Silvio Brienza Júnior. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Amazônia Oriental. Belém, Pará, Brasil



Documentos relacionados
PRÁTICAS SILVICULTURAIS

Uso de Árvores Leguminosas para Melhorar a Agricultura Familiar da Amazônia Oriental Brasileira

A Vida no Solo. A vegetação de um local é determinada pelo solo e o clima presentes naquele local;

Tecnologia & Engenharia Desafio Prático. Temporada Tecnologia & Engenharia. Desafio Prático. Torneio Brasil de Robótica

Dr. Sergius Gandolfi - LERF/LCB/ESALQ/USP

Pesquisa Florestal Brasileira. Brazilian Journal of Foresty Research.

Agricultura de Baixo Carbono e Bioenergia. Heitor Cantarella FAPESP: Programa BIOEN & Instituto Agronômico de Campinas(IAC)

PLANTIO DE MILHO COM BRAQUIÁRIA. INTEGRAÇÃO LAVOURA PECUÁRIA - ILP

A BIOMASSA FLORESTAL PRIMARIA

Aprenda a produzir e preservar mais com a Série Produção com Preservação do Time Agro Brasil Entre no portal

O MOVIMENTO GAIA BROCHURA NO 8 COMO: CULTIVAR SEU PRÓPRIO FERTILIZANTE E TAMBÉM ADQUIRIR FORRAGEM PARA ANIMAIS E LENHA.

BOAS PRÁTICAS. Fonte: Manual Boas Práticas Agrícolas para a Agricultura Familiar

4 ' Pio eto. Capoei . - Í-k. -.ww' 1*r, - -' i. *¼'i' .4 -k Anais... :-. :-.,, :. - ' 2 MMA

Sistemas de manejo do solo

Manejo Sustentável da Floresta

Corte seletivo e fogo fazem Floresta Amazônica perder 54 milhões de toneladas de carbono por ano

INFLUÊNCIA DE PLANTAS DE COBERTURA DO SOLO NA OCORRÊNCIA DE PLANTAS DANINHAS E NA PRODUTIVIDADE DE GRÃOS DE TRIGO

METODOLOGIA E ESTRATÉGIAS PARA A FLORESTAIS: BIOMA CERRADO

GRUPO X 3 o BIMESTRE PROVA A

6 Exploração florestal ATENÇÃO!

TRATOS CULTURAIS PARA QUALIDADE DA SEMENTEIRA

CULTIVO AGROECOLÓGICO DE TOMATE CEREJA COM ADUBAÇÃO VERDE INTERCALAR 1

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA LUIZ DE QUEIROZ DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FLORESTAIS LCF-1581

FLORESTAS PLANTADAS E CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE NO BRASIL

Prof. Pedro Brancalion

Propagação de Acessos de Bacurizeiro (Platonia Insignis Mart.) Através da Raiz Primária de Sementes em Início de Germinação.

SISTEMAS DE PRODUÇÃO IMPORTÂNCIA PARA CONSERVAÇÃO DOS SOLOS E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE BAMBUI-MG 09/09/2008

Vantagens e Desvantagens da Utilização da PALHA da Cana. Eng. Agr. Dib Nunes Jr. GRUPO IDEA

Sistema de Integração Lavoura-Pecuária (ILP) de Corte da Embrapa Milho e Sorgo

USO DE FOGÕES ECOLÓGICOS POR FAMÍLIAS AGRICULTORAS DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO EXPERIÊNCIA DO PROJETO DOM HELDER CAMARA

PLANTIO DIRETO. Definição JFMELO / AGRUFBA 1

AGRICULTURA DE PRECISÃO EM SISTEMAS AGRÍCOLAS

Utilização Racional de Biomassa Florestal Mitos e Realidades

A necessidade do profissional em projetos de recuperação de áreas degradadas

PRODUÇÃO ECONÔMICA DE SILAGEM 2º Dia de Campo de Ovinocultura Pedro Canário/ES 29/11/14

DIVERSIDADE DE CLIMAS = DIVERSIDADE DE VEGETAÇÕES

Biodiversidade, Agrobiodiversidade e Agroecologia

ecoturismo ou turismo. As faixas de APP que o proprietário será obrigado a recompor serão definidas de acordo com o tamanho da propriedade.


Os grandes desafios para a agricultura sustentável na Amazônia

APROVEITAMENTO DA BIOMASSA RESIDUAL DE COLHEITA FLORESTAL

Resolução SMA - 44, de Define critérios e procedimentos para a implantação de Sistemas Agroflorestais

IT AGRICULTURA IRRIGADA. (parte 1)

Guilherme Leite da Silva Dias, FEA/USP

Disciplinas. Dinâmica de Potássio no solo e sua utilização nas culturas

Pesquisa da EPAMIG garante produção de azeitonas

ASPECTOS CONSTRUTIVOS E AMBIENTAIS DE TELHADOS VERDES EXTENSIVOS

CAPACITAÇÃO SOBRE A AVALIAÇÃO EMPRESARIAL DE SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS (ESR) Parceria Empresarial pelos Serviços Ecossistêmicos (PESE)

RELATÓRIO DE PLANTIO E VISTORIA

ISO/IEC 12207: Gerência de Configuração

TRATAMENTO QUÍMICO DE RESÍDUOS AGRÍCOLAS COM SOLUÇÃO DE URÉIA NA ALIMENTAÇÃO DE RUMINANTES

Manejo Sustentável da Caatinga. Lucas Fonseca Menezes Oliveira Analista Eng. Agrônomo

Aimportância do trigo pode ser aquilatada pela

UTILIZAÇÃO DO LODO DE ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ESGOTO PARA ADUBAÇÃO DO AÇAÍ (Euterpe oleracea)

Fertilização em Viveiros para Produção de Mudas

DESCOMPACTAÇÃO DO SOLO NO PLANTIO DIRETO USANDO FORRAGEIRAS TROPICAIS REDUZ EFEITO DA SECA

CUIDADOS TÉCNICOS COM GRAMADOS

Easy PDF Creator is professional software to create PDF. If you wish to remove this line, buy it now.

MELHORAMENTO DE PLANTAS AUTÓGAMAS POR HIBRIDAÇÃO

DESEMPENHO DE MUDAS CHRYSOPOGON ZIZANIOIDES (VETIVER) EM SUBSTRATO DE ESTÉRIL E DE REJEITO DA MINERAÇÃO DE MINÉRIO DE FERRO

Inovação em roças no toco. Como fazer a roça aumentar a renda da família?

Manuel Cláudio Motta Macedo Ademir Hugo Zimmer

PLANTIOS FLORESTAIS E SISTEMAS AGROFLORESTAIS: ALTERNATIVAS PARA O AUMENTO O DE EMPREGO E RENDA NA PROPRIEDADE RURAL RESUMO

RENOVAÇÃO DE PASTAGENS COM PLANTIO DIRETO

Agroecologia. Agroecossistema

AVALIAÇÃO DE SISTEMAS DE REVEGETAÇÃO PARA RECUPERAÇÃO AMBIENTAL DE ÁREA MINERADA PELA CRM EM CANDIOTA

MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE DEPARTAMENTO DE FLORESTAS

RELATORIO QUANTITATIVO

Matéria Orgânica do solo (m.o.s)

Práticas Agronômicas que Interferem na Produção de Silagem de Milho

Agroecologia. Curso Agroecologia e Tecnologia Social um caminho para a sustentabilidade. Módulo 3 Aplicações da Agroecologia

Recomendação de Adubação N, P e K....para os estados do RS e SC

A AGROFLORESTA AGROECOLÓGICA: UM MOMENTO DE SÍNTESE DA AGROECOLOGIA, UMA AGRICULTURA QUE CUIDA DO MEIO AMBIENTE.

Florestas Energéticas. Alex Carneiro Leal Engenheiro Florestal 22 de maio de 2014

Questões ambientais do Brasil

Estabelecimento de Unidades de Referência Tecnológica e Econômica no Estado de Mato Grosso: Proposta de Avaliação Econômica - O Projeto URTE (Fase 1)

AMOSTRAGEM DE SOLO PARA AVALIAÇÃO DA FERTILIDADE 1 INTRODUÇÃO

A inserção do cultivo do arroz irrigado na Agricultura de Baixo Carbono do Plano Agrícola e Pecuário, Safra 2013/14

TITULO DO PROJETO: (Orientador DPPA/CCA). Para que se tenha sucesso em um sistema de plantio direto é imprescindível uma boa cobertura do solo.

controlar para crescer NUTRIENTE IDEAL PARA FLORAÇÃO, FRUTIFICAÇÃO E FORMAÇÃO DE SEMENTES FLORAÇÃO

Manual e Especificação Técnica

CALAGEM, GESSAGEM E AO MANEJO DA ADUBAÇÃO (SAFRAS 2011 E

INSTRUÇÃO NORMATIVA N 5, de 08 de setembro de 2009.

Passo a passo na escolha da cultivar de milho

GEOGRAFIA - 2 o ANO MÓDULO 15 AGROPECUÁRIA E MEIO AMBIENTE

Da produção ao consumidor

193 - TRABALHOS COM HORTAS ESCOLARES NO MUNICÍPIO DE DIONÍSIO CERQUEIRA, SC

Aplicação de Nitrogênio em Cobertura no Feijoeiro Irrigado*

1,7 milhões de estabelecimentos 50 Mha

PERFIL PROFISSIONAL DO EGRESSO. O IFFarroupilha, em seus cursos, prioriza a formação de profissionais que:

BIOLOGIA. (cada questão vale até cinco pontos) Questão 01

FONTES E DOSES DE RESÍDUOS ORGÂNICOS NA RECUPERAÇÃO DE SOLO DEGRADADO SOB PASTAGENS DE Brachiaria brizantha cv. MARANDÚ

PLANO DE MANEJO FLORESTAL SUSTENTÁVEL. Resumo Público

RELATÓRIO OFICINA DE ADUBAÇÃO VERDE OUTONO 19 A 21 de ABRIL 2013

Principais ações desenvolvidas pela empresa

Avaliação da germinação de sementes de fragmentos florestais receptadas em redes visando recomposição da flora local

055-Produção biomassa de adubos verdes no assentamento Paiolzinho, Corumbá, MS

I Fórum Sustentabilidade da Cadeia do Cacau

INFORMAÇÕES SOBRE O PLANTIO DO EUCALIPTO NO SISTEMA DE INTEGRAÇÃO LAVOURA-PECUÁRIA-FLORESTA

Transcrição:

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 7, n. 3, p. 331-337, set.-dez. 2012 Enriquecimento de florestas secundárias como tecnologia de produção sustentável para a agricultura familiar Secondary forest enrichment as a technology for sustainable production for family agriculture Silvio Brienza Júnior Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Amazônia Oriental. Belém, Pará, Brasil Resumo: A capacidade produtiva da agricultura tradicional de corte e queima pode ser melhorada por meio do plantio de árvores de crescimento rápido durante o período de pousio, com o objetivo de acumular biomassa e nutrientes para uso na fase agrícola subsequente. Para isso, são desejados alguns atributos das espécies florestais a serem usadas no enriquecimento da capoeira. O plantio das espécies florestais leguminosas Acacia mangium (acácia), Inga edulis (ingá), Acacia angustissima (ligeirinha) e Sclerolobium paniculatum (taxi-branco), a partir da fase agrícola (milho e mandioca), no espaçamento 2 m x 2 m, apresentou bons resultados para a porcentagem de sobrevivência, acúmulo de biomassa e volume de madeira. O acúmulo de biomassa seca proporcionado pelas árvores plantadas variou de 35-40 t ha -1 (acácia) a 10-15 t ha -1 (taxi-branco). A análise do impacto do enriquecimento na redução do tempo de pousio mostrou que o sistema de enriquecimento formado com A. mangium proporcionou, em três anos (um ano de cultivo agrícola + dois anos de pousio enriquecido), um acúmulo de biomassa equivalente a cinco anos de pousio tradicional. Palavras-chave: Agricultura tradicional. Amazônia. Espécies florestais. Pousio. Biomassa. Abstract: Traditional slash-and-burn agriculture can be improved by planting fast growing leguminous trees to help accumulate biomass and nutrients during the fallow phase, and thus, improve productivity during the next phase of agriculture. Experimental work has demonstrated that Acacia mangium (acácia), Inga edulis (ingá), Acacia angustissima (ligeirinha) and Sclerolobium paniculatum (taxi-branco) when planted with crops (maize and cassava), at density of 2 m x 2 m, can result in increases in tree survival, biomass production and wood volume. The biomass stocks in trees can vary from 35-40 t ha -1 (acácia) to 10-15 t ha -1 (taxi-branco). In three years (one year of cropping + two years of enriched fallow) the enriched fallow system results in a biomass accumulation equivalent to up to five years of traditional fallow. Keywords: Traditional agriculture. Amazon. Forest species. Fallow. Biomass. BRIENZA JÚNIOR, S., 2012. Enriquecimento de florestas secundárias como tecnologia de produção sustentável para a agricultura familiar. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais 7(3): 331-337. Autor para correspondência: Silvio Brienza Júnior. Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária. Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Oriental, Floresta. Travessa Enéas Pinheiro, s/n. Marco. Belém, PA, Brasil. CEP 66095-100 (silvio.brienza@embrapa.br). Recebido em 09/11/2012 Aprovado em 07/12/2012 Responsabilidade editorial: Toby Gardner 331

Enriquecimento de florestas secundárias como tecnologia de produção sustentável para a agricultura familiar INTRODUÇÃO A agricultura tradicional de corte e queima praticada na Amazônia oriental brasileira corre o risco de não conseguir sobreviver. Áreas intensamente exploradas ao longo de mais de 120 anos não têm mantido sustentabilidade agrícola para continuar produzindo alimentos por mais gerações. Alguns agentes dessa instabilidade, como o aumento da pressão populacional, divisão do lote familiar e o uso de tecnologia rudimentar (Silva et al., 1998), diminuem o tempo de uso da terra entre um ciclo agrícola e outro (pousio) e, consequentemente, causam perdas de nutrientes (Hölscher, 1995) e produtividade dos cultivos alimentares tradicionais. Essa prática repetida ao longo do tempo tem resultado no crescimento de áreas abandonadas. Por exemplo, cerca de 20% das áreas desmatadas na Amazônia encontram-se abandonados, subtilizados ou, muitas vezes, em estado de degradação (Almeida et al., 2010). A busca por melhores sistemas produtivos deve contemplar práticas produtivas mais sustentáveis dos pontos de vista ambiental, social e econômico (Munasinghe, 2010). Algumas tecnologias agrícolas, como o sistema bragantino (Galvão et al., 2008), o preparo de área sem queima (Kato et al., 2007) e o manejo do solo com leguminosas (Lopes & Galeão, 2006), já foram desenvolvidas no sentido de melhorar a produtividade da agricultura familiar. O enriquecimento de capoeira a partir do plantio de árvores leguminosas, de crescimento rápido, é outra alternativa tecnológica para promover os acúmulos de biomassa e nutrientes (Brienza Júnior, 1999). Esse processo, além de possibilitar manter um curto período de pousio, pode produzir uma vegetação secundária de vigor semelhante ao encontrado em capoeiras antigas, em estágio sucessional avançado (Brienza Júnior, 1999). O plantio de árvores tem por objetivo melhorar os acúmulos de biomassa e nutrientes da floresta secundária para o próximo ciclo agrícola. A introdução da árvore deve ser feita durante a fase agrícola para dar melhores condições para seu desenvolvimento até o momento do início do pousio. As capinas realizadas para a manutenção das culturas agrícolas favorecem o crescimento das árvores (Brienza Júnior, 1999). No final do pousio, quando a área enriquecida for preparada para um novo ciclo agrícola, a biomassa acumulada deve ser preferencialmente triturada (Kato et al., 2007) e espalhada como cobertura morta sobre o solo, para que, finalmente, após decomposição, libere nutrientes para as culturas agrícolas plantadas no ciclo seguinte. Esse processo visa manter no sistema o máximo de nutrientes disponíveis para as culturas agrícolas. A repetição desse procedimento de enriquecimento e trituração ao longo dos anos vai melhorar a incorporação da matéria orgânica ao solo e, consequentemente, as suas propriedades químicas. Além disso, parte da madeira produzida pelas árvores plantadas pode servir de matériaprima para lenha e carvão, produtos bastante escassos atualmente. O presente trabalho visa apresentar as características e atributos de um sistema de enriquecimento de capoeiras com árvores nativas e exóticas que pode ser usado na melhoria da produtividade de sistemas tradicionais de agricultura de corte e queima na Amazônia oriental. A tecnologia de enriquecimento de floresta secundária A tecnologia de plantar árvores de crescimento rápido para melhorar os acúmulos de biomassa e nutrientes da vegetação de pousio, considerada como insumo da agricultura tradicional de derruba e queima, consiste em introduzir espécies leguminosas durante a fase de cultivos agrícolas. A árvore plantada beneficia-se dos tratos culturais feitos para as culturas alimentares, permitindo que seu crescimento seja acelerado e, consequentemente, possa suportar a competição da vegetação de pousio (capoeira) após o abandono da área. Em termos de acúmulo de biomassa, a técnica do enriquecimento permite reduzir o tempo de descanso da terra quando comparado com o pousio tradicional. 332

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 7, n. 3, p. 331-337, set.-dez. 2012 Atributos de espécies florestais adequadas para o enriquecimento As árvores a serem plantadas para o enriquecimento da capoeira terão importante papel quanto à sua integração com a vegetação espontânea da capoeira. No final do período de pousio enriquecido, essa integração será refletida na biomassa total produzida. Alguns atributos desejáveis das espécies a serem usadas no enriquecimento de capoeira, visando aumentar os acúmulos de biomassa e nutrientes, em um curto período de tempo, são apresentados a seguir. As espécies mais adaptadas serão aquelas que possuírem o maior número de atributos (Tabela 1). Época de plantio A escolha da época de plantio das árvores é muito importante para o sucesso do enriquecimento de capoeira. A árvore, ao ser plantada durante a fase agrícola, recebe, indiretamente, os benefícios das capinas que são feitas para as culturas agrícolas. Com isso, os custos são minimizados, garantindo um bom estabelecimento da árvore para suportar a competição inicial da capoeira, quando a área é abandonada para pousio. As mudas de árvores de crescimento inicial rápido (Acacia mangium Willd.; média de 32 cm por mês) e um pouco mais lento (Sclerolobium paniculatum Vogel e Inga edulis Mart.; média de 22 cm por mês) (Brienza Júnior, 1999) devem estar bem formadas (altura entre 25 cm e 30 cm) no momento do plantio. Recomenda-se que o plantio das mudas das árvores ocorra após a colheita do milho ou quatro a cinco meses depois de plantada a mandioca, que, em geral, é a última cultura agrícola colhida. O plantio das árvores por semeadura direta também é outra possibilidade. Nesse caso, o Inga edulis (ingá) é uma boa opção por ser uma espécie que possui sementes grandes, de fácil manipulação e não apresenta nenhum tipo de dormência. A semeadura direta proporciona redução dos custos de produção, pois não há necessidade de produção de mudas, mas, por outro lado, deve-se ter muito cuidado com a época de semeadura. É recomendável que essa atividade ocorra no início do período chuvoso, dando condições adequadas para a germinação e o estabelecimento das plântulas. A semeadura não deve ser muito profunda, para evitaremse problemas de deformação da plântula, e nem muito superficial, pois, nesse caso, a semente pode ser arrastada pela água superficial da chuva, principalmente as espécies de sementes pequenas. O local para semeadura deve ser na linha do plantio de milho, no caso desta ser a primeira cultura a ser colhida. Espaçamento O plantio das árvores para enriquecimento da capoeira deve ser feito preferencialmente no espaçamento de 2 m x 2 m, para garantir também a regeneração das espécies naturais da capoeira (Brienza Júnior, 1999). Espaçamentos menores que 2 m x 2 m irão suprimir a vegetação natural e, assim, diminuir a biodiversidade nativa da área. Essa tecnologia também serve para recuperação de áreas de pastagens abandonadas ou degradadas e, neste caso, o espaçamento recomendado é de 1 m x 1 m para promover uma cobertura vegetal mais rápida e eficiente, de forma a suprimir os sistemas de propagação das gramíneas forrageiras. Tratos culturais Quando se faz o plantio de enriquecimento, deve-se dar bastante atenção à necessidade de tratos culturais. Durante o período que a árvore plantada se desenvolve junto com a mandioca, nem sempre é possível retardar muito a necessidade de capina, pois a árvore pode sentir bastante a competição com as plantas invasoras. A familiarização do agricultor com as espécies plantadas para enriquecimento é muito importante para evitar acidentes de eliminação de plantas durante as capinas. Quando o agricultor ainda não conhece bem as espécies plantadas, recomenda-se o uso de piquetes bastante visíveis para marcar o posicionamento das mudas no campo, proporcionando, dessa maneira, maior agilidade do serviço de capina. 333

Enriquecimento de florestas secundárias como tecnologia de produção sustentável para a agricultura familiar Tabela 1. Parâmetros e atributos de espécies florestais para uso em enriquecimento de capoeira Parâmetros Sementes Germinação Copa Florescimento Folhas Tronco Raízes Pragas e doenças Crescimento Atributos Disponibilidade de sementes e facilidade de coleta ajudam a disseminar a espécie para um grande número de usuários. Sementes sem dormência devem ser preferidas para facilitar a produção de mudas. Espécies de copa leve devem ser indicadas para que chegue suficiente luz às espécies da capoeira, permitindo o seu melhor desenvolvimento. O florescimento durante o período de pousio, e especialmente na época seca, pode servir para a alimentação de abelhas, colaborando para a produção de mel. Espécies com folhas de baixa relação C/N devem ser preferidas devido à facilidade de decomposição das folhas e otimização da entrada de nutrientes no sistema. Dominância apical não é um atributo necessário devido ao objetivo principal ser produção de biomassa. Entretanto, troncos retos podem permitir seu uso como estacas. A utilização do tronco para lenha e carvão também deve ser considerada como vantajosa. Sistema radicular profundo pode melhorar a relação solo-nutriente e a exploração de água do solo, além de poder representar também fixação de carbono no solo. Embora as árvores plantadas cresçam junto com a capoeira, supostamente um ambiente mais diversificado, é adequado que as árvores possuam resistência a pragas e doenças. As espécies de crescimento inicial rápido devem ser selecionadas. Entretanto, é desejável que haja um sincronismo de crescimento entre as árvores e a vegetação da capoeira para minimizar o efeito negativo no desenvolvimento da capoeira. Nutrientes e consumo de água Baixa demanda por nutrientes e tolerância a estresse hídrico são importantes características desejáveis. Muitos solos onde a agricultura familiar é praticada são de baixa fertilidade. Dependendo do sistema agrícola usado, as árvores devem ser plantadas no final da época chuvosa e, assim, espécies desejáveis devem ser tolerantes a esses dois fatores. Fixação de nitrogênio A fixação de nitrogênio é um importante atributo devido à sua demanda para favorecer o crescimento das culturas agrícolas que serão plantadas após o término do período de enriquecimento. Acúmulo de fósforo Rebrotação Competição O fósforo é o nutriente que mais limita a produtividade das culturas na Amazônia. O acúmulo de fósforo nas folhas das árvores que serão usadas para enriquecimento da capoeira pode minimizar a necessidade desse nutriente na adubação dos cultivos agrícolas subsequentes. Toco: desejável, pois pode eliminar a necessidade de plantio da espécie a ser usada para enriquecer a capoeira, minimizando custos de plantio. Raízes: no caso do crescimento aéreo ser suprimido durante a fase agrícola, o sistema radicular garante um novo ciclo de regeneração. Baixa competição para não causar impactos durante a fase de consórcio com a cultura agrícola alimentar (por exemplo, mandioca) e também com a fase de crescimento da capoeira; é um fator essencial para garantir o sucesso do enriquecimento. 334

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 7, n. 3, p. 331-337, set.-dez. 2012 Informações sobre algumas espécies recomendadas para enriquecimento Algumas espécies de árvores leguminosas, tanto nativas como exóticas, como Acacia mangium Willd. (acácia), Acacia angustissima Kuntze (ligeirinha), Inga edulis Mart. (ingá) e Sclerolobium paniculatum Vogel (taxi-branco), foram testadas para enriquecimento de capoeira, visando promover o acúmulo de biomassa. A sobrevivência não depende do espaçamento de plantio (Tabela 2). Em geral, consideram-se de bom desempenho comercial as espécies com sobrevivência acima de 90%. As árvores plantadas para o enriquecimento da capoeira não impactaram negativamente as produções de: i) grãos secos de milho (1.890 + 32 kg ha -1 ); e ii) peso fresco de raízes de mandioca da ordem de 23.920 + 1.690 kg ha -1 na presença de S. paniculatum; 22.800 + 945 kg ha -1 (A. angustissima); 22.290 + 877 kg ha -1 (A. mangium); 21.930 + 916 kg ha -1 (I. edulis); e 21.200 + 1.510 kg ha -1 Tabela 2. Taxa média de sobrevivência (%) aos 12 meses de idade, para as leguminosas arbóreas A. angustissima, C. racemosa, I. edulis e A. mangium plantadas para enriquecer a vegetação de pousio, independentemente do espaçamento de plantio 1 m x 1 m, 2 m x 1 m e 2 m x 2 m. Espécies florestais Sobrevivência (%) A. angustissima 98 I. edulis 97 A. mangium 91 S. paniculatum 90 (cultivo monoespecífico ou controle; média regional de 20 t ha -1, de acordo com Albuquerque & Cardoso, 1983; Brienza Júnior et al., 2011). Estoque de biomassa Os resultados obtidos para acúmulo de biomassa pelo sistema compreendido pelas árvores plantadas para enriquecimento e mais a vegetação da capoeira também podem ser considerados bons (Tabela 3). Utilização da capoeira enriquecida para produção agrícola Após 24 meses de pousio enriquecido, a área está pronta para um novo ciclo agrícola. Entretanto, são necessários alguns cuidados. Uma vez usado o plantio de árvores para enriquecimento, não é recomendado o preparo de área com uso do fogo, pois, como as raízes das árvores plantadas exploram profundidades maiores do solo, a queima da vegetação implica perder nutrientes que normalmente não são acessados pelas raízes dos cultivos agrícolas. Esse fato pode acelerar o processo de degradação do solo. É recomendável que o preparo da área para plantio agrícola, após o enriquecimento da capoeira, seja feito com o uso de máquina apropriada, segundo estudado no projeto Tipitamba/EMBRAPA Amazônia Oriental (Kato, 1998a, 1998b; Kato et al., 2002). Por outro lado, além da biomassa para melhoria da capacidade produtiva do solo, o agricultor pode destinar Tabela 3. Biomassa seca de árvores (folhas, galhos e tronco) e volume de madeira produzido pelas espécies florestais Acacia mangium (acácia; exótica), Acacia angustissima (ligeirinha; exótica), Inga edulis (ingá; nativa) e Sclerolobium paniculatum (taxi-branco; nativa) plantadas para enriquecimento de capoeira. Espécie Idade (meses) Espaçamento Biomassa seca (t ha -1 ) Volume de madeira (m 3 ha -1 ) A. mangium 30 2 m x 2 m 35-40 30-34 A. angustissima 30 2 m x 2 m 14-17 15-20 I. edulis 30 2 m x 2 m 11-14 15-20 S. paniculatum 30 2 m x 1 m 10-15 15-20 Capoeira não enriquecida 24-24 - 335

Enriquecimento de florestas secundárias como tecnologia de produção sustentável para a agricultura familiar parte da madeira das árvores plantadas para outros usos, como lenha, carvão e estacas para construções rurais ou tutor para outras culturas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O enriquecimento de capoeira, com o objetivo de produzir biomassa, é uma técnica que pode melhorar a sustentabilidade do sistema tradicional de derruba e queima praticado pela grande maioria dos agricultores familiares da Amazônia. A análise do impacto do enriquecimento na redução do tempo de pousio indica que o sistema de enriquecimento formado com A. mangium pode proporcionar, em um total de três anos (um ano de cultivo agrícola + dois anos de pousio enriquecido), um acúmulo de biomassa equivalente a cinco anos de pousio tradicional (dados secundários obtidos a partir de vários autores) (Figura 1). O enriquecimento da vegetação de capoeira por meio do plantio de árvores leguminosas, e quando associado ao preparo de área sem queima, permite a realização de dois ciclos agrícolas sucessivos, desde que o plantio das culturas agrícolas seja acompanhado de adubação adequada, principalmente a fosfatada no primeiro ano (Kato et al., 2002). Eventualmente, parte da biomassa acumulada pelas árvores pode ser colhida e destinada para outras finalidades. Por exemplo, madeira para produção de lenha, carvão, estacas para diversas finalidades, como esteios para construções rurais ou, até mesmo, tutor para culturas, a exemplo da pimenta-do-reino. Figura 1. Biomassa aérea (t ha -1 ) de vegetação secundária enriquecida com o plantio das árvores leguminosas A. mangium (acácia), A. angustissima (ligeirinha), I. edulis (ingá), S. paniculatum (taxi-branco) e controle, comparada com dados de biomassa de vegetação secundária, analisada por diferentes autores (y = 0,54 + 6,52 x; r 2 = 0,91; p = 0,008 e n = 10; baseado em Denich, 1989; Diekmann, 1997; Kato, 1998a, 1998b; Wiesenmüller, 1999 e citado por Brienza Júnior, 1999). 336

Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Cienc. Nat., Belém, v. 7, n. 3, p. 331-337, set.-dez. 2012 REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, M. & E. M. R. CARDOSO, 1983. Utilização da mandioca na Amazônia: 1-11. Embrapa CPATU (Documentos, 25), Belém. ALMEIDA, C. A., D. M. VALERIANO, M. I. S. ESCADA & C. D. RENNO, 2010. Estimativa de área de vegetação secundária na Amazônia legal brasileira. Acta Amazonica 40(2): 289-301. BRIENZA JÚNIOR, S., 1999. Biomass dynamics of fallow vegetation enriched with leguminous trees in the eastern Amazon of Brazil. Göttinger Beiträge zur Land- und Forstwirtschaft in den Tropen und Subtropen 134: 1-133. BRIENZA JÚNIOR, S., R. P. OLIVEIRA, M. DENICH & P. L. G. VLEK, 2011. Plantio de árvores de crescimento rápido para recuperação de áreas agrícolas na Amazônia Oriental brasileira: avaliações de sobrevivência e produções de milho e mandioca. Pesquisa florestal brasileira 31(68): 347-353. DENICH, M., 1989. Untersuchungen zur Bedeutung junger Sekundärvegetation für die Nutzungssytemproduktivität im östlichen Amazonasgebiet, Brasilien. Göttinger Beiträge zur Land- und Forstwirtschaft in den Tropen und Subtropen 46: 1-265. DIEKMANN, U., 1997. Biologische und chemische Bodencharakteristika zur Beurteilung der nachhaltigen Produktivität von Landnutzungssystemen in der Zona Bragantina, Ost-Amazonien: 1-189. Ph.D. Thesis. Fakultät für Agrarwissenschaften. Geroge-August-Universität Göttingen, Göttingen. Disponível em: <http://ediss.uni-goettingen.de/ bitstream/handle/11858/00-1735-0000-0006-ab81-7/diekmann. pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 outubro 2012. GALVÃO, E. U. P., M. S. CRAVO, O. L. NOGUEIRA & M. K. SHIMIZU, 2008. Sistema bragantino para a agricultura familiar: passo a passo: 1-38. Embrapa Amazônia Oriental, Belém. HÖLSCHER, D., 1995. Wasser- und Stoffhaushalt eines Agrarökosystems mit Waldbrache im östlischen Amazonasgebiet. Göttinger Beiträge zur Land- und Forstwirtschaft in den Tropen und Subtropen 106: 1-133. KATO, M. S. A., 1998a. Fire-free land preparation as an alternative to slash-and-burn agriculture in the Bragantina region, Eastern Amazon: crop performance and phosphorus dynamics: 1-144. Curvillier Verlag (Ph.D. Thesis), Göttingen. KATO, O. R., 1998b. Fire-free land preparation as an alternative to slash-and-burn agriculture in the Bragantina region, Eastern Amazon: crop performance and nitrogen dynamics: 1-132. Curvillier Verlag (Ph.D. Thesis), Göttingen. KATO, O. R., M. S. A. KATO, C. C. JESUS & A. C. RENDEIRO, 2002. Época de preparo de área e plantio de milho no sistema de corte e trituração no Município de Igarapé-açu, Pará. Belém. Embrapa Amazônia Oriental. Comunicado Técnico 64: 1-3. Disponível em: <http://www.infoteca.cnptia.embrapa.br/bitstream/ doc/404908/1/com.tec.64.pdf>. Acesso em: 30 outubro 2012. KATO, M. S. A., C. S. OLIVEIRA, M. S. S. OLIVEIRA, O. R. KATO & R. M. SANTANA, 2007. Agricultura sem queima: adaptando à realidade de agricultores familiares da comunidade São João Marapanim, PA: 1-48. Embrapa Amazônia Oriental, Belém. LOPES, O. M. N. & r. r. GALEÃO, 2006. Práticas de manejo do solo para produção agrícola familiar: 1-23. Embrapa Amazônia Oriental (Documentos, 235), Belém. MUNASINGHE, M., 2010. Making development more sustainable: sustainomics framework and practical applications: 2 nd edition: 1-350. MIND Press, Sri Lanka. SILVA, A. A., F. R. SOUSA FILHO, J. CORTELETTI, W. S. PINTO, J. L. SILVEIRA, S. R. M. SILVA, A. KASPER, U. M. MARQUES & F. L. S. CAHETE, 1998. Historical dynamics of reproduction of agriculture in Igarapé-açu (Northeast of the State of Para): a study focusing on agrarian systems. Proceedings of the SHIFT Workshop 3: 67-82. WIESENMÜLLER, J., 1999. Einfluß landwirtschaftlicher Flächenvorbereitung auf die Dynamik des Wurzelsystems und die oberirdische Regeneration der Sekundärvegetation Ostamazoniens, Pará, Brasilien: 1-228. Dissertation Doktorgrades. George-August-Universität, Göttingen. Disponível em: <http://ediss. uni-goettingen.de/bitstream/handle/11858/00-1735-0000-0006- B1A6-A/dissjw.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 outubro 2012. 337