7 - Romantismo. Gerações Poéticas do Romantismo



Documentos relacionados
ROMANTISMO NO BRASIL - PROSA

A PROSA ROMÂNTICA BRASILEIRA

As Tendências Românticas Através da Pintura e do Desenho no século XIX. Prof. Vinicius Rodrigues

Festa da Avé Maria 31 de Maio de 2009

Jefté era de Mizpá, em Gileade, terra de Jó e Elias. Seu nome (hebraico/aramaico - יפתח Yiftach / Yipthaχ). Foi um dos Juízes de

Os dois foram entrando e ROSE foi contando mais um pouco da história e EDUARDO anotando tudo no caderno.

Sete Trombetas (Lauriete)

Manoel de Barros Menino do mato

o coração ruge como um leão diante do que nos fizeram.

Deus: Origem e Destino Atos 17:19-25

CD UM NOVO DIA. Um Novo Dia Autor: Paulo Cezar

Fascículo 2 História Unidade 4 Sociedades indígenas e sociedades africanas

AS VIAGENS ESPETACULARES DE PAULO

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

igrejabatistaagape.org.br [1] Deus criou o ser humano para ter comunhão com Ele, mas ao criá-lo concedeu-lhe liberdade de escolha.

RETIRO DOS JOVENS - JUNHO DE TEMA: RELACIONAMENTOS

CANTOS DO FOLHETO O DOMINGO

Leiamos o Texto Sagrado:

HINÁRIO O APURO. Francisco Grangeiro Filho PRECISA SE TRABALHAR 02 JESUS CRISTO REDENTOR

1. CANÇÃO DE NATAL (TENOR) OUÇAM AO REDOR ANJOS A CANTAR PROCLAMANDO AS NOVAS DO CÉU EIS QUE O BEBÊ QUE ESTÁ NA MANJEDOURA É O REI DOS REIS

A Cura de Naamã - O Comandante do Exército da Síria

A Bíblia realmente afirma que Jesus

E alegre se fez triste

HINÁRIO O APURO. Francisco Grangeiro Filho. Tema 2012: Flora Brasileira Araucária

ACLAMAÇÃO AO EVANGELHO

SAMUEL, O PROFETA Lição Objetivos: Ensinar que Deus quer que nós falemos a verdade, mesmo quando não é fácil.

Língua Portuguesa 4 º ano. A camponesa sábia *

Usa As Minhas Mãos. Intro: C9 G/B Bb/Eb D. Sei que queres tocar cada um que se abrir D/F# C/E D G Sei que queres agir com poder neste lugar

CURSO DE DIREITO VALDEIR SOARES DA CONCEIÇÃO AGNALDO FERREIRA SANTOS

Convite. Poesia é brincar com palavras como se brinca com bola, papagaio, pião. Só que bola, papagaio, pião de tanto brincar se gastam.

Curso DOT Dias 07, 14 e 21/08/2013

A PRÁTICA DO PRECEITO: AMAR O PRÓXIMO COMO A SI MESMO

C: acima de 15 anos Cornélio Procópio

Edison Mendes. A realidade de uma vida

COLÉGIO NOSSA SENHORA DE SION LIÇÕES DE MATEMÁTICA E CIÊNCIAS - 3 ano Semana de 23 a 27 de março de 2015.

MALDITO. de Kelly Furlanetto Soares. Peça escritadurante a Oficina Regular do Núcleo de Dramaturgia SESI PR.Teatro Guaíra, no ano de 2012.

I ANTOLOGIA DE POETAS LUSÓFONOS. Fantasias

LIÇÕES DE VIDA. Minha mãe Uma mulher fascinante Guerreira incessante Gerou sete filhos Em tentativa pujante De vencer as dificuldades com amor!

QUESTÃO 1 Texto para as questões 1, 2 e 3.

Etapas da maturidade de Eliseu

Músicas para Páscoa. AO REDOR DA MESA F Gm C C7 F Refr.: Ao redor da mesa, repartindo o pão/ A maior riqueza dos que são irmãos.

Arte em Movimento...

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

Dra. Nadia A. Bossa. O Olhar Psicopedagógico nas Dificuldades de Aprendizagem

Uma história de amor. Elisa Tiegs Gnewuch

Para colocar a vida em ordem é preciso primeiro cuidar do coração. O coração é a dimensão mais interior da nossa existência

Nem o Catecismo da Igreja Católica responde tal questão, pois não dá para definir o Absoluto em palavras.

2ª Feira, 2 de novembro Rezar em silêncio

O Navio Negreiro Castro Alves

Unidade I Tecnologia: Corpo, movimento e linguagem na era da informação.

MÚSICAS. Hino da Praznik Sempre Quando vens p ras colónias Sei de alguém Menino de Bronze Tenho Vontade VuVu & ZéZé

Era uma vez um príncipe que morava num castelo bem bonito e adorava

Carnaval A Sociedade Rosas de Ouro orgulhosamente apresenta o enredo: Inesquecível

PARTE IV. O chamado para a especialização

Cultura Juvenil e as influências musicais: pensando a música afro-brasileira e a sua utilização entre os jovens na escola

/ E-F@BULAÇÕES] 2/ JUN Uma História de Cão

12:00 Palestra: Jesus confia nos Jovens -Por isso entrega sua mãe - Telmo

COMO VIVER COM DEUS? COMO VIVER COM DEUS? EXTRA, EXTRA! As Más Notícias: EXTRA, EXTRA! Mitos. homem com seu Criador

Entrevista Noemi Rodrigues (Associação dos Pescadores de Guaíba) e Mário Norberto, pescador. Por que de ter uma associação específica de pescadores?

ROMANTISMO EM PORTUGAL E NO BRASIL

Desde sempre presente na nossa literatura, cantado por trovadores e poetas, é com Camões que o Amor é celebrado em todo o seu esplendor.

PERTO DE TI AUTOR: SILAS SOUZA MAGALHÃES. Tu és meu salvador. Minha rocha eterna. Tu és minha justiça, ó Deus. Tu és Jesus, amado da Minh alma.

Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.

ESCOLA BÍBLICA I. E. S.O.S JESUS


O que a Bíblia diz sobre o dinheiro

PREGAÇÃO DO DIA 08 DE MARÇO DE 2014 TEMA: JESUS LANÇA SEU OLHAR SOBRE NÓS PASSAGEM BASE: LUCAS 22:61-62

UMA ESPOSA PARA ISAQUE Lição 12

A formação moral de um povo

meu jeito de dizer que te amo

Duplo sentido e ironia / Maria Irma Hadler Coudry. Caro Aluno:

Evangelização Espírita Ismênia de Jesus Plano de Aula Jardim. Título: Allan Kardec: o codificador da doutrina espírita

Tradução da Carta: Dor de Mãe

4 o ano Ensino Fundamental Data: / / Atividades de Língua Portuguesa Nome:

SEU NOME SERÁ CHAMADO DE "EMANUEL"

COLÉGIO AGOSTINIANO SÃO JOSÉ PASTORAL EDUCATIVA São José do Rio Preto MÚSICAS PARA A MISSA DO DIA DOS PAIS 07 DE AGOSTO DE 2008

Presidência da República Casa Civil Secretaria de Administração Diretoria de Gestão de Pessoas Coordenação Geral de Documentação e Informação

DNA COMPROVA Mulher deu à luz gêmeos filhos de pais diferentes

Só quando aprendemos a nos aceitar e nos amar, somos capazes de aceitar e amar as outras pessoas.

A Aliança de Yahweh com Abraão

ROMANTISMO PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS LITERÁRIAS

Sinopse I. Idosos Institucionalizados

Era uma vez, numa cidade muito distante, um plantador chamado Pedro. Ele

O Antigo Testamento tem como seus primeiros livros a TORÀ, ou Livro das leis. É um conjunto de 5 livros.

Memórias do papai MEMÓRIAS DO PAPAI

Palavras do autor. Escrever para jovens é uma grande alegria e, por que não dizer, uma gostosa aventura.

Beleza. Tá certo. Aleluia. Gloria a Deus e amem. Você está certo e vou fazer tudo o que você está falando. Domingo está chegando e lá na igreja vou

Geração João Batista. Mc 1:1-8

HOMILIA: A CARIDADE PASTORAL A SERVIÇO DO POVO DE DEUS (1 Pd 5,1-4; Sl 22; Mc 10, 41-45) Amados irmãos e irmãs na graça do Batismo!

Figuras de Linguagem

O Despertar da Cidadania

Acorda, seu Zé Preguiça, hoje é domingo. Dia do Senhor. A sua mãe tá passando a roupa que você separou ontem, e o seu café já está pronto, só

FILOSOFIA DE VIDA Atos 13.36

TER NOÇÃO DA CONSTRUÇÃO DE UMA NAÇÃO

SÉRIE 7: Trabalho. para olhar. pensar, imaginar... e fazer. Jean-François Millet As respigadeiras 1857 Óleo sobre tela.

1ª Leitura - Gn 9,1-13

Redação Avaliação Seletiva 9º ano Preparatório para as boas Escolas Públicas

TESTE DE ELENCO COM UMA CENA. Por VINICIUS MOURA

Toda bíblia é comunicação

Transcrição:

7 - Romantismo O final do século XVIII foi marcado pela revolução francesa, pela revolução industrial, pela independência dos EUA, enfim, foi um período de intensas transformações que contribuíram para a ascensão da burguesia, a cada dia mais fortalecida. A cada dia, a monarquia, representante de um antigo regime, de uma antiga visão de mundo, de uma antiga concepção de arte, perdia espaço. E essa movimentação sócio-política e econômica foi acompanhada por uma movimentação cultural e artística. Surge então o romantismo, com uma arte feita pela burguesia, para a burguesia e muitas vezes sobre a burguesia, haja vista a quantidade de obras românticas que se propõem única e exclusivamente a retratar os costumes da própria sociedade burguesa do século XIX. Gerações Poéticas do Romantismo Primeira Geração Romântica Essa produção poética foi marcada por um forte nacionalismo, a exaltação das riquezas naturais e do índio como ícone idealizado da identidade nacional brasileira. O período romântico foi marcado por uma grande decepção por parte dos jovens que não viam concretizados os ideais propostos pela revolução francesa, a grande força motriz das mudanças do período. Por conta disso surge uma tentativa de fugir da realidade desagradável por parte dos artistas. Esse escapismo romântico se deu por meio do sentimentalismo exacerbado; da exaltação de elementos naturais (primeira geração); da hipervalorização da dor e da morte (segunda geração); da idealização de mulher, de Pátria, de amor, de herói etc. Como circulava o mundo àquela época o ideal nacionalista e inovador, uma outra proposta da arte romântica era o combate aos Clássicos, por meio da retomada de uma produção artística própria e subjetiva, em resposta aos árcades, que prezavam pela imitação de modelos e autores clássicos. Essa reação pode ser percebida na tela A morte de Camões de Manuel de Araújo Porto Alegre.

Trecho para Análise: Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar sozinho, à noite Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. Segunda Geração Romântica A segunda geração de poetas românticos, assim como os da primeira, também decepcionara-se com a não concretização da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade prometidas, mas expressar essa decepção com um subjetivismo exacerbado, um intenso pessimismo e um verdadeiro desinteresse pela vida político-social. É a geração mal do século, formada por jovens boêmios, divididos entre os estudos acadêmicos, o ócio e as relações amorosas, marcados por uma visão pessimista

da vida e do mundo, traduzida na relação com os vícios, na atração pela noite e pela morte. Leia este poema de Álvares de Azevedo: O Poeta Moribundo Poetas! amanhã ao meu cadáver Minha tripa cortai mais sonorosa!... Façam dela uma corda e cantem nela Os amores da vida esperançosa! Cantem esse verão que me alentava... O aroma dos currais, o bezerrinho, As aves que na sombra suspiravam, E os sapos que cantavam no caminho! Coração, por que tremes? Se esta lira Nas minhas mãos sem força desafina, Enquanto ao cemitério não te levam, Casa no marimbau a alma divina! Lord Byron Os ultra-românticos foram influenciados pelos escritos e pela vida de Lord Byron. Um dos nomes atribuídos a essa geração é byroniana, por conta dessa influência. Segundo José de Alencar, todo estudante de alguma imaginação queria ser um Byron, e tinha por destino inexorável copiar ou traduzir o bardo inglês George Gordon, nascido pobre e manco em 1788, herdou, aos 16 anos, o título de Lord Byron e o castelo de Newstead. Espantou a sociedade aristocrática londrina com seus sucessivos e ruidosos casos amorosos, inclusive com sua meio-irmã Augusta, viajou por toda a Europa em busca de emoções, envolveu-se amorosamente tanto com homens quanto com mulheres, e morreu aos 36 anos, vítima da tuberculose,agravada por um ferimento em batalha, lutando pela libertação da Grécia, em 1824. Terceira Geração Romântica A chamada terceira geração romântica é vista como um período marcado por uma mudança no paradigma romântico, haja vista que a postura egocêntrica e até ingênua das gerações anteriores deu lugar a uma poesia social. Na Europa, a terceira geração romântica manifestava-se em defesa dos operários das fábricas e dos camponeses, ambos explorados socialmente. No Brasil, escravocrata, a geração hugoana (nome devido à influência do poeta francês Victor Hugo) assume um caráter abolicionista, tendo como mais expressivo representante o poeta baiano Castro Alves, cuja obra representa uma evolução na poesia romântica brasileira. Sua produção corresponde à Maturidade da poesia romântica brasileira em relação a algumas posturas ingênuas das gerações anteriores como a idealização amorosa e o nacionalismo

ufanista.. A poesia de Castro Alves era mais crítica e realista, ou seja, já representava um prenúncio da literatura realista. Trecho para Análise: IV Era um sonho dantesco... o tombadilho Que das luzernas avermelha o brilho. Em sangue a se banhar. Tinir de ferros... estalar de açoite... Legiões de homens negros como a noite, Horrendos a dançar... Negras mulheres, suspendendo às tetas Magras crianças, cujas bocas pretas Rega o sangue das mães: Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Em ânsia e mágoa vãs! E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Se o velho arqueja, se no chão resvala, Ouvem-se gritos... o chicote estala. E voam mais e mais... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, E chora e dança ali! Um de raiva delira, outro enlouquece, Outro, que martírios embrutece, Cantando, geme e ri! No entanto o capitão manda a manobra, E após fitando o céu que se desdobra, Tão puro sobre o mar, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: "Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!..." E ri-se a orquestra irônica, estridente... E da ronda fantástica a serpente Faz doudas espirais... Qual um sonho dantesco as sombras voam!... Gritos, ais, maldições, preces ressoam! E ri-se Satanás!... V Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-me vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade

Tanto horror perante os céus?! Ó mar, por que não apagas Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Astros! noites! tempestades! Rolai das imensidades! Varrei os mares, tufão! Quem são estes desgraçados Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba Que excita a fúria do algoz? Quem são? Se a estrela se cala, Se a vaga à pressa resvala Como um cúmplice fugaz, Perante a noite confusa... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... São os filhos do deserto, Onde a terra esposa a luz. Onde vive em campo aberto A tribo dos homens nus... São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados Combatem na solidão. Ontem simples, fortes, bravos. Hoje míseros escravos, Sem luz, sem ar, sem razão... A Prosa Romântica Escrita em folhetins, a prosa urbana do Romantismo brasileiro, também conhecida como prosa de costumes, deu origem às telenovelas do século XX. Assim as festas, as tradições, as intrigas, os amores da sociedade carioca do século XIX eram descritas pelos prosadores românticos em tramas fáceis e envolventes, sem aprofundamento psicológico, com linguagem simples e fácil. O romance urbano do romantismo constitui o que se pode chamar de literatura de entretenimento. Dentre os escritores de folhetins destacam-se Joaquim Manuel de Macedo, autor de A Moreninha (primeiro romance romântico), que reinou durante as décadas de 1840 e 1850 como o autor mais lido pela burguesia brasileira em ascensão. Merece destaque também no romance urbano o grande nome da prosa romântica em geral: José de Alencar, autor de Lucíola, Diva, Cinco minutos, A viuvinha, dentre outros livros que também retratavam costumes burgueses e amores capazes de vencer todas as barreiras. A obra de Alencar, embora apresente inúmeras lacunas de cunho social, étnico e cultural, merece destaque por transitar em todos os aspectos da prosa romântica: o romance histórico, com As

minas de prata e A guerra dos Mascates; o romance regional, com O sertanejo e O gaúcho, o romance rural, com Til e O tronco do Ipê, o romance indianista, o romance urbano chegando até o romance de transição para o realismo: Senhora. Trecho para análise A moça agitou então a fronte com uma vibração altiva: - Mas o senhor não me abandonou pelo amor de Adelaide e sim por seu dote, um mesquinho dote de trinta contos! Eis o que não tinha o direito de fazer, e o que jamais lhe podia perdoar! Desprezasse-me embora, mas não descesse da altura em que o havia colocado dentro de minha alma. Eu tinha um ídolo; o senhor abateu-o de seu pedestal, e atirou-o no pó. Essa degradação do homem a quem eu adorava, eis o seu crime; a sociedade não tem leis para puni-lo, mas há um remorso para ele. Não se assassina assim um coração que Deus criou para amar, incutindo-lhe a descrença e o ódio.... - Ouça-me; desejo que em um dia remoto, quando refletir sobre este acontecimento, me restitua uma parte da sua estima; nada mais. A sociedade no seio da qual me eduquei, fez de mim um homem à sua feição; o luxo dourava-me os vícios, e eu não via através da fascinação o materialismo a que eles me arrastavam. Habituei-me a considerar a riqueza como a primeira força viva da existência, e os exemplos ensinavam-me que o casamento era meio tão legítimo de adquiri-la, como a herança e qualquer honesta especulação. Entretanto ainda assim, a senhora me teria achado inacessível à tentação, se logo depois que seu tutor procurou-me, não surgisse uma situação que aterrou-me. Não somente vi-me ameaçado da pobreza, e o que mais me afligia, da pobreza endividada, como achei-me o causador, embora involuntário, da infelicidade de minha irmã cujas economias eu havia consumido, e que ia perder um casamento por falta de enxoval. Ao mesmo tempo minha mãe, privada dos módicos recursos que meu pai lhe deixara, e de que eu tinha disposto imprevidentemente, pensando que os poderia refazer mais tarde!... Tudo isto abateu-me. Não me defendo; eu devia resistir e lutar; nada justifica a abdicação da dignidade. Hoje saberia afrontar a adversidade, e ser homem; naquele tempo não era mais do que um ator de sala; sucumbi. Mas a senhora regenerou-me e o instrumento foi esse dinheiro. Eu lhe agradeço. ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo: Abril, [2002]. p.140-1 e 279-80.