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Transcrição:

Quim. Nova, Vol. 25, No. 1, 10-14, 2002. ESTUDO DO BIOMATERIAL Ti-6Al-4V EMPREGANDO-SE TÉCNICAS ELETROQUÍMICAS E XPS Artigo Ivan Ramires e Antonio Carlos Guastaldi* Instituto de Química de Araraquara, Universidade Estadual Paulista, CP 355, 14801-970 Araraquara - SP Recebido em 11/8/00; aceito em 6/7/01 STUDY OF Ti-6Al-4V BIOMATERIAL USING ELECTROCHEMISTRY AND XPS TECHNIQUES. The Ti-6Al-4V alloy used as biomaterial has been used over the last years. The literature shows controversies concerning the kind and the chemical composition of the film naturally and elctrochemically formed on the surface of the titanium alloy. The presente work studies the film composition before and after the electrochemical polarization tests using the x Ray photoelectron spectroscopy (XPS technique. The results showed that the film naturally formed on the metallic surface is constituted of a variety of oxides which do not cover the whole surface of the metallic alloy and therefore, metallic Ti, Al and V can be found on the uncovered areas. The tests of XPS made after the polarization up to 4V (SCE showed that the electrochemically formed film is constituted only of TiO 2 and that the peak current observed around 1,5 V (SCE is due to the oxidation of any kind of titanium oxide or the growth of the film. Keywords: titanium; corrosion; XPS; TiO 2. INTRODUÇÃO Algumas das ligas metálicas, aplicadas como biomaterial, com boa aceitação clínica são: cobalto-crômio para próteses parciais removíveis e ortopédica, os aços inoxidáveis para a construção de aparelhos ortodônticos e ligas de titânio para implantes dentários e ortopédicos. Estes biomateriais, quando implantados, estão submetidos a esforços mecânicos em ambientes agressivos, como a placa bacteriana, a saliva na cavidade bucal e os fluidos fisiológicos do organismo, sendo necessário o emprego de diversas técnicas para avaliar a resistência ao desgaste e à corrosão. Os produtos de corrosão são os principais responsáveis pelo comprometimento da biocompatibilidade que deve ser local e sistêmica. Hoar e Mears 1 investigaram a resistência à corrosão de algumas ligas de implante, empregando técnicas eletroquímicas de potencial de circuito aberto com o tempo e polarização anódica para o Ti comercialmente puro - Ti c.p., em solução de Hanks, NaCl 0,17 mol L - 1 e sangue humano. O Ti c.p. mostrou um alto potencial de ruptura de filme de 6 V (Ag/AgCl mesmo quando imerso em soluções com concentração de 8 mol L -1 de solução de cloreto. Mueller e Greenes 2 estudaram o comportamento de corrosão de Ti c.p. e da liga Ti-6Al-4V usando polarização potenciostática anódica em uma solução de Ringer. O Ti c.p. exibiu comportamento passivo a potenciais acima de 1,2V (ECS com densidade de corrente passiva de aproximadamente 1mA cm -2. Em um estudo realizado por Solar et al. 3, medidas de potencial de circuito aberto com o tempo e polarização anódica foram usadas para caracterizar filmes formados na superfície do titânio, em solução de Ringer, variando a pressão de oxigênio e ph, com e sem adição de aminoácidos. As curvas de polarização mostraram um comportamento passivo, numa faixa de potencial que variava entre 400 e 1400 mv (ECS, sem ruptura de filme. Após os experimentos de corrosão empregaram as técnicas de pulso potenciostático e espectroscopia de elétrons de Auger, e os resultados indicaram que a * e-mail: guastald@iq.unesp.br reação eletroquímica que ocorre na superfície foi o crescimento do filme passivo. Speck e Fraker 4, investigaram o comportamento de corrosão de Ni- Ti, Ti c.p., e Ti-6Al-4V, em solução de Hank, a vários valores de ph. Foram realizados ensaios de polarização potenciostática anódica varrendo-se o potencial de 0 mv (ECS até que o potencial de ruptura de filme dos metais fosse atingido. O Ti c.p. mostrou uma grande região passiva e um alto potencial de ruptura de filme, acima de 2,2 V (ECS com densidade de corrente passiva de aproximadamente 0,1 ma.cm -2. Okasaki 5 estudou a resistência à corrosão de ligas para implante em vários tipos de meios, incluindo, ácido láctico 1% e HCl 5%. O Ti c.p., grau 2, mostrou boa resistência à corrosão com ruptura de filme entre 1 V e 2,6 V. Breme 6, estudou o comportamento do Ti c.p. e da liga Ti-6Al- 4V em meio NaCl 0,15 mol L -1 e encontrou valor de potencial de ruptura de filme após 2 V (ECS para os dois biomateriais. Nas condições in vivo, o óxido de titânio (TiO 2 é o único produto estável, de acordo com o Diagrama de Pourbaix 7. A camada de óxido forma um filme fino, aderente que passiva o material. Pouilleau, J. 8 usou a espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (XPS e outras técnicas, para avaliar os filmes formados sobre o substrato titânio, concluindo que eram compostos de TiO 2 amorfo, com um intermediário TiO x em contato com o TiO 2 e o substrato metálico. Suas composições variam continuamente, não sendo detectados por difratometria de raios X. As camadas foram estimadas em 10-40 nm de espessura, mas é muito sensível ao meio, podendo decrescer com o tempo de envelhecimento. Neste pesquisa procurou-se elucidar a resistência à corrosão de uma liga de Ti-6Al-4V, usada como biomaterial, utilizando-se técnicas eletroquímicas, e avaliar o filme formado na superfície antes e após os ensaios de polarização, empregando-se a técnica de espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (XPS. MATERIAIS E MÉTODOS Neste trabalho foi utilizada uma liga metálica de Ti-6Al-4V, fornecida pela empresa Supra Alloy Inc., tratada termicamente a 712 C por 30 minutos. A composição química é apresentada na

Vol. 25, No. 1 Estudo do Biomaterial Ti-6Al-4V Empregando-se Técnicas Eletroquímicas e XPS 11 Tabela 1. Análise Química dos Biomateriais. (% m/m C Fe N H O Al V Ti Ti-6Al-4V 0,020 0,18 0,006 0,004 0,19 6,1 4,0 Bal. Norma ASTM 0,10 0,20 0,05 0,015 0,20 5,5-6,75 3,5-4,5 Bal. F1108-88 Tabela 1, que também apresenta as concentrações máximas permitidas para o biomaterial segundo norma ASTM F 1108 88 9. Foram realizados ensaios de voltametria cíclica e curvas de polarização potenciodinâmica, com acompanhamento de microscopia eletrônica de varredura e espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X - XPS, antes e após as polarizações. A célula eletroquímica foi constituída por três eletrodos. O eletrodo de trabalho foi a liga Ti-6Al-4V, em forma de chapa, com área exposta de 1 cm 2, polido mecanicamente com lixas de granulação de 280 a 2000 mesh, em seguida o polimento foi realizado em uma politriz elétrica, com pano embebido em alumina de granulação de 1,0 a 0,3 mm. Como eletrodo de referência, foi utilizado o eletrodo de calomelano saturado (ECS (Pt,Hg/Hg 2 Cl 2 /KCl sat, e como contra-eletrodo foi utilizado um eletrodo de platina. Todos os ensaios eletroquímicos foram realizados logo após a imersão da amostra em solução de NaCl 0,15 mol L -1, Merck p.a., que simula a agressividade do fluido do corpo humano. Os equipamentos utilizados foram Potenciostato Solartron SI 1287, potenciostato EG&G Princeton Applied Research modelo 273 A. As micrografias foram realizadas utilizando-se um microscópio eletrônico de varredura JEOL-JSM, modelo T-330 A. A técnica de espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (XPS utiliza os elétrons de baixa energia (E < 1,5 kev como sonda, pois seus caminhos livres médios nos sólidos são de apenas algumas camadas atômicas e desta maneira são aplicados na caracterização de materiais como catalisadores, polímeros, cerâmicas e metais de uma maneira geral 10. Para a espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X (XPS foi empregado um espectromicroscópio da Kratos Analytical, modelo XSAM HS. As análises por XPS foram feitas em ambiente de ultra-alto vácuo e a limpeza da superfície de cada amostra foi feita por bombardeamento de argônio. Como a energia dos raios X é bem definida (neste caso usou-se a radiação Ka do magnésio, com energia hn = 1253,6 ev, os fotoelétrons ejetados tem uma distribuição de energia cinética constituída por picos discretos. Os caminhos livres médios destes fotoelétrons nos sólidos são de 0,5 nm a 2,0 nm, ou seja, apenas a superfície do material está sendo analisada. A identificação dos elementos presentes na superfície foi feita diretamente pela determinação das energias de ligação dos picos fotoelétricos. As análises foram feitas em ultra-alto vácuo com pressão na faixa de 5x10-7 a 1x10-6 Pa. A potência do feixe de raios X foi de 180 W com emissão de 15 ma e voltagem de 12 KV. Os espectros exploratórios foram obtidos com energia de passagem do analisador de 80 ev, enquanto que os espectros de alta resolução, com energia de passagem do analisador de 20 ev. O ajuste dos picos foi feito pelo método de mínimos quadrados usando o software disponível no equipamento. Como referência de energia de ligação foi usado o valor 284,8 ev para o pico C 1s de hidrocarboneto (C-C ou C-H. torno de -0,546 V. Logo após o potencial de corrosão, ocorre uma zona de ativação com posterior passivação numa faixa de potencial de 0 V até próximo a 1,5 V. Neste potencial há uma ligeiro aumento de densidade de corrente, em torno de 10 ma.cm -2, devido a duas possibilidades, oxidação de TiO e Ti 2 ou crescimento do filme TiO 2. Estas duas possibilidades são coerentes, pois pelas análises de XPS, discutidas mais adiante, os filmes de TiO e Ti 2 e TiO 2, ocorrem naturalmente na superfície do titânio. Alguns autores (4,5,11,12, apresentam esta variação de densidade de corrente, aproximadamente 10 ma.cm -2, como sendo uma ruptura de filme passivo, o que não parece ser correto, pois o titânio possui uma região de passividade que alcança potenciais da ordem de 6 V. Além disso, a variação de densidade de corrente neste potencial é baixa, portanto seria muito difícil atribuir este fenômeno ao rompimento da camada passiva. Após este aumento de corrente o processo volta a estabilizar, fato este que revela a presença de um filme de óxido na superfície da amostra. Figura 1. Curva de Polarização Potenciodinâmica, liga Ti-6Al-4V, velocidade de varredura = 0,001 V s -1. As Figuras 2a e 2b apresentam a superfície da liga Ti-6Al-4V antes e após a polarização potenciodinâmica. Ocorre uma ligeira diferença na superfície deste material, que pode ser explicada pelo crescimento de uma camada de óxido sobre a superfície, comprovada por XPS. Não se observa o aparecimento de corrosão por pites na superfície do material. RESULTADOS E DISCUSSÃO A Figura 1 mostra a curva de polarização potenciodinâmica para o Ti-6Al-4V, onde se pode observar um potencial de corrosão (Ecor em Figura 2. MEV do Ti-6Al-4V (a antes e (b após polarização potenciodinâmica.

12 Ramires e Guastaldi Quim. Nova A Tabela 2 apresenta os valores de potencial de corrosão (Ecorr., resistência de polarização (Rp, corrente de passivação (ipass., retirados das curvas de polarização da Figura 1, e seus respectivos desvios-padrão destes valores. Tabela 2. Parâmetros de Corrosão provenientes das curvas de polarização. E corr (V i pass (ma cm -2 Rp (KW cm -2 Ti c.p. -0,469 ± 0,07 7 44 ± 10 Ti-6Al-4V -0,546 ± 0,06 6 40 ± 12 A Figura 3 mostra o voltamograma cíclico para o Ti-6Al-4V obtido na região de potenciais entre -1,5 V e 3 V (ECS. Este intervalo de potenciais abrange os principais processos eletroquímicos que ocorrem na superfície do material. Um primeiro pico de oxidação ocorre a -0,60 V com corrente de pico anódico de 54 ma cm -2. Este pico pode estar relacionado à oxidação correspondente ao hidrogênio adsorvido na rede cristalina do titânio. Esta adsorção ocorre quando se aplicam potenciais próximos aos de descarga de hidrogênio 13. Entre os potenciais de -0,4 V até próximo a 0,0 V observa-se uma região de ativação onde pode ocorrer uma ligeira dissolução metálica. Outra região importante no voltamograma cíclico, é uma grande faixa de estabilidade de corrente elétrica, de 0,0 até 1,5 V, com densidade de corrente passiva de 125 ma cm -2. Nesta fase ocorre o crescimento do filme de TiO 2 na superfície metálica, juntamente com a oxidação de TiO e Ti 2, que são formados naturalmente neste biomaterial. Um segundo pico anódico é observado em potenciais de 2,064 V, e densidade de corrente anódica de 168 ma cm -2. Este pico está relacionado com o aumento de espessura da camada de óxido formada na superfície. Na região catódica do voltamograma observa-se um pico a -0,90 V e densidade de corrente catódica de 80 ma cm -2. Para se conhecer a origem do pico catódico, foram realizados cortes de potencial em várias regiões do voltamograma cíclico, da Figura 3. Figura 3. Voltamograma cíclico, Ti-6Al-4V, veloc. varredura = 0, 025 V s -1 Os resultados (Figura 4 a, b, c, d mostraram que o pico catódico começa a aparecer após a região de ativação do material, e tende a crescer com o aumento do potencial, isto indica que ocorre uma redução parcial do óxido de titânio formado na superfície do material. A polarização catódica pode produzir um decréscimo na camada de óxido do titânio. Este fato é explicado pela eletroredução parcial de Ti (IV a potenciais próximos a reação de descarga de hidrogênio 13. Figura 4. Voltamograma cíclico, Ti-6Al-4V, veloc. varredura = 0, 025 V s -1. a corte a - 0,4 V; b corte a - 0,1 V; c corte a + 0,8 V; d corte a + 1,5V.

Vol. 25, No. 1 Estudo do Biomaterial Ti-6Al-4V Empregando-se Técnicas Eletroquímicas e XPS 13 Espectroscopia de Fotoelétrons Excitados por Raios X - XPS Foram realizadas as análises de espectroscopia de fotoelétrons excitados por raios X para a liga Ti-6Al-4V. O objetivo deste ensaio foi estudar a composição dos óxidos formados antes e após a polarização até 4 V. A Figura 5 apresenta o espectro de XPS para a liga Ti-6Al-4V, antes de polarizar. A amostra foi submetida ao polimento em lixas de granulação 1500 mesh, lavadas em água destiladas e secadas em argônio. Pode se observar os picos de Ti 2s, Ti 2p, C 1s, O 1s, Si 2p, Al 2p e V 2p. Em uma primeira análise pode-se concluir que a amostra, sem polarizar possui em sua superfície elementos formadores da liga metálica, Ti, Al, e V, além de impurezas como o Si e o C. Estas impurezas, principalmente o Carbono, estão presentes na superfície da amostra, devido a vários fatores, dentre eles a preparação da amostra, água de lavagem, ar, manuseio da amostra e da própria bomba de vácuo que por muitas vezes libera moléculas de carbono. A Figura 6 apresenta o espectro de XPS de alta resolução da região do pico Ti2p, decomposto em algumas contribuições. Este espectro mostra um pico com energia de ligação de 453,3 ev, correspondente a titânio metálico, um pico a 455,1 ev correspondente ao óxido TiO, um outro pico a 456,8 ev correspondente ao óxido Ti 2, um pico a 458,4 ev correspondente a TiO 2. Além disso observa-se um pico de Ti 0 (titânio metálico, indicando que o biomaterial não está totalmente recoberto com o filme de óxidos que estão presentes na superfície. A Tabela 3, mostra as energias de ligação e contribuições dos compostos que estão presentes na superfície da liga. Pode se observar uma variedade de óxidos e também a presença de elementos metálicos como Ti, Al e V, indicando que os filmes formados naturalmente ao ar não recobrem toda a superfície da liga. Figura 5. Espectro exploratório de XPS para a liga Ti-6Al-4V, sem polarizar. Tabela 3. Energias de ligação e contribuição dos espectros de alta resolução do Ti 2p, Al 2p, V 2p, O 1s, C1s para as amostras de Ti- 6Al-4V, sem polarizar. Energia de Contribuição Composição Ligação (ev (% Ti 2p 3/2 453,3 8 Ti 0 (Ti metálico 455,1 8 Ti II (TiO 456,8 17 Ti III (Ti 2 458,4 67 Ti IV (TiO 2 Al 2p 71,5 20 Al 0 (Al metalíco 74,0 80 (Al 2 V 2p 3/2 512,14 42 V 0 (V metálico 515,1 58 (V 2 Figura 6. XPS de alta resolução para o pico Ti 2p. O 1s 529,9 59 TiO 2, V 2 531,5 23 Al 2, C=O 533,1 16 SiO, C-O 534,8 2 -OH C 1s 284,8 76 C-C, C-H 286,2 13 C-O 287,5 7 C=O 288,8 4 O-C=O A Figura 7 apresenta o espectro de XPS para a liga Ti-6Al-4V, polarizada até 4 V. Pode se observar os picos de Ti 2p, Ti 3p, C 1s, O 1s,. Em uma primeira análise pode-se concluir que a amostra, polarizada possui em sua superfície somente picos de titânio, além de impurezas como o Si e o C. Figura 7. Espectro exploratório de XPS para a liga Ti-6Al-4V, polarizada até 4V.

14 Ramires e Guastaldi Quim. Nova A Figura 8 apresenta o espectro de alta resolução para o Ti 2p. mostrando, a 458,3 ev, somente a presença de TiO 2 na superfície da liga. CONCLUSÕES Os ensaios eletroquímicos, realizados para a liga Ti-6Al-4V, mostraram alguns pontos interessantes, quanto ao comportamento dos mesmos, em um meio agressivo de cloreto de sódio. - As curvas de polarização potenciodinâmica mostram que a liga Ti-6Al-4V possui elevada resistência à corrosão. - As micrografias, realizadas através da microscopia eletrônica após a polarização, demonstram que o biomaterial não sofreu corrosão por pite, não ocorrendo rompimento de filme até potenciais de 3V. - Os voltamogramas cíclicos indicam que para a liga Ti-6Al-4V ocorre um crescimento de óxido de titânio que protege o material contra a agressividade do meio. - Pelos resultados das técnicas de XPS, pode-se concluir que o filme formado naturalmente, é constituído de uma variedade de óxidos, e que o mesmo não recobre toda a superfície da amostra, devido ao aparecimento de Ti, Al e V metálicos. - Após os ensaios de polarização, somente o óxido TiO 2 é predominante na superfície. AGRADECIMENTOS Figura 8. XPS de alta resolução para o pico Ti 2p. A Tabela 4 mostra um resumo das energias de ligação e contribuição dos picos, para a liga Ti-6Al-4V polarizada. Os resultados apresentados mostram que o pico de maior contribuição é o TiO 2, o único óxido presente na superfície da liga após a polarização. As contribuições de outros picos são referentes a impurezas agregadas na superfície da liga durante a elaboração dos ensaios de corrosão e da técnica de XPS. Tabela 4. Energias de ligação e contribuição para Ti 2p, O 1s e C 1s para a liga Ti-6Al-4V polarizada até 4V. Energia de Contribuição Composição Ligação (ev (% Ti 2p 3/2 458,3 100 TiO 2 O 1s 529,7 60 TiO 2 531,3 20 C=O 533,2 15 C-O C 1s 284,8 87 C-C, C-H 286,1 9 C-O 287,7 4 C=O Os autores agradecem à FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo, projeto 97/14650-2 pelo suporte financeiro na realização deste trabalho. REFERÊNCIAS 1. Hoar, T.P.; Mears, D.C.; Proc. Roy. Soc. (London 1966, 294, 486. 2. Mueller, H.J.; Greener, E.H.; J. Biomed. Mater. Res. 1970, 4, 29. 3. Solar, R.J.; Pollack, S.R.; Korostoff, E.; J. Biomed. Mater. Res. 1979, 13, 217. 4. Speck, K.M.; Fraker, A.C.; J. Dent. Res. 1980, 59, 1590. 5. Okasaki, Y.; Kyo, K.; Ito, Y.; Tateishi, T.; Mater. Trans. JIM 1997, 38, 344. 6. Brener, J.; Biomat. Pref. Rev. 1989, 1, 6. 7. Pourbaix, M.; Atlas of Electrochemical Equilibria in Aqueous Solutions; NACE; Houston, Texas, 1974, p. 213. 8. Pouilleau, J.; Devilliers, D.; Garrido, F.; Durand-Vidal, S.; Mahe, E; Mat. Sci. B 1997, 47, 235. 9. ASTM, standard specification for Ti-6Al-4V alloy casting for surgical implants, F1108-88, 1988. 10. Nascente, P.A.P.; Rev. Bras. Aplic. Vácuo 1998, 17, 15. 11. Oda, Y.; Funasaka, M.; Sumii, T.; J. Dent. Mater. 1990, 9, 314. 12. Elagli, K.; Traisnel, M.; Hildebrand, H. F.; Electrochim. Acta 1993, 38, 1769. 13. Bonilla, S.H; Zinola, C.F.; Electrochim. Acta 1998, 43, 423.