Christian Debuyst: Perspectivas de criminologia clínica. Christian Debuyst. Vol. 4. Coleção Percursos Criminológicos

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Transcrição:

Christian Debuyst: Perspectivas de criminologia clínica Christian Debuyst Vol. 4 Coleção Percursos Criminológicos Capítulo Introdutório e Prefácio: Cândido da Agra Gustavo Noronha de Ávila Marcus Alan Gomes [Coords.]

Christian Debuyst: perspetivas de criminologia clínica

Christian Debuyst: perspetivas de criminologia clínica Christian Debuyst Vol. 4 Coleção Percursos Criminológicos Gustavo Noronha de Ávila Marcus Alan Gomes [Coords.] Textos selecionados e analisados por Cândido da Agra editora

Copyright 2018, D Plácido Editora. Copyright 2018, Christian Debuyst Editor Chefe Plácido Arraes Produtor Editorial Tales Leon de Marco Capa, projeto gráfico Letícia Robini Diagramação Bárbara Rodrigues Editora D Plácido Av. Brasil, 1843, Savassi Belo Horizonte MG Tel.: 31 3261 2801 CEP 30140-007 WWW.EDITORADPLACIDO.COM.BR Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, por quaisquer meios, sem a autorização prévia do Grupo D Plácido. DEBUYST, Christian. Catalogação na Publicação (CIP) Ficha catalográfica Christian Debuyst: perspetivas de criminologia clínica- Belo Horizonte: Editora D Plácido, 2018. Bibliografia. ISBN: 978-85-8425-936-6 1. Direito 2. Criminologia. I. Título. II. Autor CDU343 CDD341.5

Sumário Prefácio 7 Capítulo Introdutório: O pensamento clínico de Ch. Debuyst: planos de uma trajetória epistémica 15 Parte I Orientações Fenomenológicas 1. A observação psicológica dos detidos e o seu significado nas ciências penitenciárias 71 2. Etienne de Greeff. Uma análise complexa do comportamento delinquente 99 Parte II Desconstrução e Reconstrução 3. As novas correntes da criminologia contemporânea. O questionamento da psicologia criminal e do seu objecto 127 4. A etiologia, considerada no âmbito dos estudos clínicos. Os conceitos básicos e a sua aplicação: da noção de personalidade delinquente à de comportamento delinquente, sendo este analisado a partir do seu sentido 163

Parte III As Criminologias Clínicas 5. Criminologia clínica e inventário de personalidade. Utilização quantitativa ou qualitativa 195 6. Os paradigmas do direito penal e as criminologias clínicas 229 Parte IV Criminologia Social Clínica 7. A delinquência como interacção 265 8. Actor social e delinquência 279 Parte V Entre Criminologia Clínica e Filosofia 9. No quadro da clínica criminológica: as diferenças de perspectiva entre as neurociências e a psicanálise serão ultrapassáveis? 311 10. A criminologia clínica. Uma passagem por Wittgenstein 343

Prefácio 1. Comecemos com uma pergunta: porquê publicar uma obra de criminologia, na especialidade de criminologia clínica, quando no Congresso Internacional de Criminologia de 1977, realizado em Lisboa, se profetizou a agonia da criminologia clínica? Era o tempo, lembro-o, em que dominava o discurso da criminologia da reacção social e da criminologia crítica, as quais tinham como principal inimigo a criminologia etiológica e da passagem ao acto, irmã gémea da criminologia clínica. A resposta é simples: é que a criminologia clínica proposta por Ch. Debuyst se distanciou da criminologia clínica de matriz positivista, procurando desenvolver-se numa outra lógica, num novo quadro epistémico, através de um mecanismo de adaptação e acomodação de esquemas abstratos (utilizo os conceitos de J. Piaget ao nível do desenvolvimento da inteligência). Isto é, o autor desconstruiu os esquemas tradicionais desta micro-criminologia centrada no indivíduo delinquente e na sua personalidade criminal, tal como a concebeu J. Pinatel e a desenvolveram os seus seguidores (M. LeBlanc e M. Frechette no Canadá e A. M. Favard em França). Desconstruiu por desconstruir? Criticou aderindo a um hipercriticismo iconoclasta da criminologia infiltrado mais pelas ideologias e pelas emoções do que pela razão argumentativa? Foi penetrável a lutas de apropriação territorial? Tomou parte em movimentos inspirados em 7

atitudes de negativismo social? Nada disso. Situou-se face a esse clima respeitando-o, observando-o e aderindo, não apenas a algumas ideias que o inspiraram, mas sobretudo respondendo, pelo seu próprio pensamento crítico, ao apelo histórico-social da necessidade de uma mudança profunda na criminologia. Com base nessa posição de fundo, reconstruiu o objecto, os conceitos e os métodos da clínica criminologia, elaborando, de modo rigoroso, sistemático e metódico, esquemas que lhe permitiram assimilar a criminologia da reacção social. Direi, inspirado na epistemologia de T. Kuhn, que Ch. Debuyst, no seio da crise da criminologia dos anos 60 e 70, operou uma revolução científica desta disciplina criminológica. 2. Qual o valor desta obra para a criminologia dos países de língua portuguesa? Penso que os países de Língua Portuguesa, que agora despertam para a criminologia, depois de um longo período de letargia, beneficiam de um pensamento ao mesmo tempo, crítico, denso, e pragmático. Pensamento este que brota de uma experiência vivida rara em longevidade produtiva e, por isso, em profundidade histórica, em poder argumentativo esteado numa vasta cultura. Isto sem deixar de lado uma acção empenhada na evidenciação crítico- -científica dos problemas do seu tempo e também do nosso. É tempo de a Criminologia latina, pela qual luto, revelar os seus vultos de cultura criminológica, desenvolver uma criminologia pensada e comunicada em línguas latinas, neste caso a língua portuguesa, encontrar quadros de pensamento que acolham os problemas específicos das nossas culturas. Não em atitude de recusa cega de outras tradições criminológicas como é o caso da criminologia anglo-saxónico. Ela está aí, dotada de um enorme capital de cultura científica. Seria estulto negar-lhe o mérito e não o acolher. Trata-se, isso sim, de retirar a luz da criminologia 8

latina debaixo do alqueire, onde está escondida e revelá-la, anunciá-la, torna-la visível, iluminante, como o candelabro que ilumina todos os que estão nas salas da comunidade criminológica internacional. Se a criminologia anglo-saxónica domina e, podemos dizê-lo, tiraniza o pensamento criminológico, é por duas razões: primeiro, porque a nossa tradição não conhece nem revela os seus monumentos de pensamento criminológico; segundo, porque permanece, aqui, fossilizada num criticismo arcaico, fora de contexto crítico-filosófico e crítico-científico; ali, colonizada pelo psicologismo e pelo dogmatismo penal; acolá, elaborada cientificamente e com grande qualidade, ela existe enquanto coisa concreta e efectiva, mas envergonhada de usar o nome que corresponde à sua coisa, a criminologia: uma criminologia que se faz, de igual qualidade, por vezes melhor, do que a criminologia anglo-saxónica, mas recusa dizer-se movida por uma espécie de chauvinismo intelectual, com tudo o que envolve de arrogância, de estigmatização, de marginalização e de vontade oculta de iluminação do mundo em matéria de crime e justiça. 3.O autor. Ch. Debuyst é jurista, psicólogo e criminólogo pela Universidade de Lovaina. Neste momento é Professor Emérito da mesma universidade. Foi co-fundador com seu mestre E. De Greeff da criminologia da clínica belga, de orientação fenomenológica, orientação que marcou profundamente a criminologia europeia, designadamente como ponto de ruptura com a escola positivista italiana. Autor de uma vasta obra que reflecte o equilíbrio entre a prática clínica e a crítica teórica, entre a conservação e a inovação nos saberes do crime e da pena, o Prof. Ch. Debuyst viu muitos dos seus textos traduzidos para várias línguas: espanhol, inglês, alemão e japonês. Desde cedo convidado por prestigiadas universidades, de modo 9

regular Montreal e Ottawa, Ch. Debyuyst constitui uma referência para várias gerações de professores e investigadores em criminologia. Pelo mérito científico da sua obra foram-lhe atribuídos os prémios: Denis Carrol da Sociedade Internacional de Criminologia e F. Boulan da Sociedade Internacional dos Criminólogos de Língua Francesa e o título de Doutor Honoris Causa da Universidade do Porto. 4. Plano desta obra A obra organiza-se em cinco partes. Cada uma delas corresponde a um período da trajectória de investigação teórica e empírica do autor. Cada parte tem uma coerência própria cujo sentido é traduzido pelo enunciado geral de cada uma dessas partes. Cada uma das partes compreende artigos selecionados para tradução, que constam desta obra, e outros cuja amplitude tornariam esta obra muito extensa. Não deixam, no entanto, esses artigos de ser objecto de análise do capítulo introdutório. A primeira parte Orientações fenomenológicas - é composta por dois artigos traduzidos cujos conteúdos são: A observação psicológica dos detidos e o seu significado nas ciências penitenciárias (1956) Etienne de Greeff. Uma análise complexa do comportamento delinquente (1995). Este último é dedicado ao seu mestre. Neste plano da sua trajetória situam-se, ainda, os seguintes artigos e livros que a análise do capítulo introdutório teve em conta e que em seguida se enumeram: A transgressão das regras sociais na literatura (1969); a constituição de um estilo de vida delinquente na adolescência na obra Crianças e adolescentes ladrões (1971) Da relatividade ao carácter imperativo da norma. A perspectiva que nos dá e a patologia social. (1973). Os quatro textos partilham o mesmo quadro de referência, aquele em que o autor trabalhou como clínico da prisão 10

central de Louvain-Bélgica, com o seu mestre E. De Greff, primeiro psiquiatra do referido estabelecimento prisional e primeiro professor de criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de Louvain. Esta parte coloca-se sob o signo da orientação fenomenológica que caracterizou a criminologia clínica belga durante várias décadas. A segunda parte - Desconstrução e reconstrução - é composta por dois textos traduzidos nesta obra: As novas correntes da criminologia contemporânea. O questionamento da psicologia criminal e do seu objecto (1975) e A etiologia, considerada no âmbito dos estudos clínicos. Os conceitos básicos e a sua aplicação: da noção de personalidade delinquente à de comportamento delinquente, sendo este analisado a partir do seu sentido (1978). Para além destes, integram ainda este período outros textos nos quais o autor opera uma descontinuidade na criminologia clínica, tendo em conta a metamorfose que sofreu a criminologia entre o final dos anos 60 e princípios dos anos 80. Essa descontinuidade passa por dois tipos de análise teórico-epistemológica. O primeiro, de desconstrução, ocupa-se das transformações teóricas gerais da criminologia e suas novas correntes, dando especial relevo à crítica de certos conceitos fundadores quer da criminologia clínica, quer da psicologia criminal tais como como: personalidade criminal e perigosidade. O segundo, procede à elaboração de novas bases conceptuais que permitam a sobrevivência da criminologia clínica no seio das mudanças paradigmáticas, designadamente, as teorias da reação social. Este é o momento da reconstrução. A terceira parte - As criminologias clínicas - agrupa quatro artigos, de entre os quais dois foram traduzidos nesta obra: Criminologia clínica e inventário de personalidade. Utilização quantitativa ou qualitativa (1989) e Os paradigmas do direito penal e as criminologias clínicas (1992). Em dois dos artigos deste período, o autor compara o que podería- 11

mos chamar a antiga criminologia clínica (criminologia etiológica) com a nova (criminologia clínica adaptada à reacção social). Nos restantes apresenta instrumentos que operacionalizam os novos conceitos. São disso exemplo o artigo sobre o inventário de personalidade de Eysenck e o seu uso segundo um método qualitativo (1989). No capítulo introdutório procedeu-se a um exercício comparativo esquematizado numa tabela que permite visualizar, de forma clara, as diferenças entre a criminologia clínica das diferenças e a criminologia clínica dos processos socio-patológicos da qual Ch. Debuyst se reclama. A quarta parte criminologia social clínica agrupa cinco textos, dos quais dois foram traduzidos para esta obra: A delinquência como interacção (2002) e Actor social e delinquência (1990). Os três primeiros textos deste período resultam da nova criminologia clínica vista na perspectiva da delinquência como interacção, enriquecendo-a com os contributos das neurociências. Os dois últimos alargam o ponto de vista neuronal ao nível micro-social, através do conceito de actor social. O conceito é transferido pelo autor, no final dos anos 80, da sociologia de A. Touraine para a criminologia clínica. Daí, o enunciado desta parte: criminologia social clínica. A quinta parte - Entre biologia e filosofia da linguagem é, essencialmente, constituída pelos textos produzidos pelo autor no âmbito de seminários realizados na universidade do Porto entre 2006 e 2013. Nesta obra encontram-se traduzidos dois deles: No quadro da clínica criminológica: as diferenças de perspectiva entre as neurociências e a psicanálise serão transponíveis? (2010) e A criminologia clínica. Uma passagem por Wittgenstein (2016). Esta é composta por dois capítulos: o primeiro é centrado na criminologia clínica perante as neurociências e o seu novo inconsciente bem como na psicanálise e seu conceito fundamental de inconsciente 12

agora revisto à luz destas ciências emergentes. O segundo artigo constitui uma síntese das reflexões do autor sobre Wittgenstein e seu conceito de jogo de linguagem, concebido como sistema de comunicação. Ch. Debuyst aplica este conceito da filosofia de linguagem à criminologia clínica em duas direcções: a sua própria experiência passada enquanto criminólogo clínico; os problemas actuais como o jiadismo e novas formas de delinquência juvenil. 5. Como foi planeada a obra? A organização dos textos, é o produto de uma metodologia que seguiu os seguintes passos: 1) Recolha de todas as publicações do autor organizadas por ordem cronológica; 2) Selecção, em conjunto com o autor, em reuniões de trabalho realizadas para o efeito na Faculdade de Direito da Universidade do Porto em Dezembro de 2006, dos textos mais representativos do seu pensamento clínico. 3) Análise fina dos textos segundo conteúdos e fases paradigmáticas para estabelecimento de rupturas e continuidades na trajectória científica do autor. 4) Apresentação e discussão da análise efectuada com o autor em reuniões de trabalho efetuadas, ao longo destes anos, no Porto e em Bruxelas. A Primeira teve lugar em Bruxelas em novembro de 2007. A última, também em Bruxelas, teve lugar em janeiro de 2018. 5) Para cada uma das cinco partes, que representam cinco planos da trajectória de Ch. Debuyst, foram selecionados dois textos representativos de cada um dos planos da trajetória do autor. São esses os textos traduzidos. No entanto, no capítulo introdutório encontram-se citados outros textos não traduzidos, mas que o autor do capítulo, Cândido da Agra, analisa e comenta, integrando, uns e outros (traduzidos para a língua portuguesa e escritos em francês) na série de planos que se sucedem no tempo. 13

No capítulo introdutório encontram-se também citadas outras fontes que não os textos. São as a comunicações entre mim e Ch. Debuyst nas interacções verbais no quadro das nossas reuniões de trabalho que muitas vezes se prolongavam por comunicações via correio electrónico. 6)Voto: possa esta obra funcionar como catalisador de uma orientação que ultrapassa as habituais dicotomias: criminologia crítica-criminologia da passagem ao acto; criminologia positivista-criminologia construtivista; criminologia etiológica-criminologia da reacção social, etc. Tais categorias dicotomizantes, porque acríticas, fundam-se mais, de modo consciente ou inconsciente, em posições e movimentos ideológicos do que em critérios e procedimentos e trabalhos científicos. Tais clivagens mágicas constituem verdadeiros obstáculos epistemológicos (G. Bachelard), à caminhada, que sempre contém erros a serem vistos, assumidos e corrigidos, na direcção de uma ética da discussão (O. Apel) ou um agir comunicacional e uma ética da comunicação (J. Habermas) que tem por objecto o crime e a justiça. Saibamos interpretar o nosso a priori histórico, como nos ensinou M. Foucault, que a todos engloba e a todos interpela: Que nos está a acontecer, na história do tempo presente? Que devemos nós fazer? Qual é a nossa experiência do crime e da justiça? Como se configura esta experiência no seu elemento de saber e de ciência, na sua componente normativa, no seu elemento ético-hermenêutico próprio dos sistemas de vida? Porto, 5 de maio de 2018 Cândido da Agra Professor Catedrático Emérito da Universidade do Porto 14

Voto: possa esta obra funcionar como catalisador de uma orientação que ultrapassa as habituais dicotomias: criminologia crítica-criminologia da passagem ao acto; criminologia positivista-criminologia construtivista; criminologia etiológica-criminologia da reacção social, etc. Tais categorias dicotomizantes, porque acríticas, fundam-se mais, de modo consciente ou inconsciente, em posições e movimentos ideológicos do que em critérios e procedimentos e trabalhos científicos. Tais clivagens mágicas constituem verdadeiros obstáculos epistemológicos (G. Bachelard), à caminhada, que sempre contém erros a serem vistos, assumidos e corrigidos, na direcção de uma ética da discussão (O. Apel) ou um agir comunicacional e uma ética da comunicação (J. Habermas) que tem por objecto o crime e a justiça. Saibamos interpretar o nosso a priori histórico, como nos ensinou M. Foucault, que a todos engloba e a todos interpela: Que nos está a acontecer, na história do tempo presente? Que devemos nós fazer? Qual é a nossa experiência do crime e da justiça? Como se configura esta experiência no seu elemento de saber e de ciência, na sua componente normativa, no seu elemento ético-hermenêutico próprio dos sistemas de vida? Do prefácio de Cândido da Agra. ISBN 978-85-8425-936-6 editora 9 788584 259366