Reportagem. Seminário Internacional reúne 2,3 mil pessoas para discutirem Agroecologia. Brixius, Leandro *



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Transcrição:

Seminário Internacional reúne 2,3 mil pessoas para discutirem Agroecologia Brixius, Leandro * A troca de experiências e o debate sobre os avanços da Agroecologia no mundo foram os principais destaques do II Seminário Internacional sobre Agroecologia, realizado de 26 a 28 de novembro, em Porto Alegre/RS. O seminário, que foi coordenado pela EMATER/RS - ASCAR, faz parte das ações da Secretaria de Agricultura e Abastecimento na execução da prioridade dada pelo Governo do Estado ao tema da Agroecologia e do Desenvolvimento Rural Sustentável. O evento reuniu mais de 2,3 mil * Colaboraram na Reportagem Alciane Baccin, Ângela Felippi, Carine Massierer, Helena Boucinha, Patrícia Kolling, Raquel Aguiar e Vanessa Almeida pessoas e uniu agricultores, técnicos, líderes comunitários, estudantes, professores e pesquisadores de 13 países e 17 Estados brasileiros. Eles comemoraram os resultados que estão sendo obtidos no Rio Grande do Sul com o crescimento da agricultura de base ecológica, que está sendo adotada por milhares de agricultores. Também se comprometeram a buscar um desenvolvimento rural mais sustentável, ecologicamente sadio e socialmente justo, como foi expressado numa carta de intenções (veja ao final Carta Agroecológica). A edição deste ano do Seminário Internacional de Agroecologia veio com o tema O saber ambiental reconduzindo a humanidade para um mundo melhor. Seguindo essa proposta, os painelistas e o público debateram sobre práticas agrícolas orientadas à preservação dos recursos naturais e como gerar novos hábitos na população. O debate levou em conta experiências e projetos de desenvolvimento rural de caráter prático, sem deixar de lado a reflexão das motivações e implicações teóricas. Em oito temas diferentes, os 50 pales- 11

12 trantes falaram sobre desenvolvimento rural, transição para agroecossistemas sustentáveis, saber ambiental, pesquisa, formação profissional, produção, consumo e ética. Políticas públicas e desenvolvimento O atual modelo de desenvolvimento é completamente insustentável, tanto do ponto de vista ambiental, como do social e econômico, afirmaram os representantes do governo do Estado que participaram da abertura do evento. Segundo eles, é necessário reconstruir a cidadania com inclusão social, resgatar e valorizar o saber e a cultura popular, produzir sem degradar o meio ambiente e realizar uma justa distribuição de renda. As políticas públicas para o setor agropecuário no Rio Grande do Sul caminham nesse sentido, enfatizaram as lideranças. O economista francês Ignacy Sachs falou sobre desenvolvimento rural no Brasil. Segundo referiu, qualquer política de desenvolvimento que pretenda ser sustentável deve ter como peça-chave a agricultura familiar. "O país pode partir para um novo ciclo de desenvolvimento tendo por base a agricultura familiar", salientou o economista. (Veja mais na seção Entrevista) Saber ambiental e lógica camponesa O desenvolvimento rural também foi abordado pelo professor da Universidade Nacional Autônoma do México Víctor Manuel Toledo, que destacou a importância dos movimentos sociais que existem hoje por serem encabeçados por atores que têm uma nova consciência de mundo. Exemplo disso é a experiência de um novo modelo de agricultura que vem sendo desenvolvida no Rio Grande do Sul. "Os olhos do mundo estão voltados para o Rio Grande do Sul. Vocês estão lançando a semente de uma modernidade diferente, caminho este para uma sociedade sustentável", enfatizou. Na palestra sobre os saberes locais e a sustentabilidade, Toledo defendeu que o conhecimento local está vinculado à produção de subsistência e para o mercado. "Devemos buscar no conhecimento local a produção para o mercado, sem deixar a produção de subsistência para garantir uma agricultura que possa se dizer sustentável". Para o coordenador do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, Enrique Leff, a Agroecologia representa o nascimento de um paradigma, que é a "alma" da produção sustentável, um processo que permite o resgate dos conhecimentos próprios e o renascimento do ser. "A Agroecologia nos traz de volta as relações com os seres humanos, e o produtor cria, através de seu conhecimento, o seu próprio saber-fazer, numa relação com a vida e com a terra", evidencia. Transição A necessidade de estudo de alternativas de conversão para uma das maiores culturas do planeta - o arroz - foi o projeto apresentado na palestra do professor de Agroecologia da Universidade da Califórnia, Stephen Gliessman. Citando o exemplo da China, onde o cereal está completamente integrado na complexidade de elementos do sistema cultural, demonstrou que problemas como os baixos preços pagos aos produtores, os altos custos de insumos e a difícil manutenção dos níveis de produção, além da baixa qualidade de solo e água, geram atualmente menos resistência por parte dos sistemas de grande escala para a adoção da Agroecologia. "Os agricultores estão vendo que o sistema de grande escala não está funcionando nem ecologicamente, nem economicamente e menos ainda do ponto de vista social ", observou. O ecologista da Fundação Gaia/RS José Lutzenberger também criticou a agricultura moderna e apontou alternativas através da chamada agricultura regenerativa, que visa a recuperar o que foi destruído, refazer a fertilidade do solo e a diversidade biológica. Para ele, a agricultura dita moderna desapropriou

o agricultor, que virou um "espalhador de veneno, um tratorista", uma vez que tiraram dele as atividades que lhe davam segurança. Reforma agrária "A reforma agrária precisa vir acompanhada de políticas macroeconômicas nacionais que fortaleçam a rentabilidade da agricultura, assim como por tecnologias apropriadas para a pequena propriedade fornecidas pela Agroecologia", defendeu o agroecologista Peter Rosset, representante da FoodFirst, uma ONG americana que atua na América Latina, África e Ásia, estudando as causas da fome e sua solução. Uma pesquisa recente realizada pela instituição em 20 países indica que as pequenas propriedades produzem por hectare entre 100 a 1000% a mais do que a produção total das grandes propriedades. "As razões para que se faça a reforma agrária vão desde as questões moral e ética, até o desenvolvimento econômico nacional de um país", explicou Rosset. Comercialização Uma das dificuldades enfrentadas hoje pelo agricultor ecológico é com a distribuição e comercialização do seu produto. Esse assunto foi discutido dentro do tema Enfoque agroecológico: da produção ao consumo. A grande preocupação levantada pelos palestrantes foi com as relações comerciais do mercado para a agricultura ecológica e a necessidade de criar canais de comercialização da produção mais justos, tanto para o produtor como para o consumidor. "Somente de forma participativa e organizada o pequeno produtor poderá gerar uma outra lógica de mercado, onde surja um modelo de desenvolvimento que resulte em uma economia socialmente mais justa, democrática e participativa", disse a Irmã Lourdes Deel, coordenadora do Projeto Esperança, da Diocese de Santa Maria/RS. No mesmo sentido, Sérgio Kapron, da Secretaria do Desenvolvimento e dos Assuntos Internacionais do Estado, destacou a importância das cooperativas como alternativa para o pequeno produtor enfrentar problemas de produção e comercialização. Segundo ele, "é preciso evitar que o valor da produção do alimento vá parar nas mãos dos atravessadores, deve ficar entre os trabalhadores e as organizações". Indicadores de sustentabilidade Conservação de solo e indicadores de sustentabilidade foram os principais temas em pauta no grupo que tratou do manejo ecológico de sistemas de produção durante, o Seminário. Para Clara Nicholls, da Universidade da Califórnia (EUA), os indicadores de susten- 13

14 tabilidade precisam ser de fácil interpretação e com capacidade de integrar aspectos físicos, químicos e biológicos. Segundo ela, uma metodologia para o estabelecimento de indicadores deve ser baseada na comparação entre os níveis mínimos e reais de cada localidade, com análise da qualidade do solo e da saúde dos cultivos, que influenciam diretamente na sustentabilidade da produção. Já para Philip Woodhouse, da Universidade de Manchester (Inglaterra), selecionar indicadores é definir prioridades políticas, envolvendo critérios de conservação e biodiversidade, entre outros. Humberto Sório, da Universidade de Passo Fundo (RS), trouxe experiências positivas no manejo do gado leiteiro garantindo a conservação do solo, através do Pastoreio Voisin. No seu depoimento, o agricultor Renácio Eckerdt, que realiza o pastoreio há dois anos, afirmou que a produção aumentou em 42%, o custo caiu em 27% e a renda líquida aumentou em 9%. Os técnicos da Emater/RS Jorge Lunardi e Dario Germano apresentaram o sistema de pastoreio rotativo e a importância da fitoterapia animal para a sustentabilidade da propriedade. Outra experiência positiva de mudança de sistema de manejo foi apresentada por Jaime Morales Hernandez, que relatou como se desenvolve a Rede de Alternativas Sustentáveis Agropecuárias, no Estado de Jalisco, no México. Em funcionamento há dois anos, o trabalho é fortalecido através da intensa troca de experiências, difusão de conhecimentos, educação popular e investigação participativa. Formação profissional A incorporação do enfoque agroecológico nas instituições de educação agrícola foi um dos principais assuntos debatidos pelos integrantes do auditório que abordou o tema Formação Profissional e Currículo. A principal preocupação demonstrada pelos palestrantes foi a formação profissional atual, voltada para um modelo agrícola produtivista, que tem como base o uso intensivo de agroquímicos. O professor da Universidade de La Plata, na Argentina, Santiago Sarandón, disse que o quadro atual apresenta poucas universidades incorporando a Agroecologia em seus currículos. O maior desafio é a formação de profissionais com óticas diferenciadas, por isso se deve buscar maior solidez no conhecimento das ciências básicas e aplicadas com sentido ecológico e social, com visão sistêmica e holística e se voltar para o desenvolvimento rural sustentável, disse. Recursos para pesquisa "É necessário criar políticas agrícolas, através do associativismo dos produtores e de redes de comercialização solidária, para que a Agroecologia funcione", indicou o professor e pesquisador da Universidade da Califórnia/ EUA, Miguel Altieri, na palestra Desafios pendentes na investigação em Agroecologia. Para Altieri, a transição para o sistema de produção agroecológico é gradual. "O passo fundamental é a capacitação massiva de pesquisadores e extensionistas. O segundo passo, é o enfoque agroecológico das políticas agrícolas, complementado pelo desenvolvimento de processos participativos na transição tecnológica junto com os agricultores", ressaltou. Ainda é importante que se façam estudos de casos, para saber como os sistemas funcionam, pois hoje apenas 50% destas experiências estão sistematizadas, revelou o pesquisador. O professor e pesquisador do Instituto de Sociologia e Estudos Campesinos da Universidade de Córdoba/Espanha, Eduardo Sevilla Guzmán, tratou da perspectiva sociológica na sistematização dos métodos e técnicas em Agroecologia. Para Sevilla, a Agroecologia é um movimento social que busca a criação de uma sociedade sustentável, com uma lógica e uma realidade diferente da do lucro, que existe hoje. "A ciência convencional nunca ofereceu participação aos agentes envolvidos no processo, os agricultores", salientou o pesquisador. A

Carta Agroecológica 2001 Um outro desenvolvimento rural é possível Os 2.320 participantes do II Seminário Internacional sobre Agroecologia, III Seminário Estadual sobre Agroecologia e III Encontro Nacional sobre Pesquisa em Agroecologia, reunidos em Porto Alegre de 26 a 28 de novembro de 2001, se integram ao esforço mundial de construção de alternativas de sustentabilidade social, econômica e ambiental ao modelo urbano-industrial e agrícola dominante. Considerando que é possível um outro desenvolvimento rural, ecologicamente sadio e socialmente justo, recomendam: 1- Que a diversidade dos saberes ambientais locais e as práticas tradicionais sejam respeitadas, consideradas e incorporadas, via processos participativos, na construção de uma racionalidade ambiental como fundamento de um desenvolvimento rural sustentável; 2- Que os acordos e tratados internacionais de comércio dêem ênfase aos mercados locais e tenham como referência central a importância econômica, social e cultural da Agricultura Familiar na consolidação de um desenvolvimento rural sustentável fundado na capacidade de autogestão e co-gestão das comunidades rurais; 3- Que o sistema de comércio garanta e estimule formas de produção e consumo ecológico, popular e solidário, em nível local e regional; 4- Que as políticas internacionais se subordinem à sustentabilidade socioambiental e econômica, respeitando o direito à soberania e segurança alimentar dos povos; 5- Que seja implementada uma moratória ao cultivo e consumo de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) visando a evitar o controle do sistema alimentar por empresas multinacionais; 6- Que seja implementado um conjunto de políticas públicas centradas na Agricultura Familiar e nos processos de transição agroecológica, com participação dos agricultores e suas organizações; 7- Que a propriedade da terra esteja subordinada à justiça social, às necessidades e às culturas dos povos, à eliminação da fome e da pobreza e ao desenvolvimento econômico e social dos trabalhadores; 8- Que as instituições de pesquisa, ensino e extensão, em parceria com ONGs, Universidades e Organizações de agricultores, incorporem, validem e democratizem os conhecimentos sobre Agroecologia dentro da sua esfera de atuação; 9- Que prevaleçam os princípios éticos que contemplem, ao mesmo tempo, a eqüidade social e o interesse público dos bens ambientais, e que não se subordinem à lógica da valoração econômica da natureza e da exclusão social; 10- Que todos os que apóiam esta Carta se responsabilizem pelo desenvolvimento, implementação e multiplicação de iniciativas que criem as condições para a consolidação de um desenvolvimento rural que seja social, econômico e ambientalmente sustentável. Porto Alegre, 28 de novembro de 2001. 15