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Transcrição:

O atual quadro de subfinanciamento do Sistema Único de Saúde (SUS) no contexto da Emenda Constitucional nº 86/2015, da Emenda Constitucional nº 95/2016 e do ajuste fiscal. Desde a Constituição Federal de 1988, o SUS tem vivido um processo de asfixia financeira, resultado da combinação de descumprimento dos dispositivos constitucionais que previam a construção de um Sistema de Seguridade Social abrangendo a Saúde, a Previdência e a Assistência Social, com mudanças destes mesmos dispositivos que não atendem aos anseios da população. O subfinanciamento crônico do SUS tem sido um dos principais fatores que impedem o pleno cumprimento do princípio de que a saúde é direito de todos e dever do Estado estabelecido na Constituição Federal. Além de comprometer a oferta suficiente de serviços de saúde de boa qualidade, o subfinanciamento restringe a possibilidade desta política social contribuir tanto para a redução do quadro de exclusão social, como para a promoção de um desenvolvimento regional que, de um lado, reduza as desigualdades socioeconômicas ainda vigentes no Brasil e, de outro lado, contribua para dinamizar a economia nacional. A relevância dos gastos públicos em saúde guarda relação direta com o seu caráter redistributivo, contribuindo para enfrentar as desigualdades sociais. O processo de subfinanciamento do SUS foi agravado com o aprofundamento das medidas de ajuste fiscal adotadas pela área econômica do governo federal desde que Temer assumiu a Presidência da República em meados de 2016. A gravidade deste ajuste é que ele aprofundou a recessão econômica com efeitos negativos não somente sobre as receitas da União, mas também do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, ou seja, prejudicando o financiamento do SUS com recursos próprios das esferas subnacionais de governo, justamente as que tiveram aumentada a sua participação proporcional no financiamento do SUS em comparação à queda da União desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 29/2000. Diante da lógica histórica da alocação de recursos federais para o SUS em que a aplicação máxima deve corresponder ao parâmetro da aplicação mínima (lógica conhecida como PISO=TETO), o novo critério de cálculo estabelecido pela Emenda Constitucional nº 86/2015 (EC 86/2015), cuja base de cálculo foi a Receita Corrente Líquida, com escalonamento progressivo de percentuais até 2020 (de 13,2% a 15,0%), foi substituído pela Emenda Constitucional nº 95/2016, que retirará recursos do SUS quando somados os efeitos dessa nova regra no período de vinte anos (até 2036): a antecipação do piso federal de 15% da Receita Corrente Líquida da União para 2016 (decorrente da revogação do dispositivo que estabelecia o escalonamento de percentuais de 2016 a 2020) e para 2017 (conforme dispositivo específico para esse ano) não vale para o período 2018 a 2036, cuja regra é a simples atualização anual com base na inflação (IPCA/IBGE) do valor do piso apurado para 2017. Trata-se de uma regra que desconsidera o crescimento anual da população (o que representará queda da despesa per capita), o aumento mais que proporcional da população idosa em relação ao total da população (que representará gastos mais elevados para 1

o atendimento das necessidades de saúde da população) e o desenvolvimento técnico e tecnológico dos medicamentos e equipamentos de saúde (que trará uma defasagem das condições de atendimento da saúde da população pelas unidades da rede pública em comparação ao setor privado). As projeções realizadas pelo IPEA em 2016 apontam para uma uma redução orçamentária e financeira para o SUS de no mínimo R$ 400 bilhões até 2036, que representará uma redução da participação federal no financiamento consolidado do SUS de 1,7% do PIB para cerca de 1,2% do PIB. Considerando que cerca de 2/3 do orçamento do Ministério da Saúde são transferências do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde, os efeitos negativos da Emenda Constitucional nº 95/2016 para o financiamento federal do SUS atingirá principalmente a capacidade de financiamento dos Estados, Distrito Federal e Municípios, cuja possibilidade de alocação adicional de recursos está bastante reduzida pelos efeitos da recessão econômica sobre as receitas, sendo que, no caso dos municípios, outra limitação imposta é a aplicação (média nacional) com recursos próprios superior a 25% da receita de impostos municipais e transferências de impostos, isto é, muito acima do piso de 15%. É importante destacar que essa redução de recursos do SUS decorrente do novo critério constitucional de apuração do piso foi acompanhada do estabelecimento do teto de despesas primárias federais baseado nos valores pagos em 2016 atualizados anualmente somente pela inflação (IPCA/IBGE): com isto, de nada adiantará empenhar as despesas em ações e serviços públicos de saúde de acordo com o piso federal congelado, porque o Ministério da Saúde não terá disponibilidade financeira equivalente para autorizar a liquidação e pagamento dessas despesas, ou seja, a população não receberá a prestação de serviços públicos correspondente aos valores da despesa empenhada. Desta forma, os restos a pagar tenderão a crescer ao longo do tempo os dados de 2017 (analisados pela Comissão de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde a partir dos Relatórios de Prestação de Contas do 3º Quadrimestre de 2016 e 2017 do Ministério da Saúde) são gravíssimos: os empenhos a pagar no final desse ano cresceram 81% em comparação a 2016, atingindo mais de R$ 14 bilhões de um total empenhado em ações e serviços públicos de saúde superior a R$ 114 bilhões; consequentemente, o valor total dos restos a pagar referentes às despesas empenhadas (e não pagas) de 2003 a 2017 totalizou mais de R$ 21 bilhões (crescimento superior a 50% em comparação a 2016). Além destas perdas estabelecidas pela Emenda Constitucional nº 95/2016, a execução orçamentária e financeira das emendas parlamentares individuais passou a ter caráter obrigatório (por isso chamada de emendas impositivas ) pela Emenda Constitucional nº 86/2015, o que pode explicar, conjuntamente à limitação financeira imposta pelo teto de despesas primárias federais, a redução em termos reais (descontada a inflação) das transferências financeiras do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Estaduais e Municipais de Saúde em 2017: as emendas impositivas passaram a corresponder a 0,6% das receitas 2

correntes líquidas da União, equivalente a mais de R$ 4,5 bilhões (muito acima da média observada no período 2009-2013 de pouco mais de R$ 1,0 bilhão), mas que não representou recurso adicional ao piso, ou seja, retirou recursos da programação própria do Ministério da Saúde estabelecida em função do Plano Nacional de Saúde e das necessidades de saúde da população. Somente em 2017, as despesas empenhadas para atender todos os tipos de emendas parlamentares superaram R$ 7 bilhões. Ainda na esfera federal, a falta da compensação integral dos valores dos restos a pagar cancelados, especialmente após a vigência da Lei Complementar nº 141/2012, tem representado uma perda de recursos para o SUS que, juntamente com a aplicação federal abaixo do piso em 2016 e com a repetição de baixa execução orçamentária de vários itens de despesas mesmo com os apontamentos do Conselho Nacional de Saúde em anos anteriores e no 1º e 2º quadrimestre de 2016, entre outros, fundamentaram o parecer conclusivo do Conselho Nacional de Saude pela reprovação do Relatório Anual de Gestão de 2016 do Ministério da Saúde. Somados todos esses efeitos negativos, o resultado foi o agravamento do subfinanciamento das ações e serviços de saúde, que em 2017, correspondeu a cerca de 4,0% do PIB (somados União, Estados, Distrito Federal e Municípios), em contraposição aos parâmetros internacionais de 8,0% do PIB em gasto público em saúde para países com sistema de saúde similar ao SUS, patamar no qual se reconhece que os sistemas de saúde, além de públicos, passam a cumprir função positiva na redução de desigualdades sociais. Acrescente-se que o gasto privado em saúde soma cerca de 5% do PIB e beneficia apenas um quarto da população brasileira, composto por pessoas com melhores condições econômicas. Neste sentido, é injusto que os planos privados de saúde ainda recebam subsídios públicos por meio da renúncia ou de incentivos fiscais. São recursos que deixam de financiar o SUS em favor do setor privado que, recentemente, foi favorecido mais uma vez com a permissão da entrada de capital estrangeiro na assistência à saúde. Nesse contexto, a proposta apresentada de incentivar a criação de planos acessíveis para a população de baixa renda representa um grande equívoco que, também, desorganizará a rede de atenção pública e o processo de financiamento da saúde pública, além de transformar a saúde em mercadoria cujo direito estará assegurado tão somente àqueles que tiverem o poder de compra. Em 2013, o Movimento Saúde+10, coordenado pelo Conselho Nacional de Saúde, mobilizou e unificou a luta da sociedade brasileira em prol da ampliação do financiamento de um sistema público e de qualidade na atenção à saúde, reunindo mais de 2,2 milhões de assinaturas para a apresentação de um projeto de lei de iniciativa popular (PLC 321/2013) com a proposta da alocação mínima de 10% das Receitas Correntes Brutas para o orçamento federal do SUS. A defesa dos 10% das Receitas Correntes Brutas (ou 19,4% em termos de receitas correntes líquidas) como parâmetro da aplicação mínima em ações e 3

serviços públicos de saúde representa a continuidade da luta histórica pelo fortalecimento do financiamento do SUS. Aqui vale lembrar os princípios constitucionais da vedação de retrocesso e de proteção insuficiente. Para que não sejam desrespeitados, as leis do ciclo orçamentário não podem prever recursos proporcionalmente menores para as ações e os serviços públicos de saúde do que os que foram aplicados em anos anteriores, seja com base em regra de transição (do art. 2º da Emenda Constitucional nº86/2015) e, principalmente, da regra do congelamento do piso federal do SUS nos níveis de 2017 por 20 anos da Emenda Constitucional nº 95/2016 (aliada à limitação financeira do teto de despesas primárias nos níveis dos valores pagos em 2016), o que, direta ou indiretamente, não respeita o art. 60, 4º, I e IV da Constituição Federal de 1988. Nesse cenário, o Conselho Nacional de Saúde assume a responsabilidade em denunciar os enormes prejuízos para a assistência à saúde da população decorrentes da aprovação das Emendas Constitucionais n 86/2015 e nº 95/2016 e propõe os seguintes eixos de luta pelo financiamento adequado do SUS: 1) Mudar a atual política econômica que está provocando recessão e desemprego para outra que promova o crescimento e a distribuição da renda, inclusive com a eliminação do contingenciamento orçamentário limitador da execução dos gastos sociais; 2) Enfrentar a dívida pública federal que restringe a capacidade de financiamento das políticas sociais pela necessidade de formação de superávits primários elevados para o pagamento dos juros e da amortização da dívida. 3) Combater qualquer redução no orçamento do Ministério da Saúde nos próximos anos, acompanhando a tramitação das leis orçamentárias para que não seja desrespeitado o princípio da vedação de retrocesso e recomendando ao Presidente da República que vete qualquer dispositivo desse teor aprovado pelo Congresso Nacional nas Leis do Plano Plurianual, de Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual. 4) Suspender imediatamente a DRU (Desvinculação das Receitas da União) por se tratar de fonte indispensável para o financiamento da seguridade social, revogando a Emenda Constitucional 93/2016 que prorrogou esta desvinculação até 2023 e aumentou de 20% para 30% a retenção da receita arrecadada pertencente ao Orçamento da Seguridade Social e criou essa desvinculação para Estados, Distrito Federal e Municípios; 5) Retomar a mobilização social do Movimento Saúde+10, para revogar a Emenda Constitucional nº 95/2016, principalmente no que se refere: 5.1) Ao piso federal do SUS, estabelecendo 19,4% das Receitas Correntes Líquidas (equivalente das 10% das Receitas Correntes Brutas) para apurar o valor da aplicação mínima em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS), como consta na Proposta de Emenda Constitucional 01-D de 2015 já 4

aprovada em primeiro turno na Câmara Federal, bem como estabelecendo que a comprovação da aplicação do piso federal será feita pela apuração das despesas liquidadas; 5.2) À aplicação dos recursos do Pré-Sal, retomando condição de adicional ao valor da aplicação mínima em ASPS nos termos disciplinados originalmente pelo art. 4º, da Lei 12.858/2013 e, para tanto, revogando dispositivo contrário da Emenda Constitucional nº 86/2015; 5.3) À execução orçamentária obrigatória das emendas parlamentares individuais, retirando estas despesas do cômputo da aplicação mínima em ASPS, para que possa ter o caráter de aplicação adicional ao piso federal do SUS; 6) Revisar a renúncia de receita ou os gastos tributários da União, especialmente os subsídios públicos aos planos e seguros privados de saúde, mediante a redução dos subsídios destinados ao mercado de serviços de saúde, para realocar esses recursos para o financiamento da atenção primária e secundária do SUS, bem como condicionar os subsídios destinados à filantropia para aqueles hospitais filantrópicos que ofertarem 80% ou mais da sua cobertura ao SUS 7) Flexibilizar a Lei de Responsabilidade Fiscal em relação à limitação dos gastos de pessoal vinculados às ASPS, propiciando um tempo adicional de adequação a esse limite legal por parte do Ente da Federação, em caráter excepcional, se ficar caracterizado o descumprimento como decorrência da contratação de pessoal da área da saúde 8) Revisar a política de patentes relacionada aos insumos e produtos da área da saúde, fortalecendo os interesses nacionais e da saúde pública; e 9) Revisar o orçamento nacional da saúde, seja pela alteração de tributos já incorporados ao Orçamento da Seguridade Social, seja pela inclusão de novas fontes, sempre sob os princípios básicos que: a) Sejam exclusivas para o SUS e prioritariamente para as ações e serviços de natureza pública, sem aprofundar o caráter regressivo da tributação vigente no Brasil, mas suficientes para assegurar a responsabilidade pública com a saúde; b) Tenham previamente definidas a destinação destes recursos para a mudança do modelo de atenção, para que a atenção primária seja a ordenadora do cuidado, e para a valorização dos servidores públicos da saúde. c) Novas fontes poderiam envolver: (i) a ampliação da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para instituições financeiras; (ii) a criação de uma contribuição sobre as grandes transações financeiras (CGTF) e a tributação sobre os dividendos recebidos pela Pessoa Física, bem como das remessas de lucros e dividendos realizadas pelas empresas multinacionais, atualmente isentas, 5

com destinação para a Seguridade Social; (iii) a aprovação da taxação sobre grandes fortunas com destinação para a Seguridade Social em tramitação na Câmara Federal; (iv) a revisão do DPVAT para ampliar a destinação de recursos ao SUS; e (v) a elevação da taxação sobre os produtos derivados de tabaco, sobre as bebidas alcoólicas e sobre as empresas que importam, fabricam e montam motocicletas. 10) Criar as bases econômicas e institucionais para aumentar o gasto público em saúde para 6% do PIB puxado principalmente pelo incremento das despesas do governo federal 11) Aplicar 2,5% dos recursos das reservas internacionais em ação emergencial no Ministério da Saúde (Estratégia de Saúde da Família e Programa Mais Médicos / Programa Mais Especialidades / Programa da Assistência Farmacêutica e da Farmácia Popular / Ciência, Tecnologia e Inovação) 12) Aprovar Fundo de Desenvolvimento Social tendo como base recursos provenientes do Pré-Sal para ampliação dos gastos na saúde, na educação, na ciência e tecnologia e na infraestrutura 13) Revisar a regulamentação das emendas impositivas da saúde (0,6% da RCL), além de cumprir o que determina a Lei Complementar 141/2012 e a Lei 8142/90 sobre o caráter deliberativo do Conselho Nacional de Saúde para essa matéria. 14) Ampliar o mecanismo do ressarcimento do mercado de planos de saúde ao SUS na área da atenção ambulatorial 15) Reverter o processo de privatização e terceirização crescentes da saúde e da correspondente apropriação dos fundos públicos pelo setor privado, mediante a criação de estruturas institucionais e mecanismos de regulação pública desses processos. 16) Manter o papel do Estado na regulação das atividades econômicas vinculadas à saúde, de modo a garantir que o direito à saúde e à democracia sejam priorizados na condução da coisa pública. Nesse período preparatório da realização da 16ª (8ª + 8) Conferência Nacional de Saúde, desde sua etapa municipal até a nacional, passando pela etapa estadual, o Conselho Nacional de Saúde convoca, mais uma vez, as brasileiras e os brasileiros - instituições, movimentos sociais e profissionais de saúde - para nos unirmos na construção de uma agenda estruturante da saúde no país, em defesa do SUS universal e igualitário, participando dos debates e engajando-se na luta pelo fim do subfinanciamento. Brasília, 13 de julho de 2018 CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE 6