CT 6 Artigos Técnicos podem ser encaminhados para análise e eventual publicação para alvenaria@revistaprisma.com.br INTERAÇÃO DE PAREDES EM EDIFÍCIOS DE ALVENARIA ESTRUTURAL Rodrigo Piernas Andolfato, Marcio Antônio Ramalho e Jefferson Sidney Camacho* Um edifício construído com alvenaria estrutural de blocos de concreto foi submetido a ensaio de cargas e monitorado com células especiais. Instrumentos permitiram verificar os efeitos de diferentes carregamentos nos vários pontos da estrutura. O objetivo, segundo os autores, é contribuir para o conhecimento da distribuição das ações verticais em edifício de alvenaria estrutural não-armada e, daí, demonstrar a possibilidade de aumentar os vãos nessa modalidade de construção Palavras-chave: Alvenaria estrutural, modelo experimental, escala real, ações verticais EXPEDIENTE O Caderno Técnico Alvenaria Estrutural é um suplemento da revista Prisma, publicado pela Editora Mandarim Ltda. ISSN 1809-4708 Artigos para publicação devem ser enviados para o e-mail alvenaria@revistaprisma.com.br Conselho Editorial: Prof. Dr. Jefferson Sidney Camacho (coordenador) Eng. Dr. Rodrigo Piernas Andolfato (secretário); Eng. Davidson Figueiredo Deana; Prof. Dr. Antonio Carlos dos Santos; Prof. Dr. Emil de Souza Sanchez Filho; Prof. Dr. Flávio Barboza de Lima; Prof. Dr. Guilherme Aris Parsekian; Prof. Dr. João Bento de Hanai; Prof. Dr. João Dirceu Nogueira Carvalho; Prof. Dr. Luis Alberto Carvalho; Prof. Dr. Luiz Fernando Loureiro Ribeiro; Prof. Dr. Luiz Roberto Prudêncio Júnior; Prof. Dr. Luiz Sérgio Franco; Prof. Dr. Márcio Antonio Ramalho; Prof. Dr. Márcio Correa; Prof. Dr. Mauro Augusto Demarzo; Prof. Dr. Odilon Pancaro Cavalheiro; Prof. Dr. Paulo Sérgio dos Santos Bastos; Prof. Dr. Valentim Capuzzo Neto; Profa. Dra. Fabiana Lopes de Oliveira; Profa. Dra. Henriette Lebre La Rovere; Profa. Dra. Neusa Maria Bezerra Mota; Profa. Dra. Rita de Cássia Silva Sant Anna Alvarenga. Editor: jorn. Marcos de Sousa (editor@revistaprisma.com.br) - tel. (11) 3337-5633 35
INTERAÇÃO DE PAREDES EM EDIFÍCIOS DE ALVENARIA ESTRUTURAL 1. INTRODUÇÃO A crescente demanda por projetos de edifícios em alvenaria estrutural, com a progressiva elevação do número de pavimentos, impõe a necessidade do aprimoramento dos modelos de cálculo. Busca-se uma melhor representação das trajetórias de forças ao longo da estrutura do edifício. Sem esse melhoramento pode-se incorrer em dois erros extremos: o desenvolvimento de um projeto que seja economicamente inviável ou que apresente problemas relativos às condições de segurança (Capuzzo Neto & Correa, 2005). Figura 3 - Modelo do edifício para prévia análise de tensões A alvenaria estrutural é amplamente usada, mas o estudo científico a seu respeito tem sido mais vagaroso do que os estudos sobre aço ou concreto. Assim, muitos problemas relevantes continuam sem respostas. A análise teórica do sistema estrutural de qualquer obra de alvenaria apresenta uma série de dificuldades, por se tratar de sistema estrutural de placas e chapas, composto por materiais heterogêneos e de comportamento não-linear. No processo de análise do comportamento estrutural, é de fundamental importância que a distribuição das ações entre as paredes Figura 2 - Pontos de leitura e de análise de tensões Figura 1 - Medidas de deformação obtidas por Stockbridge resistentes seja adequadamente estabelecida (Camacho et al., 2001). Um dos primeiros programas de pesquisa no assunto das distribuições das ações verticais foi desenvolvido por Stockbridge, por volta de 1967. O autor conduziu medidas de deformação em um edifício de cinco pavimentos, em escala real, e encontrou evidências da homogeneização das tensões verticais de compressão, não somente em paredes isoladas, mas também em grupos de paredes. Suas observações experimentais confirmaram dois aspectos importantes do fenômeno: a existência de forças de interação nas faces das paredes amarradas e a influência das restrições horizontais fornecidas pelos pisos. Stockbridge concluiu, a partir de suas medições, a cada pavimento construído, que as cargas convergiam para completa homogeneização (Figura 1). Em seus comentários, indicou que a tendência para homogeneização das tensões verticais é maior em edifícios altos, mesmo tendo verificado o fato em um edifício de poucos pavimentos. A justificativa para estudar a distribuição das ações verticais em edifícios de alvenaria estrutural deve-se ao fato de que os modelos propostos hoje em dia são usados mais por preferência do calculista do que por qualquer motivo cientificamente embasado, o que comprova o desconhecimento do problema ainda nos dias atuais. Os estudos realizados acerca do tema não compreendem experimentações em escala real de edifícios. Ocorre, dessa forma, escassez de resultados experimentais sobre as transferências de cargas verticais. Uma vez conhecido o mecanismo de transferência de cargas verticais entre paredes auto-portantes, os projetistas terão conhecimento das taxas de transferência, o 36 p r i s m a
A B C D E F Figura 4 Colagem dos extensômetros elétricos que lhes permitirá elaboração de projetos mais seguros e racionais, com utilização do material alvenaria sem excessos desnecessários. 2. TRABALHO EXPERIMENTAL O modelo experimental real é um edifício de alvenaria estrutural não-armada de blocos de concreto com quatro pavimentos (térreo e mais três). Esse modelo teve pontos instrumentados em parte da estrutura para que fosse possível conhecer os valores de tensão nessas localidades. Foram escolhidos 30 pontos (Figura 2) na estrutura para o estudo. Essa localização foi definida a partir de estudo em modelo numérico de elementos finitos (Figura 3). Esses 30 pontos estavam localizados na meia altura da segunda fiada dos três primeiros pavimentos da edificação, ou seja, a 30 cm das lajes-piso. Dessa forma, ficou definido como pontos do nível 1, os pontos localizados no térreo. Nível 2 e 3, do segundo e terceiro pavimentos respectivamente. Dado os três níveis instrumen- Figura 5 - Piscinas usadas na prova de carga tados, totalizou-se 90 pontos de leitura. de lona plástica, com 1.000 litros de água cada, A idéia central da transformação de edifício de foram dispostas sobre os pisos dos cômodos, de alvenaria estrutural em corpo-de-prova consistiu modo a aplicar a carga desejada em cada área (Figura 5). O carregamento foi aplicado primeiramen- na transformação de suas unidades básicas construtivas os blocos de concreto em dispositivos te na laje-piso do último pavimento. Esse carregamento foi denominado PC1. Na seqüência, foram de medida de deformação. Assim, o esquema foi concebido de forma que esses blocos não interferissem no comportamento estrutural e ainda carregamentos PC2 e PC3, respectivamente. As- carregadas as lajes dos níveis 2 e 3, denominados permitissem conhecer a deformação num dado sim, o PC2 oferecia carregamento de dois níveis ponto da estrutura e, portanto, conhecer a tensão atuante naquele dado ponto, dada uma prévia carregados e o PC3 de três níveis. calibração desses blocos. 3. RESULTADOS OBTIDOS Os resultados experimentais são expressos em INSTRUMENTAÇÃO DOS BLOCOS tensão, em decorrência da calibração aplicada Diferentes métodos, não-destrutivos, de inspeção nos blocos antes de seu assentamento. Exibe-se de medidas de tensões vêm sendo explorados e ainda a curva média das leituras em cada etapa desenvolvidos, mas nenhum outro dispositivo tem da prova de carga, com as curvas do modelo numérico em elementos finitos. Os valores apresen- utilização mais ampla do que os extensômetros. Isso devido à precisão das medidas, à facilidade tados nos gráficos para o modelo numérico são de manipulação e à capacidade de monitorar as divididos em dois tipos de valores. O primeiro tipo deformações até às cargas últimas em ensaios de valor é resultado do valor de tensão no ponto, destrutivos. Todos os procedimentos de manipulação e colagem dos extensômetros nos blocos nas paredes causado pela flexão das lajes carre- não se levando em consideração o efeito da flexão seguiram a boa prática recomendada (Figura 4) gadas, chamado no gráfico de MEF sem flexão. por várias empresas de fabricação desses dispositivos (Andolfato et. al, 2004). flexão leva em consideração o flexionamento das O segundo tipo de valor, chamado de MEF com paredes por parte das lajes. Em razão da grande PROVA DE CARGA quantidade de pontos e da semelhança de seus A carga de 2,0 kn/m² foi distribuída nas lajes dos comportamentos estruturais, neste trabalho são dormitórios do apartamento, na parte instrumentada do edifício (Figura 2). Para isso, duas piscinas dos em cada nível apresentados apenas alguns dos resultados obti- instrumentado. 37
RESULTADOS PARA O NÍVEL 1 (TÉRREO) A Figura 6 expõe os resultados experimentais do ponto 1 no primeiro pavimento, onde os valores experimentais se alternaram entre os valores esperados no modelo numérico de elementos finitos. O ponto 4, que não tem parede de contraventamento, apresentou maior concordância com o modelo numérico que contempla a flexão das paredes (Figura 7). O ponto 18 (Figura 8) revelou-se mais carregado no modelo experimental do que no modelo numérico, mostrando maior interação entre paredes que o esperado. O mesmo fato foi verificado para o ponto 27 (Figura 9). RESULTADOS PARA O NÍVEL 2 O ponto 2 no nível 2 (Figura 10) apresentou comportamento muito interessante no aspecto do alívio de carga devido ao flexionamento da parede (esforços de tração). O modelo numérico também previu tal comportamento. O ponto 3 (Figura 11), localizado em encontro de paredes em T, apresentou valores de tensão abaixo do esperado no modelo numérico. Uma hipótese para justificar tal comportamento pode ser a grande rigidez esperada pelo modelo numérico nesse ponto da estrutura, fato não verificado no modelo experimental. No ponto 10 (Figura 12), os valores de tensão se mostraram bastante similares na comparação entre o modelo experimental e o numérico, que contempla a flexão nas paredes. Pontos mais afastados do carregamento apresentaram comportamento significativamente diferente entre modelos, uma vez que o modelo numérico não previu influência da prova de carga nesses pontos mais afastados do carregamento. Contudo, conforme pode ser visto nas figuras, o comportamento nos pontos 22 (Figura 13) e 23 (Figura 14) são semelhantes entre si, sendo que esses pontos se encontram num mesmo distanciamento do carregamento da prova de carga. Muitos outros pontos nesse nível apresentaram comportamento semelhante. 38 p r i s m a
RESULTADOS PARA O NÍVEL 3 O ponto 2 no nível 3 (Figura 15) apresentou comportamento semelhante entre modelo experimental e numérico para o primeiro carregamento da prova de carga. O modelo numérico com flexão nas paredes apresentou valor distante dos modelos experimental e numérico sem flexão, os quais se mostraram com valores semelhantes entre si. No PC3, o modelo experimental mostrou valores de tensão maiores que os esperados nos dois modelos numéricos. O ponto 3 no nível 3 (Figura 16) apresentou no modelo experimental a mesma tendência de alivio de tensões na face instrumentada do bloco, verificada no ponto 2, para o PC2. Esse comportamento, verificado na prova de carga no nível 3 para os pontos 2 e 3, também foi observado nos pontos 1 e 4. O ponto 13 (Figura 17) apresentou, assim como no ponto 2, comportamento semelhante entre modelo experimental e modelo numérico sem flexão nas paredes até o PC2, passando no PC3 a apresentar valores semelhantes entre modelo experimental e modelo numérico com flexão nas paredes. O ponto 17 (Figura 18) apresentou comportamento semelhante entre modelos. Esse ponto apresenta uma característica importante quanto à sua localização fora das paredes diretamente carregadas, mostrando que as paredes estão trabalhando em grupo e não de forma isolada. Pontos mais afastados apresentaram acréscimos de tensão que não foram previstos em nenhum modelo numérico, mostrando uma grande interação entre paredes. O ponto 28 (vide Figura 19) apresenta um fenômeno repetido na maioria dos pontos afastados do carregamento, conforme pode ser visto na seqüência para os pontos 29 e 30 (Figura 20 e Figura 21). Esses pontos mostraram que quando carregado o PC1, cujo carregamento estava diretamente acima do nível 3, esses pontos mais afastados sofreram acréscimos de tensão maiores do que os esperados nos modelos numéricos. E ainda, com o carregamento do PC2, ou seja, no nível 3, houve uma redistribuição de esforços na estrutura que passou a carregar esses pontos. O mesmo fato aconteceu quando do carregamento PC3, mostrando a interatividade da distribuição das ações entre as paredes devido ao próprio carregamento. 4. CONCLUSÕES Como principal conclusão, pode-se inferir que existe sim uma grande interação entre paredes devido às ações verticais no edifício. Isto pode ser constatado nas Figuras 8, 9, 13, 14, 19, 20 e 21, cujos gráficos mostram que os valores de tensão medidos no modelo experimental foram sempre maiores do que os previstos nos modelos numéricos. Pontos mais afastados das paredes diretamente carregadas revelaram as maiores diferenças entre os modelos experimental e numérico, devido à grande interação do conjunto frente a uma deformação da estrutura. Nos pontos localizados no interior das paredes diretamente carregadas, o modelo experimental mostrou a grande influência da flexão das lajes no flexionamento das paredes, em concordância com o modelo numérico, que leva em conta esse efeito para a determinação das tensões. Comprova-se assim que modelos simplistas, de paredes isoladas, não retratam bem o fenômeno que ocorre na estrutura de alvenaria de blocos. Desta forma, deve-se, no mínimo, utilizar os procedimentos de grupos de paredes para seu mais correto dimensionamento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDOLFATO, R. P.; CAMACHO, J. S.; DE BRITO, G. A. (2004). Extensometria Básica. 45p. Ilha Solteira. Apostila - Curso de Extensometria Básica - Nepae. CAMACHO, J. S. (1986). Alvenaria estrutural não armada - parâmetros básicos a serem considerados no projeto dos elementos resistentes. Porto Alegre. 153p. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. CAMACHO, J. S.; RAMALHO, M. A.; ANDOLFATO, R. P. (2001). An experimental study of the interaction among walls submitted to vertical loads. In: AUSTRALASIAN MASONRY CONFERENCE, 6, Adelaide, Australia, 2001. Proceedings Griffith. v. 1, p. 95-104. CAPUZZO NETO, V; CORREA, M. R. S. (2005). A interação de paredes de alvenaria estrutural submetidas a ações verticais. Cadernos de Engenharia de Estruturas, São Carlos, v. 7, n. 27, p. 93-119. STOCKBRIDGE, J. G. (1967). A study of High-Rise load bearing brickwork in Britain. Edinburgh. Thesis (M. Arch.) - University of Edinburgh. AUTORES Rodrigo Piernas Andolfato Doutor em Engenharia de Estruturas pela EESC-USP rpa@cyrillojr.com.br Marcio Antônio Ramalho Professor Doutor do Departamento de Engenharia de Estruturas da EESC-USP ramalho@sc.usp.br Jefferson Sidney Camacho Professor Doutor do Departamento de Engenharia Civil da FEIS-UNESP jsc@dec.feis.unesp.br 39