LOCAÇÃO DE ATIVOS UMA NOVA MODALIDADE DE CONTRATAR OBRAS PÚBLICAS Aldo Dórea Mattos i Ante a realidade do grande déficit de infraestrutura do país e a dificuldade de obtenção de recursos por parte do governo, torna-se necessário buscar novas formas de financiamento para os projetos públicos. A locação de ativos é uma dessas modalidades recentes. Ela é uma forma de participação de empresas privadas em empreendimentos de interesse público por meio da qual a empresa contratada constrói uma determinada instalação estação de tratamento de água/esgoto, subestação, linha de transmissão, etc. e a arrenda à Administração Pública durante determinada quantidade de anos. Na linguagem empresarial, trata-se de um contrato B.L.T. (build-lease-transfer). A Sanasa e a Sabesp, empresas públicas de saneamento básico do município de de Campinas e do estado de São Paulo, respectivamente, são empresas públicas pioneiras na adoção desse sistema de contratação. Embora a locação de ativos no Brasil venha sendo majoritariamente utilizada para a contratação de obras de saneamento básico, a solução pode ser estendida com sucesso a outros ramos da Engenharia. A contratação de uma locação de ativos é feita por licitação, sendo vencedor aquele que oferecer o menor valor mensal de locação (VML) pelo bem a ser construído. Cada proponente, portanto, precisa montar um complexo modelo financeiro do negócio, envolvendo o custo orçado para a obra e o custo do financiamento, além dos impostos e despesas administrativas ao longo o período de locação. Esse plano de negócio é apresentado pela proponente no dia da licitação, juntamente com o aluguel pleiteado. A empresa ou consórcio que vence a licitação deve constituir uma sociedade de propósito específico (), que é a entidade que celebrará o contrato com a concessionária pública. A é uma pessoa jurídica devidamente constituída sob a forma de sociedade anônima e, como tal, tem contabilidade, diretoria e estatuto próprios. Um aspecto relevante dessa etapa é a concessão à do direito real de uso dos terrenos onde serão erigidas as instalações, com o devido registro em cartório, condição necessária para que a possa arrendar os terrenos à empresa pública. Constituída a, as empresas acionistas iniciam então a fase de captação de financiamento. Embora na fase licitatória, já tenham sido consultados organismos financeiros BNDES, Caixa, bancos, agora é a fase de apresentação de documentos, análise de risco das empresas, definição do rating da operação e aprovação do crédito. Na negociação com o agente financeiro, é importante que o prazo de amortização do empréstimo esteja casado com o prazo de recebimento do aluguel, a fim de garantir o equilíbrio do negócio. Aliás, a modelagem do plano já leva em conta que o valor mensal da amortização do empréstimo seja próximo ao VML. Essa fase de estruturação do financiamento leva de 6 meses a 1 ano.
Uma vez assegurados os recursos financeiros, começa a obra. Nesta fase, ao contrário de uma obra pública tradicional, não há a figura da medição de serviços executados, já que a remuneração da pela empresa pública será feita posteriormente, por meio do pagamento do aluguel. O que existe, sim, é a liberação de recursos do agente financeiro para a. A função da contratante nesta fase é fiscalizar as atividades de campo, aferir a qualidade dos serviços e atestar ao agente financeiro a regularidade da execução do cronograma da obra e a conformidade do produto construído. Com o recebimento da obra, inicia-se o período de arrendamento do ativo. O bem construído, embora ainda fazendo parte do patrimônio da, é entregue à Administração Pública, que se encarrega de operar e manter a instalação dali para frente. A não tem mais nenhuma participação no sistema, a não ser garantir tecnicamente o produto e receber o VML no final de cada mês. É aí que reside a diferença entre concessão e locação de ativos. Enquanto na primeira forma, o titular da concessão é responsável pela operação e manutenção do sistema, sendo remunerado por tarifa em função da quantidade de serviço prestado, na locação de ativos a não se envolve na operacionalização e é remunerada por um valor préestabelecido, fixo e independente do volume de água ou esgoto tratado. Ao final do período contratual de locação geralmente 15 a 30 anos, a depender do porte do empreendimento, os ativos são transferidos para o Poder Público sem ônus adicional. Basicamente, as três etapas de um contrato de locação de ativos são ilustradas na Fig. 1. Do ponto de vista do Poder Público, a locação de ativos tem a grande de vantagem de permitir a realização de projetos de infraestrutura com pagamento diferido no tempo, e não durante a execução da obra. Com isso, o endividamento é diluído, sendo transferido para a iniciativa privada o ônus de captar os recursos para a obra. É uma forma bem cômoda de transferir o endividamento para o setor privado, remunerando-o em suaves prestações. Olhando pelo lado do agente financeiro, essa modalidade de contratação também é bastante interessante pela certeza do recebimento do dinheiro emprestado. O fato de o tomador ter uma receita garantida pela empresa estatal e não ser afetado por flutuações de demanda dá a solidez que todo organismo de crédito sonha ter. Por fim, do lado do setor privado, a vantagem reside no fato da certeza do resultado do negócio, já que a receita é conhecida de antemão. Também há a possibilidade de vender a carteira de recebíveis no início do período de locação. Embora ainda surjam dúvidas sobre alguns pontos específicos da implementação dos contratos de locação de ativos, o fato é que se trata de um sistema relativamente simples em sua concepção e que pode ser aplicado a um sem-número de áreas da engenharia. Com o aumento de contratos dessa natureza, a escala dará conta de suprir as respostas e aperfeiçoar o mecanismo.
QUADRO 1 ETAPAS Estruturação da operação Constituição da Captação de recursos Obra Obras civis Pré-operação Locação Pagamento do aluguel à Operação e manutenção pela empresa estatal Amortização do financiamento 0,5 a 1 ano 2 a 3 anos 15 a 30 anos QUADRO 2 VÍNCULO -ADM-FIN (A) E (B) (a) Relação das entidades envolvidas durante a obra ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CONCESSIONÁRIA DE ÁGUA/ESGOTO) Construção Fiscalização Atesto dos serviços Liberação de recursos AGENTE FINANCEIRO
(a) Relação das entidades envolvidas durante a locação ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (CONCESSIONÁRIA DE ÁGUA/ESGOTO) Locação de ativos Pagamento do VML Garantia de pagamento AGENTE FINANCEIRO Pagamento do empréstimo
QUADRO 3 VANTAGENS Governo Endividamento diferido Pagamento a longo prazo Viabilização de projetos de infraestrutura Agente financeiro Garantia de recebimento Pagamento da amortização do empréstimo casada com recebimento do VML do tomador Iniciativa privada Garantia de recebimento VML independe de flutuação de demanda Possibilidade de atração de parceiros não construtores QUADRO 4 LOCAÇÕES DE ATIVOS DA SABESP MUNICÍPIO Campo Limpo Paulista e Várzea Paulista Franca OBJETO ETE e coletores Captação de água e ETA INVESTIMENTO (milhões de reais) Franca Adutora Campos do Jordão ETE 120 São José dos Campos Praia Grande ETE ETE i Autor de COMO PREPARAR ORÇAMENTO DE OBRAS e PLANEJAMENTO DE CONTROLE DE OBRAS, negociou pela Água Limpa Paulista o primeiro contrato de locação de ativos da Sabesp (aldo@aldomattos.com).