35.ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO Registro: 2015.0000826433 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n.º 1035754-26.2013.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante OTSUBO & CIA. LTDA., é apelado CICAL MOTONAUTICA LTDA., ACORDAM, em 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MELO BUENO (Presidente) e FLAVIO ABRAMOVICI. São Paulo, 26 de outubro de 2015. Gilberto Leme RELATOR Assinatura Eletrônica
Apelação com revisão n.º 1035754-26.2013.8.26.0100 Comarca: São Paulo Foro Central Apelante: Apelada: Otsubo & Cia. Ltda. Cical Motonáutica Ltda. Juíza sentenciante: Tonia Yuka Kôroku CONCESSÃO COMERCIAL. VENDA DE VEÍCULOS PELA RÉ A CONSUMIDORES DOMICILIADOS NA ÁREA DE ATUAÇÃO ATRIBUÍDA À AUTORA. CONDUTA QUE PARA CARACTERIZAR INFRAÇÃO SUJEITA ÀS PENALIDADES PREVISTAS NA CONVENÇÃO DA MARCA HONDA, PRESSUPÕE POSTURA ATIVA DA CONCESSIONÁRIA, O QUE NÃO RESTOU DEMONSTRADO. AUTORA QUE NÃO SE DESINCUMBIU DE PROVAR OS FATOS CONSTITUTIVOS DE SEU DIREITO (ART. 333, INC. I, DO CPC). IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. Se a autora pleiteia a cobrança de multas decorrentes da prática de infrações à convenção da marca Honda e à Lei n.º 6.729/79, incumbia a ela a comprovação de que a ré, por iniciativa própria, comercializou produtos da concedente fora da área demarcada de atuação, por se tratar de fato constitutivo de seu direito, nos termos do art. 333, inciso I, do CPC. Impossibilidade de acolhimento da pretensão inicial. Recurso desprovido. VOTO N.º 14.628 Trata-se de recurso de apelação interposto à r. sentença de fls. 144/150 que julgou improcedente o pedido inicial deduzido em ação de cobrança fundada em concessão comercial entre produtores e Apelação nº 1035754-26.2013.8.26.0100 2
distribuidores de veículos, condenando a autora ao pagamento das custas e das despesas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa. Embargos declaratórios opostos pela autora (fls. 154/159) rejeitados (fl. 160). Apela a autora para postular a reforma integral da sentença. Defende o cabimento da cobrança de ressarcimento, em razão da invasão, por parte da ré, da área de atuação da autora, na comercialização de veículos da marca Honda, ainda que as vendas não tenham sido realizadas em decorrência de uma postura ativa da demandada. Aduz que a limitação da área de atuação de cada concessionária não prejudica o direito dos consumidores. Salienta a autenticidade de todos os documentos acostados aos autos pela autora. resposta. Recurso tempestivo, com preparo e É o relatório. Infere-se dos autos que as partes são concessionárias da marca Honda, sendo a autora responsável pela comercialização dos produtos da concedente na cidade de Tupã/SP e a ré, na cidade de Araçatuba/SP, sendo que as litigantes, por força de convenção celebrada entre a distribuidora Moto Honda da Amazônia Ltda. e a Assohonda Associação Brasileira de Distribuidores Honda obrigaram-se a respeitar as áreas demarcadas para a Apelação nº 1035754-26.2013.8.26.0100 3
realização das vendas (fls. 35/48). Contudo, alega a autora que a ré não cumpriu os termos da convenção e promoveu diversas vendas de motocicletas da marca Honda, dentro da área de atuação outorgada à demandante. Diante disso, a autora afirma que denunciou a ré ao Conselho Arbitral, previsto na referida convenção, como órgão competente para apurar e julgar denúncias de invasão de áreas demarcadas, sendo reconhecida a prática de infração por parte da demandada, pelo que lhe foram impostas penalidades pecuniárias que somam a quantia de R$ 88.926,40 (fls. 49/87), cuja cobrança pretende a autora na presente demanda. Em contestação, a ré argui a ausência de prova de que a autora detinha a exclusividade das vendas na cidade de Tupã/SP. Ressalta que a convenção da marca Honda exibida pela demandante não contém nenhuma disposição que concede a ela o direito de exclusividade de venda na área supostamente invadida. Defende a ilegitimidade da cobrança das multas que lhe teriam sido impostas pela Assohonda. Salienta que o consumidor tem o direito de escolher a revendedora em que pretende adquirir o produto da marca Honda, não podendo a concessionária recusar a venda e obrigar o comprador a se dirigir a outra loja. A controvérsia, portanto, reside na violação das disposições da convenção da marca Honda e na invasão de área de atuação exclusiva da autora, por parte da ré, a lhe ensejar a obrigação de pagar as multas cominadas pelo Conselho Arbitral da Assohonda Associação Brasileira de Distribuidores Honda. Apelação nº 1035754-26.2013.8.26.0100 4
Pois bem. Da análise dos elementos probatórios constantes dos autos, verifica-se que, com efeito, a autora não se desincumbiu de seu ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito (art. 333, inc. I, do CPC). É certo que de acordo com o art. 17 da Lei n.º 6.729/89 (Lei Ferrari), que regula a concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos, as relações objeto desta Lei serão também reguladas por convenção que, mediante solicitação do produtor ou de qualquer uma das entidades adiante indicadas, deverão ser celebradas com força de lei, entre: I as categorias econômicas de produtores e distribuidores de veículos automotores, cada uma representada pela respectiva entidade civil ou, na falta desta, por outra entidade competente, qualquer delas sempre de âmbito nacional, designadas convenções das categorias econômicas; II - cada produtor e a respectiva rede de distribuição, esta através da entidade civil de âmbito nacional que a represente, designadas convenções da marca. Desse modo, as concessionárias se submetem às convenções da marca Honda, como, aliás, restou incontroverso no caso em tela, sendo que a Terceira Convenção Parcial e Provisória da Marca Honda, apresentada pela autora (fls. 23/37), estabelece a obrigação da concessionária de comercializar veículos e componentes automotivos e de prestar serviços correlatos somente dentro da área de exclusividade, demarcada (art. 1.º - fl. 38). A concessionária que, por sua Apelação nº 1035754-26.2013.8.26.0100 5
iniciativa direta ou por meio de prepostos, descumprir referida obrigação e efetuar vendas a consumidor domiciliado em área demarcada diversa, incorrerá na prática de infração e ficará sujeita a penalidades, como dispõe o art. 5.ºda convenção (fls. 40/41). Extrai-se da redação do aludido art. 5.º, caput e parágrafo único, que a concessionária, na realidade, não pode, por sua iniciativa, realizar vendas em área diversa da demarcada, ou seja, não pode ela adotar uma postura ativa para captar clientes em outras regiões, mediante campanha promocional, visitas a consumidores ou outros meios que importem exteriorização de esforço de venda. Note-se que, de igual modo, a vedação legal à comercialização de produtos da concedente fora da área demarcada de atuação, prevista no art. 5.º, 2.º, da Lei n.º 6.729/79, também pressupõe uma postura ativa da concessionária, como, inclusive, já decidiram o Superior Tribunal de Justiça e esta Corte: Concessão comercial entre produtores e distribuidores de veículos automotores. Leis nºs 6.729/79 e 8.132/90, art. 5º e. É de interpretação estrita, segundo o REsp-59.382, DJ de 02.09.96. "O comando legal destina-se a evitar concorrência predatória, pressupondo postura ativa, como alinhado em precedente da Corte", conforme os REsp's 3.836, DJ de 18.03.91 e 88.565, DJ de 17.11.97. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n.º 86.571/SP, 3.ª T., Rel. Min. Nilson Naves, j. 19.11.1998) - CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL ENTRE PRODUTORES E DISTRIBUIDORES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES DE VIA TERRESTRE. LEI N. 6729, DE 28.11.79, ART. 5. - A VEDAÇÃO CONTIDA NO ART. 5. CAPUT E PAR-2. DA LEI N. 6729/79 DIZ RESPEITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES TENDENTES A Apelação nº 1035754-26.2013.8.26.0100 6
CAPTAÇÃO DA CLIENTELA DENTRO DA ÁREA RESERVADA A OUTRA CONCESSIONÁRIA. ESTÁ FORA DO SEU ALCANCE, PORTANTO, A AQUISIÇÃO DE VEICULO POR CONSUMIDOR DOMICILIADO EM OUTRA AREA. - RECURSO NÃO CONHECIDO. (REsp n.º 37.822-2/SP, 4.ª T., Rel. Min. Antônio Torreão Bráz, j. 27.6.1994) CONCESSÃO COMERCIAL (Lei Ferrari) Pretensão de cobrança julgada improcedente Empresas que desempenham atividades derivadas da concessão comercial dos produtos da marca Honda (motocicletas) Venda de veículos a consumidores domiciliados na área de outra concessionária Ausência de prova da postura ativa da vendedora Invasão de área Não configuração - Sentença mantida - Apelação não provida. (Apelação n.º 0116822-54.2009.8.26.0100, 33.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Sá Duarte, j. 1.9.2014) "CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL - VENDA DE VEÍCULOS A CONSUMIDORES DOMICILIADOS NA ÁREA DE OUTRA CONCESSIONÁRIA - AUSÊNCIA DE POSTURA ATIVA DA VENDEDORA - INVASÃO DE ÁREA - NÃO CONFIGURAÇÃO RECURSO IMPROVIDO. A procura de concessionária da mesma marca pelo consumidor, domiciliado em outra região, não caracteriza invasão de área, não sendo admissível, portanto, a cobrança de multa prevista em convenção. O comando legal (Lei n 6.729/79) destina-se a evitar a concorrência predatória, o que pressupõe a captação ativa de clientela"(apelação n.º 0090588-83.2005.8.26.0000, 26.ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Renata Sartorelli, j. 1.2.2012) Todavia, na espécie, não há prova de que a ré vendeu produtos da marca Honda a clientes residentes fora de sua área de atuação, por iniciativa própria. Limitou-se a autora, a fim de demonstrar a prática das alegadas infrações, a anexar aos autos cópias simples de decisões proferidas em procedimentos instaurados pelo Conselho Arbitral da Assohonda que, como bem observou a MMª. Juíza a quo, nem sequer se encontram assinadas (fls. 49/87) e não se prestam a provar que a ré, por sua iniciativa, efetivamente violou a área de atuação da autora. Logo, sem a demonstração da conduta Apelação nº 1035754-26.2013.8.26.0100 7
infracional pela ré e, por conseguinte, sem que a autora se desincumbisse de comprovar o fato constitutivo de seu direito, a improcedência da pretensão inicial era mesmo de rigor. ao recurso. Pelo meu voto, pois, nego provimento GILBERTO LEME Relator Apelação nº 1035754-26.2013.8.26.0100 8