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Transcrição:

PRAGMATlSMO E TÉCNICA IVO ASSAD IBRI Abstract: This papel' intends to show how C. S. Peirce's Pragrnarisrn furnishes the conceptual basis for a possible correlation between theory anel practice, 01' in a more general way, science anel tecbnique. Within his realistic thought, the proper sense of general instances requires particular Iorrns of phenomenological manifestation. Tecbnique is the necessary meelium between general ieleas anel singular objects, its broadest signification can only be clearly clefineel uncler this topical philosophic condition. Mas como Epimeteu não era muito prudente, não se deu conta de que havia distribuído todas as qualidades entre os animais, faltando-lhe, ainda, prover os homens. Enquanto se entretinha com este problema, Prometeu chegou para examinar a distribuição que havia sido feita. Viu todos os animais bem preparados para tudo; todavia, encontrou o homem nu, descalço, sem ter com que se cobrir e totalmente desarmado. Estava já próximo o dia destinado a surgir para a luz o homem sobre a terra. Sem saber o que fazer para dar meios de preservação para o homem, roubou de Hefestos e de Ateneia a dádiva do conhecimento das artes, juntamente com o fogo, uma vez que sem o fogo tal conhecimento seria irrealizduel e inútil, presenteando-os ao homem. Platão: Protágoras, 321c-el. Ivo Assad Ibri é professor ele filosofia na Pontifícia Universielade Católica de São Paulo. ANO} / N 4

no PRAqMATisMO E TÉCNicA Parece ser lugar comum afirmar que sem técnica um conhecimento teórico, tomado enquanto um sistema de signos que descreve preditivamente o comportamento de um certo recorte de mundo, dificilmente pode ser posto em prática. Não é necessário se deter muito nesta sentença para indicar que nela incorrem três termos cujos significados pressupõem-se correlacionados, a saber, técnica, conhecimento teórico e prática. Peirce é um destes autores da modernidade que, à luz de seu Pragmatismo, concebeu conhecimento teórico e prática em estreita relação; apesar de não apresentar uma consideração explícita sobre técnica, este conceito é passível de ser objeto de ref1exão no interior de sua filosofia e, em especial, de seu Pragmatismo. A máxima do Pragmatismo, na sua forma, talvez, mais conhecida dos estudiosos, "Considere quais efeitos, que concebivelmente poderiam ter conseqüências práticas, concebemos ter o objeto de nossa concepção. Então a concepção destes efeitos é o todo de nossa concepção do objeto"! traz a tão polêmica expressão "conseqüências práticas" que suscitou uma miríade de mal-entendidos e interpretações reducionistas de seu significado. O mais freqüente deles insiste em conceber a identidade significadoação redundando, mais propriamente, na expressão reduzida do imediato utilitarismo dos conceitos. Esta linhagem de interpretação do Pragmatismo teve seu maior e imediato defensor na figura de Willliam ]ames, conforme atesta o autor em sua época: Em 1896, WilliamJames publicou o seu Will to Believee, mais tarde, seu Philosophical Conceptions and Practical Results, que levaram este método (o do Pragmatismo) a tais extremos que é necessário fazer uma pausa. A doutrina parece assumir que a ação é o fim do homem - um axioma estóico que, para o presente escritor na idade dos sessenta, não é tão enfaticamente recomendável como o foi aos trinta". 1. CP-5. 402 (1878); 5.2 (1902); 5.438 (1905); 8.201n3 (1905). No texto original, não se encontra explicitamente "practical consequences" e, sim, "practical bearings" que, estrito senso, seria traduzido por "fundamentos práticos" ou "propósitos práticos". Contudo, nossa opção de tradução relaciona-se à freqüente discussão que o autor dedica ao significado de "practical consequences", tal qual aparece em outra forma de enunciado da máxima como, por exemplo, em CP-5.9 (1905). 2. CP- 5. 3 (1902). ANO ~ / N 4

nl Ivo ASSAd IbRi Encerrar o significado dos conceitos à ação deles possivelmente decorrente seria confinar algo de caráter lógico geral a uma instância particular, operação absolutamente herética para a linhagem realista, de um realismo geneticamente escolástico, da filosofia peirceana. Sob outro viés, há que ressaltar que este realismo radicaliza-se, na maturidade da obra do autor, através da admissão da realidade dos continua. Neste aspecto é que o desenvolvimento da teoria do continuum, de gênese matemática, associa-se à consolidação da lógica dos relativos como suportes conceituais ao que Peirce denomina sua doutrina ontológica do Sinequismcr, ou seja, aquela que trata da realidade de sistemas contínuos 4, numa versão contemporânea, segundo o autor, do realismo escolástico dos universais. Deste modo, sob esta menção ao realismo peirceano, que requer um objeto geral para uma relação de correspondência com o caráter geral de significado, desenha-se um viés mercê do qual é refutável a equivalência significado - ação, tanto quanto é logicamente equivocado admitir a redução de generalidade a pluralidade. É evidente que, aqui, se faz explícita referência à ação enquanto algo de natureza autonomamente particular, ou seja, detentora cabal da finalidade do conceito - talvez, sob este prisma, poder-se-ia dizer que seu significado estaria reduzido à causa eficiente que tal conceito, possivelmente, possa provocar. Aproveitando esta linhagem terminológica, dír-se-ia que o Pragmatismo requer, para o significado de um conceito, uma causa formal, uma idéia geral que, não obstante, requer, para sua realização, a instância da ação. É clara, nas palavras de Peirce, a relação sinequista geral- geral, em que o significado permanece, sempre, em seu tecido originariamente eidético e contínuo, resgatando sua própria natureza de generalidade, permanentemente, da particularidade da ação: Admitindo-se, ao contrário, que a ação requer um fim, e que este fim deve ser algo similar a uma descrição geral, então o espírito da máxima... direcionar-nos-ia para alguma coisa diferente dos fatos práticos, a saber, para idéias gerais como as verdadeiras intérpretes de nosso pensamentos. Peirce é ainda mais enfático sobre o assunto na seguinte passagem: 3. Em inglês synecbism, derivado do grego synecbismôs, de synechés, contínuo. 4. Não cabe, no pequeno espaço deste artigo, ir além desta mera menção ao Sinequismo. Cuidamos do desenvolvimento teórico desta doutrina em Ibri (992), Capo 4. 5. Esta passagem é a continuação da citada na nota 2, isto é, CP-5.3 (902). Os grifos são nossos. HYPNOE ANO ~ I NO 4

H2 PRAqMAI ismo E TÉCNicA...se o Pragmaticismo realmente transforma o fazer na totalidade e na finalidade da vida, isto seria sua morte. Pois dizer que vivemos para o mero objetivo ação enquanto ação, desconsiderando o pensamento que ela veicula, seria o mesmo que dizer que não há algo como um propósito racional 6. Também sob o ponto de vista meramente indicativo, conforme cabe neste ensejo, vale assinalar que a relação mais íntima entre o Pragmatismo e a Semiótica passa por esta discussão sobre o conceito de Significado em que o Sinequismo desempenha papel mediador, uma vez que o continuum dos interpretantes, na conhecida tríade signo-objeto-interpretante, tem por correlato esta correspondência geral-geral entre conceito e Significação que deve ter um vetor de continuidade face à não admissão, pelo autor, de teorias finais que encerrem representações últimas e acabadas sobre objetos submetidos ao processo de cognição. O abandono de finalismos e determinismos é compensado pelas idéias de crescimento e aperfeiçoamento, assumidamente à luz de uma filosofia evolucionista e teleológica, na qual todas as representações são geneticamente falíveis," mas passíveis, sempre, de auto-corretividade em processos de longo termo Clong run). De outro lado, a estrutura do sistema filosófico de Peirce, fundada em três categorias, primeiridade, segundidade e terceiridade", fenomenologicamente representadas pelos modos de ser da liberdade, alteridade, e pensamento (mediação) e, ontologicamente, por acaso, existência e lei, respectivamente, confronta o caráter de generalidade da primeira e terceira categorias com a natureza dos particulares que constituem a segunda categoria. Há, de fato, uma interação entre o contínuo e o descontínuo, seja fenomenológico, seja ontológico, em que as descontinuidades são instâncias necessárias para o aperfeiçoamento evolucionário das continuidades. É, desta forma, que se instaura um diálogo entre signos para o qual prevalecerá, sempre, o crescimento eidético na forma de aprendizagem, 6. Trecho (CP-5.429) do famoso artigo What Pragmatism ls, publicado no The Monist, Vol.l5, pp. 161-181, 1905, no qual ele se propõe mudar o nome de sua doutrina de Pragmatismo para Pragmaticismo, visando não confundir o verdadeiro sentido que quis lhe dar com as interpretações errôneas de que era ela alvo freqüente. Os grifos são nossos. 7. Uma doutrina das mais importantes da epistemologia de Peirce é seu Falibilismo. Consultar, a respeito, CP-141a176 (1897). 8. No plano da Fenomenologia e da Teoria da Realidade do autor, discorremos sobre as três categorias nos Capítulos 1 e 2 de lbri (1992). HVPNOE MO ~ / ~o 4

lh Ivo ASSAd Ibsi isto é, expressa em representações ou, semioticamente, em interpretantes mais complexos e mais próximos da estrutura dinâmica de seu objeto. Sob este prisma, e à luz destas considerações teóricas apenas indicativas para um exame mais detido da obra do autor, a expressão conseqüências práticas encerra, por conseguinte, esta necessidade do contínuo se configurar como descontinuidade para um posterior retorno a seu genuíno plano eidético. Ora, vista por este vértice, prática significa passagem pelo descontínuo, onde se encerra, propriamente, a alteridade necessária ao aperfeiçoamento e crescimento da representação. É interessante registrar, também, que esta passagem pelo descontínuo é o modo pelo qual o plano teórico aparece, vale dizer, tem conseqüências Jenomenologicamente experienciáveis. O diálogo semiótico, necessário à instauração da semiose, ou seja, da função cognitiva, requer o prático como experienciâuel visando a validação universal da instância teórica. Talvez seja lícito dizer: o oculto é matéria de poesia, não de ciência. Dentro deste quadro conceitual que repugna, no plano da filosofia, toda forma de truncamento não evolutivo e insustentavelmente finalista, como conseqüência do confinamento do significado à mera ação, qual o papel da técnica, tendo-se já formulado um espaço teórico para a prática? Evidentemente, não se pode negar que boa parte do trabalho humano viabiliza-se por um sistema de regras, não infreqüentemente inconsciente, que denominamos técnica. Ela parece ser um meio para se atingir determinado fim prático e, no mais das vezes, colima seus objetivos sem recorrência a qualquer arcabouço teórico que a justifique. Peirce tem plena ciência deste alcance, em muitos casos, limitado da teoria no auxílio da técnica: A teoria de qualquer ato de nenhum modo vem lhe somar alguma coisa, na medida mesma em que o que há por fazer é de descrição simples, de tal modo que ele pode ser governado por uma parte inconsciente de nosso organismo. Para este propósito, regras de polegar ou absolutamente nenhuma regra são o que há de melhor. Você não pode jogar bilhar através da mecânica analítica, nem fazer compras utilizando economia política. Todavia, quando novos caminhos devem ser trilhados, uma linha mestra de ação não é suficiente; requer-se um cérebro, e aquele cérebro como órgão de uma mente, e aquela mente aperfeiçoada por uma educação liberal. E educação liberal - até onde vai sua relação com o entendimento - significa Lôgica", 9. CP-7.64 (1882), grifas nossos. AI\O } 11\04

n4 PRAqMATisMO E TÉCNicA Entendendo-se, nesta passagem, Lógica como Semiótica, o autor explicitamente defende que o crescimento do saber deva ser feito no jogo eidético dos signos. A técnica provedora do sucesso de uma prática não tem, por si só, poder-se-ia dizer, potência heurística para novos caminhos, não obstante se deva reconhecer que sem uma técnica as conseqüências práticas não sejam viabilizáveis - a técnica seria o meio pelo qual o contínuo necessariamente deve passar pelo descontínuo. À luz destas idéias, é de interesse perceber o quanto dialogaram a técnica e a ciência na história. Um diálogo provocativo em que um problema prático suscita o desenvolvimento de uma teoria: recorde-se, na Renascença, da técnica dos canhoneiros que "sabiam" que o maior alcance para o projétil se dava com o canhão inclinado a 45º em relação ao plano horizontal de apoio. A partir da descoberta de que a trajetória do projétil descrevia, aproximadamente, uma parábola, foi possível justificar aquele alcance máximo e, mais, demonstrar a igualdade dos alcances para ângulos de inclinação do canhão iguais a 45º + a e 45º - a. Não parece ser a ciência nossa maior carência para realizarmos viagens siderais a altíssimas velocidades, desfrutando, realmente, da dilatação do tempo apregoada pela Relatividade. Necessitamos de uma técnica e, mais amplamente, de uma tecnologia, que viabilizem a teoria na construção de naves capazes de deslocarem-se a velocidades ponderáveis em relação à da luz. Escusando-nos por uma eventual impropriedade desta paródia, poder-se-ia dizer que a ciência sem a técnica é pura contemplação (não vazia) de sonhos futuros; a técnica, sem a ciência, não tem a visão vedada por uma cegueira, mas, talvez, pelo sono advindo da monotonia do hábito. O crescimento do saber parece ser garantido pelo humano diálogo entre ciência e técnica. Neste aspecto, os deuses podem por fim repousar sem o receio de serem novamente roubados. ANO~/N04

U~ Ivo ASSAd IbRi BIBLIOGRAFIA HARTSHORNE, Charles; WEISS, Paul and BURKS, Arthur (eds.), Collected Papers cf Charles Sanders Peirce. Cambridge, Massachusetts, Harvard University Press, 1931-35 e 1958; 8 vols. Mencionamos esta obra como CP, seguida do Volume e parágrafo correspondente.!bri, Ivo Assad. (1992). Kósmos Noétos - A Arquitetura Metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo, Perspectiva / Hólon. HYPNOE ANOUN 4