Não, o Estado brasileiro NÃO é grande

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META DA TAXA SELIC 14,5% 13,75% 14,25% 13,75% 13,5% 13,25% 12,75% 13,00% 12,75% 12,50% 12,00% 12,25% 11,75% 12,5% 11,25% 11,00% 10,50% 11,25% 11,5%

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Transcrição:

Não, o Estado brasileiro NÃO é grande André Levy Brasil Debate, 1.4.2015 O Estado brasileiro emprega pouco mais que 10% do mercado de trabalho; na Noruega e na Dinamarca, pelo menos 1 de cada 3 trabalhadores são funcionários públicos. No Chile, o setor público emprega 50% a mais que o Brasil Que grande Estado é esse que não coleta esgoto de metade da população, que deixa 3 de cada 4 cidadãos à mercê de um sistema de saúde precário, e em que mais da metade dos escolarizados são analfabetos funcionais? Quando se fala de tamanho do Estado no Brasil, frequentemente refere- se à carga tributária. E frequentemente quando se refere à carga tributária, fala- se da arrecadação fiscal como percentual do PIB. Mas serviço público não é custo variável; não fica mais barato quando o PIB decresce. O Estado continua pagando o mesmo número de professores, médicos, enfermeiros, policiais Falar de carga tributária como percentual de PIB é como colocar o aluguel da padaria no custo do pãozinho. A carga tributária média mensal brasileira é Int$403 per capita [1]. É a 5a menor entre as 20 maiores economias do mundo, depois de China, Índia, Indonésia e Irã. Mas mesmo como percentual do PIB, a arrecadação fiscal no Brasil é menor que a da Dinamarca, Bélgica, Suécia, França, Noruega, Finlândia, Áustria, Itália, Alemanha, Islândia, Holanda, Eslovênia, Hungria, Grã Bretanha, Espanha, Argentina, Portugal, Israel, Luxemburgo, Rep. Tcheca, Nova Zelândia e Bulgária.

Frequentemente, quando se aponta que mesmo percentualmente a arrecadação fiscal brasileira não é alta comparada a estes países, contra- argumenta- se que no Brasil paga- se impostos escandinavos para receber serviços públicos africanos. Há um truque retórico aí. É como se quisesse dizer: com serviços públicos assim, não vale a pena; prefiro não pagar. Então ao invés de melhorar a qualidade dos serviços públicos, fica todo mundo sem, e cada um que se vire. Para dar um ar científico para o sofisma, aponta- se para o IRBES (Índice de Retorno de Bem Estar à Sociedade [2]) do IBPT (Instituto Brasileiro de Pesquisa Tributária). O índice é calculado como a soma de 85% do IDH e 15% da arrecadação em percentual do PIB. O que se conclui disso? Praticamente nada. Primeiro, quanto maior for a arrecadação fiscal, maior o retorno. Ou seja, um país que tributa 80% do seu PIB e tem IDH igual a 0,1, tem melhor retorno que um que tributa 10% e tem IDH de 0,2. Não faz o menor sentido. Segundo, o IDH de um país tem muito mais a ver com a sua história do que com a sua arrecadação fiscal, especialmente em percentual do PIB uma vez que já vimos que serviços públicos são custo fixo, não variável. O Brasil, com sua história colonial, escravagista por 400 anos, a mais longa de toda a América, tem uma enorme dívida social. Sem falar que tem dimensões continentais, a 4oª maior população do mundo, e uma das mais diversas. Não dá para comparar com país escandinavo de loiros com olhos azuis. Há muito pouca correlação entre IDH

e arrecadação fiscal, mas na pouca correlação que há, o Brasil está perfeitamente em linha. Argumenta- se então que o Estado brasileiro é inchado. Apontam- se os 39 ministérios e o número de cargos comissionados. Sem dúvida, há problemas. E problemas sérios. Mas a tese de que o Estado brasileiro é inchado não se verifica se olharmos para quantas pessoas trabalham no setor público. O Estado brasileiro emprega pouco mais que 10% do mercado de trabalho; na Noruega e na Dinamarca, pelo menos 1 de cada 3 trabalhadores são funcionários públicos. Mesmo o Chile, frequentemente citado como modelo de eficiência no setor público na América do Sul, emprega uma parcela do seu mercado 50% maior que o Brasil.

Mas então para onde vai o imposto, se os serviços são tão ruins? A grande maioria retorna em transferências diretas para os próprios cidadãos. Já de início, quase um terço (31%) da arrecadação vai para pagar INSS e previdência. Juros são mais 14%, somando 45%. Do que sobra, há muito o que se melhorar na eficiência e no combate a desvios, mas é bom ter em mente que metade do que pagamos já tem endereço certo. Para quem vai o resto? Na educação, por exemplo, 30% do orçamento do MEC vai para o ensino superior: De fato, no Brasil se investe 5 vezes mais em um aluno do ensino superior do que em um da escola básica (Inep 2011 [3]). É tão mais que em outros países que nem cabe no gráfico:

Entre inscritos no INSS, servidores públicos aposentados e universitários, começa a ficar claro para onde vai o dinheiro dos impostos no Brasil: a classe média. Foi precisamente o que concluíram Marcelo Medeiros e Pedro Souza (Ipea): a ação estatal responde por um terço da concentração de renda no Brasil. [4] O outro ralo para onde vai o dinheiro é a renúncia fiscal da sonegação. O Sinprofaz (Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional) estima que em 2014 sonegou- se R$500 bilhões. Em só 1 ano, os sonegadores tomam para si, do patrimônio público, o equivalente a 20 anos de Bolsa Família. Então quem paga o imposto? Quem ganha até 2 salários mínimos paga quase metade (49%) da sua renda em imposto; quem ganha mais de 30 paga pouco mais que um quarto (26%). Para

quem ganha bem, o Brasil é praticamente um paraíso fiscal (especialmente dadas as oportunidades de evasão). E quem ganha pouco é quem realmente mais contribui do que tem, e que menos recebe em troca. De grande o Estado brasileiro não tem nada. Ele só é injusto mesmo. E muito. [1] Int$ são dólares internacionais, uma moeda de referência que re- equaliza as moedas pelo poder de compra de cada uma em seu país. [2] Amaral, Gilberto L. do, João Eloi Olenike, Letícia Mary Fernandes do Amaral (2013), Cálculo do IRBES (Índice de Retorno de Bem Estar à sociedade), Instituto Brasileiro de Pesquisa Tributária, abril 2013. [3] INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) [4] Medeiros, Marcelo e Pedro H. G. F. de Souza (2012), Gasto Público, Tributos e Desigualdade de Renda no Brasil, XVII Prêmio Tesouro Nacional, 2012. André Levy é graduado em matemática pela USP, com mestrado na Stanford University e doutorado na University of New South Wales