VÍTIMA DE ACIDENTE DE VIAÇÃO: O dilema vivido por Alda Maxaieie

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Página da Mulher VÍTIMA DE ACIDENTE DE VIAÇÃO: O dilema vivido por Alda Maxaieie 18 Novembro 2016, EVELINA MUCHANGA QUANDO Alda Maxaieie, 50 anos, saiu de casa naquela manhã de 13 de Fevereiro de 2012 com destino ao seu local de trabalho longe podia imaginar que aquela viagem mudaria a sua vida. Num acidente de viação, perdeu a perna esquerda. Meses depois foi abandonada pelo marido. Hoje enfrenta dificuldades para garantir alimentos aos seus filhos menores de idade. Era por volta das 6.00 horas quando tudo aconteceu. A viatura que nela seguia, na altura conduzida pelo marido, embateu-se frontalmente com uma outra que lhes cortou prioridade. Não houve mortes no local, mas os danos causados no organismo e na vida dos envolvidos mantêmse até hoje.

Fiquei internada no Hospital Central de Maputo. Foi difícil aceitar que já não tenho perna. Até hoje sofro por causa disso. Sofro mais ainda por ter sido abandonada pelo meu marido e por não poder fazer muito para alimentar as crianças (12 e 10 anos), lamentou. Sem um dos membros inferiores, Alda já não podia continuar a trabalhar como doméstica. Foi meter queixa no tribunal para chamar à responsabilidade do marido para dar alimentos aos menores. A ideia resultou por um ano (2014-2015), até que o progenitor das crianças perdeu emprego. Ele foi indemnizado, contudo nada deu aos seus filhos. Recorri ao tribunal e até hoje aguardo pela decisão final. As crianças passam dificuldades. Para conseguir pastas e material escolar dependem da boa vontade de algumas pessoas que as oferecem, emocionou-se. O caso de Alda não é isolado na sociedade moçambicana. Alexandre Nhampossa, presidente da Associação Moçambicana para as Vítimas de Acidentes de Viação (AMVIRO), fez saber que na agremiação que dirige há outras vítimas de acidentes de viação com outros perfis de dificuldades. Dados do Instituto Nacional dos Transportes Terrestres (INATEER) apontam que nos últimos dez anos Moçambique perdeu cerca de 17 mil pessoas vítimas de um pouco mais de 41 mil acidentes de viação registados em diferentes pontos do país. Para além das mortes, no mesmo período ficaram feridas com gravidade cerca de 32 mil pessoas. Perante esta situação, Alexandre Nhampossa sugere um processo de socialização para a mobilidade das comunidades bem como uma fiscalização e vigilância permanente nas estradas, tendo em conta o aumento do parque automóvel bem como o nível de infra-estruturas rodoviárias que o país possui actualmente.

O drama de perder um órgão TER acompanhamento e apoio da família é fundamental para quem tem alguma deficiência quer nata, quer adquirida. O psicólogo Alexandre Nhampossa fez saber que um dos grandes desafios que enfrentam as pessoas que viveram uma situação traumática como um acidente violento que culminou com a amputação ou invalidez de um dos órgãos do organismo é o de ter que vencer esse trauma e aceitar a condição na qual devem passar a viver. Para tal, segundo a fonte, o apoio da família é essencial, pois pode contribuir na superação do trauma que é característico entre as vítimas de acidentes de viação. Especialistas em Psicologia apontam ainda que um outro problema que algumas pessoas sentem quando lhes é amputado um dos membros é chamado Síndrome de Dor Fantasma. A psicóloga clínica Andrea Silva explica que a pessoa sente a sensação de dor e de que aquele membro que foi amputado ainda existe. Esta sensação não acontece em todos os pacientes. Alguns sentem e outros não, disse a psicóloga, alegando que para o caso dela, que também foi vítima de acidente de viação que a deixou paraplégica, teve acompanhamento de especialistas de dor para prevenir que venha a sentir este efeito. Explicou que desde que sofreu um acidente de carro há três anos a sua vida mudou. Contudo, procura ser positiva e independente. Concluiu a sua formação, faz as actividades de casa, embora com alguma limitação, passeia com os seus amigos.

Tenho a minha auto-estima e apoio incondicional dos meus pais e da minha família. Isto é fundamental para que as pessoas na minha condição recuperem, observou Andrea Silva. Quando o apoio faz a diferença ALDA Maxaieie não teve a mesma sorte. Quando mais precisou do apoio do marido este não esteve por perto. Começou por levar três calças, alegando que ia ajustá-las porque estava mais magro devido ao acidente. Meses depois abandonou-nos. Passam quatro anos que ele não visita os filhos, lamentou. Todavia, esta mulher teve sempre alguém por perto: os filhos que a ajudam nas tarefas de casa, os familiares do marido, os vizinhos e seus ex-patrões. Os meus patrões construíram-me capoeiras com capacidade para criar 200 frangos. Ofereceramme 15 mil meticais para iniciar o negócio. Já não passava dificuldades para alimentar as crianças e cuidar da minha saúde, disse. Contudo, com a vaga de calor que se fez sentir nos últimos tempos Alda perdeu mais de uma centena de pintos e o negócio começou a declinar. Aguentou-se até um certo ponto. Contudo, já não consegue criar frangos suficientes para alimentar a família. O preço da ração subiu muito. Só para criar 100 frangos precisa de pelo menos sete sacos de ração, o que não consegue. Para além dos frangos Alda faz e vende gelo doce. Compra e revende recargas de celular mas tudo em quantidades muito reduzidas porque faltam-lhe fundos para reactivar o negócio de frangos.

Tenho vontade de trabalhar mas não consigo. As minhas muletas, que eram o meu suporte na caminhada, quebraram. Dependo de terceiros para me comprarem os produtos para a revenda e a ração para os poucos pintos que sobraram, disse, pedindo ajuda em ração para alimentar os pintos. A fonte queixa-se ainda de não poder comprar o equipamento que o filho mais novo necessita para participar em treinos de basquetebol, seu maior dom. O treinador disse-me que ele é melhor em campo, mas precisa de equipamento adequado para continuar com os treinos. Dói-me tanto não poder comprar equipamento. Há dias que ele não treina porque não tem sapatilhas, queixou-se a fonte, lembrando os tempos em que ainda andava sem dificuldades, em que conseguia dar um pouco de tudo aos seus filhos. A queixa do marido A TRISTEZA de Alda não termina por aqui. Contou-nos que há dias apareceu em sua casa o marido e um oficial do tribunal para fazer a levantamento de todos os bens que a família possui, incluindo a casa. É que, segundo disse, o marido, passados anos depois de abandonar a família, foi ao tribunal queixar de ter sido expulso de casa pela mulher e que exigia a divisão dos bens. Fiquei abalada devido à atitude do meu marido. Ele encontrou-me a viver aqui. É claro que me ajudou a construir o muro e parte da casa. Ele fez o levantamento de tudo o que temos, até alguns bens que comprei antes de viver com ele. Não sei o que quer de mim. Estou preocupada em garantir alimentos para as crianças e ele pensa na divisão de bens, lamentou.

Todavia, Alexandre Nhampossa, presidente da AMVIRO, fez saber que a associação que dirige está a prestar assistência à Aida naquilo que for possível. Até aqui esta mulher vive na incerteza de um dia vir a perder a casa, caso o juiz decida pela divisão dos bens, conforme pretende o marido. Foram 12 anos de convivência, cujo fim foi precipitado por um acidente de viação que culminou com a amputação da perna de Alda Maxaieie. O desafio para a Saúde O REGISTO cada vez mais maior de acidentes de viação nas estradas do nosso país está a colocar novos desafios às autoridades da Saúde, que sentem a necessidade de aumentar cada vez mais especialistas para responder de forma adequada e flexível a casos de sinistros. Há dias realizou-se na cidade de Maputo o V Observatório de Recursos Humanos para a Saúde em Moçambique, um fórum que serve para promover a colaboração, mecanismos de cooperação e transferência de conhecimentos a nível nacional e internacional. Na ocasião, Martinho Djedje, inspector-geral do Ministério da Saúde (MISAU), admitiu que os acidentes de viação têm sido das principais causas do trauma no Serviço Nacional de Saúde, havendo a necessidade da existência de categorias profissionais especializadas, tais como paramédicos, reanimadores, anestesistas, para responder prontamente a esta situação. Para dar resposta a situações de acidentes de viação e outros problemas de carecem de urgência médica o Governo criou num passado recente o Serviço Nacional de Emergências Médicas.

Contudo, segundo Norton Pinto, director nacional-adjunto de Recursos Humanos do MISAU, para que estes serviços funcionem é necessário que haja técnicos especializados, tais como paramédicos, que o país ainda tem em número insuficiente. Avançou, no entanto, que esforços estão sendo feitos para a formação de profissionais da Saúde especializados em diferentes áreas dentro e fora do país. Espera-se que até 2025 Moçambique tenha 64 mil profissionais de saúde, contra os actuais 50 mil. http://www.jornalnoticias.co.mz/index.php/pagina-da-mulher/62322-vitima-de-acidente-de-viacao-o-dilemavivido-por-alda-maxaieie.html