EM TEMPOS DE HIV/AIDS: O SILÊNCIO DE ADOLESCENTES SOROPOSITIVOS



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Transcrição:

EM TEMPOS DE HIV/AIDS: O SILÊNCIO DE ADOLESCENTES SOROPOSITIVOS PALAZUELOS, Sâmara¹, ROSO, Adriane 4, BERNI, Vanessa Limana³, SANTOS, Ana Paula dos¹, TOLENTINO, Daiane², ¹ Bolsistas de Iniciação Científica pelos Programas da Universidade Federal de Santa Maria (PROIC/HUSM) ² Acadêmicas do Curso de Psicologia. ³ Mestranda do PPGP da Universidade Federal de Santa Maria/UFSM, bolsista CAPES/DS. 4 Dr.º Prof. Adjunta do curso de Psicologia e Coordenadora do Grupo de Pesquisa SMIC na Universidade Federal de Santa Maria/UFSM adrianeroso@gmail.com 1. INTRODUÇÃO A presença do HIV/Aids na vida de crianças e adolescentes por transmissão vertical, constitui uma condição em que é permeada por estigmas e segredos. Diante da temática, suscitada pelo projeto Corpos positivos: um estudo sobre identidade e representações de préadolescentes em tempos de aids, percebeu-se a importância do estudo frente ao silêncio de adolescentes que convivem com HIV/Aids. 2. OJETIVOS Através da análise das entrevistas realizadas durante a execução do projeto, constatouse que o silêncio se fazia presente na maioria do discurso dos portadores. Para tanto, este trabalho teve por finalidade discutir o silêncio no discurso dos adolescentes que convivem com HIV/Aids. 3. METODOLOGIA O estudo se deu a partir do projeto Corpos positivos: um estudo sobre identidade e representações de pré-adolescentes em tempos de aids (aprovado pelo Comitê de Ética CAEE nº 0139.0.243.000-10). Tal projeto de pesquisa faz uso de uma metodologia quantiqualitativa, utilizando três instrumentos para coleta de dados: Escala Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP), Estudo de Caso, realização do Desenho da Figura Humana (DFH), com enfoque nas entrevistas a partir do DFH. Até o momento, foram entrevistados 20 adolescentes. Aqui utilizaremos 2 entrevistas de adolescentes do sexo feminino. Os adolescentes buscam o serviço especializado de um hospital público localizado no interior do estado do Rio Grande do Sul.

A interpretação do conjunto de informações obtido se deu a partir do corpo teórico de autores que enfocam a identidade enquanto uma construção social; e, considerando também que a pesquisa no campo das representações sociais pode oferecer uma contribuição relevante quanto a conhecer as representações sobre o corpo e a sexualidade de pré-adolescentes (MOKWA et al., 2005). 4. RESULTADOS E DISCUSSÕES Adolescer é marcado por inúmeras mudanças, tanto psíquicas quanto físicas. Nesse sentido, entendemos a adolescência como um processo de desconstrução e reconstrução da identidade, no qual o jovem terá que desmontar o mundo infantil e reconstruí-lo a seu modo (BRASIL, 2006, p.14). Os adolescentes são uma parte cada vez mais crescente na pandemia do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV/Aids). O diagnóstico positivo para o HIV pode impactar de modo significativo nesse processo de adolescer, particularmente por que, de acordo com Spinardi et al (2008), a presença do HIV/Aids acarreta alguns medos e estigmas no que se refere às descobertas e transformações da adolescência, na medida que o adolescente tem de se deparar com seu diagnóstico e conviver com essa doença que, além de crônica, é permeada por preconceito, medo e incertezas quanto ao futuro (SPINARDI et al., 2008). Sendo assim, o adolescente que adquire o HIV através da Transmissão Perinatal da Aids (TPA) tem que lidar com as possíveis dificuldades geradas pela adesão ao tratamento, com as crises de confiança devido ao atraso na revelação do diagnóstico, com a culpa dos pais e com a super-proteção deles, assim como com o estigma (SPIEGEL e FUTTERMAN, 2009; GUERRA e SEIDL, 2009). O que se percebe é que a questão da aids tanto no cenário mundial, quanto no Brasil, ainda está longe de ser tratada com domínio pela sociedade. Isso ocorre, provavelmente, devido ao fato de ainda existir muitos mitos e preconceitos por parte da população que, ao não serem esclarecidos, podem acarretar às pessoas que vivem com o HIV muito desconforto, medo e vergonha de revelar seu diagnóstico. Umas das causas desses tantos preconceitos é o fato da síndrome estar associada à culpa sexual, ao medo de um possível contágio fácil e fantasias absurdas sobre a transmissão por meios não venéreos em meios públicos. A aids deu origem a fobias e temores de

contaminação semelhantes, como uma doença que é concebida como um mal que afeta um grupo perigoso de pessoas diferentes e que por elas é transmitido, criando um estigma em grande proporção (SONTAG, 1989). A partir desse estigma, muitos dos portadores do HIV/Aids preferem ocultar seu diagnóstico, optando pelo silêncio. De acordo com o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 1988), o silêncio é o estado de quem se cala, porém quem é esse ser que cala? Quais os motivos, sentimentos e preocupações que fazem calar? Primeiramente, é necessária uma base de conhecimento prévio sobre o que se tem dito acerca do silêncio. Entendemos que o não dito também é uma forma, tão ou mais importante que a fala literal, de transmitir ideias e sentimentos, posicionamentos, transformando o calar em uma ferramenta de significantes. Padrão (2009) traz a definição de que o silêncio é disseminado através de atos sociais ditos comunicativos, sendo este tão importante quanto qualquer outro código de comunicação. Na análise das entrevistas dos adolescentes, percebeu-se a presença do silêncio através da fala dos mesmos no que se refere aos amigos, principalmente na escola. Quando questionados a respeito da revelação do diagnóstico, em sua maioria, a recusa da revelação está presente, chegando ao ponto de, às vezes, haver a própria negação do vírus. As causas para esse silêncio vêm atreladas ao medo da exclusão, do preconceito: Não, eu não conto porque [...] eu tenho muitos amigos que eu adoro, sabe? Então, eu acho que se eles ficarem sabendo eles vão meio que se reserva, sabe, não que me exclui totalmente, mas eu não queria que eles se afastassem de mim, por causa disso. Eu acho que ficaria meio chato, depois de tanto tempo. (Adolescente Carol) A pesquisa de Valle (2002) constatou que, a partir da epidemia, vários vínculos de relacionamentos acabam por se estabelecer e novas interações são geradas. Pessoas de diferentes regiões, classes sociais e idades passam a se relacionar em função de uma causa comum, viver ou estar com AIDS. No entanto, o que se nota a partir do silenciamento dos adolescentes entrevistados, é que a mudança positiva nas relações entre portadores e não portadores não foi alterada, muito pelo contrário, as relações continuam regadas por preconceito. Outro aspecto revelado nas entrevistas é a maneira com que o segredo em torno da medicação passa a ser compartilhado entre mães e filhos. A hora do remédio, a maneira de escondê-lo dos outros, da família, dos colegas de escola, as trocas de olhares, o pacto

silencioso, a falta das palavras, o engolir apressado para este momento não ser visto pelo outro, todo um ritual com o objetivo de esconder de alguma forma a medicação e que a criança passa a internalizar, muitas vezes, sem compreender o motivo. O segredo guardado por essas adolescentes salienta o medo que o estigma do HIV/Aids traz sobre seus portadores, exigindo que estes reconfigurem sua visão de mundo e a forma como se relacionam com o mesmo. Suas falas serão pautadas de acordo com aquilo que se espera de um adolescente normal, pois alimentam a crença de que a partir da revelação da soropositividade à sociedade sofreriam uma série de retaliações, chegando muitas vezes a sentimentos de repulsa: Eu acho porque tem gente que mesmo tu falando, explicando, morre de nojo, mesmo, de preconceito, sabe? E, eu acho que isso faz mal, faz mais mal pra pessoa que guarda isso, assim, esse ódio. Tem gente que tem ódio de quem tem, porque acha que quem tem, pegô por que não tá se prevenindo. Porque tem três modos, né, que é sexo, na amamentação, que foi como eu peguei [...], por drogas injetáveis, ou alguma coisa injetável. [...] Eu acho que é isso que as pessoas, eles não raciocinam, porque não procuram, não procuram sabe. (Adolescente Carol) Notamos que os sentimentos se misturam, as reações se entrelaçam, o preconceito impõe o silêncio e com isso os adolescente se perdem em um emaranhado de sensações que mesclam angústia, medo, culpa, tristeza, dor, enfim, sentimentos que só nos faz reafirmar a importância da escuta dos adolescentes, para ajudá-los em sua angustia. A dificuldade em dialogar com o adolescete sobre o HIV aparece, mesmo indiretamente em todos os relatos. Sobre a revelação do diagnóstico, encontramos uma situação semelhante ao que Seidl e cols. (2005, p. 287) perceberam em seu estudo: Em muitas famílias parece ter sido instituído um pacto do silêncio, quando a comunicação sobre HIV/Aids estaria impossibilitada de ocorrer, mesmo diante de indícios de que a criança/adolescente desconfia da verdadeira enfermidade que o acomete.almeida e Labronici (2007), em referência a identidade deteriorada proposta por Goffman, explicam que: (...) a pessoa estigmatizada padece de diversas consequências nefastas em função deste fato. Sua diferença atrai a atenção das pessoas,

afastando-as e impedindo-as de perceber suas outras características, passa a não ser vista e tratada como humana e tem suas chances de vida limitadas. A ela se agrega a idéia de periculosidade e inferioridade, e qualquer coisa que faça para se defender será explicada pela presença do atributo estigmatizante. O autor complementa que, frequentemente, a pessoa estigmatizada passa a interiorizar as mesmas crenças daqueles que a estigmatizam e, assim, não se sente normal e digna de direitos e oportunidades legítimos. Passa a sentir vergonha por portar tal atributo, bem como almeja não tê-lo (ALMEIDA e LABRONICI, 2007, p.268). Como outras doenças que provocam sentimento de vergonha, a presença do HIV ou da aids é, muitas vezes, ocultada. O seu existir é permeado por um acordo de silêncio, pois desde a revelação do diagnóstico para o próprio adolescente, já foi estabelecido com os familiares, devido ao temor ao preconceito (PAULA, CABRAL & SOUZA, 2011). Lima Filho (2007) completa esta afirmação definindo que mesmo quando a pessoa se encontra em um solo bom e se sente segura, a experiência de estar excluída do contato faz surgir uma dúvida em relação à validade e à estabilidade dos valores aos quais a pessoa se formou e se sustentou. Bucher (2001) traz uma perspectiva sobre alguns aspectos que fazem com que o silencio impere numa relação: A perspectiva de uma degradação do corpo, a angústia de uma possível morte prematura, de abandono, a segregação e o isolamento relacional podem ser igualmente insuportáveis e, muitas vezes, são excluídos da mente, reinando o silêncio e a negação (BUCHER, 2001, p. 142). Assim, o silêncio em torno da doença dificulta a compreensão do adolescente em relação à sua interação com o ambiente e o próprio tratamento, e a maneira com que compactua com este mesmo silêncio, mesmo sem saber os motivos. Como vimos, há uma grande dificuldade no diálogo com o adolescente sobre questões relativas ao HIV, mesmo quando o diagnóstico é conhecido. Concluímos então que há a necessidade de uma assistência (ou equipe) que contemple as questões subjetivas no tratamento de HIV/Aids, porém que não se detenha apenas em questões físicas e biológicas, delimitadas dentro de um tratamento

médico. É necessário quebrar a barreira de silencio que muitas vezes os mantêm presos em si mesmos. Nesse âmbito, se faz necessária uma equipe que inclua pais ou responsáveis, e que se reúna em torno de um saber compartilhado, o qual poderá ajudar o adolescente paralisado pelo silêncio que o preconceito em torno da Aids ainda impõe às famílias. Inclusive é necessário que se alerte aos cuidadores o quanto prejudicial pode ser o estigma que o HIV carrega. Ajudá-los a entender que o que se transmite a um adolescente é muito mais que um vírus, que seus cuidados com o tratamento podem se transformar em uma vida a ser construída no ambito da saúde e do afeto, e é um dever ético de todos nós. A partir de Lacan, percebe-se que a escuta constitui-se a principal ferramenta na análise, pois é por meio desta é possível dizer algo da estrutura do sujeito. A escuta se estabelece como instrumento primordial na discriminação diagnóstica, cuja prioridade está nas explicações causalistas assim como sobre o saber nosológico (BATISTA 2004) Sabe-se que o silêncio, instaura-se com importante componente na análise, mas para além, o mesmo pode ser observado a partir de muitas leituras, mudando de significação. O sujeito ao falar de sua vida, experimenta sentimentos de ambíguos, pois mesmo sem ter tido uma experiência analítica, vivencia com apreensão o fato de não controlar seu discurso, sobre o que revela sua fala e o seu silêncio, mas também alívio por conseguir extravasar algo que lhe causava dor, culpa, ou lhe era penoso. Assim algo que o sujeito não entendia, passa a ter outro significado ao escutar suas próprias palavras (ALMEIDA, 2007) O ideal seria que esse dever ético se transformasse em desejo por um trabalho interdisciplinar, pois traria uma nova perspectiva de tratamento que possibilite o surgimento das angústias do paciente e seu reposicionamento frente à doença. Batista (2004), discorre sobre as correlações estabelecidas entre o diagnóstico e os sintomas,onde os sucessos terapêuticos dependem, em grande parte, da existência dessas correlações. Assim, a habilidade de auscultar, ou seja, no sentido de sondar e inquirir, torna-se fundamental na clínica médica. Como estudantes de psicologia, cremos ser de grande importância que haja um diálogo, ou a possibilidade do mesmo, para que o adolescente sinta-se seguro em falar e transmitir seus anseios, medos e preocupações com os demais, sem o estigma que até então conhecia. Cremos ser importante também auxiliar os cuidadores a elaborarem um diálogo natural com o adolescente sobre sua condição de soropositividade. Discutir atitudes preconceituosas em relação à Aids em todos os segmentos da sociedade revela-se, nesse

âmbito, absolutamente necessário, assim como maior esclarecimento da população em relação ao HIV no universo adolescente 5. CONCLUSÕES O HIV/Aids têm nutrido temores que cultivados há muitas gerações, alimentando fantasias alarmantes sobre o vírus, demarcando vulnerabilidades individuais e sociais, fomentadas pela ideia de castigo e ameaça a todos (SONTAG, 1989). De acordo com Guimarães e Ferraz (2002), o estigma é uma construção social, eminentemente de natureza relacional, legitimada pelo olhar do outro (p.78). Assim, se esse olhar do outro for permeado de desqualificação, o sujeito, ao tomá-lo como referência e internalizá-lo, acaba mudando a forma de ver a si mesmo e, assim, influenciando em sua identidade A presença do HIV na vida do pré-adolescente, diante dessas representações acerca da aids, requer do sujeito novas estratégias de ser e fazer, exigindo também novas configurações de vida e um permanente processo de construção de identidade. Nesse processo, a ação conjunta entre profissionais/pesquisadores e usuários/participantes, mostra-se necessária, uma vez que ao tomarem consciência do processo, podem construir propostas e definir os passos a serem dados para viabilizar a metamorfose (KAHHALE et.al., 2010).Torna-se necessário então, entender melhor por que os adolescentes vivendo com HIV/Aids se calam; ouvir o que eles têm a dizer sobre isso. Nossa hipótese é de que o jovem tem necessidade de falar sobre sua situação, que tem potencial para refletir e compreender o problema e que, finalmente, há sofrimento importante por trás deste comportamento. O conflito entre adolescente/família/sociedade e os profissionais que assistem a criança em relação à revelação do diagnóstico é outro ponto a ser focado. Entende-se, portanto, que os portadores, assim como familiares e/ou cuidadores que fazem parte do cotidiano do adolescente que vive com o HIV/AIDS, necessitam de assistência, de um espaço de escuta e discussão frente os sentimentos suscitados pela soropositividade. Diante disso,sugere-se que a noção de silêncio frente ao diagnóstico positivo para o HIV possa ser trabalhada com o adolescente, estimulando que o mesmo fale sobre o que provoca nele manter o silêncio, isto sem que o profissional julgue o silêncio como uma negatividade.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, Marizabel. O silêncio em psicanálise. BATISTA, Luciane. Escutar não é auscultar. BUCHER, J.S.N.F. A Aids na encruzilhada das subjetividades: reflexões em torno de uma pesquisa. Revista Mal-Estar e Subjetividade, Fortaleza, v. 1, n. 1, p. 138-149, set. 2001. GUIMARÃES, R.; FERRAZ, A. F. A interface Aids, Estigma e Identidade: algumas considerações. REME: Rev. Min. Enf., v. 6, n. 1/2, p.77-85, jan./dez., 2002. KAHHALE, E. P. et al. HIV/Aids: enfrentando o sofrimento psíquico São Paulo: Cortez, 2010. LIMA FILHO, A. P. Quando o Silêncio Aprisiona. Boletim de Psicologia, vol. LVII, Nº126:077-087. PADRÃO, C. B. Considerações sobre o silêncio na clínica psicanalítica. SEIDL, E. M. F. et al. Crianças e adolescentes vivendo com HIV/Aids e suas famílias: Aspectos psicossociais e enfrentamento. In: Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 21, n. 3, p. 279-288. Set./Dez. 2005. SONTAG, S. Aids e suas metáforas. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. SPIEGEL, H. M.L.; FUTTERMAN, D. C. Adolescents and HIV: Prevention and clinical care. In: Current HIV/AIDS Report, v. 6, n. 2, p. 100-107, may. 2009. VALLE, C.G. Identidades, doença e organização social: um estudo das pessoas vivendo com HIV e Aids. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 8, n. 17, p. 179-210, jun. 2002.