O custo do petróleo e a valorização de resíduos de materiais plásticos CARLOS A. A. BERNARDO Escola Superior de Tecnologia e Gestão INSTITUTO POLITÉCNICO DE LEIRIA 10 de Março de 2004
RESUMO I. Descrevem-se as principais formas de diminuir o impacto ambiental dos materiais plásticos, com ênfase no binómio reciclagem mecânica valorização energética II. Enquadra-se o problema no contexto do custo da energia e da dependência deste do preço do petróleo nos mercados mundiais III. Explica-se a razão porque este custo tem descido nas últimas décadas, tendendo a estabilizar num intervalo de variação bem definido IV. Procura-se entender se o processo traduz apenas a dinâmica do mercado ou se resulta de influências externas
PARTE I Descrevem-se as principais formas de diminuir o impacto ambiental dos materiais plásticos, com ênfase no binómio: reciclagem mecânica (material) e valorização energética (incineração)
Ocontexto Ao longo da sua história a humanidade explorou os recursos naturais sem quaisquer limites, a não ser os que derivavam da maior ou menor capacidade de, em cada época, os extrair e processar Igualmente sem limites parecia ser a capacidade da terra absorver e transformar os resíduos que resultavam da utilização desses recursos, nomeadamente os materiais Com o tempo, e o aumento exponencial da população do planeta somos hoje mais de 6 000 000 000 de seres humanos - a situação começou a alterar-se...
Ocontexto A natureza dos materiais funcionais foi-se modificando também; no início os materiais de engenharia eram essencialmente naturais, como a pedra e a madeira Vieram depois a cerâmica, o vidro e os metais; a partir de meados do século XIX apareceu a borracha e, 50 anos depois, os materiais plásticos que dominaram todo o século XX Portanto, não só os materiais usados em aplicações de engenharia passaram a ser essencialmente sintéticos como a sua quantidade aumentou exponencialmente
Ocontexto Como seria de esperar, os antigos métodos de eliminação, baseados nos elementos naturais, rapidamente se revelaram incapazes de lidar com a quantidade e a qualidade dos lixos modernos Em resultado disto, nas últimas décadas, tornou-se aguda a consciência social das limitações dos agentes naturais e do impacto dos resíduos da acção humana Na verdade, o impacto ambiental dos materiais, nomeadamente o que se passa após a utilização, é hoje frequentemente o passo limitador da sua produção
O contexto Resíduo (Catálogo Europeu de Resíduos): qualquer substância ou objecto de que o seu proprietário se queira ou tenha a obrigação de se desfazer Lixo (do diccionário): todo o material desnecessário, não aproveitável ou indesejado, originado no processo de produção e consumo de produtos úteis O conceito de resíduo é, assim, dinâmico e reversível (no sentido em que o que hoje é considerado como resíduo pode amanhã ser a matéria prima para um processo novo)
O contexto (conclusão) A civilização e o lixo são 2 faces da mesma moeda: quanto maior é o nível civilizacional de uma sociedade, tanto maior é a massa de lixo produzido por habitante e mais artificial é a sua natureza Neste contexto, Portugal é claramente um país do primeiro mundo, já que se produzem, em média, cerca de 400 kg de lixo por habitante, por ano, dos quais cerca de 50% (p/p) são produtos sintéticos e desses 11 a 12% (p/p) são plásticos
O caso dos materiais plásticos Produzem-se anualmente cerca de 150 milhões de toneladas de plásticos, o que, nos países mais industrializados, corresponde a um consumo médio de 150 kg por habitante Para além disso, a formulação dos plásticos têm-os tornado menos susceptíveis à degradação por processos naturais: e.g., nos últimos 25 anos, a estabilidade das fibras de polipropileno à radiação UV aumentou 11 vezes Os plásticos usam-se num numero crescente de aplicações de grande consumo e obsolescência rápida, em que o período entre a produção e a utilização é muito curto Assim, aos olhos do público, pela sua quantidade, inércia e tipo de aplicação, os plásticos tornaram-seo principal factor de poluição ambiental, como resíduos sólidos pós-utilização
Que soluções existem para este problema? Uma visão actual do problema envolve três conceitos, idênticos para todos os materiais: - Reduzir a massa de material utilizado em cada peça sem que haja perda significativa de especificações - Reutilizar tantas vezes quanto possível uma mesma peça antes que ocorra uma diminuição sensível do seu desempenho - Reciclar o material quando a peça não puder ser mais reutilizada
Que soluções existem para este problema? A redução material já atingiu em muitas aplicações o limite tecnologicamente aceitável (caso da embalagem): Impacto ambiental Impacto ambiental negativo Impacto mínimo -5% sub-embalagem Packforsk Report (Sweden) No. 194, Junho 2000 + 5% sobre-embalagem Mínimo Quantidade de material A partir de um mínimo óptimo de material o impacto ambiental torna-se negativo (devido a roturas, falhas em serviço, etc.)
Que soluções existem para este problema? A reutilização de um dado produto é fortemente limitada por factores culturais e comportamentais e pelo custo dos materiais que o constituem O custo dos materiais plásticos é normalmente muito baixo Os materiais plásticos são frequentemente empregues em produtos de uma só utilização de valor formalmente nulo para os consumidores Conclusão: É extremamente difícil convencer o público a reutilizar objectos de plástico
Que soluções se colocam para este problema? Como há limites para o número de reutilizações de um dado produto e para a redução da massa de material empregue nesse produto, a reciclagem aparece como a alternativa viável para o problema dos resíduos O conceito de reciclagem é abrangente: inclui o aproveitamento de materiais, produtos químicos ou energia a partir de resíduos (valorização energética) No caso dos materiais plásticos, a energia recuperada na incineração é equivalente ao poder calorífico do petróleo usado na produção desses plásticos
Como se posicionam os diferentes níveis de reciclagem? Importância relativa dos diferentes tratamentos de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU)* País Recuperação de materiais (%) Reciclagem terciária(%)** Incineração(%) Portugal 4 51 45*** Espanha 17 47 36 França 6 18 76 Itália 11 27 62 Reino Unido 50 0 50 Suiça 25 8 67 Alemanha 29 4 67 Dinamarca 27 5 68 Suécia 24 5 71 E.U.A. 45 6 49 Japão 8 5 87 * Dados de 1995 ** Essencialmente compostagem *** Dados de 2000 Os dados referem-se a resíduos não depositados em aterros sanitários
Reciclagem mecânica (material) de plásticos Aproveitamento de Resíduos Sólidos Urbanos e resíduos industriais e agrícolas para produzir novos produtos, em princípio de menores especificações que os originais Vantagens: - Boa imagem junto do público - Legislação protectora e impositiva, a nível nacional e da EU (por exemplo, a proposta de modificação de 03.09.2002 da Directiva 94/62/EC) - Viável, se existir recolha selectiva e voluntarista, sobretudo de embalagens alimentares e com alguns materiais (PET) - Pode ajudar a desenvolver o espírito cívico, e.g., através de campanhas de sensibilização nas escolas
Reciclagem mecânica (material) plásticos Desvantagens: - tecnologias de processamento de polímeros reciclados estão ainda em desenvolvimento e têm problemas - Presença de plásticos mutuamente incompatíveis e outros materiais que diminuem dramaticamente as propriedades dos reciclados - Necessidade de operações de separação e limpeza para garantir valores mínimos das propriedades - Viabilidade económica marginal, dado o actual baixo preço das matérias primas virgens
Reciclagem energética (incineração) Redução dos RSU a resíduos inertes, diminuindo o seu volume em 90%, por incineração a altas temperaturas com possível recuperação de energia Vantagens das incineradoras: - Solução com a dimensão do problema - Podem tratar todo o tipo de RSU - Maximizam a produção de energia Desvantagens das incineradoras: -Exigem um elevado investimento inicial e necessitam de alimentação em grande escala - São sistemas abertos, pelo que as emissões gasosas têm de ser estritamente controladas -Édifícil encontrar locais para sua instalação
PARTE II Enquadra-se o problema do impacto ambiental dos materiais plásticos no contexto do custo da energia e da dependência deste do preço do petróleo nos mercados mundiais
Comparação da reciclagem material e energética (valorização) de resíduos plásticos - Reciclagem material: Justificação ambiental com consequências económicas Os reciclados enfrentam o duplo desafio das propriedades e do baixo preço dos polímeros virgens, que depende fundamentalmente do custo do petróleo (a sua matéria prima principal e fonte de energia para a transformação) - Reciclagem energética: Justificação económica com consequências ambientais se eficazmente controlada A incineração com recuperação energética elimina os RSU com produção energia eléctrica, que tem sempre mercado e retorno económico garantido
O ciclo de vida dos materiais plásticos PETRÓLEO MATÉRIAS-PRIMAS 1 Extracção, transporte 2- Refinação, polimerização... 3 - Queima 4 - Transformação 6 - Reciclagem material 7 - Incineração PRODUTOS 5 - Utilização RESÍDUOS - Se o custo (ambiental, económico, etc...) 1+2 > 6: reciclagem material - Se o custo (ambiental, económico, etc...) 1+2 < 6: incineração O impacto ambiental, económico, etc. da incineração é, de facto: [7 (1+3)] e não apenas 7 - Assim: Se (1 + 3) >7, o impacto da incineração será < 0, isto é, será favorável ENERGIA O custo do petróleo define o ponto de break-even
PARTE III Explica-se a razão porque o custo do petróleo tem descido nas últimas décadas, tendendo a estabilizar num intervalo de variação bem definido
O petróleo bruto é transportado para as refinarias para ser transformado O petróleo A fonte de energia mais importante e estratégica Após a prospecção e perfuração, se o furo é produtivo, instalam-se os sistemas de extracção Jazida petrolífera
Evolução previsível da oferta e procura de petróleo A posição da OPEP será dominante a partir de 2015
Reservas e consumo de petróleo Uma matéria prima com prazo limitado: - As reservas de petróleo conhecidas, incluindo já o aumento resultante da melhoria da taxa de recuperação dos jazigos e GNL, ascendem a 2300 Gbarris e têm vindo a crescer - O consumo mundial ronda os 75 Mbarris/dia, devendo crescer nos próximos 30 anos até 120 Mbarris/dia, o que, admitindo que o consumo médio se mantem, implica que as reservas conhecidas durariam cerca de 60 anos
h A rota do petróleo À excepção dos Estados Unidos - que é o país que mais consome e um dos que extrai mais petróleo - os países grandes produtores, não são os grandes consumidores Isto implica que grande parte do petróleo que consumimos - cerca de 12 000 000 000 litros por dia! -tem de ser transportado de uma para outra parte do globo, designadamente do Médio Oriente e da América do Sul, para os EUA, a Europa e o Japão Grande parte do transporte de petróleo é feito por via marítima, estimando-se que todos os dias estejam no mar cerca de 6 000 petroleiros
Reservas e custo de petróleo Deve ter-se em atenção que: A exploração/conversão de fracções petrolíferas de peso molecular muito elevado, xistos betuminosos, gás natural e carvão poderia gerar mais 6500 Gbarris equivalentes de petróleo Para isso, contudo: O preço do petróleo teria de ultrapassar 80 US$/barril para tornar esta exploração/conversão competitiva O valor 80 US$/barril surge frequentemente como o limiar de viabilização de várias energias energias alternativas e da reciclagem mecânica (material)
100 Comparação do preço do barril de petróleo (barril ~ 159 litros) 1 - em 1973 actualizado pela inflação acumulada ; 2 - real anual 90 80 1 70 US$/barril 60 50 40 30 20 2 10 0 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 ANO A partir de 1985 o preço do petróleo tornou-se inferior ao de 1973 corrigido pela inflação e é hoje cerca de 10% do que era nesse ano
Custo de produção e preço do petróleo Região Custo de produção de petróleo (US$/barril) OPEP (Médio Oriente) <1 a 4 OPEP (outras regiões) 4 a 6 Não OPEP 6 a 12 Não OPEP (Mar do Norte, Alasca) 12 a 20 Não OPEP (regiões extremas) 20 a 24 O preço actual do petróleo (25-30 US$/barril) inviabiliza a exploração em regiões extremas (of shore profundo, Árctico) e torna marginal a exploração no Mar do Norte e no Alasca Por razões como esta, interessa que exista um limiar mínimo para o custo do petróleo
Custo do petróleo e preço dos combustíveis Admitindo (valores médios em 2003): Preço do petróleo - US$30/barril; câmbio - 1 US$ ~ 1,15 ; custo da extracção, transporte, refinação, distribuição, lucros, etc. - 70% a 100% Obtem-se como preço teórico nas bombas: 0,33 /litro Curiosamente, é este o valor médio de venda da gasolina sem chumbo de 93 octanas nos E.U.A. (~1,4US$/galão), que não deve subir muito dado peso dos transportes rodoviários na economia americana Por razões como esta, interessa que exista também um limiar máximo para o custo do petróleo Assim, é do interesse dos Estados Unidos que o custo do petróleo oscile no mercado entre os 25 e os 33 US$/barril
PARTE IV Procura-se entender se o processo de estabilização do preço do petróleo num intervalo de variação bem definido traduz apenas a dinâmica do mercado ou se resulta de influências externas de natureza geo-estratégica
O factor geo-estratégico Consumo diário por país (2000) País Nº Petróleo (10 6 barris) Nº Energia (10 6 koe*) Hab itantes (10 6 ) Litro /hab. koe*/ hab. E.U.A. 1 18,8 (25,4%) 1 5,88 (25,3%) 280,5 10,7 21,0 Japão 2 5,5 (7,5%) 4 1,37 (5,9%) 127,0 6,9 10,8 China 3 4,8 (6,6%) 2 2,31 (10,0%) 1 284,3 0,6 1,8 Alemanha 4 2,8 (3,7%) 5 0,92 (4,0%) 83,2 5,4 11,1 Rússia 5 2,5 (3,4%) 3 1,63 (7,0%) 145,0 2,7 11,2 Índia 7 2,1 (2,8%) 6 0,74 (3,2%) 1 054,8 0,3 0,7 * koe kg of oil equivalent (quantidade de petróleo equivalente à energia obtida a partir de petróleo, gás natural, carvão, fissão nuclear e hidroelectricidade) Os E.U.A. são o país que mais consome e mais importa petróleo
O factor geo-estratégico Reservas nacionais de petróleo facilmente exploráveis (2000) País Lugar Reservas (10 9 barris) Quota (%) Arábia Saudita 1 261,7 25 Iraque 2 112,5 11 E. Árabes Unidos 3 97,8 9,4 Kuwait 4 96,5 9,2 Irão 5 89,7 8,6 E.U.A. 8 29,7 2,8 Os EUA já praticamente não têm reservas para sustentar o consumo Contudo, o controlo político do Iraque permitirá controlar a oferta mundial e manter os preços no intervalo de variação óptimo
E tudo passa por aqui... Bush e o príncipe saudita Bandar bin Sultan
CONCLUSÕES I O desafio do desenvolvimento sustentado abre, no caso dos resíduos de plástico, uma grande oportunidade para a expansão da tecnologia destes materiais, designadamente da reciclagem A viabilidade económica da reciclagem material dependerá do balanço entre esse desenvolvimento tecnológico e o custo dos polímeros virgens que, por sua vez, depende do preço do petróleo Mesmo sem motivação económica evidente a reciclagem de resíduos (de plástico e outros) será sempre justificada em termos sociais e ambientais
CONCLUSÕES - II Não é aceitável, ambiental e eticamente, que alguns países tenham um consumo per capita de energia várias ordens de grandeza superior a outros Garantir um nível de vida minimamente aceitável e equitativo aos mais de seis mil milhões de seres humanos que habitam o planeta implica a utilização de mais e mais eficazes tecnologias A sustentabilidade desta opção passa necessariamente por considerar que esta eficácia terá também sempre de ser medida em termos ambientais