2.1.1 Noções básicas sobre soluções e solubilidade



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2 ESTADO DA ARTE 2.1 Soluções: princípios da solubilidade 2.1.1 Noções básicas sobre soluções e solubilidade Todos os corpos existentes na Terra, assim como todos existentes no Universo têm uma característica em comum: são constituídos por matéria. Entendemos por matéria tudo o que ocupa espaço e possui massa. O diagrama seguinte apresenta a classificação da matéria. Matéria Substâncias Puras Misturas Compostas (ou compostos) Elementares Heterogéneas Homogéneas Coloidais Figura 2-1 Classificação da matéria As substâncias puras são substâncias cuja composição química é constante e são constituídas por um ou vários elementos químicos. Neste último caso as quantidades relativas de cada elemento envolvido são fixas e invariáveis. Têm propriedades únicas, características e bem definidas. A separação dos diferentes constituintes, quando tal é possível, só é conseguida através de processos químicos. As substâncias puras podem ainda dividir-se em: Substâncias puras compostas (ou compostos) constituídas por dois ou mais elementos que se encontram ligados em proporção fixa e, consequentemente, apenas podem ser separados nos componentes puros através de processos químicos. A água é um exemplo de uma substância pura composta: é constituída por oxigénio e hidrogénio, sempre numa proporção de 1 para 2. Substâncias puras elementares (ou elementos) são aquelas que, constituídas por um único tipo de elemento, não podem ser decompostas em substâncias mais 13

simples. Actualmente são conhecidos 119 elementos, mas apenas cerca de 92 existem naturalmente. Um exemplo destas substâncias é o oxigénio, constituído por partículas todas iguais entre si. Contudo, ainda dentro desta classificação podemos encontrar as designadas formas alotrópicas, onde o mesmo elemento pode aparecer associado de diferentes modos, o que lhe confere propriedades diferentes. Recorrendo ao mesmo exemplo do oxigénio, este gás pode existir como O 2, em que cada partícula representativa é constituída por dois átomos de oxigénio (essencial à respiração aeróbia), ou sob a forma de O 3 (ozono), onde cada partícula representativa contém três átomos de oxigénio (substância conhecida pela importância que desempenha na filtração dos raios ultravioleta oriundos do Sol). As misturas, como a designação indica, são associações ou combinações de diferentes substâncias, mas em que estas não perdem a sua identidade. Dentro desta classificação temos: Misturas heterogéneas, que são misturas de diferentes materiais em que é possível a olho nu, distinguir diferentes fases. As diferentes fases, mesmo que estejam no mesmo estado físico, dizem-se imiscíveis porque não se dissolvem mutuamente; Misturas coloidais, que são misturas de diferentes substâncias em que, por simples observação, não se consegue distinguir os diferentes componentes. No entanto, recorrendo a métodos de observação mais possantes, nomeadamente microscópios, já é possível identificar os diferentes participantes. Normalmente, são misturas que apresentam um aspecto translúcido, como por exemplo, o leite, o nevoeiro, o fumo, os géis, os aerossóis, entre outros. Uma técnica para a identificação de misturas coloidais consiste em fazer passar através da mesma, um feixe de luz que, ao atravessá-la, vai sofrer uma dispersão formando uma luz difusa; este efeito é conhecido como o efeito de Tyndall; Figura 2-2 Efeito de Tyndall 14

Misturas homogéneas, que são misturas onde não é possível a identificação dos componentes, quer a olho nu, quer recorrendo a equipamento mais potente. As misturas homogéneas apresentam-se totalmente uniformes, ou seja, numa única fase. Um caso particular das misturas homogéneas são as soluções. Entende-se por solução, uma mistura homogénea na qual os componentes se encontram identificados qualitativa e quantitativamente. Neste caso, as misturas homogéneas são também designadas por soluções. Uma solução é uma mistura de duas ou mais substâncias numa única fase. A substância que se dissolve ou dispersa (geralmente de menor quantidade) é chamada soluto. A substância onde a outra se dissolve, geralmente de maior quantidade, é chamada solvente. Diz-se que o soluto se dissolve no solvente para formar uma solução. As soluções podem ser classificadas, de acordo com o estado físico dos intervenientes, em: Soluções gasosas quando se está perante uma mistura de gases miscíveis em qualquer proporção. Por exemplo, a solução gasosa usada em procedimentos anestésicos, composta por oxigénio, óxido de azoto e isoflorano, em proporções bem definidas; Soluções líquidas trata-se de misturas onde se encontram dissolvidas no seio de um líquido outras substâncias. São exemplos: o oxigénio gasoso dissolvido na água; álcool etílico dissolvido em água; sal de cozinha dissolvido em água; Soluções sólidas trata-se de misturas em que o meio suporte é um sólido. Um exemplo muito comum é o da solução sólida de ouro e cobre que os ourives usam como matéria-prima para a elaboração de jóias ou peças de ourivesaria. Assim, quando nos referimos a ouro de 18 quilates, significa que a solução sólida foi preparada com uma proporção de 18 g de ouro para 24 g de mistura, ou seja, com 6 g de cobre. Outro exemplo muito conhecido é a amálgama que os dentistas usam para reparação e reconstituição do esmalte dentário, cuja composição é de 30% de cobre e 70% de mercúrio (como este último metal é líquido nas condições normais de pressão e temperatura, a mistura apresenta-se inicialmente pastosa, solidificando pouco tempo depois). Este capítulo concentrar-se-á fundamentalmente nas soluções líquidas por serem tão importantes na química experimental, na indústria e no dia-a-dia. Daremos ênfase particular às soluções aquosas, porque a água é o solvente mais vulgarmente usado e é importante em soluções biológicas. 15

2.1.2 Concentração de soluções A composição de uma solução é expressa através da indicação da concentração dos solutos que a compõem. Há muitas unidades diferentes de concentração, mas todas elas exprimem a composição da solução como a quantidade de soluto que está presente numa determinada quantidade de solução ou solvente. Concentração mássica Um dos métodos para expressar a concentração de uma solução, consiste em indicar a massa de um soluto A que se encontra dissolvida em cada decímetro cúbico de solução, ou seja: C m V A A = Eq. 2-1 onde C A é a concentração da solução (em g dm -3 ), m A a massa de soluto (g) e V o volume da solução (dm 3 ). Concentração molar A concentração de uma solução pode também ser definida como a razão entre a quantidade de um soluto A e o volume total de solução. Neste caso: na C A = Eq. 2-2 V onde C A é a concentração da solução (em mol dm -3 ), n A a quantidade expressa em moles do soluto A (mol) e V o volume de solução (dm 3 ). Para exprimir a concentração molar (molaridade) de um soluto A também se usa a notação [A] 1. Concentração molal (molalidade) A molalidade (m) de uma solução é definida como: n A m = Eq. 2-3 m 1 Em rigor, esta notação só é válida para exprimir concentrações molares; no entanto e por razões de facilidade de escrita, verificamos que muitas vezes esta notação é usada sempre que se fala de concentrações, independentemente das unidades em que estamos a trabalhar. Este procedimento, apesar de não ser rigoroso é actualmente aceite pela comunidade científica. 16

onde m é a concentração da solução expressa em mol/kg, n A é a quantidade do soluto A (mol) e m é a massa de solvente em Kg. Percentagem em massa O cálculo da percentagem em massa, % (m/m), pode ser efectuado para qualquer dos componentes de uma solução, calculando-se a razão percentual da massa de um componente em estudo (m A ), relativamente à massa total de solução (m): % de A (m/m) ma = 100 Eq. 2-4 m A percentagem em massa é adimensional. Este tipo de determinação é mais frequente na análise de soluções de gases, que são misturas homogéneas de gases. Fracção molar A fracção molar de um componente A ( χ ) é o quociente entre a quantidade de soluto dissolvido, n A, e o total das quantidades dos componentes da solução (n A + n B + n C + ). A = n A fracção molar é adimensional. A na + n + n B A χ Eq. 2-5 c +... Partes por milhão (ppm) É muito comum a preparação e utilização de soluções de concentrações muito baixas, onde os solutos se encontram presentes em quantidades vestigiais, o que requer o uso de unidades mais sensíveis, como por exemplo partes por milhão, cujo símbolo é ppm. Uma solução de um dado soluto A, que apresente uma concentração de 1 ppm, significa que em 1 milhão de gramas de solução, ou seja, em 1 tonelada de solução existe apenas 1 g do soluto A. 2.1.3 Solubilidade O "desaparecimento" de uma substância quando misturada com outra é um interessante fenómeno que fascina cientistas há anos, além de despertar interesses económicos e, até mesmo, de saúde pública. Um exemplo que abalou a sociedade brasileira foi a suspeita de contaminação de um contraste à base de sulfato de bário 17

(BaSO 4 ), usado em radioscopia e radiografia para destacar órgãos, que pode ter causado a morte de pelo menos vinte e uma pessoas no Brasil. O sulfato de bário é usado para este fim por ser um sal praticamente insolúvel em água (0,0002 g/100 g de água) e em soluções ácidas diluídas. Análises de amostras deste medicamento, produzido por um determinado fabricante, constataram a presença de carbonato de bário (BaCO 3 ). Embora o carbonato de bário apresente também baixa solubilidade em água (0,002 g/100 g de água), este sal é solúvel em soluções ácidas diluídas como o suco gástrico, fluido digestivo ácido que contém, entre outras substâncias, ácido clorídrico (Eq 2-6). Além disso, o carbonato de bário, em presença de dióxido de carbono e água, forma bicarbonato de bário, que é um sal solúvel na água (Eq. 2-7). + 2+ BaCO3 (s) + 2H (aq) Ba (aq) + CO2 (g) + H2O (l) Eq. 2-6 BaCO3 (s) + CO 2 (g) + H 2O (l) Ba(HCO3) 2 (aq) Eq. 2-7 Como todos os compostos de bário solúveis em água ou em ácidos são venenosos, o carbonato de bário tem efeitos nocivos para a saúde humana. Este caso ilustra bem a importância do conhecimento da solubilidade, pois o engano em relação ao meio reaccional pode ter sido o motivo que levou à morte de várias pessoas. A solubilidade é definida como sendo a quantidade máxima de soluto que pode ser dissolvido numa certa quantidade de solvente, a uma dada temperatura, e é representada por S. Na ausência de indicações contrárias, admite-se que o solvente é a água e a temperatura é de 25 C. Para um determinado solvente e temperatura, as soluções podem ser classificadas em: soluções saturadas são aquelas que estão em equilíbrio com um excesso de soluto. A concentração de uma solução saturada é igual à solubilidade; soluções insaturadas são aquelas em que a concentração do soluto é menor que a sua solubilidade; soluções sobressaturadas são aquelas que, em algumas condições, apresentam uma concentração de soluto temporariamente maior que a sua solubilidade. A adição de uma pequena quantidade de soluto a uma solução é uma maneira simples de distinguir entre soluções saturadas, insaturadas e sobressaturadas. Se a solução está insaturada, o soluto adicionado dissolve-se, aumentando a concentração da solução. Se a solução está saturada, a adição de soluto não produz alteração na concentração da solução. Quando a solução está sobressaturada, a adição de soluto puro provoca a precipitação do soluto adicional. 18

É necessário ter presente que soluções saturadas e concentradas não são a mesma coisa. Por exemplo, a baixa solubilidade do cloreto de prata na água origina uma solução saturada com uma concentração de aproximadamente 10-5 mol dm -3 (a 25 ºC), o que obviamente não corresponde a uma solução concentrada. A solubilidade pode ser expressa de diferentes formas. As mais vulgares são a concentração mássica, concentração molar e massa de soluto /100 g de solução. O processo de dissolução é bastante complexo. A experiência mostra que alguns materiais são muito solúveis em água, enquanto que outros são bastante insolúveis. A partir da solubilidade de compostos determinada experimentalmente foi possível estabelecer regras de solubilidade. Na Tabela I apresentamos algumas regras simples de solubilidade. Para as solubilidades contribuem muitos factores, sendo a variação de entalpia que acompanha as interacções soluto solvente e a alteração do grau de ordenação do sistema os mais importantes e aqueles que podem providenciar uma melhor compreensão dos princípios gerais de solubilidade. Compostos solúveis Excepções Quase todos os sais de Na +, K +, NH + 4, Halogenetos: sais de Cl -, Br - e I - Halogenetos de Ag +, Hg 2+ 2 e Pb 2+ Fluoretos Fluoretos de Mg 2+, Ca 2+, Sr 2+, Ba 2+, Pb 2+ Sais de NO - 3, ClO - 3, ClO - 4, CH 3 COO - Sulfatos Sulfatos de Sr 2+, Ba 2+, Pb 2+ e Ca 2+ Ácido inorgânicos Compostos Insolúveis Sais de CO 2-3, PO 3-4, C 2 O 2-4 e CrO 2-4, Sulfuretos Hidróxidos e óxidos metálicos Excepções Sais de NH + 4 e de catiões de metais alcalinos Sais de NH + 4, Ca 2+, Sr 2+ e de catiões de metais alcalinos Hidróxidos e óxidos de Ca 2+, Sr 2+, Ba 2+ e dos catiões de metais alcalinos Tabela I Regras de solubilidade para compostos iónicos em água 2 a 298 K 2 Uma substância diz-se solúvel num dado solvente se for possível dissolvê-la de forma a atingir uma concentração de 0,01 mol dm -3 ou maior. 19

2.1.3.1 Entalpia de dissolução A solubilidade de sólidos na água ou noutros solventes é a manifestação visível da competição entre dois processos diferentes. O primeiro, chamado cristalização, é o resultado das forças de ligação no sólido. É responsável pelo crescimento do cristal sólido exposto a um ambiente que contém os seus próprios iões ou moléculas constituintes. O segundo, chamado dissolução, é o resultado das interacções entre as moléculas de solvente e as moléculas ou iões do soluto à superfície da fase sólida. Esta interacção conduz à destruição da estrutura do cristal sólido e leva à formação de uma solução cada vez mais concentrada até que toda a fase sólida esteja dissolvida, ou até que se estabeleça um equilíbrio entre os processos em competição. A dissolução de uma substância não conduz à existência de iões ou moléculas isolados em solução, uma vez que não seria favorável em termos energéticos ou entrópicos e, consequentemente, as partículas dissolvidas tendem a sofrer agregação ou solvatação. Neste momento, interessa-nos compreender os dois processos em causa, a cristalização e a dissolução, respectivamente: As interacções atractivas entre as partículas de soluto resultam na formação de agregados e, nomeadamente, de precipitados. Neste processo há estabilização do conjunto de partículas pois, apesar da diminuição de entropia que a organização cristalina implica, há uma forte estabilização energética, denominada energia de rede. Quanto maior for a energia de rede, mais partículas de soluto são removidas da solução. Convém lembrar que a superfície do precipitado permanece insaturada, isto é, os iões ou moléculas que ocupam as posições à superfície possuem locais de interacção que não são usados. Consequentemente, podem ser observados efeitos particulares à superfície (adsorção e outros fenómenos de superfície) ou mais especificamente, as moléculas de solvente interactuam com as partículas de soluto situadas na superfície e transferem-nas da superfície do sólido para a solução. Estabelecimento de interacções entre a hipotética partícula de soluto despida e as moléculas de solvente. Esta interacção conduz à formação de uma partícula de soluto hidratada ou solvatada, com diminuição da energia do conjunto e consequente estabilização global neste processo. Esta interacção pode-se estender a outras células de hidratação, e pequenos iões, em particular, podem ser incorporados na estrutura do solvente. Existe, portanto, uma competição entre a cristalização e a solvatação na solução. Na maior parte dos casos, as interacções resultantes da solvatação são mais fracas que 20

as interacções sólido sólido, mas normalmente o seu número sobrepõe-se ao número de interacções de cada molécula ou ião na fase sólida. Resumindo, nos líquidos e nos sólidos os corpúsculos que os constituem mantêmse juntos devido às interacções intermoleculares. Estas forças desempenham um papel fundamental na formação das soluções. Quando um soluto se dissolve num solvente, as partículas do soluto dispersam-se no seio do solvente. As partículas do soluto ocupam posições que estão normalmente ocupadas por moléculas de solvente. A facilidade com que uma partícula de soluto substitui uma molécula de solvente depende das intensidades relativas dos três tipos de interacções: Interacção solvente solvente; Interacção soluto soluto; Interacção solvente soluto. Para simplificar, podemos imaginar que o processo de dissolução se dá em três passos diferentes (Figura 2-3). O passo 1 envolve a separação das partículas do solvente e o passo 2 envolve a separação das partículas do soluto. Estes passos necessitam de energia para vencer as forças intermoleculares atractivas; portanto, são endotérmicos. No passo 3 as moléculas de solvente e de soluto misturam-se. O processo global pode ser exotérmico ou endotérmico dependendo da intensidade relativa das forças intermoleculares envolvidas. Passo 1 ΔH 1 Passo 2 ΔH 2 Solvente Passo 3 ΔH 3 Soluto Solução Figura 2-3 Representação ilustrada dos factores que contribuem para a entalpia de uma dissolução 21

A entalpia de dissolução, Δ diss H, é dada por: Δ H = ΔH Eq. 2-8 diss 1 + ΔH 2 + ΔH 3 Se a estabilização energética correspondente ao conjunto das interacções soluto solvente for mais forte do que a necessária para quebrar as interacções solvente solvente e soluto soluto, o processo de dissolução é energeticamente favorável, isto é, o processo de dissolução é exotérmico (Δ diss H < 0). Se, pelo contrário a estabilização energética resultante das interacções soluto solvente for mais fraca do que as interacções solvente solvente e soluto soluto, então o processo de dissolução é endotérmico (Δ diss H > 0). Em geral, substâncias que tenham propriedades semelhantes e, por isso, forças intermoleculares semelhantes, terão interacções soluto solvente fortes e tenderão a formar soluções. A afirmação o semelhante dissolve o semelhante é uma simplificação que é frequentemente usada para explicar tendências na solubilidade. Isto significa que solutos iónicos ou polares se dissolvem em solventes polares. Os solutos não polares dissolvem-se em solventes não polares. Os solutos iónicos e polares não se dissolvem em solventes não polares. Notemos que, quando se aplica a regra da solubilidade o semelhante dissolve o semelhante, verificamos algumas excepções. Esta regra é útil quando se pretende comparar a solubilidade de séries de compostos. 2.1.3.2 Espontaneidade O processo de dissolução, tal como qualquer processo químico e físico, depende de dois factores. Um deles é a energia que determina se o processo de dissolução é endotérmico ou exotérmico. O segundo factor é a tendência intrínseca para a desordem que se verifica em todos os processos naturais. Quando as partículas de soluto e solvente se misturam para formar a solução há um aumento da desordem. No estado puro, o soluto e o solvente possuem uma certa ordem, caracterizada pela disposição mais ou menos regular dos átomos, moléculas ou iões no espaço tridimensional. Grande parte dessa ordem é destruída quando o soluto se dissolve no solvente. Portanto, o processo de dissolução é sempre acompanhado por um aumento da desordem (aumento de entropia). É este aumento da desordem do sistema que favorece a solubilidade de qualquer substância, mesmo se o processo de dissolução for endotérmico. 22

2.1.3.3 Solubilidade de compostos iónicos em água A água é o solvente mais comum usado para dissolver compostos iónicos. As variações de entalpia que ocorrem na formação de soluções aquosas são um factor importante para determinar a solubilidade das substâncias iónicas. As substâncias iónicas são constituídas por iões de cargas opostas, mantidos juntos por forças electrostáticas. Os sólidos iónicos manifestam uma grande solubilidade na água mas são muito pouco solúveis nos solventes não polares. Os sólidos com interacções predominantemente iónicas são denominados de sais. A solubilidade dos sais diminui à medida que se adicionam solventes orgânicos às soluções aquosas. Este facto é normalmente usado nas análises gravimétricas. Todos os sais puros são electrólitos fortes e as cores dos sólidos e das respectivas soluções aquosas são geralmente as cores dos iões individuais. Se um composto for solúvel, a entalpia de atracção entre os iões no sólido tem de ser comparável (até cerca de 50 kj mol -1 ) à entalpia das atracções entre as moléculas de água e os iões na solução. As forças que mantêm o sólido iónico unido advêm da atracção electrostática entre os iões de cargas opostas, e são muito intensas, com energias da ordem de 400 KJ mol -1 ou superiores. Consideremos o exemplo da dissolução do cloreto de sódio (NaCl) em água. Em solução, as moléculas polares de água são atraídas pelas cargas dos iões Na + e Cl - (Figura 2-4). Várias moléculas de água são atraídas para cada ião na solução. As atracções do tipo ião-dipolo, que se estabelecem entre os iões Na + e Cl - com a água, são suficientemente fortes para separar os iões do cristal. Figura 2-4 Dissolução de um cristal de sal na água (esquerda), hidratação de iões (direita). 23

Em solução, cada catião Na + é rodeado por moléculas de água, orientadas com a sua extremidade negativa para o catião. Da mesma forma, cada anião Cl - é rodeado por moléculas de água com a sua extremidade positiva orientada para o anião. Esta interacção dos iões com as moléculas de solvente é denominada solvatação. No caso de o solvente ser a água, designa-se por hidratação. Uma vez que muitos compostos iónicos são solúveis na água, pode-se concluir que as entalpias de hidratação devem ter valores semelhantes aos das entalpias de rede cristalina nos compostos sólidos (Figura 2-5). Quando as substâncias iónicas se dissolvem em água, o aumento da desordem do soluto é óbvio, visto que os iões ficam livres para se movimentarem. Quando as moléculas de água se separam para criar espaços para os iões, também há um aumento da desordem. Ao mesmo tempo, contudo, a hidratação dos iões restringe a liberdade de algumas das moléculas de solvente, diminuindo a sua desordem. Assim, dependendo do soluto particular e da sua hidratação pela água, a desordem do solvente poderá aumentar ou diminuir. ΔH rede Δ hidh Δ diss H Figura 2-5 Processo de dissolução endotérmico 2.1.3.4 Solubilidade de compostos moleculares Os sólidos covalentes apresentam geralmente uma baixa solubilidade na água. Estes compostos são geralmente electrólitos fracos e têm uma tendência para sofrer reacções de complexação em solução aquosa. Muitas vezes a cor da solução difere da cor do sólido. 24

As forças atractivas entre as moléculas de um soluto molecular são forças dipolo dipolo, forças de dispersão de London e/ou ligações de hidrogénio. Consideremos o exemplo do etanol que é miscível com a água. No etanol líquido as moléculas mantêm-se ligadas por ligações de hidrogénio, tal como as moléculas de água. Por este motivo o etanol dissolve-se muito facilmente na água, ocorrendo ligações de hidrogénio entre o grupo OH das moléculas do álcool e o átomo de oxigénio das moléculas de água. Nesta categoria encontra-se uma grande variedade de soluções como o açúcar na água, álcool na água, ácidos clorídrico e acético na água. Figura 2-6 Formação de ligações de hidrogénio entre as moléculas de etanol e água Por outro lado, existem muitos compostos moleculares, como o iodo, que não são muito solúveis na água. As atracções intermoleculares existentes entre as moléculas de iodo são forças de dispersão de London fracas. As forças intermoleculares entre um dipolo permanente na molécula da água e um dipolo induzido na molécula de iodo não são muito fortes, comparadas com as ligações de hidrogénio existentes entre as moléculas da água. Portanto, a energia necessária para quebrar as ligações de hidrogénio no processo de dissolução é muitíssimo maior do que a energia libertada quando as moléculas de água e iodo se atraem umas às outras. Neste caso, o aumento da desordem da mistura não é suficiente para vencer a variação de entalpia desfavorável, pelo que dai resulta uma solubilidade muito baixa. O iodo e o bromo são dois compostos moleculares apolares. Em ambos, as atracções intermoleculares são fracas (forças de dispersão de London). Estas forças, sendo da mesma ordem de grandeza, são responsáveis pela atracção entre as moléculas de iodo e bromo, o que explica a dissolução do iodo no bromo líquido. 25

2.1.4 Equilíbrios de solubilidade No ponto anterior fizemos referência ao equilíbrio de solubilidade. Os equilíbrios de solubilidade são reacções que envolvem a dissolução e a formação de um sólido (precipitado) a partir de uma solução. Estes processos são equilíbrios heterogéneos, pois envolvem mais do que uma fase. Equilíbrios deste tipo são, frequentemente, observados quer em processos industriais quer no nosso quotidiano. Por exemplo, as estalactites e estalagmites das grutas, não são mais do que equilíbrios de solubilidade entre os depósitos subterrâneos, constituídos essencialmente por carbonato de cálcio (CaCO 3 ) e as águas naturais, como por exemplo a água da chuva. Uma reacção de precipitação importante nos laboratórios de química é o teste clássico usado para determinar a presença de iões prata em solução. Adiciona-se algumas gotas de solução de ácido clorídrico à solução teste; a formação de um sólido branco (cloreto de prata) indica a presença de prata. Ag + (aq) + Cl - (aq) AgCl (s) Eq. 2-9 Os dois processos competitivos, solubilidade e precipitação, estabelecem um equilíbrio termodinâmico o qual é deslocado na direcção do produto de menor energia. Neste equilíbrio, ocorre uma constante alteração de partículas de soluto na superfície do sólido. Quando se estabelece um estado de equilíbrio pode-se aplicar a lei das actividades e o equilíbrio pode ser expresso através de uma constante de equilíbrio. Esta constante de equilíbrio também deve estar relacionada com a solubilidade do sólido na fase líquida. Walther H. Nernst chamou a esta constante de equilíbrio produto de solubilidade, Kps. Na secção seguinte discutiremos a relação entre a solubilidade e o produto de solubilidade. Contudo, salientamos que nem sempre se pode determinar a solubilidade apenas a partir do produto de solubilidade. Nernst salientou que a solubilidade determinada a partir do K ps só tem significado quando a solução em equilíbrio com a fase sólida contém os constituintes do soluto sólido exclusivamente na forma de iões livres. Svante Arrhenius já tinha desenvolvido esta teoria de electrólitos fortes e fracos e demonstrou que mesmo os electrólitos fracos estão completamente dissociados em soluções diluídas. Pouco depois de Nernst publicar as suas ideias, Niels Bjerrum introduziu o conceito de dissociação completa para compostos iónicos (sais) numa solução electrolítica, eliminando as limitações referidas por Nernst. Durante os anos seguintes, nem sempre se levou a sério a diferença entre os compostos iónicos e os compostos covalentes. Acreditava-se que as substâncias com solubilidade baixa 26

(compostos covalentes) também estavam completamente dissociadas, uma vez que apenas se obtinham baixas concentrações, devido às suas baixas solubilidades. Por este motivo, também eram tratados como sais. Esta ideia não é muito correcta, como vamos ver mais à frente, e esta concepção alternativa causa alguma confusão, particularmente a alunos pouco experientes. 2.1.4.1 O produto de solubilidade Por razões históricas, os equilíbrios que envolvem reacções de precipitação são escritos como a dissolução de um sólido (dissociação em iões), o inverso da reacção de precipitação. Se assumirmos que o soluto está totalmente dissociado (electrólitos fortes, sais, etc.) o sistema de duas fases pode ser descrito através do seguinte equilíbrio, no qual tomamos como exemplo de um electrólito forte, o cloreto de sódio: NaCl (s) Na + (aq) + Cl - (aq) Eq. 2-10 Apesar de se tratar de um equilíbrio heterogéneo, a uma temperatura constante, há uma constante de equilíbrio que é definida como: K = + - [ Na ][ Cl ] [ NaCl] Eq. 2-11 A actividade de uma fase sólida pura é sempre, por definição, unitária. Como resultado desta simplificação, obteve-se uma relação conhecida por produto de solubilidade, K ps : - [ Na ][ Cl ] + K = Eq. 2-12 ps Deste modo, e porque se trata de um equilíbrio heterogéneo, o produto de solubilidade de um composto, K ps, é definido como o produto das concentrações dos iões constituintes, elevadas aos respectivos coeficientes estequiométricos da equação de equilíbrio. Esta constante traduz a maior ou menor solubilidade de um composto em água e, tal como seria de esperar, quanto mais insolúvel é o sal mais baixa é a concentração dos seus iões em solução e, consequentemente, mais pequeno é o valor da constante do produto de solubilidade. Se as cargas dos iões não forem numericamente iguais, a equação correspondente torna-se mais complicada. Para um sal com uma composição genérica M a B b, que se dissocia em solução aquosa nos correspondentes iões, o equilíbrio de solubilidade é expresso da seguinte forma: 27

E o produto de solubilidade é M a B b (s) a M γ+ (aq) + b B β- (aq) Eq. 2-13 K ps = γ + a β - [ M ] [ B ] b Eq. 2-14 No caso da dissociação ser completa e os iões M γ+ e B β- se encontrarem na forma de iões livres, cada mole de sal dissolvido origina a moles de catiões e b moles de aniões na fase aquosa e, neste caso, a solubilidade e o produto de solubilidade estão relacionados de uma forma simples. A solubilidade S expressa em moles da fase sólida por dm 3 de solução (e não em termos da concentração de cada ião individual) está relacionada com a concentração iónica de M γ+ e B β- através da seguinte expressão: + [ ] γ M = a S Eq. 2-15 e - [ B ] β = b S Eq. 2-16 onde S é a solubilidade em mol dm -3. O produto de solubilidade pode ser definido como: K ps = γ + a β - b a b a b a+ b [ M ] [ B ] = ( as ) ( bs ) = a b S Eq. 2-17 e portanto S = 1 ( ) ( a+ b K ) ps a a b b Eq. 2-18 Esta equação estabelece a relação entre a solubilidade e o produto de solubilidade em condições específicas (quando a solução está em equilíbrio com a fase sólida cujos iões se encontram na forma livre) e apenas se forem tidas em conta as seguintes considerações: A relação entre a solubilidade e o produto de solubilidade verifica-se se o composto dissolvido se encontrar completamente dissociado. Se existir em solução soluto indissociado, ou se os catiões e os aniões produzidos na dissolução formarem complexos, então a solubilidade é maior do que o valor determinado a partir do produto de solubilidade. Se a fase aquosa inicial possuir algum dos iões produzidos pela dissolução do sólido, então a solubilidade torna-se menor que o valor determinado a partir do produto de solubilidade. 28

A alteração dos coeficientes de actividade tem um efeito na solubilidade de um electrólito. De um modo geral, os coeficientes de actividade diminuem com o aumento da concentração total de electrólito inerte (força iónica) e, consequentemente, a solubilidade torna-se maior. A solubilidade não é uma grandeza termodinâmica, mas o produto de solubilidade é uma expressão termodinâmica, desde que nela figurem as actividades das espécies envolvidas. 2.1.5 Formação de precipitados As reacções de precipitação são caracterizadas pela formação de um composto insolúvel, que se separa da solução, e a que se dá o nome de precipitado. Com base nos conceitos de produto de solubilidade e de solubilidade, podemos agora prever se a mistura de duas soluções vai ou não dar origem à formação de um precipitado. De forma a prever a possível formação destes, recorre-se ao quociente de reacção (Q). Este quociente envolve o produto das concentrações dos iões envolvidos elevados aos respectivos coeficientes estequiométricos, de forma semelhante à que se utiliza para calcular o K ps. Salientamos que o produto de solubilidade corresponde ao quociente de reacção quando a solução está saturada, ou seja, quando as concentrações dos iões correspondem às suas concentrações de equilíbrio na presença de excesso do sólido relativamente à sua solubilidade. Assim comparando os valores numéricos de ambos (Q com K ps ) pode-se observar três situações distintas: Q < K ps, o que significa que se está na presença de uma solução não saturada ou insaturada, isto é, não houve ainda formação de precipitado; Q = K ps, o que significa que se está na presença de uma solução saturada, ou seja, atingiu-se o limite máximo de dissolução; Q > K ps, o que significa que se está na presença de uma solução sobressaturada, ou seja, não é possível dissolver mais soluto e há formação de precipitado. 2.1.6 Alguns factores que influenciam a solubilidade A solubilidade de um soluto depende de vários factores, como por exemplo: temperatura, pressão, presença na solução de um ião comum, ocorrência de reacções laterais, formação de complexos, ph do meio e dimensões moleculares ou iónicas. 29

Como estamos a estudar o caso particular da solubilidade de solutos sólidos em solventes líquidos, nesta secção são discutidos apenas os factores que influenciam a solubilidade de sólidos em líquidos. 2.1.6.1 Efeito da temperatura na solubilidade Como já referimos, as características das interacções soluto solvente influenciam a solubilidade das substâncias. A solubilidade de um composto depende também da temperatura. Podemos preparar uma solução saturada por mistura do solvente com excesso de um soluto sólido. Este sistema está em equilíbrio dinâmico, com moléculas ou iões que estão constantemente a abandonar o sólido e outros a depositar-se na superfície do sólido com velocidades iguais. Este processo pode ser representado por: soluto (s) soluto (aq) Eq. 2-19 Uma vez estabelecido o equilíbrio não há uma variação observável da concentração da solução, desde que a temperatura e a pressão não sejam alteradas. O princípio de Le Chatelier aplica-se a qualquer sistema em equilíbrio dinâmico, pelo que será usado para estabelecer a influência da temperatura na solubilidade de um composto. Para elevar a temperatura de uma amostra de matéria é necessário fornecer-lhe calor. O fornecimento de calor a uma solução saturada em equilíbrio com um excesso de soluto representa uma alteração ao sistema. De acordo com o princípio de Le Chatelier, ocorrerá uma reacção no sentido que contrarie essa alteração exterior. Consideremos em primeiro lugar um composto cuja dissolução seja endotérmica. Quando o soluto se dissolve absorve calor, pelo que é um reagente na equação: calor + soluto (s) soluto (aq) Eq. 2-20 Quando se fornece calor ao sistema, a reacção tem de ocorrer no sentido dos reagentes para os produtos de forma a contrariar o efeito da perturbação introduzida. Por este motivo, quando o equilíbrio é restabelecido, a quantidade de soluto em solução aumenta. Por outras palavras, quando a entalpia de dissolução é positiva, a solubilidade do soluto aumenta com a temperatura. Um composto que tenha uma entalpia de dissolução negativa liberta calor no processo, tal como está representado na equação de equilíbrio: soluto (s) soluto (aq) + calor Eq. 2-21 30

Quando se fornece calor a este sistema, a reacção ocorre no sentido inverso, reduzindo a concentração de equilíbrio do soluto. Resumindo, um aumento da temperatura faz aumentar a solubilidade de um composto se o processo de dissolução for endotérmico e faz diminuir a solubilidade quando o processo de dissolução é exotérmico. As solubilidades da maioria dos sólidos aumentam quando a temperatura da solução aumenta. O gráfico da Figura 2-7 mostra a solubilidade de diversos compostos em função da temperatura. Solubilidade (g/100 cm 3 de água) Temperatura (ºC) Figura 2-7 Variação da solubilidade com a temperatura Em geral, quanto mais endotérmica for a dissolução, maior será a variação da solubilidade com a temperatura. Pode-se observar que a solubilidade do sulfato de cério (III) vai diminuindo à medida que a temperatura aumenta, o que está de acordo com a entalpia de dissolução negativa (dissolução exotérmica). É importante notar que o estado de divisão de um soluto e a agitação da solução não aumentam a solubilidade do soluto; apenas interferem no tempo de dissolução, mantendo a temperatura constante. 31

2.1.6.2 Efeito do tamanho das partículas na solubilidade As partículas sólidas pequenas estão num estado energeticamente menos estável que as partículas de maiores dimensões. Isto deve-se ao facto da sua superfície ser relativamente grande comparada com o seu volume. Numa partícula sólida de maiores dimensões, apenas uma fracção extremamente pequena de átomos ou moléculas ocupam sítios à superfície. Pelo contrário, as partículas extremamente pequenas possuem uma fracção significativa de átomos ou moléculas nas posições superficiais. Por este motivo, a energia total de uma partícula pequena é mais afectada pelas contribuições da superfície. Uma vez que as energias das partículas pequenas e grandes são diferentes, elas também devem exibir diferentes comportamentos quanto à solubilidade. Esta diferença é designada macro e micro solubilidade. Como regra geral, a (macro) solubilidade é constante quando o diâmetro das partículas é superior a 10-3 mm, enquanto que para cristais menores a solubilidade depende do tamanho das partículas. Solubilidade 10-3 mm Tamanho das partículas Figura 2-8 Macro e micro solubilidade de um sólido cristalino 2.1.6.3 Ião comum Até agora tratamos a solubilidade de um electrólito em que a fase sólida se encontra em equilíbrio com a água pura. Convém lembrar que não é importante o modo como o estado de equilíbrio é alcançado. Obtém-se o mesmo resultado quando um sólido está em equilíbrio com uma certa solução aquosa ou quando um sólido é formado numa reacção de precipitação por adição de duas soluções aquosas. Na prática, a precipitação é induzida por soluções que contêm um reagente de precipitação em excesso. Está claro que a solubilidade de um sólido numa solução saturada é zero e que é pequena numa solução que já contenha os iões da substância que se dissolve (ião comum), mas que ainda não esteja saturada. Da mesma forma, será de esperar uma 32

solubilidade reduzida num sistema no qual esteja presente na solução original apenas um dos iões constituintes do soluto. Este resultado pode ser deduzido a partir da aplicação do Principio de Le Chatelier ao equilíbrio seguinte: M a B b (s) a M γ+ (aq) + b B β- (aq) Eq. 2-22 O principio de Le Chetelier estabelece que quando os iões M γ+ ou B β- existem em excesso na solução, o equilíbrio desloca-se no sentido dos reagentes. Isto conduz a uma solubilidade menor, comparativamente à solubilidade num sistema em que os iões M γ+ ou B β- não estão presentes na solução original. A partir destas considerações, conclui-se que o efeito do ião comum reduz a solubilidade, a expressão do produto de solubilidade continua a ser válida uma vez que se trata de uma constante termodinâmica. 2.1.6.4 Formação de complexos A solubilidade dos sais aumenta sempre que à solução saturada se adiciona uma substância que reaja com um dos iões. Neste caso particular, a substância adicionada vai originar, por reacção com um dos iões, um complexo solúvel e estável, diminuindo assim a concentração do referido ião. Por exemplo, verifica-se este caso na solubilização de um precipitado de cloreto de prata, AgCl, por adição de uma solução aquosa de amoníaco, NH 3. As equações químicas que traduzem as reacções são as seguintes: AgCl (s) Ag + (aq) + Cl - (aq) Eq. 2-23 Ag + (aq) + 2 NH 3 (aq) [Ag(NH 3 ) 2 ] + (aq) Eq. 2-24 Ao ocorrer a formação do ião diaminoprata, um ião complexo estável, existe uma diminuição da concentração do catião prata, pelo que a primeira reacção se vai deslocar no sentido directo, para contrariar a perturbação introduzida ao sistema, inicialmente em equilíbrio, provocando, assim, um aumento da solubilidade do cloreto de prata. 2.1.6.5 ph do meio O ph das soluções afecta a solubilidade dos sais. Vejamos, por exemplo, o efeito da variação do ph na dissolução de Ca(OH) 2 (s) em água: Ca(OH) 2 (s) Ca 2+ (aq) + 2 OH - (aq) Eq. 2-25 33

Pelo princípio de Le Chatelier, verificamos que, ao aumentar a concentração de iões OH - (aumentando o ph) na solução, o equilíbrio desloca-se no sentido da formação de Ca(OH) 2 sólido, reduzindo, assim, a solubilidade deste. Por outro lado, ao aumentar a concentração de iões H + (diminuindo o ph), reduz-se a concentração de iões OH - em solução, pelo que a solubilidade aumenta. Concluímos, pois, que as bases insolúveis se dissolvem mais facilmente em soluções ácidas, e que, de forma análoga, os ácidos insolúveis se dissolvem mais facilmente em soluções básicas. 2.1.6.6 Troca de iões A solubilidade de um sólido num solvente é uma propriedade bem definida de todos os sólidos cristalinos. Nas soluções aquosas, a maior parte dos sólidos dissocia-se e existe na forma dos correspondentes catiões e aniões. Se a solução não contém outros electrólitos, os catiões e os aniões estão presentes na solução nas proporções estequiométricas do sólido e a solubilidade pode ser expressa em termos do K ps. Contudo, nem sempre se observa este comportamento. Muitos minerais comportam-se de uma forma diferente. Tem-se observado que os aniões (por exemplo silicatos) fazem parte de uma estrutura cristalina rígida insolúvel e que os catiões estão presentes apenas para compensar o excesso de carga negativa dos aniões da estrutura rígida. Os catiões são mantidos na estrutura cristalina por forças electrostáticas puras. No processo de dissolução, as ligações polares (electrostáticas) podem ser facilmente quebradas pelos dipólos da água ( semelhante dissolve semelhante ), mas as ligações covalentes são bastante resistentes à interacção com as moléculas de água. Uma vez que os catiões são mantidos na estrutura cristalina por forças electrostáticas, eles ocupam espaços vazios da estrutura, e podem facilmente serem substituídos por outros catiões de carga e tamanho semelhantes. Contudo, catiões com maior carga e menor raio iónico são mais fortemente retidos na superfície do sólido do que os catiões com menor carga e maior raio iónico. A argila é um exemplo deste tipo de minerais. Neste caso, a estequiometria dos compostos não é fixa. Estes materiais exibem uma baixa solubilidade, mas podem trocar certos catiões na sua estrutura com catiões presentes na solução aquosa (exemplo, água do mar, a qual contém cerca de 0,7 mol dm -3 de electrólitos). Esta substituição é chamada de processo de troca de iões. 34

2.2 Enquadramento do ensino da solubilidade nos curricula português 2.2.1 Curricula O conceito de solubilidade está presente no programa de Ciências Físico - Químicas do 3º Ciclo do Ensino Básico e no programa da componente de Química do 11º ano de escolaridade da disciplina de Ciências Físico Químicas. A primeira abordagem da solubilidade é feita no tema C Sustentabilidade na Terra e no capítulo II Reacções Químicas, da disciplina de Ciências Físico Químicas do 3º ciclo do Ensino Básico. De seguida, apresentamos uma tabela com os conteúdos a abordar (Tabela II), as competências específicas que os alunos devem atingir e um conjunto de experiências educativas propostas nas orientações curriculares de Ciências Físicas e Naturais do 3º ciclo do Ensino Básico (ME Básico, 2001). O conceito de solubilidade é abordado de uma forma mais complexa no programa de Física e Química A do 11º Ano do Ensino Secundário, mais especificamente na Unidade 2 Da Atmosfera ao Oceano: Soluções na Terra e para a Terra. Nesta unidade tem-se as soluções aquosas naturais como contexto para a abordagem e aprofundamento de muitos conceitos químicos importantes, como equilíbrio químico, ácido base, oxidação redução e solubilidade (Figura 2-9). 35

Tema C Sustentabilidade na Terra Capítulo II Reacções Químicas Subcapítulo Conteúdos Competências Experiências Educativas Tipos de Reacções de Distinguir entre Questionar os alunos acerca da reacções precipitação sais solúveis e solubilidade de diferentes substâncias químicas insolúveis em água. Incentivá-los a pesquisar as Interpretar propriedades da água existente em reacções de diferentes regiões do país, a dureza da precipitação água em diversas amostras e métodos Reconhecer a usados para diminuir a dureza da água aplicabilidade de consumo. das reacções Realizar reacções de precipitação e de precipitação verificar a formação de sais pouco solúveis (precipitados) a partir de sais solúveis. Este conteúdo pode ser relacionado com aprendizagens já realizadas em Ciências Naturais; por exemplo, relacionar com a formação de estalactites e estalagmites nas grutas calcárias e com a formação de conchas e de corais. Incentivar os alunos a escrever as equações de palavras correspondentes às reacções químicas realizadas e a investigar o que acontece à massa das substâncias que tomam parte numa reacção química. Tabela II Inserção do conceito de solubilidade no Programa de Ciências Físico Químicas do 3º ciclo do Ensino Básico 36

Figura 2-9 Ilustração da organização da Unidade 2 Da Atmosfera ao Oceano: Soluções na Terra e para a Terra, do programa de Física e Química A do 11º Ano do Ensino Secundário (ME 10-11, 2003) 37

Apresentamos de seguida os objectivos de ensino e os objectivos de aprendizagem enunciados no programa de 11º Ano de Química. Objecto de ensino 2 - Da Atmosfera ao Oceano: Soluções na Terra e para a Terra A água na Terra e a sua distribuição: problemas de abundância e de escassez. Os encontros mundiais sobre a água, com vista à resolução da escassez de água potável. 2.4. Mineralização e desmineralização de águas 2.4.1 A solubilidade e o controlo da mineralização das águas. Mineralização das águas e dissolução de sais. Solubilidade: solutos e solventes. Solubilidade de sais em água: muito e pouco solúveis. Solução não saturada e saturada de sais em água. Aplicação da constante de equilíbrio à solubilidade de sais pouco solúveis: constante do produto de solubilidade (K ps ). Objectivos de aprendizagem 2.4. Mineralização e desmineralização de águas 2.4.1. A solubilidade e o controlo da mineralização das águas. Relacionar a existência de determinadas espécies químicas numa água com a dissolução de sais e do dióxido de carbono na atmosfera. Relacionar a concentração de soluções saturadas e não saturadas numa determinada substância com a solubilidade respectiva, a uma determinada temperatura e pressão. Diferenciar sais pelo valor da solubilidade em água (muito, pouco e medianamente solúveis). Caracterizar o fenómeno da dissolução como o resultado de uma interacção soluto solvente. Apresentar razões que justificam a não existência de um solvente universal e a existência de limite da dissolução de qualquer soluto, em soluções reais. Identificar fenómenos do quotidiano como dissoluções. Explicitar formas de controlar o tempo de dissolução (estado de divisão e agitação) mantendo a temperatura e a pressão constantes. 38

Compreender que numa solução saturada de um sal na presença deste no estado sólido, o equilíbrio é dinâmico (há trocas recíprocas entre iões da rede e da solução). Explicitar o significado da constante de produto de solubilidade - K ps. Compreender as razões pelas quais a presença de algumas espécies químicas em solução pode alterar a dissolução de outras substâncias. Interpretar a formação de estalactites e estalagmites em grutas calcárias. Apresentar razões para a facilidade da ocorrência da poluição das águas e a dificuldade de despoluição das mesmas em termos da solubilidade. 2.3 Concepções alternativas 2.3.1 Ensino por mudança conceptual Aprender pressupõe um processo pessoal e activo de construção de conhecimento. Esta perspectiva construtivista opõe-se à concepção do sujeito receptor passivo de saberes transmitidos e supõe que, num qualquer processo de ensino e de aprendizagem, o aluno deva ser considerado um sujeito activo, possuidor de vivências e objectivos próprios que lhe permitem interagir com o meio físico e social e que condicionam, de forma decisiva, as novas aprendizagens. Isto significa reconhecer que, a par com aprendizagens formais, os alunos possuem ideias ou teorias informais sobre os mais diversos domínios que afectam a interpretação do quotidiano. Neste sentido, cada aluno chega à escola com uma física e uma química intuitivas e também com um conhecimento informal sobre o mundo social, histórico e económico, para além de uma psicologia intuitiva que, no seu dia-a-dia, lhe conferem adaptabilidade (Pozo, 1996). No ensino das Ciências é, por isso, fundamental ter em conta as ideias e as explicações sobre os fenómenos naturais que os alunos trazem para a escola. Estas concepções, vulgarmente designadas por concepções alternativas (CA s), poderão ser mais ou menos divergentes dos conceitos cientificamente aceites. Segundo Cachapuz (1995), a designação de concepções alternativas (CA's) surge por se tratar de " ideias que aparecem como alternativas a versões científicas de momento aceites " não podendo ser encaradas como "... distracções, lapsos de 39

memória ou erros de cálculo, mas sim como potenciais modelos explicativos... resultando de um esforço consciente de teorização ". Admitimos alguma controvérsia na definição e importância atribuída no ensino da Química às CA s. Muitas vezes, por outro lado, as CA s podem ser rótulos desculpabilizadores de verdadeiros erros ou mesmo falta de estudo e organização (dos alunos e professores). A nossa posição é de equilíbrio: nem o dogmatismos de achar que os alunos não têm CA s e que elas não importam, nem o fundamentalismo de que basta saber e trabalhar as CA s dos alunos para ensinarmos e aprendermos Química A mesma posição moderada temos face ao construtivismo que subjaz ao movimento das CA s. As ideias do construtivismo são boas e cruciais mas nem tudo que é behaviorista é negativo no processo de ensino aprendizagem. A consciência da existência destas ideias exige, necessariamente, respostas didácticas adequadas. Nos últimos vinte/trinta anos têm sido identificadas CA's em várias áreas. Pfundt e Duit inventariaram 3500 estudos nesta linha de investigação, publicados nas mais importantes revistas de divulgação internacional de Educação em Ciências (Pfundt e Duit, 1994). Com a finalidade de contribuir para facilitar a utilização, pelos professores, dos resultados da investigação em CA's, Furió (1996) enumerou, de forma simples e sintética, sete aspectos: 1. os estudantes chegam à sala de aula com um conjunto variado de CA's e muitas delas possuem uma certa coerência interna; 2. as CA's são comuns a estudantes de diferentes meios, idade e género; 3. as CA's são persistentes e não se modificam facilmente com estratégias de ensino convencionais; 4. as CA s apresentam um certo isomorfismo com concepções vigentes em períodos da história do pensamento científico e filosófico; 5. o conhecimento anterior dos alunos interage com aquilo que se ensina na aula e serão de esperar consequências imprevistas na aprendizagem; 6. as CA's podem surgir a partir de experiências pessoais muito variadas, que incluem a percepção, a cultura, a linguagem, os métodos de ensino dos professores, os materiais educativos, ; 7. as estratégias que facilitam a mudança conceptual podem ser ferramentas eficazes na sala de aula. A origem das CA's dos alunos é um campo de interesse para muitos autores e Pozo (1996) propõe mesmo três vias principais para explicar o seu aparecimento: sensorial, cultural e analógica. Uma origem sensorial, para explicar o que designa por concepções espontâneas na percepção de fenómenos, processos e observações na 40