O Papel das Emoções Expressas nos Transtornos Mentais

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Transcrição:

O Papel das Emoções Expressas nos Transtornos Mentais DR. CLÁUDIO MENEGHELLO MARTINS MÉDICO PSIQUIATRA MPHIL (UNIVERSITY OF LONDON) DIRETOR SECRETÁRIO DA ABP PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO DE PSIQUIATRIA CYRO MARTINS CCYM E-MAIL : CLAUDIOMARTINS@TERRA.COM.BR

Declaração de conflitos de interesse De acordo com a resolução 1931/2009 do Conselho Federal de Medicina e com a RDC 96/2008 do Conselho Federal de Medicina, declaro : Não tenho conflitos de interesse

Introdução O conceito de Emoções Expressas (EE) representa uma das mais importantes descobertas no campo do tratamento psicossocial da esquizofrenia e outros transtornos mentais nas últimas décadas. Os estudos iniciais tem mais de 50 anos (Brown et al, 1958,1962...), para prevenção da recaída. Provou ser a maior intervenção terapêutica na evolução da esquizofrenia desde a descoberta dos neurolépticos (Kavanagh, 1992)

O que são Emoções Expressas (EE)? Medida qualitativa do volume de emoções demonstradas em relação ao paciente identificado: Contexto Familiar Cuidadores Familiares Como familiares de pacientes expressam suas emoções em relação a estes?

Emoções Expressas (EE): Medida de interação familiar Instrumento: entrevista familiar de Camberwell (CFI) Utiliza-se de nuanças vocais e contagem de comentários Escalas chaves: Hostilidade Crítica Super-envolvimento emocional

Avaliação de Emoções Expressas EE é baseado em 5 escalas, através de uma entrevista semiestruturada (CFI) de cerca de 2 horas. Focada na descrição dos familiares em relação ao transtorno do paciente e como a família maneja. Camberwell Family Interview (CFI) deve ser aplicada na primeira semana após internação do paciente. Comentários críticos, hostilidade & super-envolvimento emocional devem ser encontrados para previsão de recaída. Comentários positivos e cordialidade são fatores protetores para recaída.

Tipos Alto nível de Emoções Expressas (EE) - Negativo Baixo nível de Emoções Expressas (EE) - Positivo

Hostilidade Comentários Negativos Estigmatiza e envergonha Controle do curso da doença Opta pela valorização da não melhora Valoriza eventos negativos Não dá cuidado e atenção Sentimento negativos generalizados

Crítica Comentários críticos negativos Desaprovação Ressentimentos em relação ao comportamento do paciente

Super-envolvimento emocional Exagerada resposta emocional Sacrifício pessoal Devoção Comportamento extremamente superprotetor

Comentários positivos Aprovação Apreço pelo comportamento do paciente

Cordialidade Simpatia Empatia Interesse Preocupação com o paciente

Indicadores de Alto nível de EE Comentários críticos : presente Hostilidade: presente Super-envolvimento emocional: presente Cordialidade: ausente Comentários positivos: ausente Alto nível de EE aumenta a probabilidade de recaída.

Relação Entre EE e Recaídas: Diferentes estudos mostram um curso pior da doença em pacientes esquizofrênicos que moram com familiares com alto EE Estudo clássico de Brown et al.(1972) 58% pacientes de famílias de alto EE recaíram em 9 meses 16% pacientes de famílias de baixo EE recaíram em 9 meses:

Interação Entre EE Com Outros Fatores: Medicação ( 46% de recaída em famílias de alto EE) Contato cara a cara entre paciente e familiar (35 horas semanais aumenta para 79% as recaídas em famílias de alto EE) Life events provocam um nível inaceitável de stress ocasionando recaídas em indivíduos psiquiatricamente vulneráveis

EE e Reações Das Famílias: Pais com alto EE exibem um comportamento verbal e emocional negativo (Miklovitz et al, 1984) Pais com baixo EE acreditam na existência da doença tendo maior capacidade de empatia e tolerância aos distúrbios comportamentais (vaughn, 1988) Grupos de familiares: muito baixo EE; vacilantes; muito alto EE (Bebbington, 1988) Estratégias de intervenção familiar dependem dos mecanismos de interação.

Transtorno de humor bipolar e EE Atitudes e comportamentos intrafamiliares pós hospitalização é fator preditivo do curso da doença e funcionamento social. Familiares emocionalmente provocativos no ambiente diminui a chance de estabilização Afetos negativos e alto nível de EE aumenta as taxas de recaída de 5 a 6 vezes (Miklovitz, et al,1988)

Depressão e EE Pacientes depressivos com esposas muito críticas em relação a eles tem maior probabilidade de recaída do que pacientes com menor crítica Curso da doença, taxas de recaída, comportamento suicida são altamente influenciados pelo funcionamento familiar Pacientes morando num ambiente de alto EE, aumenta o risco de recaída somente quando são conscientes da crítica do familiar

Demência e Emoções Expressas Funcionamento familiar empobrecido Alta carga emocional e tensão Comunicação empobrecida Alto EE Intervenção nas crise Dificuldade de Cuidados Institucionalização

Transtornos psiquiátricos na Infância Comportame nto disruptivo familiar com crianças com TOC estão ligados a níveis alto de EE Maus tratos parentais e alto EE Preditores de sintomatologia esquizofrênica Papel no desenvolvime nto e expressão no comportame nto antissocial Padrões de comunicaçã o distorcidos nos grupos familiares

Resultados dos Estudos de EE EE é em geral um preditor de um prognostico reservado Vários estudos comprovam que havendo uma diminuição dos níveis de EE as taxas de recaída também decaem Recaídas são especialmente altas (79%) nas famílias com alto EE e com mais de 35 horas de contato cara a cara. Quando reduz o contato cara a cara diminui (29%)

Interação Entre EE Com Outros Fatores: Medicação ( 46% de recaída em famílias de alto EE) Contato cara a cara entre paciente e familiar (35 horas semanais aumenta para 79% as recaídas em fam de alto EE) Life events ( provocam um nível inaceitável de stress ocasionando recaídas em indivíduos psiquiatricamente vulneráveis

EE e Reações Das Famílias: Pais com alto EE exibem um comportamento verbal e emocional negativo (Miklovitz et al, 1984) Pais com baixo EE acreditam na existência da doença tendo maior capacidade de empatia e tolerância aos distúrbios comportamentais (vaughn, 1988) Grupos de familiares: muito baixo EE; vacilantes; muito alto EE (Bebbington, 1988) Estratégias de intervenção familiar dependem dos mecanismos de interação.

Hipóteses do Estudo Transcultural Com Familiares de pacientes Esquizofrênicos com uma população no sul do Brasil A maioria dos familiares mostrará um baixo nível de EE. Entre as famílias de alto EE haverá uma predominância de super-envolvimento emocional Associação entre alto nível de EE e recaída com sintomas floridos(retrospectivamente)

Resultados A maioria (59%) foi famílias de alto EE Portanto contrariando a hipótese Confirma um numero majoritário de superenvolvimento emocional Super protetora e comportamento de auto sacrifício Não houve significativa associação entre recaídas e o nível de EE

Intervenções Psicoeducação Melhor entendimento da doença mental Desenvolver habilidades par resolver problemas Combater estigma Ampliar rede social Ampliar repertório de vida Reduzir contato com parentes de alto EE Diminuir as expectativas dos familiares Expandir rede social Foco diminuir o nível de EE

Estratégias de abordagem Definição do problema Hipótese de mudança a ser testada Estimulo na melhora de comunicação Expressão de sentimentos

Conduta do Terapeuta Orientação Focalizador Moderador Avaliar a gravidade do momento da crise Manejo eclético Teorias dinâmicas associadas enfoque sistêmico e TCC

Pacote de 4 sessões Sessões com a família: - diagnóstico - sintomas - etiologia - tratamento Nos casos de disfuncionamento familiar: - trégua - Assistência a família.

Conclusões Passados 50 anos depois dos estudos iniciais de Brown et al. (1968), o elevado risco de recaídas associado com alto nível de EE no ambiente familiar parece estar bem estabelecido em diversas patologias.