Resistência de união do adesivo à dentina de dentes decíduos submetidos a dois métodos de remoção químico-mecânica da cárie



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Transcrição:

Resistência de união do adesivo à dentina de dentes decíduos submetidos a dois métodos de remoção químico-mecânica da cárie Microtensile bond strength of deciduous tooth submitted to different caries removal methods Daniel Demétrio Faustino-Silva * Vicente Castelo Branco Leitune ** Fabrício Mezzomo Collares *** Márcia Cançado Figueiredo **** Susana Maria Werner Samuel ***** O objetivo do presente estudo foi avaliar a resistência de união do adesivo à dentina de dentes decíduos após a remoção químico-mecânica da cárie com Papacárie e Carisolv e compará-la com o método convencional de remoção com brocas. Trata-se de um ensaio in vitro, cuja amostra foi composta por 15 dentes decíduos cariados esfoliados divididos nos seguintes grupos: Papacárie remoção químico-mecânica da cárie com Papacárie ; Carisolv remoção químico-mecânica da cárie com Carisolv gel multimix; Controle remoção mecânica da cárie com brocas esféricas de aço em baixa rotação. Todos os dentes foram restaurados com resina composta Z 100 e armazenados em água destilada a 37 C por 24h. Os testes de microtração foram realizados com palitos com 0,5 mm 2 de área adesiva numa máquina de ensaio universal Emic DL-2000, na velocidade de 1 mm/min. Os resultados foram submetidos à análise de variância (Anova) e ao teste de Tukey, com um nível de significância de 5%. Os valores médios da resistência de união dos grupos Papacárie e Carisolv não mostraram diferença estatisticamente significativa (p = 0,98). No entanto, o grupo de controle, no qual a remoção da cárie foi realizada com o método convencional com brocas foi maior, sendo essa diferença estatisticamente significativa quando comparada ao grupo Papacárie (p < 0,001) e Carisolv (p < 0,001). Concluise que os métodos de remoção químico-mecânica da cárie, Papacárie e Carisolv comportaram-se de maneira semelhante e ambos levaram a uma menor resistência de união do adesivo à dentina do que quando realizada a remoção mecânica com brocas. Palavras-chave: Cárie dentária. Dente decíduo. Resistência à microtração. Carisolv. Papacárie. Introdução A abordagem terapêutica mais utilizada para a cárie dentária é a que envolve a remoção mecânica da dentina e esmalte cariados com o uso de brocas em alta e/ou baixa rotação. A remoção mecânica pode ser desagradável para o paciente e muitas vezes o procedimento se torna problemático, podendo ocasionar trauma psicológico que dificulta as consultas, principalmente com crianças. Três fatores são apontados como responsáveis pelo desconforto e pela sensação de dor durante a remoção do tecido cariado: a vibração no dente, o barulho e a alta temperatura decorrente do uso dos instrumentos rotatórios 1. Com o intuito de amenizar esse desconforto, surge o desenvolvimento de métodos de remoção químico-mecânica da cárie. A partir da década de 1970 novos métodos químicos de remoção do tecido cariado vêm sendo desenvolvidos, sendo o Caridex um dos primeiros a ser utilizado. Na década seguinte, os materiais foram sendo aperfeiçoados e um novo produto para a remoção químico-mecânica da cárie, denominado Carisolv, foi criado. Desde então, o produto, que se apresenta na forma de gel, é uma alternativa para o tradicional método de remoção de cárie com o uso de brocas. Isso proporciona menor remoção de estrutura dental sadia, menor corte de túbulos dentinários abertos, menor irritação pulpar e dor quando comparado aos métodos mecânicos convencionais. A * Especialista em Saúde Coletiva, aluno do curso de mestrado em Clínica Odontológica Odontopediatria FO-UFRGS. ** Aluno do curso de mestrado em Clínica Odontológica Materiais Dentários FO-UFRGS. *** Mestre e aluno do curso de doutorado em Clínica Odontológica Materiais Dentários FO-UFRGS. **** Professora Doutora da disciplina de Odontopediatria da FO-UFRGS. ***** Professora Titular da disciplina de Materiais Dentários da FO-UFRGS. 234

técnica foi considerada mais fácil e, com o uso dos instrumentos apropriados, o risco de remoção da dentina sadia diminuiu 2. Porém, tem como desvantagens o tempo para a realização do procedimento, que é igual ou maior ao tempo utilizado com o método convencional; o alto custo, que muitas vezes inviabiliza a sua utilização, além de necessitar de um jogo de instrumentos cortantes específicos para a realização da técnica 3. Atualmente, outro produto foi criado no Brasil a partir da casca do mamão verde, a papaína, que, associada à cloramina e ao azul de toluidina, vem sendo testada e utilizada na remoção químico-mecânica do tecido cariado. Segundo pesquisas clínicas, o gel Papacárie, quando aplicado na dentina infectada, faz efeito em até 40s e, após este período, o tecido cariado pode ser removido com instrumento manual sem corte, dispensando o uso de brocas, além de, por não causar dor, dispensar também anestesia prévia do dente 4. A biocompatibilidade dos métodos de remoção químico-mecânica da cárie foi avaliada, demonstrando reação inflamatória moderada e, com relação ao nível de citotoxicidade, não foi observado impedimento no crescimento celular 5. Quanto ao potencial bactericida das soluções, o Papacárie mostrou-se com maior atividade antimicrobiana quando comparado ao Carisolv 6. Apesar do processo de remoção do tecido cariado, independentemente do método, ser de extrema importância, a etapa de restauração da estrutura dentária torna-se igualmente relevante no sucesso do tratamento da cárie. Nesse sentido, as restaurações adesivas destacam-se pelas suas qualidades, tanto estéticas como funcionais, com durabilidade e manutenção no meio bucal relevantes; por isso, são bastante utilizadas na prática clínica diária no atendimento infantil 7,8. Escassos são os estudos que avaliam a possível interferência do gel a base de papaína (Papacárie ) e do Carisolv na adesão de materiais resinosos à dentina de dentes decíduos. Além disso, estudos laboratoriais são de grande importância previamente à realização de ensaios clínicos. Por isso, o objetivo do presente estudo foi avaliar, in vitro, a resistência de união do adesivo à dentina de dentes decíduos após a remoção químico-mecânica da cárie com Papacárie e Carisolv e compará-la com o método convencional com brocas. A hipótese nula a ser testada será a de que os métodos químico-mecânicos de remoção de cárie não afetaram a resistência de união do adesivo à dentina de dentes decíduos. Materiais e método Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FO/UFRGS sob n o 14044, ata de aprovação 09/08. Os dentes decíduos utilizados no estudo foram obtidos de pacientes atendidos no Ambulatório de Odontopediatria da Faculdade de Odontologia da UFRGS após a aceitação e assinatura de um termo de doação de material biológico por seus pais ou responsáveis. A amostra foi composta por molares decíduos cariados que sofreram esfoliação natural ou exodontia por motivos terapêuticos não relacionados ao estudo. Todos os dentes foram imediatamente armazenados em soro fisiológico 9 por no máximo seis meses e mantidos a 4 o C. Foram incluídos dentes com lesões cavitadas ativas em metade externa ou interna de dentina, com uma ou mais faces envolvidas e pelo menos 1 mm de dentina remanescente na parece pulpar, determinado por exame radiográfico. O tamanho da amostra foi estimado por um estudo piloto, totalizando 15 dentes divididos nos três seguintes grupos: Grupo Papacárie A remoção químico-mecânica da cárie seguiu as recomendações do fabricante, com a limpeza da cavidade com bolinha de algodão e água destilada, aplicação do gel de Papacárie (Fórmula & Ação, São Paulo, Brasil) na cavidade de cárie por 30s, seguida da raspagem da dentina cariada amolecida com colher de dentina sem fio ou com a parte que não tem corte, apropriada ao tamanho da cavidade, remoção da mistura gel/tecido cariado com colher de dentina, sem lavar e secar. O procedimento foi repetido quantas vezes fosse necessário até remoção completa de tecido amolecido, observado pela não turvação do produto e pela avaliação tátil e visual. A cavidade foi limpada com bolinha de algodão e água destilada. Grupo Carisolv A remoção químico-mecânica da cárie seguiu as recomendações do fabricante, com a limpeza da cavidade com bolinha de algodão e água destilada, aplicação do gel Carisolv multimix (MediTeam Dental, Göteborg, Sweden) na cavidade de cárie por 30s, raspagem da dentina cariada amolecida com instrumento manual do próprio kit do produto, apropriado ao tamanho da cavidade, remoção da mistura gel/ tecido cariado com colher de dentina, sem lavar e secar. O procedimento foi repetido quantas vezes fosse necessário até a remoção completa de tecido amolecido, observada pela não turvação do produto e pela avaliação tátil e visual. A cavidade foi limpada com bolinha de algodão e água destilada. Grupo de controle A remoção mecânica da cárie se deu posteriormente à limpeza da cavidade com bolinha de algodão e água destilada, por meio do acesso à lesão cariosa e remoção do esmalte cariado. Se necessário, era utilizada ponta diamantada esférica em alta rotação (nº 1011 e/ou 1012- KG Sorensen ), sob refrigeração, remoção completa da dentina cariada da cavidade, com brocas esféricas de aço em baixa rotação, seguindo os critérios clínicos tátil e visual. 235

Posteriormente, a cavidade foi limpada com bolinha de algodão e água destilada. Após a remoção do tecido cariado seguiu-se o procedimento restaurador adesivo igualmente para os três grupos, conforme as orientações do fabricante. Foi realizado condicionamento com ácido fosfórico a 10% (Acigel, SS White, Rio de Janeiro, RJ, Brasil) do esmalte por 15s e da dentina por 7s; em seguida, a cavidade foi lavada e secada, mantendo a umidade dos tecidos. O adesivo Single Bond (3M ESPE, St Paul, MN, EUA) foi aplicado, o solvente foi evaporado com jato de ar por 10s e fotoativado por 20s. Foram inseridos incrementos de resina composta da cor P Z 100 (3M ESPE, St Paul, MN, EUA), com espessura de no máximo 2 mm cada e fotoativados por 40s, até o preenchimento da cavidade. Os materiais utilizados no estudo estão descritos no Quadro 1. Para a polimerização foi utilizada uma unidade fotoativadora de lâmpada halógena (3M Unitek Ortholux XT-Modelo 704-084) com intensidade de luz mensurada previamente por meio de um radiômetro (Demetron, Model 100, Danbury, CT, EUA), sendo sempre maior que 500 mw/ cm 2. Após os procedimentos restauradores, os dentes foram armazenados em água destilada a 37 C por 24h. Para o teste de resistência de união, as amostras foram cortadas perpendicularmente à interface adesiva em baixa rotação e sob refrigeração constante (Isomet, Buehler Ltda, Lake Bluff, IL, EUA), produzindo palitos com área de interface adesiva de 0,5 mm² aproximadamente. Os palitos tiveram suas terminações fixadas num dispositivo próprio para ensaios de microtração, com auxílio de um adesivo a base de cianocrilato. O teste de tração foi realizado numa máquina de ensaio universal Emic DL-2000 (Emic, São José dos Pinhais, Paraná, Brasil), na velocidade de 1 mm/min. De cada dente produziu-se aproximadamente quatro palitos, sendo o dente a unidade amostral. Os valores de resistência de união foram calculados em MPa e analisados com Anova de uma via e teste de comparações múltiplas de Tukey, com um nível de significância de 5%. A construção e análise do banco de dados, bem como a interpretação dos resultados foram realizados por meio do programa Statistical Package for the Social Scienses (SPSS). Quadro 1 - Caracterização dos materiais utilizados no estudo Material Fabricante Composição Lote Papacárie Fórmula & Ação Papaína, cloramina, azul de toluidina, sais, conservantes, 0012 espessante, veículo qsp. Carisolv Medi Team Ácido glutâmico, leucina, lisina, cloreto de sódio, água destilada, 08-001 hidróxido de cálcio, hipoclorito de sódio 0,95%. Resina Z100 3M ESPE Etanol, Bis-GMA, silano tratado com filler de sílica, 2-hidroximetilmetacrilato, 8FN 2010-11 glicerol 1, 3 dimetacrilato, copolímero de ácido acrílico e ácido itacônico e diuretano dimetacrilato Adesivo Adper Single 3M ESPE Etanol, Bis-GMA, silano tratado com filler de sílica, 2-hidroximetilmetacrilato, 8RL 2011-05 Bond 2 glicerol 1, 3 dimetacrilato, copolímero de ácido acrílico e ácido itacônico e diuretano dimetacrilato Ácido fosfórico 10% - Acigel SS White Água e ácido fosfórico 10% em forma de gel 005/08 Resultados Ao analisar os dados da Tabela 1, pode-se observar que os valores médios da resistência da união do adesivo dos grupos Papacárie e Carisolv são semelhantes, não havendo diferença estatisticamente significativa (p = 0,98). No entanto, a resistência de união do adesivo à dentina no grupo de controle, no qual a remoção da cárie foi realizada com o método convencional com brocas, foi maior, sendo esta diferença estatisticamente significativa quando comparada ao grupo Papacárie (p < 0,001) e Carisolv (p < 0,001). Tabela 1 - Médias e desvios-padrão da resistência de união do adesivo à dentina, em MPa Grupo n Média (MPa) Controle 5 58,88 (± 10,53) a Carisolv 5 36,68 (± 2,15) b Papacárie 5 35,80 (± 5,01) b Letras diferentes indicam diferença estatisticamente significativa (p < 0,05). Discussão Uma abordagem conservadora da cárie que preserve ao máximo a estrutura dentária torna-se indispensável no tratamento odontológico atual. Essa filosofia de mínima intervenção da cárie tem sido possível graças ao surgimento dos materiais restauradores adesivos que propiciam apenas a remoção do tecido dentário afetado, sem a necessidade de remover estrutura hígida com intuito de retenção do material. Ao encontro desse princípio estão os métodos de remoção químico-mecânica da cárie, que permitem uma remoção seletiva do tecido cariado preservando o tecido hígido, com menos desconforto ao paciente, principalmente quando se trata da odontopediatria, onde o manejo da criança deve ser diferenciado. O Papacárie caracteriza-se por ser um produto relativamente novo, de origem brasileira, de mais fácil acesso e baixo custo aos dentistas do país em comparação aos produtos importados, em especial 236

o Carisolv, que vem sendo pesquisado e utilizado internacionalmente há mais tempo. Nesse sentido, torna-se importante conhecer a relação dos métodos de remoção químico-mecânica com os materiais restauradores adesivos em dentes decíduos, em especial a resina composta, que são amplamente utilizados na prática clínica diária da odontopediatria. Alguns estudos têm se detido em avaliar a topografia dentinária de dentes decíduos submetidos à remoção químico-mecânica da cárie com Papacárie e Carisolv em comparação à remoção convencional com brocas. Por meio de microscopia eletrônica de varredura, observou-se que a dentina removida quimicamente com ambos os produtos apresentou uma superfície mais irregular e com poucos túbulos dentinários expostos. Em contrapartida, o grupo que teve remoção da cárie com brocas demonstrou uma topografia mais lisa e regular. No entanto, não houve diferença entre a formação de tags adesivos entre os grupos, o que supõe a não interferência na adesão 10. Em outro estudo foi avaliada a microdureza da dentina de dentes decíduos remanescentes à remoção do tecido cariado com os métodos químicos e convencional, observando-se que a microdureza após a remoção da cárie é mais baixa que a dentina hígida e que não há diferença entre os dois métodos químicos 11. Num desenho experimental semelhante os autores avaliaram a dentina remanescente em dentes decíduos após remoção de cárie com os diferentes métodos (Carisolv, Papacárie e brocas) pelo método de fluorescência (DIAGNOdent Kavo-Alemanha) e tatilvisual. Os valores foram comparados com as respectivas microdurezas e não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, concluindo-se que os diferentes métodos de remoção de cárie resultam numa dentina remanescente semelhante na ótica da fluorescência 12. Estes estudos se detiveram em avaliar o aspecto da dentina remanescente em dentes decíduos, porém a relação com o material restaurador, em especial as resinas compostas, ainda é desconhecida, sendo os estudos de resistência de união do adesivo importantes nas fases iniciais de avaliação. Nesse sentido, num estudo in vitro de resistência à adesão após o uso do Papacárie, com o uso de lâminas de dentes permanentes desmineralizadas, os autores concluíram que o uso do Papacárie não interferiu na força adesiva dos materiais restauradores 13. No entanto, há que se considerar que o método empregado com lâminas de dentes hígidos desmineralizados artificialmente pode não representar a real situação natural de cárie. Na tentativa de minimizar tal viés, outro estudo foi realizado com dentes permanentes cariados e hígidos, avaliando a resistência de união do adesivo à dentina após a remoção de cárie com o método químico-mecânico (Papacárie ) e convencional (brocas). Num grupo foi utilizado adesivo autocondicionante (Clearfil SE Bond ) e, no outro, um sistema convencional de dois passos (Prime&Bond NT ). Com base nos achados, pôde-se concluir que o uso do Papacárie reduziu significativamente a resistência de união do adesivo à dentina cariada em comparação à remoção com brocas apenas com o uso do sistema autocondicionante 14. Os achados das pesquisas anteriores não podem ser comparados diretamente com os do presente estudo, pois não foram realizados em dentes decíduos que apresentam diferentes características morfológicas relevantes, em especial no conteúdo mineral, que também está diretamente relacionado ao processo de hibridização nas restaurações adesivas. Os resultados encontrados na presente pesquisa mostram uma resistência de união do adesivo à dentina de dentes decíduos menor com o uso do Papacárie e do Carisolv em relação aos dentes que tiveram a cárie removida com brocas. Esse achado pode estar relacionado à possível interferência ou interação da composição dos métodos químicos de remoção da cárie com o sistema adesivo. Tal interação pode estar relacionada ao fato de que durante a aplicação do gel de Papacárie observa-se a formação de bolhas, o que sugere a possível liberação de oxigênio durante o processo químico 14. Nesse sentido, sabe-se que esse oxigênio livre na estrutura dentária pode interferir no mecanismo de hibridização 15. Além disso, cabe ressaltar que a composição dos métodos químicos baseia-se em enzimas proteolíticas e compostos clorados que possuem a capacidade de romper a organização das fibrilas de colágeno parcialmente degradadas pela cárie, caracterizando-se por uma remoção seletiva do tecido cariado, preservando a dentina hígida 2. Tal efeito facilita a remoção do tecido cariado, porém, como conseqüência, pode provocar alterações importantes na composição do colágeno da dentina remanescente, estrutura essa essencial no processo de formação da camada híbrida. Em suma, embora os métodos de remoção químico-mecânica da cárie apresentem um grande potencial no manejo da cárie na odontopediatria e os estudos sobre a sua eficácia no processo de remoção de cárie apontem para bons resultados, os mecanismos das possíveis interações desses produtos com a camada híbrida dos materiais restauradores resinosos precisam ser mais bem estudados em nível laboratorial. Além disso, é indispensável que essa relação seja confirmada com estudos longitudinais que avaliem a durabilidade de restaurações adesivas em dentes decíduos. Conclusão Conclui-se que os métodos de remoção químicomecânica da cárie Papacárie e Carisolv comportaram-se de maneira semelhante e ambos levaram a uma menor resistência de união do adesivo à dentina que a remoção mecânica com brocas. 237

Abstract The aim of this study was to evaluate the bond strength to dentin of deciduous teeth after caries removal.with Papacárie TM and Carisolv TM and then compare it with the conventional method of caries removal. It is an in vitro essay which sample consisted of 15 deciduous decayed exfoliated teeth and divided into three groups: Papacárie TM caries removal with Papacárie TM ; Carisolv TM caries removal with Carisolv TM gel multimix; Control caries removal with low speed burs. All teeth were restored with composite resin Z 100 TM and stored in distilled water at 37 o C for 24 hours. Microtensile tests were achieved with sticks of 0.5 mm 2 of adhesive area in universal testing machine Emic DL-2000 TM, at the speed of 1 mm/min. the results were submitted to analysis of variance (Anova) and the Tukey test, with a significance level of 5%. The mean values of the bond strength of groups Papacárie TM and Carisolv TM did not show significant statistical difference (p = 0.98). Therefore, in the control group, in which the conventional caries removal was accomplished, the statistical values were higher when compared to group Papacárie TM (p < 0.001) and Carisolv TM (p < 0.001). it It is concluded that chemomechanical methods of caries removal had similar Papacárie TM and Carisolv TM performance and both showed less bond strength to dentin than with the methods with low speed burs. Key words: Dental caries. Deciduous tooth. Microtensile bond strength. Carisolv TM. Papacarie TM. Referências 1. Scott DS, Hirschman R, Schroder K. Historical Antecedents of Dental Anxiety. JADA 1984; 108(1):42-5. 2. Ericson D, Zimmerman M, Raber H, Gotrick B, Bornstein R, Thorell J. Clinical evaluation of efficacy and safety of a new method for chemo-mechanical removal of caries: a multi-centre study. Caries Res 1999; 33(3):171-7. 3. Banerjee A, Kidd EAM, Watson TF. In vitro evaluation of five alternative methods of carious dentine excavation. Caries Res 2000; 34(2):144-50. 4. Bussadori SK, Castro LC, Galvão AC. Papain gel: a new chemo-mechanical caries removal agent. J Clin Pediatr Dent 2005; 30(2):115-9. 5. Martins MD, Fernandes KP, Motta LJ, Santos EM, Pavesi VC, Bussadori SK. Biocompatibility analysis of chemomechanical caries removal material Papacárie on cultured fibroblasts and subcutaneous tissue. J Dent Child 2009; 76(2):123-9. 6. Motta LJ, Bussadori SK, Guedes CC, Reda SH, Santos EM. Avaliação in vitro do potencial antimicrobiano de dois sistemas para remoção químico-mecânica de dentina cariada: Carisolv e Papacárie. Arq Odontol 2005; 41(4):296-305. 7. Gjorgievska E, Nicholson JW, Iljovka S, Slipper IJ. Marginal adaptation and performance of bioactive dental restorative material in deciduous and young permanent teeth. J Appl Oral Sci 2008; 16(1):1-6. 8. Krämer N, Frankenberger R. Compomers in restorative therapy of children: a literature review. Int J Paediatr Dent 2007; 17(1):2-9. 9. Hosoya Y, Marshall SJ, Watanabe LG, Marshall LG. Microhardness of carious deciduous dentin. Oper Dent 2000; 25(2):81-9. 10. Corrêa FN, Rodrigues Filho LE, Rodrigues CR. Evaluation of residual dentin after conventional and chemomechanical caries removal using SEM. J Clin Pediatr Dent 2008; 32(2):115-22. 11. Corrêa FN, Rocha RO, Rodrigues Filho LE, Muench A, Rodrigues CR. Chemical versus conventional caries removal techniques in primary teeth: a microhardness study. J Clin Pediatr Dent 2007; 31(3):187-92. 12. Corrêa FN, Rocha RO, Soares FZ, Rodrigues-Filho LE, Rodrigues CR. Fluorescence of primary dentine after chemomechanical and conventional rotary excavation. Eur Arch Paediatr Dent 2008; 9(3):126-9. 13. Lopes MC, Mascarini RK, Silva BMCG, Flório FM, Basting RT. Effect of a papain-based gel for chemomechanical caries removal on dentin shear bond strength. J Dent Child 2007; 74(2):93-7. 14. Piva E, Ogliari FA, Moraes RR, Corá F, Henn S, Correr-Sobrinho L. Papain-based gel for biochemical caries removal: influence on microtensile bond strength to dentin. Braz Oral Res 2008; 22(4):364-70. 15. Cavalli V, Reis AF, Giannini M, Ambrosano GM. The effect of elapsed time following bleaching on enamel bond strength of resin composite. Oper Dent 2001; 26(6):597-602. Endereço para correspondência: Márcia Cançado Figueiredo Rua Luzitana 1370/502, Higienópolis 90520-080 Porto Alegre - RS, Brasil Fone/Fax: (51) 3337-5471 E-mail: mcf1958@gmail.com Recebido: 21/08/2009 Aceito: 30/09/2009 238