Desenvolvimento de coleta de dados automatizada para Análise de Redes Sociais de Comunidades de Jogos On-line



Documentos relacionados
13º Encontro / Cibercultura REALIDADES ALTERNATIVAS E AS NOVAS SOCIABILIDADES. O UNIVERSO DOS GAMES.

Investigação sobre o uso do ambiente Moodle pelos professores de uma instituição de ensino superior pública

Gráfico 6.32 Distribuição log/log dos graus dos jogadores de WoW na segunda coleta do Addon

Projeto de inovação do processo de monitoramento de safra da Conab

1 O Problema 1.1 Introdução

Descrição do processo de priorização para tomada de tempos: Pesquisa ação em uma empresa job shop de usinados aeronáuticos.

Modos Diferenciados de Ensinar e Aprender no Ambiente Virtual

3 Metodologia 3.1. Tipo de pesquisa

Tencologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas Disciplina: WEB I Conteúdo: Arquitetura de Software Aula 03

FACCAMP - FACULDADE CAMPO LIMPO PAULISTA COMUNICAÇÃO E REDES SOCIAIS

PALAVRAS CHAVE: Jornalismo. Projeto de Extensão. Programa Ade!. Interatividade.

18º Congresso de Iniciação Científica IMPLEMENTAÇÃO DE UM MODELO DE TESTE DE APLICAÇÕES WEB

Resultados da Pesquisa IDIS de Investimento Social na Comunidade 2004

Pedagogia Estácio FAMAP

PERFIL EMPREENDEDOR DOS APICULTORES DO MUNICIPIO DE PRUDENTÓPOLIS

DIFICULDADES NA COMPILAÇÃO DE UM CORPUS DE LÍNGUA ESPANHOLA

Inovação aberta na indústria de software: Avaliação do perfil de inovação de empresas

Agenda Semântica. Grupo: Francisco Rodrigues Júnior Guilherme Daher Ferreira Luana Vieira Morellato Renan Rigo

Efeitos das ações educativas do Curso de Qualificação Profissional Formação de Jardineiros na vida dos participantes.

perspectivas e abordagens típicas de campos de investigação (Senra & Camargo, 2010).

Teste de Software: Um Breve Estudo do Importante Processo no Desenvolvimento de Softwares

Metadados. 1. Introdução. 2. O que são Metadados? 3. O Valor dos Metadados

MANUAL DE TRABALHO INTERDISCIPLINAR TI - INTEGRADOR FAN CEUNSP

Em FORMATO E-LEARNING PQ A Página 1 de 6

função de produção côncava. 1 É importante lembrar que este resultado é condicional ao fato das empresas apresentarem uma

SISTEMAS DE INFORMAÇÃO GERENCIAIS

MOODLE NA PRÁTICA PEDAGÓGICA

MATEMÁTICA E TECNOLOGIA: DESENVOLVENDO JOGOS ELETRÔNICOS UTILIZANDO O SCRATCH

Curso: Diagnóstico Comunitário Participativo.

O MOODLE COMO FERRAMENTA DIDÁTICA

Brincando com as Letras: Um serious game para o ensino do Alfabeto

Inovação em sistemas de informação aplicada ao apoio do cliente de retalho

Eng Civil Washington Peres Núñez Dr. em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

6.1 A Simulação Empresarial tem utilização em larga escala nos cursos de Administração, em seus diversos níveis de ensino no Brasil?

ESTUDO AVALIATIVO DE ACESSIBILIDADE E USABILIDADE APLICADO AO AMBIENTE WEB.

Visão. O comércio entre os BRICS e suas oportunidades de crescimento. do Desenvolvimento. nº abr no comércio internacional

PADRÃO DE RESPOSTA DAS QUESTÕES DISCURSIVAS PROFISSIONAL BÁSICO COMUNICAÇÃO SOCIAL

Análise comparativa sobre bases de dados para armazenamento e consulta de dados não estruturados no formato JSON.

UMA ANÁLISE DA REDE SOCIAL EDUCACIONAL SCHOOLING COMO FERRAMENTA NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

JOGOS ELETRÔNICOS CONTRIBUINDO NO ENSINO APRENDIZAGEM DE CONCEITOS MATEMÁTICOS NAS SÉRIES INICIAIS

Tutorial 7 Fóruns no Moodle

PESQUISA SOBRE O PERFIL DE ALUNOS NA UTILIZAÇÃO DE UM SITE DOCENTE DO ENSINO SUPERIOR

MODELAGEM MATEMÁTICA: PRINCIPAIS DIFICULDADES DOS PROFESSORES DO ENSINO MÉDIO 1

AS CONTRIBUIÇÕES DAS VÍDEO AULAS NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO.

GESTÃO COLETIVA NO AMBIENTE DIGITAL

Software Livre e Engenharia Elétrica

EDITAL 01/ DE CONCURSO. IV Workshop da Escola de Engenharia e Ciências Exatas UnP Campus Mossoró

FACULDADE DO NORTE NOVO DE APUCARANA FACNOPAR PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL

Introdução redes sociais mulheres Digg

agility made possible

INVESTIGANDO O ENSINO MÉDIO E REFLETINDO SOBRE A INCLUSÃO DAS TECNOLOGIAS NA ESCOLA PÚBLICA: AÇÕES DO PROLICEN EM MATEMÁTICA

Resolução da lista de exercícios de casos de uso

PLANEJAMENTO COMO PROCESSO ADMINISTRATIVO

IMPLEMENTAÇÃO DE UM PROTÓTIPO PARA INFORMATIZAÇÃO DE PROCESSO DE ADEQUAÇÃO DE FÉRIAS

Disciplina: Redes de Comunicação. Curso Profissional Técnico de Gestão e Programação de Sistemas Informáticos. Setembro 2013

Introdução Ciclo de vida tradicional de desenvolvimento Prototipagem Pacotes de software Desenvolvimento de 4ª geração Terceirização

Como e por que criar uma para sua empresa A PERSONA VECTOR

Sistemas Operacionais. Prof. André Y. Kusumoto

6 Conclusões e próximos passos

5 Conclusão. FIGURA 3 Dimensões relativas aos aspectos que inibem ou facilitam a manifestação do intraempreendedorismo. Fonte: Elaborada pelo autor.

MANUAL DA SECRETARIA

PLANEJAMENTO OPERACIONAL - MARKETING E PRODUÇÃO MÓDULO 11 PESQUISA DE MERCADO

1. Introdução. 1.1 Contextualização do problema e questão-problema

PROPOSTA DE REFORMULAÇÃO DO PORTAL RECYT

2 Trabalhos relacionados

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE ENSINO SUPERIOR DO AMAZONAS - CIESA CENTRO DE PROCESSAMENTO DE DADOS CPD MANUAL DE UTILIZAÇÃO DO MOODLE 2.

Quais as diferenças entre os formatos de imagem PNG, JPG, GIF, SVG e BMP?

OS FUNDOS DE PREVIDÊNCIA: UM ESTUDO DO MERCADO BRASILEIRO 1. Maicon Lambrecht Kuchak 2, Daniel Knebel Baggio 3.

Educação Patrimonial Centro de Memória

Plano de Continuidade de Negócios

Protótipo de motor de servidor de jogos online em massa. Autor: Daniel Presser Orientador: Francisco Adell Péricas

Válvulas de Controle-"Case"- Copesul. Nelzo Luiz Neto da Silva 1 Jader Weber Brum 2

Diplomacia pública. Conselheiro Marco Antonio Nakata

2 Fundamentação Conceitual

10º FÓRUM DE EXTENSÃO E CULTURA DA UEM INCLUSÃO DIGITAL PARA PESSOAS COM NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS

PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO: ELABORAÇÃO E UTILIZAÇÃO DE PROJETOS PEDAGÓGICOS NO PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM

PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Coleta de Dados: a) Questionário

Influência do Encaminhamento de Mensagens na Topologia de Redes Sociais

JORNADA DE COMPRA. O que é e sua importância para a estratégia de Marketing Digital VECTOR

Banco de Dados Orientado a Objetos

3 Método 3.1. Entrevistas iniciais

Unidade 8: Padrão MVC e DAO Prof. Daniel Caetano

1 Um guia para este livro

Projeto de Pesquisa: Governança em Tribunais de Justiça de Brasil e Portugal 1

3 Qualidade de Software

Computador E/S, Memória, Barramento do sistema e CPU Onde a CPU Registradores, ULA, Interconexão interna da CPU e Unidade de controle.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CENTRO DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE QUÍMICA CURSO DE LICENCIATURA EM QUÍMICA LINDOMÁRIO LIMA ROCHA

5ª Pesquisa Sobre o Comportamento dos Usuários na Internet

UM SISTEMA WEB PARA GERÊNCIA DE CAMPEONATOS DE VOLEIBOL

mspeed (modelling and Simulation of Emergency Evacuation Dynamics) Modelo Dinâmico de Simulação Pedonal em Emergências

DESENVOLVENDO COMPETÊNCIAS MATEMÁTICAS Marineusa Gazzetta *

IMPLEMENTAÇÃO DE UM SISTEMA DE SELEÇÃO DE PEÇA USANDO CONCEITOS DE PROGRAMAÇÃO DE SISTEMA DE AUTOMAÇÃO. João Alvarez Peixoto*

A seguir são apresentadas as etapas metodológicas da Pesquisa CNT de Rodovias.

Título: O moodle como ambiente virtual de aprendizagem colaborativa: o caso do Curso Introdutório Operacional Moodle na UEG.

Gestão Estratégica de Negócios

UNIVERSIDADE PAULISTA CURSO SUPERIOR DE TECNOLOGIA. Projeto Integrado Multidisciplinar I e II

COORDENAÇÃO DE EAD MANUAL DE UTILIZAÇÃO DO MOODLE 2.6 PERFIL ALUNO. Versão 1.0

Transcrição:

Desenvolvimento de coleta de dados automatizada para Análise de Redes Sociais de Comunidades de Jogos On-line Lia. C. Rodrigues 1, Pollyana N. Mustaro 1 1 Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) Rua da Consolação, 930 01.302-907 São Paulo SP Brazil liac@mackenzista.com.br, polly@mackenzie.br Abstract. The daily interaction between people in games called Massive Multiplayer Online Role-Playing Games (MMORPGs), which are increasingly popular worldwide, contribute to the virtual communities formation. These culturally diverse communities are shaped by the different types of social ties between actors inside the game's virtual world. The present work shows a social network analysis of the community of the game World of Warcraft (WoW). To accomplish that a system was developed to gather data from the network, and also tools took into consideration elements from software engineering,algebra, graph theory and social networks analisys. Resumo. A interação diária entre pessoas em jogos denominados de Massive Multiplayer Online Role-Playing Games (MMORPGs), em crescente popularidade em todo o mundo, tem implicado na formação de comunidades virtuais. Estas comunidades apresentam uma diversidade cultural determinada pelos tipos de laços sociais estabelecidos no ambiente virtual do jogo. O presente trabalho expõe uma análise de redes sociais de comunidades do jogo World of Warcraft (WoW). Para isso foi desenvolvido um sistema de coleta de dados desta rede, assim como ferramentas de análise que consideraram elementos de engenharia de software, álgebra, teoria de grafos e análise de redes sociais. 1. Introdução Os avanços tecnológicos influenciaram diretamente os jogos on-line (desenvolvidos para computadores, consoles e dispositivos móveis), que têm agregado mais recursos e ferramentas. Atualmente um dos estilos de jogos on-line mais populares é o MMORPG (Massive Multiplayer Online Role Playing Game Jogos On-line Massivos Multiusuário de Representação de Personagens). Os MMORPGs são chamados massivos (Massive), pois possuem a capacidade para suportar centenas ou milhares de jogadores interagindo simultaneamente no universo do jogo por meio de seus avatares. O que diferencia os MMORPGs de outros tipos de jogos digitais é que estes são caracterizados pela indeterminação, que resulta em infinitas possibilidades de aventuras complementadas por opções variadas de customização das personagens. 31

Segundo pesquisa do website MMORPG.COM (2007), a maior motivação para jogar além do jogo em si é socializar com os amigos. Essa socialização em grande escala permite que os jogadores formem comunidades virtuais [Rheingold 1988], que podem ser estudadas utilizando-se recursos da análise de redes sociais. Para realizar essa análise é possível utilizar elementos pertencentes à teoria dos grafos e técnicas da ciência da computação, como redes neurais (para a clusterização de atores com o mesmo perfil), álgebra, construção de algoritmos, dentre outras. Tendo em vista o crescimento dos jogos on-line, especificamente jogos MMORPG, que conta com aproximadamente 13 milhões de usuários ao redor do mundo [Woodcock 2008], o presente trabalho propõe a utilização de técnicas de análise de redes sociais e de engenharia de software para estudar as comunidades virtuais de jogadores do World of Warcraft (WoW) jogo de maior popularidade dentre os MMORPGs e coletar dados de maneira automatizada. Tendo em vista que as redes sociais envolvem o estudo de relações entre pessoas, foram desenvolvidos ferramentas para a análise de redes sociais destas comunidades on-line. Com este ferramental é possível identificar elementos-chave, propriedades relevantes da rede, reconhecer padrões de comportamento e perfis, subsídios que permitem a compreensão desse fenômeno por meio de estruturas constituídas por grafos. A partir deste panorama, o presente documento está organizado da seguinte forma: a seção 2 destina-se à construção do referencial teórico pertinente à pesquisa; a seção 3 descreve a metodologia empregada e ferramentas elaboradas para o desenvolvimento da investigação; a seção 4 apresenta os resultados obtidos; e, finalmente, a seção 5 aborda as conclusões e trabalhos futuros. 2. Trabalhos Relacionados 2.1. Comunidades Virtuais e MMORPGs A primeira comunidade on-line surgiu na década de 60, quando Don Bitzer, professor e engenheiro elétrico da Universidade de Illinois, desenvolveu o PLATO (Programed Logic for Automatic Teaching Operations) um sistema que apresentava recursos de e- mail, newsgroup, chat e jogos on-line (que abarcavam 20% do tempo de uso do sistema) como o Avatar, um RPG textual elaborado em 1979 [DeMaria e Wilson 2004]. Alguns anos depois, em 1981, foi lançado o jogo Ultima, precursor dos MMORPGs. Apenas dez anos depois, em 1991, surgiu o primeiro MMORPG gráfico: Neverwinter Nights. Em 1994 a Blizzard lançou Warcraft: Orcs and Humans que teve uma continuação lançada no ano seguinte e denominada de Warcraft II: Tides of Darkness. Outros jogos on-line que adquiriram notoriedade são TIBIA (1997), Everquest (1999), Star Wars Galaxies (2003), Ragnarök Online (2004) e World of Warcraft (2004), sendo este ultimo o MMORPG de maior popularidade na atualidade, contando com 10 milhões de jogadores [Blizzard 2008]. Este foi escolhido como objeto de estudo da presente pesquisa. Em 2007, foi lançada uma expansão do jogo que expandiu o nível de evolução dos personagens, além de apresentar novos elementos no universo do jogo. O WoW se passa no mundo de Azeroth, onde há duas facções opostas: a Horda e a Aliança Cada uma contam com cinco raças distintas. Os servidores do World of Warcraft (WoW) podem ser definidos como PvP (Player versus Player) ou PvE (Player 32

versus Environment). Os servidores PvP são mais populares entre os jogadores interessados em uma experiência mais dinâmica. O ambiente virtual dos jogos eletrônicos, bem como os fóruns de discussão e eventos presenciais, propicia a criação e desenvolvimento de comunidades de jogadores. É relevante ressaltar que o jogo, sendo digital ou não, constitui parte integrante da cultura e evolução humana, e é uma necessidade do ser humano por seu valor expressivo [Huizinga 1971]. Este relaciona-se a uma das principais características do jogo: o faz de conta. A fantasia pertinente aos jogos foi revolucionada pela tecnologia, que instituiu um ambiente gráfico interativo denominado de universo virtual. Este é complementado pelo fluxo da narrativa, que também constitui elemento de destaque em relação à interação e à imersão do jogador. Nos jogos on-line os jogadores precisam interagir entre si para realizar tarefas e/ou concluir objetivos (combater adversários ou NPCs Non-Player Characters, agentes de inteligência artificial). Para facilitar este processo, os jogadores formam guildas (grupos fechados de jogadores também denominados de clãs) e, conseqüentemente, comunidades virtuais de jogadores. Isso os difere dos jogos off-line, onde o jogador atua de forma isolada para atingir os objetivos. Da mesma forma, este tipo de jogo também possui eventos presenciais (para que os jogadores possam se conhecer pessoalmente) e eventos no universo virtual (para união em situações sociais on-line). Essas características fazem dos MMORPGs um espaço privilegiado para o estabelecimento de amizade ou obtenção de companhia, já que não é necessário agendar o contato nem o deslocamento físico [Turkle 1995]. Essa ausência de contato presencial não inviabiliza o estabelecimento de relações com laços fracos que incentivam o compartilhamento de emoções e conhecimentos [Papargyris e Poulymenakou 2004]. Segundo Rheingold (1998), a comunidade virtual constitui um grupo de pessoas que pode (ou não) se encontrar face-a-face e que interage on-line. Essas comunidades são procuradas pelas pessoas com o intuito de estabelecimento de comunicação com amigos, busca de informações ou mesmo compartilhamento de interesses [Koh et al. 2007] e sua diversidade é determinada pela ausência de referencial físico ou imagético dos outros membros (que poderia ocasionar preconceitos). A partir da análise do cenário das comunidades de jogadores on-line pode-se observar que os desafios inerentes ao jogo e mesmo à formação destas comunidades estimulam processos de cooperação competitiva [Lévy 2000]. Cada jogador concorre contra todos os outros para ser o melhor e obter os itens mais relevantes. Contudo, muitas vezes, os concorrentes surgem em grupos e o jogador tem a necessidade se unir a um grupo e estabelecer uma relação de cooperação ao invés de competição. Isso também se deve ao fato de que as profissões no universo do jogo são complementares e o isolamento praticamente termina inviabilizando o desenvolvimento no jogo. Portanto, os jogadores que estabelecem um nível superior de cooperação e maior número de laços deste tipo tornam-se mais evoluídos. Uma abordagem que pode ser utilizada para compreender esse universo é a análise de redes sociais [Ducheneaut e Moore 2004; Ducheneaut et al. 2006], descrita a seguir. 33

2.2. Análise de Redes Sociais A análise de redes sociais é uma área de pesquisa interdisciplinar que investiga formas de relacionamento, padrões e elementos-chave numa determinada comunidade. Esta pode ser formada por pessoas ou constituída por redes de redes de elementos como instituições ou organizações [Wellman 1996], [Wellman et al. 1997], [Molina 2001]. A constituição de uma rede social envolve duas informações: os atores ou elementos (pessoas, grupos, organizações, etc.) e os laços (relação estabelecida entre dois atores; ex.: afetiva, parentesco, afiliação, etc.). Também é possível categorizar o grau de intensidade dos laços de acordo com os pesos atribuídos às ligações, o que determina se estes são fortes ou fracos. No contexto do trabalho, os laços pertinentes às redes sociais são denominados de laços sociais. O conjunto destes atores e laços sociais estabelece uma rede social [Wasserman e Faust 1994]. Para representar graficamente uma rede social usam-se vértices para os atores e arestas para os laços sociais. Como nem sempre existe reciprocidade nas relações entre os atores, o que ocorre no caso dos jogadores on-line, pode ser necessário usar grafos orientados. Da mesma forma, a base da teoria dos grafos permite o cálculo de propriedades relevantes para a realização da análise das redes sociais. Dentre estas destacam-se o grau de recepção (entrada) que determina a popularidade do ator, o grau de emissão (saída) que indica o quanto o ator é comunicativo e a densidade do grafo [Diestel 2000]. A disposição e distância entre os atores na rede também permite a análise do comportamento e características da rede, que envolvem a influência de determinados atores e a capacidade de distribuição de informações, notícias, recursos ou até mesmo a propagação de doenças. 3. Metodologia para coleta e análise de dados A metodologia parte da à análise de redes sociais e à teoria dos grafos foi realizada uma pesquisa por meio da coleta de dados de jogadores do MMORPG World of Warcraft (WoW). Para isso, foi desenvolvido em Java devido à portabilidade e disponibilidade de Frameworks e APIs para essa linguagem um sistema que possui ferramentas destinadas à análise e manipulação de dados. Estes foram combinados à utilização do Pajek, aplicação gratuita e com opções avançadas de visualização de grafos para a construção da e manipulação das redes sociais de dimensões elevadas [Batageli e Mrvar 2005]. Os laços sociais (fortes ou fracos) podem ser formados de maneiras distintas. A realização de uma análise, contudo, requer o estabelecimento dos tipos de relações pertinentes ao universo estudado. Para a presente investigação partiu-se de uma pesquisa anterior que tratava das características pertinentes às relações entre os jogadores de MMORPGs [Rodrigues e Mustaro 2006], o que permitiu a expansão da definição de tipos de laços sociais. Com isso foram definidos os seguintes tipos de laços sociais: laços de nível de experiência da personagem, laços relacionados às inclinações (características e preferências) das personagens, laços pertinentes às guildas, laços de localidade in-game (localização geográfica do jogador no universo virtual do jogo), 34

laços estabelecidos fora do jogo, laços de amizades que migraram de outros jogos e, finalmente, laços determinados por um amigo comum ( amigo de um amigo ). A partir desse arcabouço, a pesquisa se dividiu em duas partes: coleta de dados com uso de questionário em inglês disponibilizado on-line (por um período de dois meses) e por meio de um plug-in para coleta direta do jogo. O primeiro foi desenvolvido em PHP para gerar dinamicamente a interface do formulário e estabelecer a comunicação com o banco de dados, sendo que a maior parte das respostas apresentava menus de seleção de resposta para padronizar as informações. O questionário possuía quatro blocos distintos para coletar informações sobre a personagem, dados pessoais do entrevistado, informações sobre os costumes do jogador e, por último, informações sobre os amigos e os tipos de relações entre os jogadores. Porém, mesmo tendo sido feita uma ampla divulgação em fóruns, listas de discussão e comunidades relevantes no Orkut, somente 69 jogadores responderam. Esse resultado pode sugerir que a falta de colaboração da empresa para a divulgação teria reduzido o grau de credibilidade da investigação, já que atualmente as pessoas receiam problemas de hacking e uso indevido de dados. Para a hospedagem do questionário foram utilizados o servidor Apache/PHP em Linux com banco de dados MySQL 5.0.45-community. Ao acessar a página e selecionar o servidor que usa para jogar, o formulário é gerado dinamicamente. Contudo, a amostragem obtida não foi suficiente para a realização da análise. Por isso, adotou-se outra abordagem, pautada no trabalho de Ducheneaut et al. (2004), cujo princípio é coletar os dados diretamente do ambiente do jogo. A partir disso é possível construir as redes sociais das guildas dos jogadores envolvidos. Para elaborar essa ferramenta de coleta (add-on), que pode ser instalada diretamente no cliente do jogo, foi usada a linguagem Lua. O funcionamento do add-on pauta-se na execução de um comando para obter a lista de jogadores e informações como raça, classe, nível, zona, guilda e apelido para analisar quais jogadores pertencentes a uma determinada guilda estavam na mesma zona no momento da coleta de dados para, então, formar a rede social. Para isso, ao longo de uma semana (no período noturno das 18 às 24 horas) foram utilizados dois clientes do Servidor de PvP Gurubashi, um do lado da Aliança e um do lado da Horda. A opção pela coleta durante a noite neste servidor específico foi porque a análise dos dados coletados com o questionário indicaram ser este o horário e servidor de maior incidência pelos entrevistados. A análise dos dados coletados foi feita com um projeto desenvolvido em Java, que além da gratuidade possui portabilidade [Hostman e Cornell 2001], [Sierra e Bates 2006]. Este agregou ainda o framework Spring [Spring 2008], [Harrop e Machacek 2005], [Tate e Gahtland 2005] e a tecnologia Hibernate [Hibernate 2008], [Harrop e Machacek 2005]. A partir disso foi realizado um parse dos arquivos para que os dados pudessem ser filtrados e inseridos no banco de dados. Foram armazenados dados individuais dos jogadores (ID, apelido, nível, classe, raça, guilda, lado Horda ou Aliança e último horário encontrado, para uso no algoritmo de localização das relações), as relações encontradas (tratadas para filtrar repetições), a intensidade destas (determinada por quantas vezes a relação foi encontrada entre dois atores) e os graus de entrada e saída de cada um dos jogadores. 35

Assim, a cada jogador inserido na base de dados, é realizada uma busca para verificar os jogadores da mesma guilda naquele exato momento. Desta forma, uma relação é estabelecida e é feita a persistência entre eles e realizar a persistência no banco de dados. Caso a relação já exista, a intensidade é incrementada. Esse processo é realizado para todos os jogadores e zonas encontradas no arquivo coletado. Após esta etapa é possível fazer uma análise estatística dos dados diretamente no banco de dados ou exportar (por meio de uma classe da aplicação). Os elementos para o formato de leitura de arquivos do Pajek. Paras facilitar a visualização da elevada massa de dados foram empregadas cores nos vértices e arestas, o que permitiu diferenciar os jogadores e as relações. As cores dos vértices são determinadas pela classe dos personagens (Tabela 1). As arestas apresentam espessuras e cores relacionadas à intensidade da relação estabelecida (sendo a cor preta a relação de intensidade 1 e daí em diante segue uma gradação de cores frias para cores quentes, sendo que estas últimas representam a expressão de maior intensidade). Tabela 1. Cores dos Vértices por Classe de Personagem Classe Nome da Cor Cor no Pajek Classe Nome da Cor Cor no Pajek Rogue Amarelo Shaman Azul escuro Warlock Roxo Paladin Violeta Warrior Verde Escuro Druid Laranja Mage Azul claro Priest Branco Hunter Verde claro Porém, o elevado volume de dados das redes geradas dificultou uma análise detalhada destas como um todo. Assim, optou-se então por analisar individualmente as guildas que apresentaram maior número de relações. Para isso foi desenvolvido um algoritmo que filtra as relações pertencentes a uma determinada guilda e as exporta para gerar a rede social (seguindo a mesma estrutura de cores e espessuras explicadas anteriormente). Essa aplicação ainda gera um relatório com as informações dos jogadores da guilda em questão, seus graus de entrada e saída, a média de entrada e saída e a densidade da rede. 4. Resultados Obtidos Conforme colocado no item anterior, o volume de dados implicou numa redução da amostra para a análise tendo como preceito a análise das guildas que apresentaram maior número de relações, ou seja, das guildas mais sociáveis. Assim, foram selecionadas as guildas com relações com representação acima de 1% do universo total, o que resultou em 21 guildas. Para permitir uma comparação também foram analisadas as duas guildas que se apresentaram menos sociáveis. Para complementar essa abordagem ainda foi considerada a colocação das guildas escolhidas na listagem do servidor Gurubashi [Wowjutsu.com 2008] e também foram analisadas as cinco melhores colocações. Com esses elementos foi feita uma normalização das informações para a seleção das guildas para a análise. A seguir são apresentados os resultados mais significativos encontrados ao longo da análise da amostra reduzida. A guilda Ultimato, pertencente ao lado da Aliança, encontrava-se no 13º lugar na listagem na época em que a pesquisa foi desenvolvida e contava com 109 jogadores, 941 relações, média de 17,26606 e densidade de 0,159871. Esta guilda destacou-se por 36

apresentar a posição mais elevada na listagem dentre as guildas sociáveis e ser a terceira com maior número de relações entre seus membros (Figura 1). Figura 1. Rede Social da Guilda Ultimato Dentre os jogadores desta guilda, é possível destacar que quatro dos mais populares da rede apresentam grau acima de 50 e um com grau maior que 55. Jogadores sem relações (isolados) contabilizam apenas 17,43%. A maioria dos jogadores, 78,90%, encontram-se no nível 70, ou seja, no nível máximo. Ainda é relevante destacar a distribuição estratégica dos jogadores e a predominância de jogadores de classes fundamentais. Para complementar essa análise, foi feita uma comparação com a guilda que ocupava o 1º lugar na listagem do lado da Aliança: a guilda Examinus (Figura 2), que possuía 77 jogadores, 443 relações, média de 11,50694 e densidade de 0,151401. Figura 2. Rede Social da Guilda Examinus Esta guilda possui uma percentagem menor de jogadores sem relação (15,58%) e uma maior (89,61%) de jogadores no nível máximo se comparada com a guilda Ultimato. Contudo, o grau mais elevado foi de 37. Como no caso anterior a classe predominante é fundamental. Percebe-se que apesar do grau ser razoavelmente inferior (diferença de 32% menor) grau de sociabilidade como a guilda possui mais jogadores com nível 70 e menos jogadores sem relações isso possibilitou que ela atingisse o 1º lugar na listagem do lado da Aliança. Da mesma forma, a guilda Examinus foi comparada à guilda Extremus Vis, do lado da Aliança, que, dentre as guildas mais sociáveis foi a que apresentou o maior número de relações (1183) e a maior média (22,32075), sendo que contava com 106 jogadores e densidade de 0,212579 (Figura 3). 37

Figura 3. Rede Social da Guilda Extremus Vis Na guilda Extremus Vis foi encontrado o maior grau de entrada/saída (60). Outro dado relevante é que esta guilda apresentou somente 8,49% de isolamento (jogadores sem ligação), resultado expressivo se comparados às duas guildas anteriores. Em relação à percentagem de jogadores com nível máximo (79,3%), o resultado é semelhante ao da guilda Ultimato. Cabe aqui ressaltar que o reduzido isolamento dos jogadores pode indicar uma maior coesão do grupo e maior relação entre os membros, o que justificaria o grau de entrada/saída encontrado. Finalmente, pode-se ainda colocar que dados semelhantes aos anteriores foram encontrados na guilda Man Bites Dog, do lado da Horda, que ocupava a 17ª posição e apresentava o maior número de jogadores (164). Esta guilda tinha 807 relações, média de 9,841463 e uma densidade (0,060377) relativamente inferior às redes precedentes (Figura 4). Figura 3. Rede Social da Guilda Man Bites Dog Esta guilda possui 90,24% jogadores no nível máximo do jogo, 15,85% de jogadores isolados e o jogador de maior popularidade possuía grau 56. Diferentemente das precedentes, nesta guilda o jogador no nível mais baixo encontrava no nível 20 (ao passo que nas guildas Examinus e Extremus Vis o menor nível era 1 e na Ultimato era 9). Esse dado pode sugerir que isso equilibraria a guilda de maneira a tornar seu comportamento semelhante ao de guildas com um número relativamente inferior de jogadores, ou seja, a expertise dos membros permitiria a ampliação da rede sem a redução da performance ou mudança em relação à popularidade. 38

5. Conclusões e Trabalhos Futuros A análise das redes sociais resultantes da coleta de dados das guildas permitiu verificar que existe uma relação inversamente proporcional entre o tamanho da guilda e sua densidade, ou seja, quanto menor a guilda mais densidade ela apresenta. Isso pode ser explicado pelo estabelecimento de uma relação mais próxima entre os membros que ao se conhecerem melhor ao jogar juntos apresentam uma performance mais elevada. Da mesma forma, é relevante destacar que as guildas que ocupam as melhores posições na listagem das guildas do servidor Gurubashi possuem um maior número de jogadores com nível máximo. A explicação para este fato reside em que as aventuras que contabilizam pontos e oferecem itens que permitem posicionar a guilda na listagem encontram-se disponíveis somente para jogadores do nível 70 (máximo). Ainda deve-se ressaltar que as guildas bem sucedidas apresentam um balanceamento entre as classes de jogadores, o que torna o grupo mais completo para realizar as aventuras no universo virtual do MMORPG. Como trabalhos futuros, pode-se apontar o desenvolvimento de outras ferramentas de análise para complementar as aplicações desenvolvidas para a coleta automatizada e análise de dados em jogos de MMORPG. Isso envolve a construção de programas pautados no uso de redes neurais e de algoritmos genéticos, o que permitirá clusterizar dados para a construção de perfis e mesmo simular cenários com alterações de variáveis para verificar uma solução otimizada. Essas ferramentas podem ser utilizadas não só para compreender o universo desses jogos, como colaborar para seu desenvolvimento e para campanhas de marketing direcionadas a públicos específicos. Referências Batageli, V. e Mrvar, A. (2008), Pajek. Program for Analysis and Visualization of Large Networks. Reference Manual version 1.22. Networks/Pajek, http://vlado.fmf.unilj.si/pub/networks/pajek/doc/pajekman.pdf, Abril. Blizzard Entertainment Press Release. (2008), WORLD OF WARCRAFT REACHES NEW MILESTONE: 10 MILLION SUBSCRIBERS, http://www.blizzard.com/us/press/080122.html, Maio. DeMaria, R. e Wilson, J. L. (2004), High Score!: The Illustrated History of Electronic Games, McGraw-Hill/Osborne, Emeryville. Diestel, R. (2000), Graph Theory. Graduate Texts in Mathematics. 2 nd ed., Springer- Verlag, New York. Ducheneaut, N. e Morre, R. J. (2004) The Social Side of Gaming: A Study of Interaction Patterns in a Massively Multiplayer Online Game, Proceedings of CSCW 04, ACM Press, p. 360-369. Ducheneaut, N., Yee, N., Nickell, E. e Moore, R. J. (2006) Alone Together? Exploring the Social Dynamics of Massively Multiplayer Online Games, Conference on Human Factors in Computing Systems, Proceedings of the SIGCHI conference on Human Factors in computing systems, p. 407-416. Harrop, R. e Machacek, J. (2005), Pro Spring, Springer-Verlag, New York. Hibernate. (2008), hibernate.org, http://www.hibernate.org/, Maio. 39

Horstmann, C. S. e Cornell, G. (2001), Core Java 2, Sun Microsystems Press, Palo Alto. Huizinga, J. (1971), Homo ludens: o jogo como elemento da cultura, Perspectiva, São Paulo. Koh J., Kim, Y., Butler, B. e Bock, G. (2007) Encouraging Participation in Virtual Communities, Communications of the ACM, vol. 50, n. 2, p. 68-73. Lévy, P. (2000), A Conexão Planetária, Editora 34, São Paulo. MMORPG.COM. (2007), Features - Polls - Aside from questing, what do you spend most of your time doing in-game?, http://mmorpg.com/features.cfm/view/polls, Julho. Molina, J. L. (2001), El análisis de redes sociales: una introducción, Edicions Bellaterra, Barcelona. Papargyris, A. e Poulymenakou, A. (2004), Learning to Fly in Persistent Digital Worlds: The Case of Massively Multiplayer Online Role Playing Games, Athens University of Economics and Business. Rheingold, H. (1988), The Virtual Community, http://www.rheingold.com/vc/book/, Março. Rodrigues, L. C. e Mustaro, P. N. (2006) Levantamento de características referentes à análise de redes sociais nas comunidades virtuais brasileiras de jogos on-line, Digital Proceedings of the V Brazilian Symposium on Computer Games and Digital Entertainment, http://www.cin.ufpe.br/~sbgames/proceedings/aprovados/23629.pdf, Novembro. Spring Framework (2008), Springframework.org, http://www.springframework.org, Maio. Sierra, K. e Bates, B. (2006), Sun Certified Programmer for Java 5 Study Guide, McGrawHill Osborne, Emeryville. Tate, B. A. e Gehtland, J. (2005), Spring: A Developer s Notebook, O Reilly Media, Inc., Sebastopol. Turkle, S. (1995), O Segundo Eu. Presença, Lisboa. Wasserman, S. e Faust, K. (1994), Social network analysis: methods and applications, Cambridge University Press, Cambridge. Wellman, B. (1996) For a Social Network Analysis of Computer Networks: A Sociological Perspective on Collaborative Work and Virtual Community, In: Proceedings of SIGCPR/SIGMIS, ACM Press. Wellman, B., Garton, L. e Haythornthwaite, C. (1997) Studying Online Social Networks, Jornal of Computer-Mediated Communication, 3(1), http://www.ascusc.org/jcmc/vol3/issue1/garton.html, Junho. Woodcock, B. S. An Analysis of MMOG Subscription Growth. 2008. http://www.mmogchart.com/downloads/ Wowjutsu.com. (2008), WowJutsu: World of Warcraft Guild Rankings: Gurubashi, http://www.wowjutsu.com, Maio. 40