Os problemas da utilização de métodos de simulação de cargas térmicas e consumo energético na auditoria energética para verificação dos Requisitos Energéticos dos edifícios por Luís Roriz e Alexandre Gonçalves 1 Introdução O futuro RSECE irá impor que o consumo nominal específico de energia dos novos edifício de serviços de grande dimensão, bem como nos edifícios de serviços existentes que sofram grandes reabilitações, seja determinado através de uma simulação dinâmica detalhada do edifício, utilizando metodologias e padrões típicos para cada tipologia de edifício definidos e actualizados por Portaria e não poderá ultrapassar o valor máximo definido na mesma Portaria. Pretende-se que os projectos dos novos edifícios de serviços demonstrem a satisfação dos requisitos regulamentares como condição prévia quer para o seu licenciamento, quer para construção, quer para utilização. Após o início da utilização do edifício, será obrigatória a realização duma auditoria energética para verificar se o consumo global específico de energia não ultrapassa um valor definido por Portaria, função da tipologia de edifício e da região climática em que se localiza. No caso do consumo nominal específico determinado na auditoria energética o consumo máximo definido na Portaria, o proprietário do edifício deverá submeter um Plano de Racionalização de Consumos (PRC) de Energia que permita reduzir o consumo específico para valores conformes com os limites máximos permitidos e sujeito à aprovação da Direcção Geral de Energia. Caso não sejam implementadas as medidas apontadas na auditoria e que apresentem viabilidade económica aceitável, o proprietário do edifício ficará sujeito a coima anual. Um dos programas largamente utilizados para efectuar a determinação das cargas térmicas e o consumo energético de instalações de climatização é o DOE-2. A utilização deste ou de outros programas como o Energy+ e o TRNSYS é aceite pelos técnicos de climatização, como oferecendo garantia de fiabilidade dos resultados. No entanto é também reconhecido que a utilização dum mesmo programa para um dado caso estudo permite a obtenção de resultados não coincidentes /1/. Dado que um programa de simulação não permite o cálculo para todas as geometrias que ocorrem nos edifícios, e dado que nenhum programa possui uma base de dados e programação que cubra todos os tipos de sistemas e equipamentos existentes, os efeitos das aproximações realizados por quem está a efectuar a simulação afectarão o resultado final. Neste artigo é apresentado um caso dum grande edifício de serviços de geometria complexa que não permite uma utilização directa dum método de simulação, sendo necessário recorrer a um conjunto de artifícios para efectuar a simulação das cargas térmicas. 2 Exemplo de aplicação O edifício estudado é composto por doze pisos. Tem uma forte componente de envolvente envidraçada e sua geometria em planta é aproximadamente circular, como se demonstra.
Figura 1 Planta de um piso. Uma vez que o software utilizado, o DOE-2.1e, não permite a construção exacta deste tipo de geometrias foi necessário realizar algumas simplificações. Assim, a abordagem seguida consistiu em discretizar, através de várias superfícies planas, as superfícies curvas, ficando assim concluída uma primeira simplificação do problema proposto. Com esta simplificação, é pertinente colocar a questão: haverá alguma vantagem em usar n superfícies, tantas quanto possível, ou simplesmente quatro chegarão (ficando o aspecto circular da planta confinado a uma forma quadrangular)? De forma a estudar as implicações resultantes, optou-se simular dois casos, sendo o caso A um edifício com a forma em planta aproximadamente octogonal e o caso B, um edifício com a planta aproximadamente quadrangular. Figura 2 Discretização da envolvente exterior Caso A Figura 3 Discretização da envolvente exterior Caso B A implementação de ambos os casos foi seguida de modo a que fosse possível utilizar a ferramenta de visualização do DOE-2 (drawbdl), garantindo assim uma maior fiabilidade no conhecimento da geometria obtida, o que levou a que os espaços apenas pudessem ser modelados com placas rectangulares. De modo a conseguir obter as figuras desejadas, foi necessário sobrepor algumas destas placas. Este procedimento, influenciou a simulação na medida em que obrigou a um esforço computacional superior, mas ainda assim e apesar de não documentado, este procedimento, não tem qualquer influência nos resultados, como oportunamente foi testado num caso mais simples que o presente.
Figura 3 Esquema utilizado para a obtenção do espaço útil (uma fracção) Caso A. Figura 4 Esquema utilizado para a obtenção do espaço útil (uma fracção) Caso B. A par destas aproximações teve também de se efectuar uma outra, respeitante à envolvente interior. O programa não admite espaços envoltos apenas em superfícies interiores. Esta condição inibe a simulação de algumas zonas (e.g. poços de elevadores ou escadas de serviço) que, embora não se tratem de zonas climatizadas, pesam no esforço térmico final, levando a que se considere todo o espaço em condições de equilíbrio (útil e não climatizado). Dado não ser correcto desprezar o peso da envolvente interior, e na impossibilidade de simular exactamente a forma interna do edifício, optou-se por manter grande parte da alvenaria respectiva com o intuito de se obter os resultados das cargas térmicas, derivadas da envolvente interior e da inércia térmica o mais próximos da realidade. Figura 5 Aspecto obtido após a modelação do edifício aplicada pelo módulo LOADS e visualização na aplicação drawbdl Caso A. Figura 6 Aspecto obtido após a modelação do edifício aplicada pelo módulo LOADS e visualização na aplicação drawbdl Caso B. As condições interiores de projecto são muito semelhantes em ambos os casos, assim como a área útil de climatização. As pequenas diferenças resultam de se estar perante duas geometrias diferentes, mas não originam alterações significativas, como se irá demonstrar.
As cargas térmicas máximas, obtidas após as simulações, são superiores em ambas as estações para o caso B (geometria quadrangular), 12,2% na estação de superior e 1,0% na estação de aquecimento. Estes resultados repercutemse directamente na potência instalada de climatização. Embora na estação de aquecimento, devido à pequena diferença verificada, o mesmo sistema permita satisfazer as necessidades para ambos os casos, tal, já pode não se verificar para o sistema de. De acordo com o programa de simulação a potência a instalar será diferente consoante a aproximação efectuada. Comparação dos resultados obtidos pela simulação das duas geometrias Caso A 350,1 600 Potência de climatização instalada - Caso B 392,8 750 Cargas térmicas anuais - 0 200 400 600 800 kw Figura 7 Comparação dos resultados obtidos das duas simulações efectuadas. Caso A Geometria Octogonal aquecimento Dia de projecto 4 Setembro 17h 21 Fevereiro 04h Cargas térmicas absolutas (kw) 350,1-197,6 Cargas térmicas específicas (W/m 2 ) 76,8 43,3 Potência instalada (kw) 600 300 Figura 8 Resultados obtidos, caso A. Caso B Geometria Quadrangular aquecimento Dia de projecto 22 Julho 17h 21 Fevereiro 04h Cargas térmicas absolutas (kw) 392,8-195,6 Cargas térmicas específicas (W/m 2 ) 84,7 42,2 Potência instalada (kw) 750 300 Figura 9 Resultados obtidos, caso B.
3 Efeitos derivados das aproximações efectuadas As principais consequências das aproximações efectuadas são: Efeitos da alteração da geometria Apesar de se ter conseguido manter os valores das áreas das componentes da envolvente exterior (opaca e envidraçada), bastante próximos do estipulado no projecto, o facto de, no caso B a frente orientada à exposição solar directa ser bastante superior, levou a que as cargas térmicas (essencialmente por radiação) aumentassem, provocando assim um aumento da potência de climatização afecta ao. Efeitos da não consideração de espaços interiores não climatizados Embora tenha sido possível simular a mesma área útil de climatização assim como os efeitos da envolvente interior (a nível da inércia térmica e condução pela envolvente), continua por contabilizar o real contributo da presença de espaços interiores não climatizados. Seria de esperar um aumento da potência de aquecimento e uma diminuição da potência de, de ambos os casos face à realidade. Efeitos da utilização de sistemas e equipamentos desactualizados A base de sistemas e equipamentos de climatização disponíveis no DOE-2.1e já se encontra desactualizada, factor este que é reflectido na eficiência dos mesmos e consequentemente leva a maiores consumos e custos energéticos. De forma a colmatar este problema, é possível introduzir no código da simulação novas curvas de funcionamento, fica no entanto a ressalva de que associado a estes algoritmos está algum tempo de aprendizagem, por parte do utilizador e alguma complexidade, de forma a conseguir tornar complicado aquilo que na realidade poderia ser bastante simples. 4 Conclusão As aproximações ao caso real que é necessário efectuar numa simulação numérica para a determinação da potência necessária e do consumo anual provável, originam diferenças no resultado final que em alguns casos resultam na necessidade de instalação de equipamento principal com potências distintas. No caso apresentado poder-se-á argumentar que o recurso à geometria octogonal é preferível. No entanto não existe na regulamentação qualquer imposição sobre o tipo de aproximação que deve ser utilizada, pelo que rejeitar liminarmente a aproximação quadrangular será matéria de discussão e argumentação. Deve ainda notar-se que não foram considerados os efeitos das aproximações possíveis para a zona interior nem a possibilidade de recurso a sistemas distintos dos existentes na base de dados do DOE-2.1e, e que resultariam em resultados finais diferentes dos apresentados. Dado que a verificação da simulação tem que ser efectuada antes e depois da construção, e que não é possível garantir que as premissas que foram usadas na primeira verificação serão as mesmas que irão ser usadas na segunda verificação, ou ainda que as premissas usadas por quem faz os cálculos para o projecto serão as mesmas que irão ser usadas por quem faz a verificação, podem ocorrer
situações em que se obtém valores distintos consoante quem está a efectuar a simulação. Se o valor obtido por quem faz a verificação for maior que o imposto por portaria, enquanto que o obtido por quem fez o projecto era inferior, devido às aproximações consideradas, irão surgir problemas legais graves. Em particular se essa diferença de resultados tiver lugar na fase de pedido de licença de utilização, ou seja quando o edifício estiver construído e o sistema de climatização instalado. Se a aplicação do futuro Regulamento não for feita com bom senso, o aparecimento de numerosos processos judiciais, com todas as suas consequências, poderá vir a ser uma realidade. Referência /1/ Roriz L. Conforto: dos conceitos aproximados à dificuldade da sua determinação - Rev. O Instalador n. 90 (Dossier Ambiente e Conforto), 24-26, Outubro 2003