Cultura, estética e manifestação cultural 1. Priscila Mathias ROSA 2 Cristina Ennes da SILVA 3 Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS.



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Transcrição:

Cultura, estética e manifestação cultural 1 RESUMO Priscila Mathias ROSA 2 Cristina Ennes da SILVA 3 Universidade Feevale, Novo Hamburgo, RS. Na pós modernidade, os indivíduos podem ser apontados como os responsáveis por disseminar os processos culturais através dos meios comunicativos. Ao pensar em cultura, logo em um primeiro momento acontece uma referência mental com algum lugar que tem características muito específicas, alguma manifestação cultural, alguma tradição marcante. Por exemplo: mesmo que um gaúcho não tome chimarrão e não tenha hábito de usar pilcha, o chimarrão e a pilcha fazem parte da cultura dele. Assim como a pilcha é reconhecida como a roupa típica do gaúcho e o chimarrão a bebida, neste ensaio vamos usar como exemplo a chula, uma dança praticada no Rio Grande do Sul, de pilcha, e relacionar ela com identidade, representação e estética, a partir de um programete de TV. Palavras-chave Cultura- Identidade- Representação. Pensar ou escrever sobre cultura atualmente, na pós-modernidade em que tudo se modifica com rapidez, inclusive os sujeitos é um desafio, primeiro pelo conceito de cultura. Bosi (1992) conceitua cultura, como: o conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir as novas gerações para garantir a reprodução de um estado de coexistência social. (BOSI, 1992, p 16). Nesse processo cultural são os indivíduos os responsáveis por disseminar os processos culturais através dos meios comunicativos: a cultura não pode mais ser compreendida, portanto, como uma força monolítica que age sobre as pessoas. Elas, as pessoas são iniciadoras e criadoras do processo cultural, através dos processos comunicativos (BENTZ, 2010, p. 48). Cultura pode ser entendida também como algo que se aprende no dia a dia: [...] cultura pode ser um objeto de estudo sistemático, pois 1 Trabalho apresentado no DT 08 Estudos interdisciplinares da Comunicação do XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul, realizado de 30 de maio a 01 de junho de 2013. 2 Mestranda em Processos e Manifestações Culturais na Universidade Feevale, e-mail: prizinha81@ibest.com.br 3 Orientadora do trabalho. Professora do Mestrado em Processos e Manifestações Culturais, email: crisennes@feevale.br. 1

se trata de um fenômeno natural que possui causas e regularidades, permitindo um estudo objetivo e uma análise capazes de proporcionar a formulação de leis sobre o processo cultural e a evolução (LARAIA, 2008, p.30). Geertz (2008) define cultura de forma mais ampla: O modo de vida global de um povo; (2) o legado social que o indivíduo adquire do seu grupo; (3) uma forma de pensar, sentir, acreditar; (4) uma abstração do comportamento; (5) uma teoria elaborada pelo antropólogo sobre a forma pela qual um grupo de pessoas se comporta realmente; (6) um celeiro de aprendizagem em comum; (7) um conjunto de orientações padronizadas para os problemas recorrentes; (8) comportamento aprendido; (9) um mecanismo para a regulamentação normativa do comportamento; (10) um conjunto de técnicas para se ajustar tanto ao ambiente externo como em relação aos outros homens; (11) um precipado da história (GEERTZ, 2008, P.4). Diante de todos esses conceitos, ao pensar em cultura, logo em um primeiro momento acontece uma referência mental com algum lugar que tem características muito específicas, alguma manifestação cultural ou até mesmo roupas típicas de uma região que a identificam. Ao pensar no Rio Grande do Sul, por exemplo, pode-se apontar a pilcha e o chimarrão como marcas identitárias da cultura gaúcha: a identidade, então, costura o sujeito à estrutura. Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis (HALL, 2002, P.12). Ou seja, mesmo que um gaúcho não tome chimarrão e não tenha hábito de usar pilcha, o chimarrão e a pilcha fazem parte da cultura dele, do lugar onde ele nasceu. São roupas e hábitos característicos de um povo, o povo gaúcho. Assim como a pilcha é reconhecida como a roupa típica do gaúcho e o chimarrão a bebida, neste ensaio vamos usar como exemplo a chula, que assim como a roupa e a bebida citadas, é uma dança praticada no Rio Grande do Sul, de pilcha, e uma manifestação cultural reconhecida pelo povo gaúcho, e de acordo com Côrtes (2000) uma dança praticada apenas por homens. A chula foi praticada pela primeira vez em 1817 e se tornou extremamente popular na metade do século XX. Neste desafio a vara de madeira chamada lança é colocada no chão com dois dançarinos dispostos cada um em uma extremidade, Ao som da gaita gaúcha executam diferentes sapateados avançando e recuando até retornarem para seus lugares. Após cada sequência realizada outro dançarino deverá repeti-la em seguida realizar 2

uma nova figura, geralmente mais complexa. Será desclassificado o participante que perder o ritmo, encostar na lança ou não conseguir realizar o passo feito pelo adversário. (CÔRTES, 2000, p. 185) Por ter um caráter desafiador a chula apresenta aspectos de outros países. Côrtes (2000) destaca que: a chula apresenta características do malombo, dança tipicamente da região platina. Enquanto se aproxima também da dança de Moçambique (CÔRTES, 2000 P.185). Mesmo com influências de outros países, no Brasil a chula é reconhecida como uma dança do povo gaúcho. O gaúcho, sabendo ou não da existência dela também em outros lugares e com outras características, reconhece ela, com as características locais, como uma manifestação cultural típica da sua região, e a valoriza. Ruben Oliven (2006) destaca que mesmo com as manifestações culturais mais globalizadas, os sujeitos valorizam o local. Outro aspecto que caracteriza a chula gaúcha é a vestimenta do gaúcho que está dançando. A pilcha gaúcha tem uma estética e característica específica. O termo estético é derivado do grego aisthesis, aistheton (sensação sensível) e significa sensação, sensibilidade, percepção pelos sentidos ou conhecimento sensível-sensorial (HERMANN, 2005, P. 25). De acordo com a autora, o estético está ligado ao lado sensível das pessoas, ou seja: ao olhar um sujeito de pilcha, pela aparência, pela estética desse sujeito, já se pode ter uma ideia de que estado do Brasil ele é. A roupa é uma forma de representação desse sujeito, e assim como a dança da chula, ela o identifica como sendo do Sul. A aparência estética dos sujeitos, no âmbito das representações, é cada vez mais considerada, e nesse processo, a indústria cultural é quem molda os sujeitos que vivem em sociedade: A indústria cultural aparece como manifestação da razão objetificadora, calculadora, unificante, potencializada pelo próprio desenvolvimento científico e tecnológico; ou seja, o termo indústria cultural aparece pela primeira vez no século XX, justamente para expressas como as forças do mercado moldam a cultura nas sociedades massificadas (HERMANN, 2005, P. 29). A relação entre a estética e a indústria cultural é tão forte que um dos aspectos que se mostra do Rio Grande do Sul através da mídia para outros lugares é a tradição. Para quem não conhece o estado, pode parecer que todos os gaúchos vão a fandangos, 3

bailes realizados nos Centros de Tradições Gaúchas, que todos frequentam os Centros de Tradições gaúchas, que todos se vestem de prenda e peão e que todos tomam chimarrão, quando na prática isso não acontece. A partir dos conceitos estéticos e identitários tratados pela indústria cultural, os sujeitos que não conhecem e não vivem a cultura do sul imaginam que seja assim: os diferentes tipos de estetização determinam cada vez mais as relações entre os homens (HERMANN, 2005, P. 36). Relacionando a estética do gaúcho com a dança da chula, considerando a chula um produto hibridizado, a estética através da pilcha usada pelo gaúcho tem um papel fundamental de identificar esse sujeito como dançarino da chula praticada no sul do Brasil. Hoje, o caráter estético do conhecimento e da realidade impõese em todas as áreas, e essa consciência se disseminou entre os indivíduos e a sociedade, de tal modo que categorias como aparência, mobilidade, variedade, insondabilidade ou flutuação transformam- se em categorias para a compreensão da realidade em geral (HERMANN, 2005, P. 38). Reafirmando o que diz Hermann (2005) acerca da importância da estética, no caso da dança da chula gaúcha e dos peões que a executam, ela é fundamental para identificar o gaúcho enquanto praticante de uma dança hibridizada, praticada no Sul com suas características regionais, mas influenciada pela dança praticada em outros países. A relação entre culturas, presente na manifestação cultural da dança da Chula é cada vez mais comum na formação da identidade do sujeito sociológico. Segundo Hall (2002) o sujeito é formado pelo seu núcleo interior e também pela relação com outras pessoas e com o mundo. Para o autor, a identidade, nessa concepção sociológica preenche o espaço entre o interior e o exterior - entre o mundo pessoal e o mundo público (HALL, 2002 p. 11). Essa relação cada vez maior do sujeito com o mundo faz com o que ele seja definido como sujeito pós-moderno, ou seja, um sujeito que cada vez mais se modifica a partir dos meios onde está inserido. O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, [...]. (HALL, 2002, p. 12). De acordo com o autor ainda, nossa identidade é transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos 4

rodeiam (HALL, 2002, p.13). Ruben Oliven (2006) afirma que mesmo com o processo de globalização vivido pelo sujeito pós-moderno, os aspectos culturais locais continuam sendo valorizados, porém esse sujeito que se modifica acaba recriando-os. Essa mudança constante do sujeito mediante as novas informações que chegam a ele a todo o tempo se reflete diretamente na sociedade. Assim como o sujeito, as sociedades também se modificam constantemente e a todo o tempo. Essa modificação, segundo Hall (2002) é uma característica das sociedades modernas. Esta é a principal distinção entre as sociedades tradicionais e as modernas (HALL, 2002 P.14). O programa Por Dentro da Arte Usaremos neste ensaio um programete do quadro Por Dentro da Arte, exibido na TV Cultura do Vale, dentro do Jornal do Meio Dia em 2010, com uma dupla de meninos que forma o Chula Show, para relacionar uma manifestação cultural, a dança da chula, com identidade cultural do povo gaúcho, com hibridismo cultural, já que a chula dançada no Rio Grande do Sul é influenciada pela chula de outros países e também com aspectos estéticos. O Programa Por Dentro da Arte começou a ser transmitido na TV Cultura do Vale em 2008, dentro do Jornal do Meio dia. Da data de estreia até 2010 era realizado como projeto de extensão da UERGS, desta data em diante passou a ser produzido somente pela Fundarte, através de seu canal de televisão, a TV Cultura. De acordo com material institucional da Fundarte, a TV Cultura do Vale localizada em Montenegro foi fundada em 31 de dezembro de 2000 e retransmite atualmente o Canal Futura cabeça de rede. A concessão local da TV Cultura do Vale é da Fundarte, Fundação Municipal de Artes de Montenegro, entidade que além de manter a Tv, oferece cursos na área de educação básica em música, artes visuais, teatro e dança, além de ser a sede da UERGS- Universidade Estadual do Rio Grande do Sul em Montenegro, a qual oferece cursos de graduação também nas áreas de artes visuais, teatro, dança e música. O Por Dentro da Arte é um projeto que tem o objetivo de levar ao público telespectador da TV Cultura do Vale conhecimentos culturais específicos sobre determinados assuntos através de um programa de TV. Sempre exibido em séries de quatro programas, cada programete tem em média cinco minutos e vai ao ar nas quintas feiras dentro do Jornal do Meio Dia. 5

As pautas são diversificadas, mas giram basicamente em torno das quatro áreas de atuação da Fundarte e da UERGS. O programa une entretenimento e informação e as pautas vão desde a história do Rock e até mesmo aborda assuntos como dança contemporânea, por exemplo. O desafio dos apresentadores é de tornar assuntos bem específicos da área da arte e da cultura atrativos para um público leigo e amplo. O programa Por Dentro da Arte tem uma linguagem didática, isso para favorecer o entendimento do público receptor, que em grande parte tem um conhecimento superficial sobre arte. A linguagem usada no momento de transmissão da informação é fundamental para compreensão dos assuntos apresentados. A televisão [...] exige uma linguagem conversada, coloquial. O que significa a utilização de uma linguagem simples, direta, objetiva, com a maior clareza possível (MACIEL, 1995, p. 31). Como aponta Rezende (2000) a linguagem coloquial é fundamental para aproximar o telespectador do conteúdo que está sendo transmitido. O programa analisado para este ensaio foi gravado dentro de uma série especial produzida com grupos artísticos da região, que se inscreveram em um edital público. Foram selecionados sete projetos, entre eles o Chula Show. De acordo com a direção da Fundarte, a ideia de realizar uma série de programetes com grupos locais foi valorizar e divulgar o trabalho artístico realizado localmente por grupos distintos. A iniciativa, segundo a direção da emissora e artistas, teve boa aceitação, uma vez que mostrou um trabalho local, de um grupo local para um público local. O programete analisado, do Chula Show, contou com 5 min e 4 seg de duração e iniciou tratando da história da dança Chula e a influência direta da Chula açoriana na Chula gaúcha. Ou seja, a Chula dançada no Rio Grande do Sul é uma chula hibridizada. Segundo informações do programa Por Dentro da Arte, a chula gaúcha é originária do folclore português. Assim como no Rio Grande do Sul, ela é dançada em Portugal e difundida no país. Segundo a apresentadora algumas regras foram modificadas adaptando a chula aos campeonatos regionais e aos rodeios gaúchos, mas a ideia de criatividade e difícil execução dos passos foram mantidas, o que tem tornado o concurso individual mais procurado no meio tradicionalista, ou seja, a dança foi adaptada aos costumes e interesses locais, a fim de torna-la interessante localmente. Ruben Oliven (2006) destaca que o Rio Grande do Sul, pela localização geográfica, um 6

estado que faz divisa com outros países, e também por questões históricas, tem características bem demarcadas. A apresentadora ao relacionar a Chula dançada nos CTG S do Rio Grande do Sul com a Chula dançada em Portugal, por exemplo, define uma influência da chula portuguesa na chula gaúcha. A chula dançada no Sul é diferente da chula açoriana, mas tem como base a chula portuguesa. Sendo o Brasil um país colonizado por portugueses pode-se estabelecer uma relação de hibridização de identidades. Bhabha (1995) não separa a construção da identidade do colonizado da construção da identidade do colonizador, para ele existe uma identidade híbrida em ambos. Além do hibridismo cultural de identidade, Bhabha também trata do hibridismo de cultura: A cultura precisa ser vista como a produção desigual e incompleta de significação e valores muitas vezes compostos por demandas e práticas incomensuráveis produzidas no ato de sobrevivência cultural. (BHABHA, 1995 apud SOUZA 2004). Segundo o autor ainda, vivemos hoje um processo pós-colonial onde [...] a cultura passa a ser vista como algo híbrido, produtivo, dinâmico, aberto, em constante transformação [...] (BHABHA, 1995 apud SOUZA, 2004). Assim como na arte que não houve uma ruptura entre o tempo moderno e o tempo contemporâneo, na chula dançada no Rio Grande do Sul também houve uma influência direta (de outros países) na dança reconhecida no Rio Grande do Sul como gaúcha: os híbridos não visam à manutenção das tensões e da integridade dos diversos componentes, mas sim à fusão dos elementos díspares que os estruturam (CATTANI, 2007, p 26). A chula dançada no Rio Grande do Sul, embora preserve e contenha características específicas locais ela conta com elementos da chula de outros lugares: [...] o híbrido é o produto do cruzamento de dois elementos de gênero e espécie diferentes. [...] O híbrido preserva uma coerência relativa (CATTANI, 2006, P. 26). A hibridização cultural, presente na dança da chula, se acentua na sociedade atual onde cada vez mais os sujeitos são híbridos, pós modernos e por isso se modificam constantemente. De acordo com a apresentadora do programete Por Dentro da Arte, os meninos que participaram do programa participam e já venceram diferentes competições tradicionalistas representando Montenegro: com as boas colocações nas competições os dançarinos levam o nome de Montenegro para diferentes cidades do Rio Grande do 7

Sul e do Brasil. Percebe-se aí, mais uma vez a valorização do local. Uma cultura preservada localmente (cidade e estado) e levada para o global. Analisando a chula como uma manifestação da cultura gaúcha e que tem influencia de outros países, é possível perceber que essa é apenas uma manifestação de cultura brasileira, dentro de um universo muito mais amplo. Bosi (2008) afirma que: não existe uma cultura brasileira homogênea, matriz dos nossos comportamentos e discursos (BOSI 2008, p. 7). O autor aponta ainda que, atualmente na pós modernidade, assim como o sujeito que se modifica com rapidez, a cultura também acompanha esse ritmo acelerado. Oliven (2006) concorda com Bosi (2008) ao afirmar que o sujeito e a cultura se modificam com rapidez atualmente, porém, mesmo assim existe uma valorização do sujeito para a sua cultural local., Possivelmente a maior parte dos telespectadores que assistiram o Chula Show na TV reconheceu a dança como gaúcha houve então uma identificação entre público, produto televisivo e realidade cultural local. Mesmo em uma sociedade pós moderna e de mudança rápida, aqui no Rio Grande do Sul ainda existe uma identificação direta do público com as tradições, que representam a sua cultura. Mesmo hoje na pós modernidade, a cultura e suas representações exercem um papel fundamental na vida e na identidade dos sujeitos. A cultura faz parte dos hábitos, das relações, do comportamento e da história de um povo, de uma cidade e de uma nação. É através dela que se estabelecem relações comuns, díspares e novas relações construídas através de uma hibridização estética e cultural. 8

Referências Bibliográficas: BENTZ, Ione. Linguagens, cultura e inovação. In: KLIP, Suzana; ROSÁRIO, Nísia Martins do; SILVA, Alexandre Rocha da (org.). Audiovisualidades da Cultura. Porto Alegre: Entremeios, 2010. 276 p. BOSI, Alfredo. Colônia Culto e Cultura. In: Dialética da Colonização. São Paulo. Cia das letras. 1992, p. 11-63.. Plural mas não Caótico. In Cultura brasileira. Temas e situações. São Paulo. Ática, 2008, p. 7-14. CATTANI, Icleia Borsa. Mestiçagens na Arte Contemporânea. Porto Alegre. UFRGS. 2007, 336P. CÔRTES, Gustavo. Dança Brasil! Festas e danças populares. Belo Horizonte. Editora Leitura, 2000.187 p. GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de JANEIRO: Ltc, 2008. 213P. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, 102P. HERMANN, Nádia. Ética e Estética. A relação quase esquecida. Porto Alegre. EDIPUCRS, 2005. 84P. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar Editor Ltda, 2008, 117p. MACIEL, Pedro. Jornalismo de Televisão: normas práticas. Porto Alegre, RS: Editora Sagra: DC Luzzatto, 1995. 116 p. 9

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