O PORTFÓLIO COMO PROMOTOR DE REFLEXIVIDADE NO ESTÁGIO DE PEDAGOGIA RAUSCH, Rita Buzzi Rausch FURB rausch@furb.br Eixo: Formação de Professores/ n.10 Agência Financiadora: Sem financiamento RESUMO Compreendendo o portfólio reflexivo como estratégia pedagógica significativa ao desenvolvimento do processo de reflexividade do professor, o selecionamos como atividade a ser elaborada pelas acadêmicas nas disciplinas de Estágio Curricular Supervisionado no Curso de Pedagogia, na FURB. As alunas que no semestre 2007/I cursaram a quarta fase do curso vêm realizando-o desde a primeira fase do curso. Em cada semestre elaboraram um portfólio específico, coerente com o objetivo da disciplina e a proposta de estágio praticada. O uso desse instrumento teve como objetivo possibilitar que as acadêmicas registrassem suas trajetórias teórico/práticas ocorridas nos estágios docentes, narrando essa experiência de maneira criativa, crítica e reflexiva. Selecionamos para análise os portfólios de duas acadêmicas elaborados nos quatro primeiros semestres do curso. Constatamos que de início houve insegurança quanto à sua construção, mas, à medida que o processo foi se desenvolvendo, elas foram adquirindo autonomia no processo. A cada semestre, com o desafio de elaborar outro portfólio, foi possível perceber no processo de reflexividade empreendido pelas acadêmicas, níveis de lógica reflexiva mais elevados, saindo da mera descrição simples e avançando para o nível crítico provocado via meta-reflexões em que, além das acadêmicas se compreenderem responsáveis pelo seu próprio processo de aprendizagem, buscaram agir em prol de uma ressignificação de sua própria formação. PALAVRAS-CHAVE: Reflexividade docente: Portfólio reflexivo. Formação inicial de professores 1 INTRODUÇÃO A palavra portfólio é derivada do verbo latino portare que significa transportar e do substantivo foglio que significa folha. Originário do portfólio do artista, a estratégia
2 passou a ser aprofundada e utilizada nos diferentes níveis de ensino e de aprendizagem. Entretanto, na nossa compreensão, quando utilizado no processo pedagógico, ele é muito mais do que uma mera compilação de dados, por ser resultado de um processo de seleção e reflexão sobre a aprendizagem enquanto construção do conhecimento. Portanto, ao contrário de uma simples pasta que contém relatos descritivos ou narrativos de um acadêmico/docente, propomos que as acadêmicas do curso de Pedagogia, na disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, elaborassem a cada semestre um portfolio neste caso, reflexivo como estratégia de aquisição, reelaboração e aprofundamento de conhecimentos. Esse procedimento teve por meta contribuir para o desenvolvimento pessoal e profissional das acadêmicas, dando uma base de como se autoavaliar enquanto profissionais docentes e como seres humanos, pois, tudo que realmente teve significado pôde ser registrado de maneira criativa e crítica nesse documento. Na organização dos portfólios priorizou-se a forma narrativa de registrar. Entendemos que a narrativa facilita a compreensão dos fatos, dos motivos, justificações e sentidos que as acadêmicas atribuem aos fatos, bem como seus pensamentos subjacentes ao processo interpretativo das ocorrências. Para Bruner (1997), o princípio organizador da experiência humana no mundo social é narrativo. Selecionamos para análise nesta pesquisa os portfólios das diferentes fases de duas acadêmicas do curso, totalizando oito portfólios analisados. Procedemos a análise documental desses instrumentos buscando identificar o processo de reflexividade empreendido pelas acadêmicas ao apresentar suas percepções acerca do uso do portfólio como alternativa ao seu desenvolvimento, manifestadas em seus próprios documentos. 2 DESENVOLVIMENTO Conforme Sá-Chaves (2005) é preciso distinguir o portfólio reflexivo de diário de campo, diário de bordo, dossiê, etc. Diferente dos demais, que têm um enfoque meramente avaliativo, esporádico, descritivo e seletivo, o portfólio prioriza a competência da reflexividade crítica adquirindo um enfoque formativo com a co-construção do conhecimento pelo formador; um enfoque continuado que captura as dinâmicas de flutuação no crescimento dos saberes pessoais e profissionais dos interlocutores; um enfoque reflexivo que busca ultrapassar o registro descritivo simples e narrativo prático para o nível de reflexividade crítica; e o enfoque compreensivo como atitude de pesquisa e
3 auto-indagação sistemáticas, compreendendo os processos em estudo, identificando as dimensões afetivas, cognitivas, de ação e metacognitivas que estiverem subjacentes às tomadas de decisão. O portfólio tem por princípios: a pessoalidade, ou seja, a trajetória social e cultural individual; a contextualidade que representa o contexto da época; o efeito multiplicador, que proporciona a troca de conhecimentos; a auto-implicação objetivando a reflexão; a conscientização que é realizada por análises, e por fim, os princípios de continuidade e inacabamento, por ser um processo contínuo e sem fim. Segundo Alarcão (2005) o conceito de portfólio reflexivo é a reflexão sobre o conhecimento pertinente construído, ou seja, uma documentação refletidamente selecionada, significativamente organizada e contextualizada no tempo. É um documento único e peculiar no individual, utilizado para evidenciar e possibilitar através das competências, o que nele está inserido. Ao praticar o registro, o acadêmico pode descrever e narrar para depois refletir e assim meta-refletir, ou seja, a meta reflexão nada mais é que a reflexão da reflexão. Este pode ser o caminho para um novo horizonte de mudanças e inovações na docência. Estratégias vêm e vão com o objetivo de tornar os professores mais competentes na análise diária de sua atuação profissional, mas, conforme Alarcão (2005) só o conhecimento que resulta da sua compreensão e interpretação permitirá a visão e a sabedoria necessárias para mudar a qualidade do ensino e da educação. 3 PERCEPÇÕES DAS ACADÊMICAS Trazemos em cada fase o recorte dos registros retirados dos portfólios das acadêmicas e depois procedemos uma breve análise: 4.1 PRIMEIRA FASE: Está se tornando fácil entender o que é portfolio agora, mas o medo de errar ainda é grande. Preciso adquirir mais confiança. (S.W., Portfólio 1ª fase, 2005/2) Na primeira fase do curso de Pedagogia tudo era novidade. Uma angústia muito grande assolava toda a turma com toda a desconstrução de conceitos que sofremos. O
4 portfolio era um desafio totalmente novo. No entanto, com muito empenho e estudo sobre como construí-lo, logo me identifiquei com esta prática. Acredito que encarálo com prazer ajudou a enfrentar o medo de não saber como fazer. O portfólio está contribuindo muito na minha formação inicial, pois está me fazendo buscar saberes novos e organizá-los com os prévios. (M. S., Portfólio 1ª Fase, 2005/2) Nos depoimentos das acadêmicas acima constatamos que, passado o primeiro momento de estranhamento, vinha o segundo, traduzido pela sensação de desconstrução e construção de novos conceitos. Cabe sinalizar que as acadêmicas criaram seu próprio caminho a trilhar, pois não tinham um modelo pronto a seguir. Isto despertou nelas: medo, angústia, mas também paixão e orgulho pelo que conseguiram produzir. 4.2 SEGUNDA FASE A forma como registramos nossos conhecimentos através do portfolio, isso foi a grande novidade, da qual senti medo no começo e hoje um grande prazer em aperfeiçoar e dividir com meus colegas minhas experiências enquanto acadêmica e futura professora, tendo oportunidade de até fazer um feedback do próprio desenvolvimento. (S. W., Portfólio 2ª fase, 2006/1) Um pouco mais acostumada com a prática do portfolio reflexivo em minha formação, a proposta da segunda fase foi relacionar as idéias principais dos teóricos Morin e Perrenoud com a prática de estágio. Neste sentido o portfolio proporcionou registrar dúvidas e procurar diante das teorias e práticas respondê-las. O constante movimento do pensar e praticar foi um dos maiores desafios. (M. S., Portfólio 2 Fase, 2006/1) Compreendemos que o professor constrói a sua autonomia enquanto se forma. Conforme Contreras (2002), a autonomia deve ser entendida como a independência intelectual que se justifica pela idéia da emancipação pessoal da autoridade e do controle repressivo, da superação das dependências ideológicas ao questionar criticamente nossa concepção de ensino na sociedade. A construção do portfolio
5 possibilitou as acadêmicas exercitarem certa reflexividade crítica no trabalho pedagógico. A necessidade de relacionar teoria e prática foi um desafio manifestado em seu portfólio. Relacionar isso na própria escrita é um excelente exercício para um profissional que se quer reflexivo/pesquisador. 4.3 TERCEIRA FASE Saberes e fazeres andam juntos para que ocorra harmonia. A importância desses saberes me levou a refletir sobre minha experiência enquanto aluna e docente deixando claro que a construção do conhecimento no portfolio esta ligada ao cotidiano. E através da prática do estágio ocorre a sustentação para que aconteça esta construção de conhecimentos. Todo conhecimento adquirido no terceiro semestre, me levam a acreditar na constante busca da aprendizagem, e tenho consciência que ainda tenho muito a buscar. As vivências foram fundamentais para impulsionar meu desenvolvimento cognitivo, tornando o conhecimento adquirido importante para meu crescimento pessoal e profissional. Isso facilitou minha reflexão com base na reflexão anterior, reorganizando meu conhecimento. (S.W., Portfólio 3ª fase, 2006/2) Praticar meu portfolio é algo tão comum na minha formação que tudo que leio e observo (que está ligado à educação) eu consigo relacionar aos conhecimentos adquiridos ao longo do curso de Pedagogia. Como eu já registrei no meu terceiro portfólio: eu já me acostumei a refletir e refletir o refletido e (re)refletir o refletido. (M. S., Portfólio 3ª Fase, 2006/2) Tardif (2002, p. 23) expressa sua vontade de "encontrar, nos cursos de formação de professores, uma nova articulação e um novo equilíbrio entre os conhecimentos produzidos pelas universidades 'a respeito' do ensino e os saberes desenvolvidos pelos professores 'em' suas práticas cotidianas". O autor considera que os professores são atores competentes, sujeitos ativos e que sua prática não é apenas um espaço de aplicação de saberes provenientes da teoria, mas também um espaço de produção de saberes específicos oriundos dessa mesma prática. Isso significa que ele desenvolve e produz teoria da sua própria ação. Contudo, tal concepção da relação teoria e prática ainda é pouco vivenciada nos cursos de formação de professores. Os depoimentos das
6 acadêmicas acima revelam essa tentativa constante de relacionar teoria e prática por meio do portfólio relacionando-a a sua atuação profissional. 4.3 QUARTA FASE O que mais impressiona é como este documento pode ajudar no desenvolvimento cognitivo. Você consegue ver seus erros e acertos, sua evolução como ser aprendente. (S. W., Portfólio 4ª fase, 2007/1) Se me perguntarem o que é um portfolio? E o que ele contribuiu na minha formação? Eu responderia: O ser humano precisa do papel e da escrita como forma de (com)provar algo. O meu portfolio sou eu. Sou eu enquanto docente em processo de formação comprovada através de papel e escrita. Sou eu pensando minhas práticas, meus erros, minhas angústias. Sou eu percebendo meus acertos, minha vitórias, meus conhecimentos. SOU EU NAS ENTRELINHAS. Este documento tão importante me ajudou a registrar quem fui (meus conhecimentos prévios) quem sou (minhas aprendizagens atuais) e quem eu quero ser (o meu processo de aprender a aprender). (Mônica, Portfólio 4ª Fase, 2007/1) Os depoimentos acima revelam um processo de meta-reflexão das acadêmicas. Elas tornaram-se objeto de sua própria reflexão. Pensaram sobre o que fizeram o que poderiam ter feito, e se fizeram àquilo que poderiam ter feito. Conforme Sá- Cháves (2002) essa capacidade de refletir sobre os próprios processos de reflexão constitui a meta-crítica, concebida como uma forma mais complexa e um nível mais avançado dos processos cognitivos/reflexivos. Destaca a autora, também, que nesse processo o sujeito pode, de forma distanciada e crítica, autocontrolar e gerir os processos de construção pessoal e profissional que constituem a dimensão intrapessoal e ativa da malha interpessoal, ecológica, contextual e histórica da sua participação (2002, p.113). CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebemos que a estratégia de utilizar o portfólio permitiu que as acadêmicas se tornassem mais autônomas no percorrer da caminhada. Possibilitou-lhes um diálogo
7 constante consigo mesmas na tentativa de organizar suas aprendizagens e desenvolvimento, motivando-as a produzir sentido àquilo que estavam fazendo, relacionando teoria e prática permanentemente. Por meio do portfólio foi possível analisar o processo de reflexividade das acadêmicas, já que ele se caracterizou como fundamento de auto-reflexão, estimulando o pensamento reflexivo, pois elas centraram-se nos processos de conscientização relativa ao desenvolvimento pessoal e à estruturação de sua própria identidade, apresentando características de profundidade e desenvolvimento conceitual. O conhecimento prévio pode ser reformulado e reorganizado por elas mesmas para um conhecimento mais científico de forma consciente. A cada semestre, com o desafio de elaborar outro portfólio, foi possível perceber no processo de reflexividade empreendido pelas acadêmicas, níveis de lógica reflexiva mais elevados, saindo da mera descrição simples do processo, e avançando para os níveis narrativo prático, narrativo crítico e atingindo em determinados momentos os níveis metacrítico e metapráxico (SÁ-CHÁVES, 2005). Essa estratégia, portanto, contribuiu no desenvolvimento cognitivo/afetivo das acadêmicas, tornando-as perceptíveis de seus erros e acertos, de seus avanços individuais/sociais como seres aprendentes/ensinantes. REFERÊNCIAS ALARCÃO, I. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2005. BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul Ltda, 1997. CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. SÁ-CHAVES, I. (org.) Os portfolios reflexivos (também) trazem gente dentro: reflexões em torno do seu uso na humanização dos processos educativos. Portugal: Porto Editora, 2005. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.