AS METAMORFOSES NO DISCURSO EDUCACIONAL EM FACE ÀS INFLUÊNCIAS DO IDEÁRIO NEOLIBERAL



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Transcrição:

1 AS METAMORFOSES NO DISCURSO EDUCACIONAL EM FACE ÀS INFLUÊNCIAS DO IDEÁRIO NEOLIBERAL Ana Paula Ribeiro de Sousa RESUMO Análise das interfaces entre o discurso educacional da contemporaneidade e a emergência do ideário neoliberal no contexto da reestruturação do modelo produtivo e dos Estados Nacionais na atual configuração do capitalismo globalizado. Destaca-se o ideário do aprender a aprender e as concepções de educação que se filiam a uma certa corrente construtivista que têm influenciado o discurso e as práticas pedagógicas como manifestações das metamorfoses do discurso educacional em face às influencias do neoliberalismo e da globalização. Palavras-chave: Neoliberalismo, globalização, discurso educacional. ABSTRACT Analysis of the interfaces between the educational speech of the contemporarily and the emergency of the ideal s neoliberal in the context of the reorganization of the productive model and the National States in the current configuration of the mundial capitalism. It is distinguished the ideal of "learning to learn" and the conceptions of education that if filiam to a certain practical constructive chain that they have influenced the speech and the pedagogical ones as manifestations of the metamorphoses of the educational speech in face to you influence them of the neoliberalismo and the globalization. Keyword: Neoliberalismo. Globalization. Educational speech. Pedagogic practice. 1 INTRODUÇÃO Sabemos que a educação, nos seus mais variados momentos e espaços, se constitui como um mecanismo universal de identificação do sujeito individual com a coletividade na qual encontra-se inserido, através da transmissão-assimilação de valores, ideais e normas de conduta e convivência social. Deste modo, a educação apresenta-se como um processo fundamental para o homem, pois este, ao contrário dos outros animais, não se determina geneticamente como homem, de forma que toda a herança acumulada pelas gerações anteriores no seu processo de ação sobre a realidade não lhe é transmitida naturalmente, sendo, ao contrário, o processo de apropriação dessa herança cultural, que se processa ao longo de

2 toda a sua existência, na relação com os outros homens, o que torna o ser humano um ser genérico, do ponto de vista histórico e social. Nesse sentido, entende-se a educação como um processo amplo de identificação dos sujeitos individuais ao todo social, que ocorre nas mais diversas instâncias de interação família, igreja, partido, sindicato, etc. Contudo, é na escola que esse processo de desenvolve formalmente, sendo esta a instituição especificamente encarregada de difundir, intencionalmente, a ação educativa. Assim, a ação educativa, mesmo em sua conotação formal, não se desenvolve de maneira estanque, sendo sujeita às influências emanadas pelas demandas da sociedade. Por isso, a educação tem ocupado lugar central na luta pela sedimentação ideológica do modelo social hegemônico, nesse caso, do capitalismo industrial, sendo responsável por reforçar esse modelo social de interação. Nesse aspecto, as transformações na base material também influenciam a dinâmica da estrutura social em que estão imersas as práticas educativas que, igualmente, são condicionadas a adequar-se às exigências do mundo da produção, forjando novas práticas e relações, bem como, a ressignificação constante do processo educativo. Desta forma, Tal processo determina a variação do conteúdo do discurso e da prática educativa nas diferentes etapas de desenvolvimento, consolidação e crise do modo de produção capitalista, produzindo-se formulações teóricas adequadas às características de cada fase, preservando-se, entretanto, o seu objetivo essencial, qual seja, contribuir para a manutenção das condições de exploração capitalista do trabalho humano. (SOUSA, 1998, p. 29). Isso não significa dizer que as relações educativas de processam de forma linear e mecânica, puramente condicionadas aos interesses da manutenção da realidade social vigente, mas que se estabelece uma relação dialética entre educação e sociedade, em que o condicionamento social não se realiza de forma absoluta, existindo uma ação recíproca na qual ambos interagem reciprocamente. Contudo, é importante ressaltar esse grau de mediação entre educação e sociedade para a realização do presente trabalho, pois a partir dessa relação que se articulam de forma orgânica a influência do discurso neoliberal nas concepções de educação propaladas atualmente.

3 2 A EMERGÊNCIA DO DISCURSO NEOLIBERAL COMO UM NOVO PARADIGMA PARA AS CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO A análise da conjuntura atual, no que concerne às formulações sobre educação, reflete um processo mais amplo de transformações sociais vivenciadas pela sociedade capitalista moderna, apresentando-se como efeito da crise que se abateu sobre o capitalismo avançado em meados da década de 70 e que coloca em cheque [...] as bases de sustentação do pacto social que permitiu o equilíbrio das relações entre capital e trabalho e a prosperidade do pós guerra- o paradigma taylorista-fordista de produção e acumulação e o modelo político-econômico keyneziano. (SOUSA, 1998, p. 43). Tal crise resulta das contradições intrínsecas ao processo de acumulação, concentração e centralização do capital que se geraram no decorrer de meio século de estabilidade e prosperidade experimentado pelos países em que foram implementadas, no período pós 2º Guerra Mundial, as teorias keynesianas 1 que fomentaram as bases econômicas, sociais e culturais do estado de bem-estar social. Esta crise leva os paises capitalistas a adequarem-se a uma nova lógica de reprodução do capital, devido ao fracasso da lógica keynesiana no sentido de controlar a economia e impedir as crises cíclicas do capitalismo por meio da ação reguladora do Estado. Embora este não passe de um argumento ideológico para a manutenção da hegemonia burguesa diante de uma evidente crise estrutural, o discurso neoliberal se estabelece como alternativa dos paises capitalistas frente à ameaça de uma nova crise mundial, que de modo semelhante ao período entre-guerras, leve ao colapso as economias do mundo inteiro. Nesse sentido, essa nova lógica de reprodução do capital propõe um retorno às antigas teses liberais, e, sobretudo a uma, a de que o livre mercado conduziria a uma superação das desigualdades, baseado no postulado liberal de que o mercado é a lei social soberana (BIANCHETTI, 1995, p.11), sugerindo, assim, uma diminuição da ação estatal na economia e, conseqüentemente, nas políticas sociais. 1 De acordo com CHAUI (1995), essas experiências observadas nos paises de capitalismo avançado, sobretudo os ganhos na área social, excluem as economias do terceiro mundo, que, apesar de não experimentarem a implantação desse modelo sofrem as implicações deste de forma diversa. É verdade que as lutas populares nos paises de capitalismo avançado ampliaram os direitos e que a exploração dos trabalhadores diminuiu muito, sobretudo com o Estado de Bem-Estar social. No entanto, houve um preço a pagar: a exploração mais violenta do trabalho pelo capital recaiu sobre as costas dos trabalhadores nos paises de terceiro mundo (CHAUI, 1995, p. 434).

4 Tais formulações, elaboradas no campo teórico por autores como Milton Freidman (1977) e Friederick Hayek (1944), compõe um arcabouço complexo de idéias pinçadas do pensamento liberal clássico revisitado, que tendem a oferecer uma saída pragmática para a crise, passando a influenciar os modelos econômicos e de reetruturação dos Estados Nacionais. A esse conjunto de formulações teóricas, se convencionou chamar neoliberalismo ou pós-liberalismo, que, de modo geral se apresenta como: [...] um movimento político-econômico heterogêneo consolidado nos paises capitalistas desenvolvidos em meados da década de 70, cuja proposta econômica significa o retorno aos princípios ortodoxos do liberalismo, ou seja, às propostas da economia clássica como única alternativa de superação da crise pela qual passam essas sociedades. (BIANCHETTI, 1995, p. 21). Desta forma, o neoliberalismo, como uma revolução conservadora, [...] propõe o desmantelamento das instituições sociais criadas pelo modelo de Estado Benfeitor, como também as que derivam das aplicações das propostas keynesanas e neokeynesianas, ou seja, aquelas instituições reguladoras do mercado que tem por finalidade reduzir os riscos derivados das flutuações que se produzem no funcionamento do livre mercado. (BIANCHETTI, 1995, p. 20). Como já foi assinalado acima, o ressurgimento das teses do liberalismo clássico, sob os escombros da democracia social e do estado interventor, apresenta-se como precursor para a emergência de um novo arcabouço teórico que sustentaria a política econômica capitalista a partir de então, resultando também numa precarização cada vez mais patente das políticas públicas no âmbito da saúde, da educação, do acesso ao emprego, para a maioria da população, pois, à mercê dos ditames do mercado que almeja unicamente o lucro, um contingente cada vez mais amplo de seres humanos é colocado à margem dos padrões mínimos de inclusão e dignidade, já que a perspectiva do neoliberalismo transfere para a ordem da natureza os fundamentos da desigualdade social. É nesse sentido que identificamos o neoliberalismo como uma revolução conservadora que traz a tona, com uma nova roupagem, concepções reacionárias do liberalismo que representam, em último grau, os interesses do livre mercado agregado à manutenção do elitismo político. Com isso podemos afirmar que as conseqüências dessas proposições para a educação são desastrosas, pois tratando-se de uma política que demanda um investimento considerável, sua manutenção pelo Estado tem-se constituído como objeto de luta de amplos setores da sociedade, inclusive setores liberais. Deste modo a atual

5 investida neoliberal coloca em risco conquistas já consolidadas nesse sentido, ao abrir espaço para a diminuição dos investimentos públicos no setor (SOUSA, 1998, p, 44). Nesse sentido, podemos inferir que a política educacional a que corresponde essas concepções esboçadas na teoria neoliberal e que se consubstancia de forma clara nos ajustes direcionados ao sistema educacional, tem como principal demanda os objetivos a serem alcançados no que se refere à formação e capacitação das pessoas. Nesse sentido, cabem as orientações referentes à estrutura e aos conteúdos curriculares, com vistas a formar indivíduos que se adequem à estrutura produtiva. Deste modo, esses objetivos apresentam-se traduzidos em teorias educacionais revisitadas nesse novo contexto, coincidentes com o ideário neoliberal, tal como a teoria do capital humano, que por seu caráter basicamente economicista e utilitário, atendem a tais objetivos, já que reproduz a lógica do mercado frente ao processo educativo e reduz a função da escola apenas à formação de recursos humanos a serem absorvidos pela estrutura da produção. Pois, nessa concepção, A educação é o principal capital humano enquanto produtora de capacidade de trabalho, potenciadora do fator trabalho. Nesse sentido, é um investimento como qualquer outro. (FRIGOTTO, 1986, apud, BIANCHETTI, 1999, p. 28). Nessa perspectiva, de forma análoga ao questionamento da presença estatal na economia, se processa a exigência da retirada da iniciativa estatal das políticas sociais, neste caso especifico das políticas educacionais, sob o argumento da incapacidade deste em suprir as demandas do social. Por conseguinte, [as estatais] começam a ser seriamente encaradas como sorvedouros dos limitados fundos públicos, bem como a atrair cada vez mais críticas à falta de objetivos administrativos claros, às políticas de preços sem fins econômicos e ao exagero da influência política. (LATHAM-KOENIG, 1988, apud, VIEIRA, 1995, p. 33). Deste modo, como podemos perceber, o discurso neoliberal tende a deixar livre às leis da oferta e da demanda as características e orientações do sistema educativo, bem como das políticas públicas em educação, onde, Cada vez mais, a política educacional passa a ser, no marco das políticas sociais, como uma política de caráter instrumental e subordinada à lógica econômica, uma política que sequer tem a capacidade inclusiva do capital industrial.. (KRAWCZYK, 2000, p. 02).

6 Para além dessas questões, podemos identificar no discurso pedagógico contemporâneo, uma série de pressupostos que denunciam a interface do ideário neoliberal, com as concepções e práticas pedagógicas ora em voga, o que demonstra uma articulação direta entre a educação, como fator legitimante, e a hegemonia socioeconômica e cultural do neoliberalismo. As novas demandas do setor produtivo, com a introdução de novas tecnologias que modificam o padrão de exploração do trabalhador em relação ao modelo taylorista-fordista, passam a exigir deste novas habilidades, além da capacidade de adequar-se às novas exigências da produção, sempre em movimento. Deste modo, os princípios educativos, além da própria função da escola, se direcionam no sentido propiciar uma formação condizente com as necessidades do mercado, pautada na flexibilidade, no individuo criativo, empreendedor, que busque a informação e que, principalmente, seja capaz de adaptar-se às transformações no mundo da produção, cada vez mais dinâmico. Com este argumento, entram em voga no discurso educativo, teorias como o Construtivismo e lemas como o aprender a aprender, bem presentes em documentos oficiais do governo que traçam as diretrizes que devem perpassar o processo educacional, cujo produto é a formação de indivíduos dispostos a uma constante adaptação à sociedade regida pelo capital, e que já se constituem como dominantes no contexto das práticas escolares. Exemplo disso é a perspectiva contida nos PCN s, embasada pela lógica do aprender a aprender e por uma proposta pedagógica calcada no Construtivismo. Contudo, a perspectiva Construtivista é apresentada em uma visão eclética, agregando, indiscriminadamente, teorias de diferentes enfoques, que, contudo, devem centrar o eixo do processo educacional na aprendizagem ativa do aluno. Em síntese, a caracterização do Construtivismo presente nos PNC s reunida em um único corpo teórico, que tem se colocado como pedagogia oficial, sendo imposta às escolas a aos professores, seria constituída, de acordo com Duarte (2000, p. 61) por um grupo de teorias psicológicas muito distintas e até conflitantes em pontos fundamentais, mas que possuiriam alguma coisa em comum, a defesa da importância da atividade construtiva do aluno nas aprendizagens escolares. Dentre as variadas matrizes que embasam o discurso e as práticas educacionais na atualidade, a chamada pedagogia do aprender a aprender nos parece mais abrangente e explicita de forma bem mais clara a tônica do discurso pedagógico

7 contemporâneo, por apropriar-se, dentre outros elementos, da própria teoria Construtivista e adequá-la, às demandas impostas à educação pelo processo de reestruturação da produção capitalista. Com isso, consideramos mais fecundo determos nossa análise nesse aspecto do discurso educacional contemporâneo, e a partir dele, verificarmos as possíveis identificações com a ideologia neoliberal no que concerne à educação. Os pressupostos pedagógicos contidos no lema aprender a aprender, estendendo-se à pedagogia das competências, tem inspirado uma ampla corrente educacional contemporânea (na qual se incluem o Construtivismo, a Escola Nova e os estudos na linha do professor reflexivo ), apoiada, dentre outros, num discurso que potencializa, na prática pedagógica, uma aprendizagem com base em métodos ativos, que tem origem no movimento escolanovista, portanto, de base pedagógica liberal. De acordo com Philippe Perrenuod (1999), um dos principais difusores dessa pedagogia em âmbito mundial, os principais elementos para uma abordagem por competências se resumem às exigências da focalização sobre o aluno, da pedagogia diferenciada e dos métodos ativos (PERRENOUD, 1999, p. 53, apud DUARTE, 2003, p. 05). O mesmo autor amplia essa caracterização quando afirma que [...] a formação de competências exige uma pequena revolução cultural para passar de uma lógica do ensino para uma lógica do treinamento (coaching), baseada em um postulado relativamente simples: constroem-se competências exercitando-se em situações complexas. (PERRENOUD, 1999, p. 54, apud DUARTE, 2003, p. 05-06). Para expormos de forma mais sucinta os fundamentos dessa pedagogia, os objetivos a que se propõe e suas interfaces com o ideário neoliberal no discurso educacional, lançaremos mão da análise de Duarte (2003) na qual focalizamos quatro posicionamentos valorativos contidos no lema aprender a aprender : São mais desejáveis as aprendizagens que o individuo realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros indivíduos, de conhecimentos e experiências (DUARTE, 2003, p. 07). Ou seja, aquilo que o individuo tem capacidade de aprender individualmente é superior, em termos educativos e sociais, àquilo que ele aprende por meio da transmissão por outras pessoas. É mais importante o aluno desenvolver um método de aquisição, descoberta e construção de conhecimento que aprender os conhecimentos elaborados por outras pessoas (DUARTE, 2003, p. 08): Esse posicionamento favorece o método em detrimento

8 do próprio conhecimento, pois, nessa perspectiva, ao aprender a aprender através de um método eficaz, o aluno estará apto a aprender qualquer coisa. A atividade do aluno, para ser verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada pelos interesses e necessidades da própria criança (Duarte, 2003, p. 09), ou seja, é preciso que a educação esteja inserida de maneira funcional na atividade da criança (DUARTE, 2003, p. 10). A educação deve preparar os indivíduos para acompanharem a sociedade em acelerado processo de mudança (DUARTE, 2003, p.10). Nesse ponto, o autor sintetiza o conteúdo ideológico contido no lema aprender a aprender, qual seja a mobilização de conhecimentos como forma de inserção no mercado cada vez mais competitivo, que, para isso, deve possibilitar a flexibilização, a autonomia e a criatividade, que adequem o trabalhador às novas exigências do mercado. 3 CONCLUSÃO Percebemos, a partir das análises acima, que todas essas proposições oriundas da influência do discurso neoliberal com relação ás concepções contemporâneas de educação, suas práticas e representações, distanciam cada vez mais a educação de uma perspectiva emancipatória, na medida em que preconizam a adaptabilidade e a conformação dos indivíduos diante da sociedade excludente e desigual, onde as desigualdades, oriundas de questões sociais complexas, são atribuídas ao sucesso ou ao fracasso dos indivíduos em seu processo de formação, haja vista que, o que diferencia os indivíduos atualmente são as capacidades cognitivas. Esse processo também reflete as transformações impostas à configuração dos Estados Nacionais no contexto da globalização e do neoliberalismo, na medida em que fomenta uma redução da esfera estatal, principalmente no que concerne a gestão das políticas sociais em nome de um Estado empresarial, cujas ações se movem no sentido de favorecer o livre desenvolvimento do mercado, ainda que os custos sociais sejam desastrosos. Diante do exposto, podemos concluir que a educação sob a ótica da globalização e do neoliberalismo tem contribuído para o que Marx chama de esvaziamento completo do individuo, na medida em que seu grande objetivo é tornar os

9 indivíduos dispostos a aprender qualquer coisa, não importando o que seja, desde que seja útil à sua adaptação incessante aos ventos do mercado (DUARTE, 2000, p. 54). Deste modo a função da escola e da educação também esvaziam-se diante dos ditames do capital, pois a medida em que atendem às novas relações entre conhecimento e trabalho, estão, mais do que nunca, negando a apropriação do conhecimento como instrumento de emancipação para convertê-lo em ferramenta do capital, expropriada do trabalhador, na medida em que se constitui como único patrimônio deste a capacidade de adaptar-se por intermédio da aprendizagem permanente em favor de sua inserção no mundo do trabalho. REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. As origens da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. BIANCHETTI, Roberto G. Modelo neoliberal e políticas educacionais. 2. ed. São Paulo, Cortez: 1999. (Coleção questões da nossa época, n. 56). BRINHOSA, Mário César. A função social e pública da educação na sociedade contemporânea. In: LOMBARDI, José Claudinei (org.). Globalização, pós-modernidade e educação: história, filosofia e temas transversais. 2. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2003. p. 39-58. DUARTE, Newton. Vigotski e o aprender a aprender : Críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas/SP: Autores Associados, 2000.. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Campinas/SP: Autores Associados, 2003. (Coleção Polêmicas do nosso tempo, n. 86). FONSECA, Selva Guimarães. O ensino de História na escola fundamental: do samba do crioulo doido à produção de conhecimento histórico. In: VEIGA, Ilma P. A.; CARDOSO, Maria Helena F.(org.). Escola Fundamental: Currículo e ensino. 2. ed. Campinas/SP: Papirus, 1995, p. 157-169. FONSECA, Thais N. de Lima e. História & ensino de história. Belo Horizonte: Autêntica, 2003. (Coleção História & reflexões, n. 6). GOERGEN, Pedro. Pós-modernidade, ética e educação. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. (Coleção Polêmicas do nosso tempo, n. 79). HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Cia. das Letras, 1995.

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