FUTEBOL E POPULAÇÃO Cássio Matheus da Cruz Santos Graduando do Curso de Licenciatura em Geografia do Instituto Federal da Bahia - IFBA cassiomatheus@ifba.edu.br INTRODUÇÃO É inegável que o futebol, assim como o samba e o carnaval, é um dos grandes símbolos da cultura brasileira. A grande difusão do esporte encoraja diversas iniciativas de pesquisa, nas quais é possível associa-lo a diferentes perspectivas teóricas, sobretudo no campo das ciências humanas. Essa pesquisa surge no contexto da disciplina Geografia da População, como parte dos trabalhos produzidos dentro da temática Novas abordagens da Geografia da População. Com base em pesquisas bibliográficas nessa área da Geografia é possível identificar uma série de relações entre os conceitos populacionais e o referido desporto, o que demonstra que o mesmo pode ser uma interessante fonte de estudo, explicativa e contextualizada ao atual momento histórico, além de demonstrar a relevância dos estudos populacionais na contemporaneidade a partir de temáticas atuais e diversificadas. Apesar dessa temática ainda conviver com uma certa desconfiança da academia, existem diversos estudos consolidados que foram importantes subsídios teóricos para este trabalho. Além destas ricas fontes bibliográficas, o trabalho tem sido fundamentado pela constante análise do cotidiano do mundo do esporte, observando os fatos locais e globais sob a perspectiva geográfica. Ainda em estágio inicial, a pesquisa prossegue em um momento muito oportuno, onde o país do futebol recebe o principal certame do esporte e todo o mundo volta seus olhares para o Brasil.
GLOBALIZAÇÃO E FUTEBOL Dentre os esportes mundialmente conhecidos, nenhum foi tão influenciado pela globalização quanto o futebol. Tal processo trouxe uma nova face ao desporto, o modificando dentro e principalmente fora das quatro linhas. No contexto desse trabalho, a globalização pode ser apreendida como um ponto chave dessa análise, que articula e precede as demais associações com os elementos da dinâmica populacional. Conforme o estudo do geógrafo e repórter Paulo Miranda Favero (2009), dois marcos históricos deram início ao processo de globalização no futebol, a lei Bosman criada na década de 1990 pela União Europeia e no Brasil a lei 9.615, de 24 de março de 1998, popularmente conhecida como a lei Pelé. Em síntese, essas leis reestruturam a dinâmica do futebol, uma vez que facilitaram a negociação de jogadores e enfraqueceram os vínculos dos atletas com os clubes. Nas últimas décadas, o futebol deixou de ser apenas um esporte e tornou-se uma indústria global, que produz alterações tanto no componente desportivo quanto no componente social. A globalização incorporou ao esporte um novo universo, que vai desde o monopólio das grandes instituições, a exemplo da FIFA e da Conmebol, passando pela quebra de barreiras nas transmissões, até a padronização dos campeonatos ao redor do mundo. Não somente isso, a globalização, na perspectiva do futebol, cria novos estilos, homogeneíza culturas e cria novos hábitos. FUTEBOL E ECONOMIA Na atual conjuntura que se apresenta a atividade futebolística, é impossível ignorar os aspectos econômicos que circundam o mundo da bola. O assunto em questão é tão presente, que até mesmo nas mais simplórias conversas sobre futebol, a temática econômica está envolvida. Não é necessário ter um conhecimento avançado para dizer que o jogador recebe uma fortuna de salário e não está rendendo, ou que o clube
arrecadou pouco no último jogo, entre muitos outros exemplos que associam temáticas quase que intrínsecas. Compreender essas relações é mais que tudo entender a amplitude desse processo, relações estas que vão muito além do campo. O atual estágio do capitalismo incorporou novas tendências de mercado voltadas para a manipulação do esporte, diversas questões podem ser observadas nesse contexto, em especial a objetização dos atletas, que se transformam em verdadeiras mercadorias tendo seu valor ligado principalmente à sua imagem em detrimento da sua qualidade. Outro aspecto é a questão das empresas que investem pesado em clubes, competições, jogadores e etc.; com intuito de atrair o consumo dos fãs do esporte. A Nike, por exemplo, gasta verdadeiras fortunas com marketing e pesquisa de mercado, pra se ter uma ideia dessa dimensão, o site Sport Marketing através dos relatórios da empresa, revelou que no ano de 2008 a Nike já havia gasto US$ 3,4 bilhões nesse sentido. O dinheiro passou a preponderar no esporte, os desnivelamentos entre os clubes ficaram cada vez maiores e cada vez mais cedo, os atletas promissores são retirados de seus países pelos gigantes do futebol. Muito disso se deve a legislação que regulamenta a profissão no país, a lei Pelé de certa forma favoreceu ao interesse do capital. Os clubes, sobretudo os brasileiros, acabaram se tornando instituições que precisam se preocupar em abrir novos mercados rendendo-se ao marketing, visto que é ele quem os sustenta, garantindo a visibilidade e a estrutura necessária. Numa breve comparação, as grandes instituições e empresas detêm o controle das ações, definindo os parâmetros dos espetáculos, os clubes viraram indústrias que vendem suas marcas através de produtos licenciados, materiais esportivos etc.; os cartolas são como presidentes dessas empresas, na maioria das vezes fazendo uma péssima administração e afundando os clubes, os torcedores como um expressivo público consumidor e que em crescentes casos se associam a seus clubes, sendo submetidos à uma relação de valores, onde a paixão ao clube tem preço. FUTEBOL E MIGRAÇÕES
Dentre as associações entre futebol e população realizadas neste trabalho, pode-se dizer que a questão das migrações é a que possui maior dinamicidade. O atual perfil do futebol mundial faz com que essa temática seja repensada constantemente. Analisando criticamente cada caso que envolve os deslocamentos provenientes do futebol, é possível se caracterizar os diversos tipos de movimentos migratórios, suas características e tendências. Um fato curioso é que os contextos que envolvem esses processos migratórios no futebol podem ser explicados, muitas vezes, pelas mesmas justificativas que aparatam as migrações populacionais de forma geral, como o exemplo dos jogadores que saem do continente africano em busca de melhorias de vida na Europa. Outro grande exemplo é o do Brasil, que lidera o número de jogadores atuando fora de seus domínios, conforme pesquisa realizada pela Pluri Consultoria no ano de 2011, são 1063 atletas espalhados por 108 ligas pelo mundo. Estatísticas como essas são muito importantes nessa análise, pois indicam como ocorre esse fluxo, sinalizando quem são os maiores importadores e exportadores da mão da obra futebolística. Ainda estatisticamente falando, os países receptores ou importadores, estão localizados, em sua maioria, na Ásia e na Europa. Tais destinos são preferidos principalmente pela questão financeira e no caso da Europa pela visibilidade, o que consequentemente leva à valorização dos atletas. E nas questões das exportações, os grandes polos são a África, América Latina e a própria Europa. Entretanto, devido ao fato do futebol seguir a lógica populacional e econômica, vêm acontecendo alterações nesse fluxo, onde os destinos que antes importavam passam a exportar e vice-versa. A crise do euro, aliada a valorização do real, deu ao Brasil uma notoriedade no contexto da importação de atletas de ponta. Não apenas a repatriação de jogadores, mas principalmente a vinda de estrangeiros, em destaque dos vizinhos Argentina, Uruguai e Paraguai. Pode-se citar como exemplo o atacante uruguaio Diego Forlán, eleito melhor jogador da copa do mundo da África, que foi contratado pelo Internacional em 2012. Outro indicativo
dessas alterações nos fluxos de idas e vindas é a maior permanência de craques nos seus clubes. Em diferentes contextos históricos/migratórios pelos quais as populações mundial e brasileira passaram, o futebol também esteve presente, a exemplo da chegada dos imigrantes italianos ao Brasil, no ano de 1870, que posteriormente fundaram os clubes de futebol Palestra Itália de São Paulo e de Belo Horizonte, que vieram a se tornar o Sociedade Esportiva Palmeiras e o Cruzeiro Esporte Clube, times amados por muitos brasileiros. DESIGUALDADES E RACISMO Entende-se por racismo no futebol qualquer prática segregadora e ofensiva que utilize como pressuposto características étnico-raciais e que seja direcionada a algum atleta ou profissional que trabalhe em associação com o esporte. Isso tende a acontecer com certa frequência mesmo havendo a pressão da mídia e da sociedade contra esses casos. Apesar de estar voltado para uma situação em particular (o jogo de futebol) é considerado como racismo normal e punido da mesma forma que qualquer outra manifestação racista. Apesar da maioria dessas detestáveis práticas ocorrerem no continente Europeu, não são raros relatos no Brasil e na América latina. As agressões vêm de todas as partes, dos próprios jogadores, dos dirigentes e principalmente da torcida. No dia 12 de Fevereiro de 2014, na cidade de Huancayo no Peru, os clubes Cruzeiro e Real Garcilaso, disputavam uma partida válida pela copa Libertadores da América. Em dado momento do jogo a torcida do time da casa, em coro, começou a imitar um macaco toda vez que o atleta Tinga do cruzeiro pegava na bola. Esta atitude estarreceu o mundo da bola, não apenas pela atitude, mas pela circunstância que a mesma acontecera. A população de descendência indígena tão conhecedora da opressão e da exclusão, praticar esse tipo de comportamento e de maneira tão ampla.
Infelizmente esses casos não são isolados, o racismo no futebol têm se tornando uma prática frequente, mesmo com as iniciativas da mídia e das instituições reguladoras. A solução que parece surtir mais efeito em curto prazo está vinculada à punição exemplar de quem comete esses atos, aliada à mudança na legislação. A exemplo do torcedor do Villareal da Espanha que atirou uma banana para o jogador Daniel Alves do Barcelona, o próprio clube identificou o torcedor e o baniu dos seus jogos para sempre. Assim como na sociedade, o racismo no esporte ainda não é uma situação superada, sendo ainda mais preocupante quando ocorre nos limites do Brasil. FUTEBOL E GÊNERO Na história das sociedades, é possível acompanhar a luta enfrentada pelo sexo feminino. As mulheres estão quebrando barreiras, realizando suas funções com dedicação e competência. Apesar dos avanços, ainda existem profissões consideradas do mundo masculino, como àquelas relacionadas ao futebol. O referido desporto espelha as desigualdades mundiais, também tão marcantes na sociedade brasileira. Tais desigualdades, na sociedade contemporânea, vêm sendo cada vez mais discutidas, o público feminino, mesmo que ainda timidamente, assume seus gostos e suas preferências. Já existe torcida exclusivamente feminina, que através das redes sociais, mostra toda sua capacidade de orientar e argumentar sobre o assunto. Mesmo com o visível destaque da mulher no mundo do futebol, o preconceito continua existindo, e para quebrar esse tabu, ainda será necessário mais tempo. Seguindo em frente, nesse percurso difícil para o futebol feminino, se afirma que mulheres que trabalham com o futebol são homossexuais, como se não existisse isso no futebol masculino. Superando todos os preconceitos dentro e fora de campo, elas precisam lutar para seguir nesse esporte, tão menosprezado em relação ao segmento masculino.
Jogadoras relatam que precisam de coragem e força de vontade para enfrentar os obstáculos impostos pela desigualdade. Mesmo inseridas em um contexto dominado por homens e arcando com todas as responsabilidades, as jogadoras enfrentam esses desafios de maneira valente, pois sofrem justamente por essa contradição, já que só há privilégios, prestígios, recursos, condições e dinheiro no segmento masculino. Para garantir esse espaço elas precisam superar esses preconceitos, lutando por melhores condições de trabalho.
REFERÊNCIAS DAMIANI, Amélia Luísa. População e Geografia. São Paulo: Contexto, 2008. FAVERO, Paulo Miranda. Os donos do campo e os donos da bola: alguns aspectos da globalização do futebol São Paulo. 2009. 118 f. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do futebol: dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. MASCARENHAS, G. À Geografia dos Esportes: uma introdução. Scripta Nova Revista Eletrónica de Geografia y Ciencias Sociales, Barcelona, v. 3, 1999. PLURI CONSULTORIA. Disponível em:< http://www.pluriconsultoria.com.br/noticia.php?id=112>.acesso em: 15 mai. 2014. SPORTMARKETING. Disponível em:< http://www.sportmarketing.com.br/2008/04/nike-revela-gastos-compublicidade.html>.acesso em: 15 mai. 2014.