OS LUGARES DO LEITOR, OS ESPAÇOS DE LEITURA: DAS ESCOLHAS ÀS PRÁTICAS i



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Transcrição:

OS LUGARES DO LEITOR, OS ESPAÇOS DE LEITURA: DAS ESCOLHAS ÀS PRÁTICAS i Manuela Cunha de Souza (PPGEL/UNEB/CAPES) manuelacsouza@yahoo.com.br 1 INTRODUÇÃO Um quadro, uma fotografia, um filme, um olhar, um sorriso, um livro: são múltiplos os suportes de leitura. Na escola, em casa, no ônibus: são tantos os espaços para se ler. Em pé, deitado, de bruços, sentado: são vários os ritos do leitor. Romance, suspense, jornalístico, religioso: há uma gama de temas para leitura. Por prazer, por obrigação, por indicação: há infinitas razões para se ler. Enfim, há múltiplas formas de ler, espaços de leitura e, também, intencionalidades - podendo até co-ocorrer algumas. Ler transcende a decodificação de caracteres em compêndios, vai além das páginas dos clássicos, ultrapassa as barreiras do mero adquirir conhecimento. Os lugares em que se lê são dos mais variados, porém um espaço em que há séculos é destinado à leitura é a biblioteca. Esta, por sua vez, pode pertencer a uma instituição ou uma família, variar na seleção, na quantidade, na organização. Uns consideram que este é um espaço para emprestar livros, outros entendem que seja um lugar bom para a própria leitura, seja pelo silêncio do ambiente, ou um clima que envolve o leitor, fazendo-o se sentir rodeado de livros como espectadores da sua entrada no mundo em que a leitura irá lhe transpor. Além disso, há livros de lazer, livros de direito, livros de culinária, livros míticos, uma infinidade de tipos, formatos, autores, conteúdos e, por que não dizer, leitores também. Para além das paredes das bibliotecas, as pessoas lêem em diversos espaços, variados textos, em seus mais diferentes suportes, com múltiplas intenções. A sacralização da leitura, bem como sua redução a apenas a leitura dos textos canônicos, faz com que sociedade desconsidere os múltiplos modos de ler. Pode-se ler um desenho, um quadro, a expressão corporal, por exemplo. Considerando o suporte escrito, lê-se um livro de Machado de Assis, gibis, poemas, contos, um blog de internet etc. Sendo assim, verifica-se que a

2 leitura não se resume ao suporte escrito. Pensando nisso, este trabalho propõe-se a refletir sobre o leitor, a luz da sociologia da leitura, estabelecendo um diálogo entre diferentes concepções de leitura e leitor. Para tanto, serão abordadas questões relativas às escolhas de leitura, quem seria o leitor (ou o não-leitor) e os lugares de leitura. 2 QUEM É O LEITOR? Não há uma receita para ser leitor. Não existe nem a idéia de ser não leitor, se considerarmos que lemos um olhar, um sorriso, transcendendo a leitura de livros. Além disso, segregar o que seria o bom leitor e o do mau leitor é estabelecer arbitrariamente, ou melhor, a partir da concepção das instâncias legitimadoras o que deve ou não ser lido (ABREU, 2006). Grande equívoco. Ao desqualificar umas leituras, dando status a outras, gera o valor de melhor ou pior textos desconsiderando as múltiplas práticas de leituras (ABREU, 2003), reduzindo o conceito de leitor. 2.1 TIPOS DE LEITORES ii A idéia de ler para ampliar conhecimentos é uma imagem pragmática da leitura, como se esta fosse algo produtivo e não como fim em si mesma. Na realidade, essa é a visão mais comum sobre a leitura. Ferreira (2001) elencou classificações dos leitores a partir da intenção de leitura de seus alunos. Pode-se perceber que a maioria dos pesquisados encara a leitura somente do ponto de vista didático, sendo assim leitores-aprendizes. Porém, existe o leitor que faz apologia ao prazer de ler e contesta o discurso da obrigação. Tem-se também o leitor-viajante, que busca na leitura uma forma de viver uma fantasia se isolando da realidade, encarnando os personagens do livro. Além destes leitores, existe, segundo a mesma autora, o leitor autêntico que lê por paixão. Paradoxalmente, há a leitura por obrigação. Este leitor-escolarizado ou leitor-aluno ou leitor-não leitor lê apenas para cumprir obrigações para com a sua instituição de ensino ou não lê por achar que tem coisas mais importantes a fazer. Este aluno é o que mais incomoda ao professor, pois este acaba crendo que sua metodologia educacional é falha. Pode-se ler para socializar, como quando uma criança pequena que ainda não sabe ler ouve as histórias da sua

3 família como se fossem livros orais. Alguns educandos acreditavam que os livros por si só exerciam o poder mágico de atrair o leitor, porém com o passar do tempo descobriram que ninguém nasce sabendo ler, isto é um processo de aprendizagem, ou melhor, de formação do leitor. A formação é um processo que precede a compreensão da escrita. O cheiro das folhas do livro, a sensação de participar de diversas aventuras, a lembrança da poltrona que o vovô contava as suas anedotas são elementos que marcam a trajetória de leitura das pessoas. Não começamos a ser leitores após aprender a decifrar as primeiras sílabas. Todos os fatos anteriores que de alguma forma nos envolviam com a leitura, seja ela escutada, criada, corroboraram com o leitor que somos hoje. Assim, percebemos que a leitura não é um acontecimento abrupto, mas sim um processo. Tal processo pode-se dar de várias formas, configurando cada indivíduo em um leitor singular, com o seu percurso. Cada sujeito possui sua individualidade, isso faz com que ele encare os fatos a partir de sua subjetividade, sendo que esta é singular. Mesmo pessoas que tenham vivido em um o mesmo ambiente, com as mesmas dificuldades, possuem histórias diferentes. Nem existe uma única história para a mesma pessoa. A trajetória é composta de vários capítulos e esse livro é relido pelas lembranças, e a cada nova leitura ele pode se tornar uma história nova. De fato, os leitores não são iguais. Assim, pudemos perceber que os leitores podem ser agrupados em categorias de acordo com sua intenção leitora, todavia não de forma estanque. Nesse sentido, é importante abordar um pouco mais sobre os sujeitos denominados não-leitores, buscando refletir a pertinência do uso desse termo. 2.2 O (NÃO) LEITOR E SEUS (PRE)CONCEITOS É notório que há um alto índice de crianças e adultos que não sabem decodificar os signos escritos no Brasil, além dos analfabetos funcionais, que são os indivíduos que sabem decodificar os signos lingüísticos, mas não conseguem compreender as ambigüidades e entrelinhas do texto. Segundo o Ibope, 75% (apud AZEVEDO, 2004) dos indivíduos acima de 15 anos não possuem o domínio pleno da leitura e da escrita. Para Azevedo (2004), os leitores são pessoas aptas a utilizar textos em beneficio próprio, independente da intencionalidade da leitura, seja ela por mero prazer estético, para obter conhecimento, motivos religiosos etc.

4 Podemos pontuar algumas possíveis causas para esses dados alarmantes sobre a leitura. As escolas são inadequadas, poucos livros são vendidos, mal se lê no Brasil. Comentários pejorativos sobre a cultura letrada local incorporam-se ao senso comum, não requerendo mais qualquer tipo de comprovação (ABREU,, p.141). Deve-se levar em consideração também quando se afirma que o Brasil é um país de nãoleitores, quem seria o real leitor. Por vezes, são desconsideradas as leituras não-canônicas, por serem representadas como inferiores ou não-literatura. Assim, Abreu (2001, p. 152) afirma que: O desconhecimento das práticas efetivas de leitura realizadas no Brasil- ou sua negação tem promovido equívocos desta natureza e fomentando uma mitificação da leitura associado-a a práticas [...] com todos os elementos que lhe são agregados: a idéia de conforto, intimidade, saber, tranqüilidade, prazer. A sacralização da leitura, bem como sua redução a apenas a leitura dos textos canônicos, faz com que sociedade desconsidere os múltiplos modos de ler. Pode-se ler um desenho, um quadro, a expressão corporal, por exemplo. Considerando o suporte escrito, lê-se um livro de Machado de Assis, gibis, poemas, contos, um blog de internet etc. 2.3 A ESCOLHA: DA FRUIÇÃO À IMPOSIÇÃO Uma das grandes questões que o leitor, muitas vezes, vê-se dividido é a dicotomia que criaram entre prazer e conhecimento; ler ficção, livros literários e ler materiais apenas para instrução, como se eles não pudessem co-existir. Não se deve desconsiderar, entretanto, que os livros literários podem informar o leitor de uma realidade, um ponto de vista, bem como alguns livros acadêmicos geram a sensação de prazer ao leitor. Há uma linha que delindra entre as múltiplas intencionalidades de leitura, já que um sujeito pode adquirir conhecimento e entreter-se com a leitura ao mesmo tempo. Há livros que escolhemos por gostarmos do título, da capa, da diagramação. Outros tantos ouvimos falar, ou foi uma indicação. Existe também os que a instituição escolar impõe ao aluno. Há uma gama de livros de diversos tipos, formatos, autores e assuntos, e o que determina essa escolha é o contexto, a intenção. Nesse sentido, pode-se ler para: [...]obter informações, seguir instruções, aprender ou ressignificar conteúdos, navegar pela internet [...] entreter-se, transitar por outros tempos e ligares, reais ou imaginários, escapar à realidade, ou por prazer estético, dentre tantas razões que mobilizam o leitor, conforme seus múltiplos desejos [...] (CORDEIRO,

5 2004, p. 28). Além da leitura de livros - dos clássicos aos considerados marginais lê-se outros tipos de textos em seus mais diferentes suportes. Negar as diversas práticas em detrimento de apenas uma maneira de ler e ser leitor é limitar-se a uma concepção elitista que implica reduzir a compreensão de leitura (ABREU, 2002). Ler implica dominar a sintaxe (gramática), mas consuma-se na semântica (interpretação). Coloca-se questões ao texto, sobretudo questiona o próprio questionamento, porque reconstrói desconstruindo. Ler carrega consigo o que já lemos, é perpassado pelos legados de outras leituras, reestruturando-se em novo patamar. Ler não é absorver um texto, mas desfazê-lo na condição de sujeito, não de objeto de idéias alheias. (DEMO, 2006, p. 27). Muitas pessoas lêem para se instruir ou para se informar (ABREU, 2003). Não se pode esquecer, entretanto, que o texto literário possui múltiplas funções que vai do prazer à aquisição de conhecimento. A leitura de romances, por exemplo, gera identificação do leitor com os personagens fazendo com que aqueles aprendam com as experiências destes, além de ampliar os conhecimentos históricos, geográficos, culturais etc. Assim, todas as experiências e vivências, ao longo da nossa história, formam-nos leitores diferentes. Interpretar, compreender, interagir com o livro são características que estabelecem um vínculo formativo entre o texto e quem o lê. Logo, leitura bem feita é formativa, no sentido de que reestrutura idéias e expectativas, reformula horizontes. Nem toda leitura precisa ser assim tão séria, mas toda leitura bem feita ocorre sobre o signo do questionamento (DEMO, 2006, p. 27). 2.4 LUGARES DE LEITURA Abreu (2002) compara pinturas de quadros que possuem sujeitos durante a prática de leitura. Notou-se que durante o século XIX os livros ocupavam uma posição muito importante na composição de retratos, indicando poder social e principalmente cultural. A maioria é de homens, bem vestidos, dentro de bibliotecas repletas de livros a sua volta, caracterizando seu universo à leitura de instrução. Já as mulheres são representadas, normalmente, em suas casas, sozinhas, lendo alguma obra com um leve sorriso no rosto demonstrando a intenção de entretenimento na leitura. Atualmente, a leitura continua sendo sinônimo de status sócio-cultural, contudo, os

6 espaços de leitura são múltiplos. Há uma gama de possibilidades com relação ao lugar que se lê, porém um deles merece uma reflexão: a biblioteca. É preciso ampliar a rede de bibliotecas e difundir a idéia de que esse pode ser um espaço de leitura, e não apenas de realização de tarefas escolares. Para tanto, é necessário pensar nos acervos que compõem as bibliotecas, dotando-os não só de enciclopédias, dicionário didáticos e paradidáticos, mas também de livros de entretenimento, de livros profissionais, de obras religiosas, de auto-ajuda etc. Em outras palavras, é preciso diversificar os acervos para que as mais variadas motivações de leitura possam ser atendidas no espaço das bibliotecas. (ABREU, 2003, p. 37). Lê-se em diversos espaços, de acordo com a finalidade, com o momento ou simplesmente com o gosto do leitor. Alguns preferem o silêncio de uma biblioteca, outros gostam de ler ouvindo música, uns sentados, outros até em pé. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Tecer leituras a partir dos ecos de textos, conversas partilhadas, reflexão, introspecção, discussão é uma nova e produtiva concepção de leitura. Independente do suporte, o que faz o leitor é o questionar, envolver-se e recriar sua visão de mundo. Muito mais que o limite da simples decodificação, é transpor-se para o mundo da leitura em todas as possibilidades contidas no ato de ler, o que vai da palavra escrita até a contação de histórias. Como bem disse, Demo (2006, p.27) Leitura bem feita é formativa, no sentido de que reestrutura idéias e expectativas, reformula horizontes. Nem toda leitura precisa ser assim tão séria, mas toda leitura bem feita ocorre sob o signo do questionamento, porque, quem não sabe pensar, acredita no que pensa. Mas, quem sabe pensar, questiona o que pensa. Permitir que o leitor faça suas escolhas literárias a partir, não só do que lhe é imposto, mas também o que lhe desperta, a fim de que a fruição e a interpretação seja a principal razão da leitura é fundamental. Nessa perspectiva, é considerada a leitura no seu sentido mais amplo e compreendendo que a leitura não se finda no livro. É importante destacar que existe o texto oral, artístico etc também precisam ser lidos, interpretados para serem compreendidos, logo, pressupõe-se sua leitura. Sendo assim, ser leitor é inquietar-se, interpretar letras, sons, imagens, gestos, muito além da concepção tradicional do que é ser leitor.

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i Artigo publicado pela revista Inter-Legere relacionada ao programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do norte- UFRN. Todavia, para adequar-se às normas do ELLUNEB, o artigo primeiro sofreu algumas alterações. ii Ao abordar sobre os leitores, diversos autores buscam categorizá-los de acordo com um padrão de ritual de leitura, todavia, ratifico que a intenção desta sessão não se refere à homogeneização dos leitores, como se eles se comportassem de uma mesma maneira. Salientamos que as formas de ler são múltiplas e os leitores únicos. REFERÊNCIAS ABREU, Márcia. Diferentes formas de ler. In: PERUZZO, Cicilia M. K.; ALMEIDA, Fernando Ferreira (Org.). A mídia impressa, o livro e as novas tecnologias. São Paulo: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, 2002, v., p. 125-135.. Os números da cultura. In: RIBEIRO, Vera (Org.). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Global, 2003.. Cultura letrada: literatura e leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2006. AZEVEDO, Ricardo. Formas literárias populares e formação de leitores. In: BARBOSA, Márcia; RÖSING, Tânia; RETTENMAIER, Miguel (Org.). Leitura, identidade e patrimônio cultural. Passo Fundo: UPF, 2004.p. 155-9. CORDEIRO, Verbena Maria Rocha. Itinerários de leitura no espaço escolar.revista da FAEEBA, Leitura e educação, Salvador: Universidade do Estado da Bahia, Departamento de educação, v. 1, n. 1, p. 95-102, jan./jun. 2004. DEMO, Pedro. Leitores para sempre. Porto Alegre: Mediação, 2006. FERREIRA, Norma Sandra Almeida. Histórias de leituras. In: SILVA, Lilian Lopes Martin da (org.) Entre Leitores: Alunos e Professores. Campinas: Escrita Arte, 2001.