Conflitos entre o professor de Geografia e o livro didático na Educação de Jovens e Adultos: um breve relato de uma nova abordagem para a EJA. Altamiro Braga Graduação em Geografia PUC Minas Mestrado em Educação Universidade do Minho, Portugal. Introdução Por isso, também, é que o momento do trânsito pertence muito mais ao amanhã, ao novo tempo que anuncia, do que ao velho. E que ele tem algo nele que não é dele, enquanto não pode ser do amanhã. (FREIRE, P. 1967:48) Numa perspectiva geral, baseando-se em toda a verticalização que compõe a atividade docente, o professor da educação básica percebe-se inserido numa rede burocrática que controla a sua atuação em sala de aula no sentido da delimitação dos itens a serem estudados em cada período da formação escolar. Neste sentido, é comum observarmos a uniformização do currículo escolar, pouco se adaptando aos tempos de cada turma, às realidades das turmas, aos níveis de compreensão dos temas e às realidades da comunidade escolar. A verticalização e o aspecto burocrático do currículo 1 escolar torna-se agudo quando notamos a inserção da educação de jovens e adultos neste contexto, em outras palavras: o aspecto homogeneizante 2 da política educacional sufoca, ainda, esta modalidade da educação básica na perspectiva de não se desvencilhar da estrutura já conhecida em toda a extensão dos ensinos fundamental e médio. Todo este panorama supracitado irá cristalizar-se na estrutura dos livros didáticos, grandes propagadores de todo o contexto burocrático da política educacional 3. Com isso, veremos nestas linhas uma tentativa de discutir maneiras alternativas de tornar o ensino de Geografia significativo para os alunos do terceiro ano do ensino médio na modalidade 1 Cnf. FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. 2 Cnf. ENS, Romilda Teodora & RIBAS, Marciele. Políticas Educacionais e o acesso e permanência na educação de jovens e adultos, 2012. 3 Cnf. Leite, Rose Mary. A ideologia contida nos livros didáticos, 2013.
de EJA (Educação de Jovens e Adultos) da Escola Estadual Maria Andrade Resende, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Contextualizando o cenário: A Escola Estadual Maria Andrade Resende localiza-se na zona norte de Belo Horizonte, numa região de diferentes perspectivas socioeconômicas: uma área periférica e ao mesmo tempo de elevada especulação imobiliária por estar inserida no bairro Enseada das Garças, bairro construído na última década com habitações que diferem do público que frequenta esta instituição. O cenário de estudo deste relato envolve os estudantes do terceiro ano do ensino médio da modalidade EJA (Educação de Jovens e Adultos). Como tem sido uma lógica constante na educação de jovens e adultos atualmente, existe uma descaracterização latente nesta modalidade de ensino devido a uma nova demanda de estudantes que, por motivos diversos, não se enquadraram na educação básica regular. Esta nova tendência promove um certo contingente de conflitos devido aos extremos que podem ser encontrados em sala de aula: estudantes jovens que passaram por problemas de disciplina e/ou reprovação no ano ou semestre anterior e a presença de adultos e idosos que voltaram a estudar depois de longo tempo. O livro didático e todo o currículo que compõe o ensino médio também fazem parte do cenário de conflitos 4 estabelecidos na educação de jovens e adultos supracitado no parágrafo anterior. Este recurso estabelece uma gama de assuntos e temas que passam completamente distantes da realidade dos estudantes da EJA. Além de tomar o caminho da violência simbólica 5 para o público discente, se transforma num desafio pedagógico para os professores, uma vez que os livros didáticos não fazem distinções dos conteúdos de ensino médio para as modalidades regular e EJA. A proposta: 4 Cnf. LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário, 1996. 5 Cnf. BOURDIEU, Pierre. A violência simbólica, 2004.
No sentido de todo o conflito brevemente relatado nas linhas que passaram, sobretudo a partir da percepção da dificuldade de adaptação dos conteúdos dispostos na grade curricular, procurou-se receber dos estudantes os temas a serem estudados, e não o contrário. Neste sentido, após a abertura de discussões com o fim de levantar possíveis temas a serem estudados, chegou-se aos conflitos dos estudantes com cidade de Belo Horizonte e todas as suas possibilidades (ou não) e, ainda, da percepção dos mesmos sobre o espaço da cidade e como estes são apropriados, ou não. Com isso, a proposta inicial estabelecida através da discussão pôde articular com os temas voltados para a urbanização. Enquanto introdução geral e base de sustentação do tema proposto, as aulas seguiram, ao longo do primeiro bimestre de 2015 com os estudos acerca do projeto e da fundação da cidade de Belo Horizonte, seguindo através das políticas e fenômenos que levaram a cidade a desenvolver as formas e funções de metrópole dos dias atuais. Neste sentido, chegou-se no contexto das disparidades existentes no município, sobretudo, a nível das diferentes composições dos bairros. Ao longo do desenvolvimento das aulas, as discussões mais presentes e agudas circulavam em torno da temática da cidade confortável e desejada por eles além das dicotomias existentes em áreas periféricas e zonas industriais. Neste sentido, a proposta de avaliação do bimestre de estudo foi estabelecida em torno da construção de maquetes que pudessem retratar as disparidades de uso do espaço da cidade e também sobre as possibilidades da cidade ideal.
Foto 1: Rodrigues, Naiara. O espaço urbano. As tendências das maquetes construídas evidenciaram as formas como os estudantes percebem a cidade, em sua maioria. Sobretudo esta percepção caminhou em torno da desigual ocupação da cidade e as diferentes possibilidades retratadas nas formas e cores utilizadas nesta representação do espaço. A exemplo da foto 1, acima exposta, que procurou evidenciar as moradias comuns no espaço periférico da cidade, inclusive que está presente nas proximidades da escola tomada como objeto de estudo para este relato de experiência. Já na imagem que segue (foto 2), procurou-se expor as características de uma zona, ou bairro, industrial da cidade. O bairro São Francisco, em Belo Horizonte, que possui uma ocupação que concentra fábricas, galpões e que, em suma, sua paisagem reflete um uso voltado para o trabalho. Através dos relatos tornou-se claro a percepção das relações ali existentes estabelecidas em torno do trabalho e esta perspectiva torna-se ainda mais nítida quando observa-se os horários comerciais.
Foto 2: Rodrigues, Naiara. Indústrias no espaço urbano. A imagem seguinte (foto 3) o grupo de trabalho procurou estabelecer fatores que tornariam uma cidade mais confortável e saudável: os recursos naturais representados em lagos e vegetação tomam esta linha de raciocínio. A escassez destas possibilidades levou o grupo a desenvolver esta ideia para a realização do trabalho e, sobretudo, dentro da possibilidade da democratização dos espaços destinados ao lazer já que, segundo os mesmos, e dentro de todas as discussões existentes, esta é uma pauta que chamou a atenção. A disposição de espaços para atividades que, geralmente, não estão vinculadas ao trabalho (lazer e cultura) são observados enquanto reduzidos ou limitados, o que infere, com efeito, a baixa adesão do grupo de estudantes e dos seus pares no que toca ao acesso a estes espaços.
Foto 3: Rodrigues, Naiara. O espaço urbano. Por fim, a foto 4 que representa a maquete estabelecida em torno da temática das disparidades sociais e do uso do espaço, preocupou-se em abordar, principalmente, na comunidade vizinha á escola devido às disparidades já citadas neste breve relato. Foto 4: Rodrigues, Naiara. Contrastes no espaço urbano. Considerações Finais / Resultados.
Pôde-se levantar resultados positivos de todo o processo de construção do bimestre letivo: desde o início com os conflitos entre os temas a serem regularmente abordados até ao produto final no qual se concretizou com a construção das maquetes a partir da percepção do espaço de cada grupo de estudantes. Através desta atividade foi possível dar aos estudantes a voz da percepção que eles carregam ao longo do tempo e não apenas considera-los como receptores de informação. O conceito de paisagem ganhou uma maior dinâmica na apresentação e explicação através da construção das maquetes pois, afinal, foi compartilhada as visões diferentes do espaço urbano. Através deste relato de experiência, evidenciou-se a necessidade do educador em romper determinadas barreiras pedagógicas já pré-estabelecidas. Os currículos e os livros didáticos não estão disponíveis dentro das capacidades e limitações dos estudantes, das escolas e das comunidades. São construídos uniformemente, em sua maioria, em nível nacional e representam um contexto de padronização da educação através da ideologia educacional e cultural vigente no país há séculos. Faz-se necessário a percepção ampla das consequências do ensino de temas de forma automática sem a prévia análise de suas origens e postulados. Referências Bibliográficas: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico, 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.. ENS, Romilda Teodora & RIBAS, Marciele. Políticas Educacionais e o acesso e permanência na educação de jovens e adultos, 2012. Disponível em: http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anpedsul/paper/viewfile/1685/ 709 acesso em: 02 de setembro de 2015. FREITAG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. 6. ed. São Paulo: Moraes, 1986. LAJOLO, Marisa. Livro didático: um (quase) manual de usuário, 1996. Em Aberto, Brasília, 16 (69):3-9, jan./mar. 1996. Leite, Rose Mary. A ideologia contida nos livros didáticos, 2013. Disponível em: http://celsul.org.br/encontros/07/dir2/14.pdf acesso: 02 de setembro de 2015.