-se, a partir dos focos de povoamento, a exploração do sertão oeste e a expansão das fronteiras das terras agropastoris. Da terra sertaneja das Minas Gerais setecentista, emergiam do chão mais que ouro e diamantes. A terra abrigava uma rede de muitas teias a entrelaçar interesses de potentados, sesmeiros e posseiros. As autoridades coloniais descreviam o imenso espaço do sertão oeste, principalmente do Campo Grande e das nascentes do rio São Francisco, com os seus usuais, e indesejáveis, ocupantes - negros quilombolas, índios bravos e mestiços sem posição definida. Nas décadas de 1740 e 1750, com a expansão territorial da capitania de Minas Gerais e a instituição da rota de Goiás, aumentaram as tensões sociais naquele sertão, resultante da entrada constante de sesmeiros, roceiros, mineradores e faiscadores. Estes novos entrantes das Minas situaram-se no território, especialmente nos pontos estratégicos das rotas, ou nas áreas que dessem saída para os núcleos de povoamento 11 FURTADO, João Pinto. O manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-1789. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p.15. 16

mais antigos. Advém dessa ocupação, marcada por interesses econômicos e políticos dos coloniais, os conflitos de jurisdição num território constituído pelo enquadramento realizado pelos poderes eclesiásticos e civis. Alguns aspectos da ação política desencadeada na segunda metade do século XVIII tiveram por objetivo geral assegurar, para a Coroa portuguesa, a posse de seus domínios na América. Em larga medida, visava-se a formação de vassalos úteis à desejada grandeza do império colonial português. Entendemos que Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês de Pombal, foi o principal formulador da fundamentação teórica e das práticas políticas adotadas no projeto civilizador em terras coloniais. Nesse sentido, percebemos que, aos poucos, foi definido um "sistema político, civil e militar" para ser aplicado às capitanias do Estado do Brasil, o qual estava estabelecido sob um princípio geral: a Coroa portuguesa, para assegurar a posse de seus domínios americanos, precisava adotar ações que garantissem o aumento do "número dos fiéis alumiados da Luz do Evangelho, pelo próprio meio de multiplicação das povoações civis e decorosas" 12. Nesse período, consideramos que os domínios portugueses na América, passaram a receber, efetivamente, maiores atenções, especialmente quanto à delimitação de suas fronteiras com as terras espanholas e a consequente ocupação das terras do sertão, com o intuito de, povoando-as, garantir, sua posse. As autoridades coloniais e metropolitanas entendiam que o sertão mineiro precisava ser controlado e civilizado com base em suas próprias concepções do que viria a ser civilizado devido às suas riquezas e possibilidades econômicas - para isso era imprescindível sua conquista 13. Pode-se perceber que junto à ideia de conquista havia claramente definida a busca por algo que era identificado com o conceito de riqueza. No caso de Minas 12 INSTRUÇÃO de Governo de Mendonça Furtado. In MENDONÇA, Marcos Carneiro de. Rios Guaporé e Paraguai: primeiras fronteiras definitivas do Brasil. Rio de Janeiro: Xerox do Brasil, 1985, pp. 42-47. 13 Durante o século XVIII, o conceito de civilização desempenhou um papel importante no discurso da colonização nas terras portuguesas. Carregado de uma dimensão metropolitana, o conceito alcançou uma ampla extensão, penetrando também em áreas que praticamente não tinham ainda sido influenciadas pelos poderes coloniais. A função política e sócio-cultural do uso do conceito variou bastante de acordo com o contexto histórico. No caso, do território colonial, o termo passou a designar de acordo com os interesses portugueses uma oposição entre o progresso metropolitano - e a barbárie sertões. BOER, Pim den. Civilização: comparando conceitos e identidades. In: FERES JÚNIOR, João e JASMIN, Marcelo. História dos conceitos: diálogos transatlânticos. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora PUC-Loyola-IUPERJ, 2007. pp. 121-128. Um dos elementos constituidores da ação política desencadeada na segunda metade do século XVIII e que teve por objetivo geral assegurar para a Coroa portuguesa na América foi a delimitação das fronteiras e a ocupação das terras no sertão, com o intuito de, povoando-as, garantir, a sua posse. E para isso, o governo não hesitou em adentrar as áreas proibidas e dominar todo tipo de resistência frente ao processo de ocupação da terra. 17

Gerais, esta era associada principalmente ao ouro e aos diamantes, a concessões de sesmarias e a escravização indígena, ainda que residual 14. E para obter estas riquezas nenhum esforço seria medido. Era por elas que todas as forças eram reunidas e tudo era justificado. As expedições enviadas ao sertão exemplificam isto, ou seja, empreendiam implacáveis guerras contra as populações nativas e até mesmo a dizimação de muitas delas com o objetivo de localizar ouro e transformar aquelas terras em áreas seguras aos mineradores. Em Minas Gerais, o povoamento da região oeste 15 e do leste também apresentava um problema de difícil solução: por mais que as autoridades tentassem por meios diversos controlar essa região, ela continuou a ser pelo menos até meados do século XIX esconderijo de inúmeros quilombolas e palco de tribos consideradas como selvagens e bárbaras 16. Essa população passou a ser associada a empecilhos à expansão e, por que não, à civilidade apregoada pelas autoridades. Eram vistos como verdadeiros inimigos públicos. O sertão oeste mineiro era um local fora de controle das autoridades. Por mais que tentassem controlar as terras e os homens, pouco ou nada conseguiam. Diante disso, pode-se afirmar que durante o século XVIII houve um projeto de civilização voltado para a Colônia. Embora tenha sido desenvolvido na Metrópole tal projeto foi, em linhas gerais, apropriado pelas elites coloniais. Uma das principais ideias era a crença de que a sociedade branca vista como a civilizada deveria incorporar outras áreas à fronteira colonial, preferencialmente ricas e com possibilidades de produzirem, mas que estavam sob controle de bárbaros, ou seja, daqueles que não compartilhavam dos mesmos 14 Para uma análise das conquistas ou entradas em Minas Gerais do século XVIII, remeto ao excelente estudo de RESENDE, Maria Leônia Chaves de. Gentios Brasílicos: índios coloniais na Minas Gerais Setecentista. 2003, 401 f. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, 2003. Cf. também: LANGFUR, Harold Lawrence. The Forbidden Lands: frontier, Settlers, Slaves and Indians in Minas Gerais, Brazil, 1760-1830. Faculty of the Graduate School, University of Texas/Austin, 1999. 15 Foi justamente essa a parte da Capitania onde o confronto de agricultores potenciais e quilombolas se manifestou com maior intensidade, assim como a que hoje mais propriamente se conhece como Triângulo Mineiro. Proliferaram os quilombos: por todo o período, o do Ambrosio ou o do Campo Grande; e ainda o de Indaiá, Pedra Menina e Abaeté, em 1768; o de Paraibuna, em 1769; o de Bambuí e o de Tamanduá, em 1770. Para uma lista bastante completa dos Quilombos em Minas Gerais setecentista, ver GUIMARÃES; Carlos Magno. A Negação da Ordem Escravista: quilombos em Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo: Ícone, 1988. AMANTINO, Márcia Sueli. O Mundo das Feras: Os moradores do sertão oeste de Minas Gerais século XVIII. 2001. 426 f. Tese (Doutorado em História). Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, 2001. 16 AMANTINO, Márcia Sueli. O Mundo das Feras. Op. cit. p.248. 18

sistemas culturais e de valores. Para isso era necessário eliminar de uma forma ou de outra, estes elementos 17. O projeto civilizador proposto para Minas Gerais só seria levado a esse efeito se houvesse um controle sobre a existência daqueles que viviam no sertão, e se esse controle fosse estendido também às terras. O controle sobre essas terras era teoricamente de fácil solução, uma vez que eram doadas sob a forma de sesmarias a quem tivesse condições de desenvolvê-las 18. Os sérios obstáculos com relação ao povoamento das áreas mais afastadas eram os grupos indígenas e os quilombolas. Assim com o objetivo de controlar essa região e sua população, várias expedições foram enviadas aos sertões. O objetivo era destruir qualquer elemento que estivesse prejudicando o povoamento e desenvolvimento da região. Após ter solucionado este problema, sesmarias deveriam ser distribuídas a fim de que pessoas passassem a arcar com a responsabilidade de manter a área livre dos quilombolas e dos índios. Durante a expedição era preciso também criar Igrejas, símbolo do poder espiritual sobre os homens, cuidar das pendências judiciais que fossem encontradas, casar as pessoas que viviam em concubinato e iniciar plantações que facilitassem novas expedições 19. Inácio Correia Pamplona, português de origem, cumpriu bem esse papel, tendo sua vida marcada pelas atividades desbravadoras nos sertões da capitania mineira, exterminando índios e quilombolas que se localizavam no oeste de Minas Gerais e pelo controle quase que absoluto que detinha da região em função de possuir muitas terras e poderes conferidos pelos próprios Governadores 20. Pamplona apresentou-se, dessa forma, como um pacificador do sertão, administrando a justiça aos litigantes, até contra o próprio interesse, e promovendo o 17 O caso de Minas é peculiar. Ver construção ideológica dos índios como barreira ao progresso de Minas, justificando inclusive a Guerra contra os Botocudos. RESENDE, Maria Leônia Chaves de. Gentios Brasílicos. Op. cit., pp. 141-210. 18 Conforme determinação de 1731, do Conselho Ultramarino, cabia meia légua de quadra de terra sob a condição de possuir escravaria o bastante para cultivar a terra. Para tanto só poderia ser reivindicada em sesmaria uma possessão de terra devoluta, ouvidas as Câmaras e devidamente confirmada pelo crivo real. Porém, na prática, o que ocorreu foi a invasão reiterada de terras indígenas. Eram os próprios colonos que se incumbiam de recorrer a muitas artimanhas para burlar as restrições legais. A unidade da área utilizada era a de légua em quadra ou légua quadrada. A légua de sesmaria equivale a 6,6 quilômetros, e a légua em quadra, portanto a 43,56 quilômetros quadrados ou a 4.356 hectares. Sobre a legislação que vigorou nas concessões de sesmarias, ver BARBOSA, Waldemar. História de Minas. Belo Horizonte: Ed. Comunicação, 1979, pp.231-251. De acordo com Maria Leônia a maior benesse nas Minas Gerais Setecentistas girou em torno das concessões de sesmarias aos entrantes nos sertões inóspitos que rompiam a esmo. Cf. RESENDE, Maria Leônia Chaves de. Gentios Brasílicos. Op. cit., pp.141-210. 19 NOTÍCIA diária e individual. Op. cit. pp. 66-67. 20 BARBOSA, Waldemar de Almeida. A capitania de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa oficial, 1970. 19

bem comum de todos. Representante do governador, ele era instrumento da paz, e por isso sua presença era necessária; revelava-se aqui a responsabilidade tradicional do poder régio na pacificação social. Inácio Correia Pamplona, líder de várias expedições enviadas aos sertões mineiros, fazia questão de resolver as pendências judiciais, prender criminosos, processar outros e matar os inimigos indígenas e quilombolas 21. Foi aclamado por seu séquito em todas as entradas que rompiam a esmo pelos sertões. Enaltecido por seus companheiros de jornada como um semideus, foi por várias vezes igualado aos grandes personagens mitológicos e heróis da antiguidade, remetendo sempre a atos de honra e valentia. Assim chegavam a compará-lo a Hércules, a Moisés e ao rei Xerxes, da Pérsia 22. Figura extraordinária por seus feitos guerreiros, seu valor e sua magnanimidade. Um herói. É esse o modelo que transpira da pose altiva, do olhar penetrante, das armas e dos atos de coragem que compunham o estereótipo de Pamplona. Essa visão romantizada foi fruto das motivações políticas específicas que acabaram por tornar o sertanista uma figura transcendental aos olhos de seus homens. O poderoso Hércules do sertão não passava de um homem bruto e rústico que usava da violência para dominar a população do sertão e que se valia de poderes repassados pelas autoridades coloniais para se afirmar enquanto liderança maior nas áreas em que o poder central não tinha acesso. Homem multifacetado, Pamplona era guardião de um mosaico de interesses que muito usou do sertão para reclamar inúmeras benesses. A construção de uma retórica exagerada em torno de sua imagem, na verdade é apenas uma forma de vangloriar seus feitos, ora mais evidente, ora mais camuflada, sendo necessário perscrutar através do sertão. O impacto desse território, contudo, provocou uma mudança radical no espírito dos homens que acompanham o sertanista: metamorfoseavam a natureza e o líder em matéria poética. A partir daí, Pamplona passaria a oscilar em frequência cada vez maior entre as imagens que dançavam na imaginação, vindas dos matos, montes, rios e dos descampados que a comitiva percorria. 21 SILVEIRA, Marco Antônio. O Universo do Indistinto: Estado e Sociedade nas Minas Gerais Setecentista 1735-1808. 1994. 203 f. Dissertação (Mestrado em História). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1994. Cf. p.27 e ss. 22 Cf. os poemas recitados em homenagem a Pamplona durante a expedição de 1769. Notícia diária e individual das marchas e acontecimentos mais condignos da jornada que fez o senhor mestre de campo regente e guarda mor Inácio Correia Pamplona, desde que saiu de sua casa e fazenda do Capote às conquistas do sertão, até de retornar a sua dita fazenda. In: NOTÍCIA diária e individual. Op. cit. 20