1 JOSÉ DE SOUZA CASTRO 1 ENTREGADOR DE CARGAS 32 ANOS DE TRABALHO Transportadora Fácil Idade: 53 anos, nascido em Quixadá, Ceará Esposa: Raimunda Cruz de Castro Filhos: Marcílio, Liana e Luciana Durante toda minha vida trabalhei como entregador de cargas. Comecei na transportadora Atlas, depois trabalhei em uma ONG, depois fui para a Arco-íris. Trabalhei ainda em uma empresa de serviço de transportes que não me lembro o nome, mais na Empresa São Geraldo, na Empresa Gibel e finalmente cheguei na Transportadora Fácil. Faz quatro anos que estou trabalhando aqui. Foram sete empresas, desde mais ou menos 1972. Nem sei porque escolhi essa profissão. Só cursei até a 6ª série, porque tive que parar de estudar para trabalhar. Não dava mais tempo. E fui trabalhando e pegando gosto pela coisa. Fui continuando e estou feliz até hoje. São trinta e dois anos de serviço... Quando eu comecei, era muito garoto. Tinha uns dezoito anos, por aí... Acho que nem podia trabalhar desse jeito, porque não tinha força. Eu tinha um colega que trabalhava na Atlas. O nome dele era Henrique, morava sozinho. Foi ele quem me deu a dica do emprego. Me levou para lá sem nenhum interesse e me ensinou quase tudo do ofício. Como eu era muito novo, ele fazia uma parte do serviço para 1 Depoimento à Ivonilde da Silva, na manhã do dia 21 de janeiro de 2004, na Transportadora Fácil. Transcrito em 08 de maio de 2004, por Patrícia Menezes.
2 mim e terminava minhas tarefas sempre que eu não dava conta. Ele me deu muita força. Depois eu fui pegando o ritmo do trabalho e mudei de empresa. Assumi uma responsabilidade maior e fui gostando... A gente nunca trabalhava parado, era sempre se movimentando. Estava sempre num canto diferente e fazia muitas amizades. Isso era bom e dava prazer em trabalhar. Sempre me dei bem em todas as empresas que passei. O pessoal gosta do meu trabalho e eu fui pegando cada vez mais prática. Não tenho como largar esse serviço... Enquanto eu tiver coragem de trabalhar, vou continuar sendo entregador de cargas. Hoje em dia, meu trabalho é assim: saio de casa às seis horas da manhã e chego aqui na Fácil umas oito horas. É longe de casa, mas eu gosto da empresa. Então começo a fazer as entregas. Volto para cá ao meio dia. Tenho uma hora para almoçar. Isto é: depende do dia. Se eu estiver apressado ou tiver entrega para fazer, não dá para ficar tanto tempo descansando. À tarde saio para a rua de novo. Sigo a escala de entregas e um manual feito no computador que a empresa dá. O encarregado me dá as notas fiscais das mercadorias que vou levar. No carro vamos somente eu, o motorista e um outro rapaz. Carregamos o caminhão aqui na empresa e a partir da hora que saímos, a responsabilidade é minha. Saio para a rua com um monte de entregas para fazer. Tenho que responder pelo que faltar, pelo que sobrar, pelo que roubarem. Saiu daqui corretamente, tem que entregar corretamente. E não posso entregar mercadoria errada, porque o cliente reclama. Por isso temos que ter cuidado. Essas coisas podem acontecer, porque fazem parte do serviço... Além de carregar e descarregar, sou eu que presto contas das mercadorias na empresa. Tenho que assumir qualquer problema que der com a carga. Por
3 exemplo: se nós carregamos cinqüenta, temos que entregar cinqüenta. Nem mais, nem menos. Se estiver faltando, ou nós perdemos ou demos sumiço. Então eu tenho que pagar. Não tem choro! Eu acho que me salário é bom. Pelo é melhor que muitos que vejo por aí. Recebo também o vale transporte da empresa. É claro que se eu ganhasse mais, minha vida seria melhor... mas, hoje em dia, conseguir aumento de salário é difícil. Então, fazer o quê? È melhor ir em frente. Quase todas as entregas que eu faço são aqui dentro de Fortaleza. Não estou mais indo para longe. Mas antes, eu viajava demais! Era muito bom. Principalmente porque o que eu mais gosto no meu trabalho é esse negócio de estar sempre em um lugar diferente, sempre me movimentando. Só viajando eu passei sete anos. A gente saía com a carga e passava dois ou três dias fora. Era uma vida boa... Dormia na estrada, às vezes almoçava por aí, às vezes nem dava tempo para jantar. Uma vida parcial. Eu gosto disso. Mas faz dez anos que não viajo para longe. Espero nunca sair do setor de transportes. Tanto é que uma vez, quando eu estava desempregado, apareceu a chance de trabalhar em uma fábrica de couros... Mas não gostei do serviço. Achei muito parado, fechado demais. Acho que foi a única vez que eu pensei em mudar de profissão, mas logo vi que eu gostava mesmo era do setor de cargas. Com um mês nessa firma de couros, pedi as contas e voltei para as transportadoras. Gostar da profissão é o mais importante. Se você gosta do que faz, dá conta do serviço e supera as dificuldades. Problema, em todo o lugar tem. Só que é a gente mesmo quem faz os problemas. Às vezes, tem que fazer um trabalho e já vai pensando que não vai dar certo. Isso é ruim. Não pode ficar pensando muito. Tem que fazer e pronto. E assim a gente vai levando. No final dá tudo direito.
4 Eu nunca tive nenhum problema, graças a Deus. Sou consciente das minhas responsabilidades e por isso sempre agradei os patrões. E procurei ter respeito com os outros. Isso é muito bom, porque tem gente que não sabe fazer as mesmas coisas que eu sei. Aí tem que ter jeito para levar o trabalho. Nesse ramo, não dá para ser violento ou impaciente. Os colegas de trabalho são importantes. Por exemplo: para carregar o caminhão, é bom que os trabalhadores se entendam no serviço. Assim fica mais fácil. Se a turma não estiver afinada, pode acontecer algum problema. Esse é o melhor jeito de agilizar o trabalho e evitar acidentes. No meu trabalho, é preciso ter cuidado, porque pode acontecer de quebrar um braço ou cortar um dedo. Eu fiz bons amigos no trabalho. Estou sempre conhecendo pessoas novas, principalmente os colegas que trabalham em horários diferentes do meu. O pessoal sai para conversar fora daqui, porque durante o expediente não dá tempo. É bom demais! Claro que tem gente ruim, tem gente boa... É só saber levar na esportiva, porque discussões acontecem em qualquer canto. São normais. E eu, antigamente, gostava muito de brincar com os colegas. Acho que antes o serviço de entregador de cargas era mais puxado do que é hoje. Tudo era muito mais grosseiro e precisava de um esforço maior. A gente trabalhava dobrado. A mercadoria era mais pesada, embora até hoje eu carregue praticamente as mesmas coisas: fios, peças, tecido, borracha. É que hoje tem mais instrumentos para facilitar e as mercadorias são mais leves. Melhorou muito. Se a pessoa fizer o serviço direito, nem chega a se maltratar! Além disso, antes o trabalho era todo o dia. Não tinha folga. Se a empresa tivesse serviço, a gente tinha que estar lá. Não interessava se era sábado, domingo ou feriado. E tinha de tudo: carreta, caminhão grande, caminhão pequeno. Hoje, eu só trabalho de sábado se o patrão pedir e ainda recebo extra.
5 Só pioraram mesmo foram as ruas, que hoje são esburacadas demais. Mas no geral, depois de tanto tempo, acho que tudo melhorou. Eu faria tudo de novo, de tanto que gosto dessa profissão.