A DISTRIBUIÇÃO DA POSSE DA TERRA E A RECENTE QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL marlongomes@hotmail.com



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Transcrição:

A DISTRIBUIÇÃO DA POSSE DA TERRA E A RECENTE QUEDA DA DESIGUALDADE DE RENDA NO BRASIL marlongomes@hotmail.com Apresentação Oral-Desenvolvimento Rural, Territorial e regional MARLON GOMES NEY 1 ; RODOLFO HOFFMANN 2. 1.UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE, CAMPOS DOS GOYTACAZES - RJ - BRASIL; 2.UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS, CAMPINAS - SP - BRASIL. A distribuição da posse da terra e a recente queda da desigualdade de renda no Brasil Grupo de Pesquisa 9: Desenvolvimento rural, territorial e regional. Resumo Utilizando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o trabalho mostra a evolução das principais características da distribuição da renda de todos os trabalhos para pessoas ocupadas conforme o setor (agricultura, indústria e serviços), no Brasil, de 1992 a 2007. Verifica-se que a desigualdade cai de 1995 a 2007 para o conjunto de todos os ocupados ou quando se considera apenas o setor de serviços ou a indústria. Entretanto, de 1995 a 2007 não há tendência de redução da desigualdade entre pessoas ocupadas na agricultura. Em seguida é analisada, para o mesmo período, a distribuição da área dos empreendimentos dos empregadores e conta própria ocupados no setor agrícola. Não se constata tendência de redução da desigualdade na estrutura fundiária. Pelo contrário, ao destacar os empreendimentos dos empregadores, verifica-se que houve tendência de crescimento da desigualdade no período 1992-2007. Palavras-chave: Distribuição da renda; Desigualdade; Posse da terra; Área dos empreendimentos agrícolas. Abstract Using data from the Brazilian National Household Sample Survey PNAD, this paper analyzes the evolution of the main characteristics of the distribution of earnings in Brazil, from 1992 to 2007, by economic sector (agriculture, industry and services). Earnings inequality decreases from 1995 to 2007 considering all occupied persons and also considering separately those occupied in services or in industry. However, from 1995 to 2007 there is no decreasing trend in earnings inequality for those occupied in agriculture. Afterwards, the paper analyzes, for the same period, the distribution of the area of the farming enterprises of those that are either self employed or employers in agriculture. No decreasing trend is found in the inequality of this distribution. Quite the opposite, there is 1

an increasing trend in inequality when considering only the areas of employers enterprises in the period 1992-2007. Keywords: Earnings distribution; Inequality; Land ownership; Area of farm enterprises. 1. Introdução A PNAD é um sistema de pesquisas por amostra de domicílios e tem a finalidade de produzir informações básicas para o estudo do desenvolvimento socioeconômico do Brasil. Ela investiga, de forma permanente, diversas características socioeconômicas da população, como educação, trabalho e rendimento, subsidiando assim os estudos sobre distribuição de renda e pobreza. Além disso, com periodicidade variável, levanta dados relacionados a temas como imigração, fecundidade, saúde, mobilidade social, entre outros, de acordo com a necessidade de informações do país. Os dados da pesquisa mostram uma clara diminuição da desigualdade de rendimentos no país a partir de 2001, tanto para a distribuição da renda do trabalho quanto para a distribuição da renda domiciliar per capita (RDPC), que também inclui ganhos de aposentadorias, pensões, aluguéis, juros, programas sociais, entre outros (Hoffmann e Ney, 2008). A redução é importante não só porque o Brasil é um dos países com as maiores disparidades de rendimentos do mundo, como também porque estudos mostram que a desigualdade de renda é a principal responsável pelo elevado nível de pobreza e indigência no país. Estima-se ainda que a redução da pobreza é muito mais sensível à eqüidade do que ao crescimento econômico (Barros et alii, 2001 e Hoffmann, 2005). A redução da desigualdade pode estar associada ao chamado efeito-composição e efeito-concentração (Soares, 2006). Se o componente da RDPC é regressivo, ou seja, se ele contribui para aumentar a desigualdade, como é o caso das rendas provenientes de lucros, juros e aluguéis, um aumento da sua participação na renda total tende a aumentar a desigualdade. No caso contrário, quando a parcela é progressiva, um aumento da sua participação deve reduzir a desigualdade. Já o efeito-concentração ocorre quando há mudança no grau de progressividade na distribuição de algum componente da renda. Segundo estudo de Hoffmann e Ney (2008), entre 2001 e 2006, a diminuição das disparidades na distribuição da renda de todos os trabalhos é responsável por cerca de 57,6% da redução da desigualdade da distribuição da RDPC, medida pelo índice de Gini. Ela foi o componente da renda familiar que mais contribuiu para a redução do índice, sendo seu efeito exclusivamente associado ao aumento da progressividade na sua distribuição. A segunda contribuição mais importante para a redução das disparidades de renda no período é dada pela expansão dos programas oficiais de auxílio, que responde por pouco mais de ¼ da queda da desigualdade. Além disso, a remuneração do trabalho é um dos fatores de maior peso na determinação da desigualdade de rendimentos observada no país, por causa da sua elevada participação na renda familiar e das grandes diferenças de remuneração existentes entre trabalhadores (Barros et alii, 2006). A distribuição da renda do trabalho, entretanto, é diferente em cada setor de atividade Conforme poderá se observar, a agricultura se destaca como a atividade que apresenta a maior disparidade de rendimentos. Outro aspecto importante é que as 2

mudanças no nível de desigualdade de renda no setor primário podem apresentar comportamentos distintos das observadas nos outros setores (Hoffmann e Ney, 2004). E como a agricultura tem, em média, menor nível de renda, a redução da concentração de seus rendimentos está associada a uma maior diminuição da pobreza. Entre os fatores determinantes das disparidades de renda do trabalho em todo o país, a educação tem sido apontada, desde o início dos anos 70, como o mais relevante, e a democratização do acesso ao ensino como algo fundamental para a redução da desigualdade. Mas, no setor agrícola, a enorme concentração fundiária tem um efeito muito mais forte nas disparidades de renda agrícola do que a escolaridade (Langoni, 1973, Ramos e Vieira, 2001, e Hoffmann e Ney, 2004). Nesse sentido, para entender a evolução do perfil da distribuição de renda agrícola, é especialmente importante analisar as mudanças ocorridas na distribuição da posse da terra. O objetivo do artigo é analisar as mudanças recentes na desigualdade de renda do trabalho das pessoas ocupadas na agricultura, comparando-as com as das ocupadas na indústria e no setor de serviços. A próxima seção descreve a base de dados utilizada na pesquisa, destacando suas principais restrições. O item 3 analisa o perfil da distribuição da renda do trabalho em cada setor de atividade e as mudanças ocorridas ao longo dos últimos anos. Na seção 4, são apresentadas as características da distribuição da posse da terra no país, procurando-se avaliar até que ponto os dados da PNAD indicam uma recente queda ou aumento da concentração fundiária. A última seção destaca as principais conclusões do artigo, associando a evolução do perfil da distribuição da renda no setor agrícola ao da distribuição da posse da terra. 2. Informações sobre a base de dados A base de dados da pesquisa é constituída pelos microdados das PNAD de 1992, 1993, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, referentes às pessoas ocupadas e com informação da idade e valor positivo para os rendimentos de todos os trabalhos. Considerando que até 2003 a PNAD não abrangia o meio rural da antiga região Norte, para garantir a comparabilidade dos dados ao longo do tempo essa área foi aqui excluída da amostra das PNAD de 2004 a 2007. Todas as estimativas foram obtidas multiplicando-se cada observação por seu respectivo fator de expansão, utilizando sempre a última versão disponível para os fatores de expansão divulgados pelo IBGE. A tabela 1 mostra o tamanho da amostra por setor de atividade e ano de referência. Conforme pode se observar, o número de pessoas ocupadas em todos os setores é sempre superior à soma do número de pessoas ocupadas na agricultura, indústria e serviços. O motivo é a presença de pessoas com as atividades mal definidas ou não declaradas. Elas são consideradas nas estimativas que compreendem todos os setores, mas são excluídas nas estimativas referentes a cada setor. O IBGE modificou, na PNAD de 2002, a forma de classificar as pessoas por setor de atividade, o que explica a queda do número de ocupados no setor de serviços de 41,7 milhões para 38,4 milhões ( 7,9%) de 2001 para 2002. A mesma mudança deve também explicar o aumento da proporção de pessoas com atividades mal definidas ou não declaradas : de 1992 a 2001, a proporção era de pouco mais de 2,0%, enquanto que a partir de 2002 ela sobe para mais de 8,0%. Será necessário considerar tais limitações dos dados quando se for comparar os resultados setoriais das PNAD a partir de 2002 com as 3

realizadas até 2001. Mas é importante ressaltar que a nova reclassificação não afeta significativamente os dados sobre o setor agrícola, nosso objeto principal de estudo. De acordo com os dados da PNAD, do total de pessoas ocupadas em alguma atividade remunerada, em 2007, 11,9% trabalhavam na agricultura, 26,2% na indústria e 61,9% nos serviços. Em comparação com os dados de 1992, o setor primário é o único setor em que se observa uma diminuição do contingente de trabalhadores remunerados, passando de 9,5 milhões para 8,6 milhões de indivíduos, queda de quase 10,0%. A indústria e o setor de serviços apresentaram, respectivamente, 50,0% e 47,8% de crescimento no número de ocupados. O maior crescimento do setor secundário se deve, em grande parte, às mudanças na forma de se classificar os ramos de atividades, em 2002. Considerando o período 1992 a 2001, o crescimento de pessoas trabalhando no setor de serviços foi bem maior do que o da indústria, ao passo que na indústria ele cresce um pouco mais do que nos serviços de 2002 a 2007. Tabela 1.- Tamanho da população e da amostra (N) utilizada para as estimativas das características da desigualdade na distribuição da renda de todos os trabalhos, conforme setor de atividade e ano de referência. Brasil, 1992 a 2007. Ano Todos os setores Agricultura Indústria Serviços N População 1 N População 1 N População 1 N População 1 1992 118.035 53.849.899 18.563 9.523.722 27.167 12.619.550 69.145 30.305.499 1993 120.080 55.046.399 18.015 9.405.554 28.056 13.133.014 70.900 31.159.476 1995 128.305 58.160.979 18.375 9.473.262 28.026 12.974.952 78.919 34.425.989 1996 123.990 57.692.876 16.558 8.823.301 26.915 12.841.166 77.719 34.762.718 1997 131.211 59.000.040 17.849 9.134.170 28.820 13.192.404 81.649 35.439.946 1998 130.113 59.484.375 16.522 8.663.537 28.546 13.408.473 82.141 36.151.032 1999 133.409 61.972.450 17.588 9.291.978 28.367 13.481.906 84.481 37.882.246 2001 146.602 66.159.949 17.343 8.585.926 31.189 14.536.572 95.166 41.738.340 2002 152.257 68.738.780 18.093 8.928.958 34.547 16.141.917 87.757 38.422.169 2003 151.955 69.849.648 18.474 9.150.550 33.787 16.071.401 87.530 39.113.646 2004 158.243 72.789.723 18.590 9.271.818 35.637 16.938.449 91.262 40.881.313 2005 163.990 75.089.766 18.763 9.247.427 37.019 17.580.262 94.905 42.324.529 2006 167.108 77.347.059 18.081 9.038.086 37.734 18.058.036 97.068 43.814.047 2007 164.004 78.856.481 16.555 8.585.594 37.798 18.926.456 95.693 44.787.145 Fonte: Elaboração dos autores com base na PNAD. Nota: 1 Valor obtido pela multiplicação de cada observação pelo seu fator de expansão. Em relação às informações sobre as áreas dos empreendimentos agrícolas, elas compreendem exclusivamente quem trabalha como empregador ou conta própria na agricultura, silvicultura ou criação de bovinos, bubalinos, caprinos, ovinos ou suínos. Ao se utilizar essa variável para analisar as características da distribuição da posse da terra, é importante considerar que ela se refere exclusivamente às áreas ocupadas com alguma atividade agropecuária. Não abrange atividades como extração vegetal, pesca, piscicultura 4

e criação de cavalos, por exemplo, e nem terras improdutivas. Os dados também se referem à área ocupada pelo empreendimento agropecuário, o que não significa necessariamente a sua propriedade. Segundo Ney (2002) e Hoffmann (2001), embora a maior parte das pessoas com valor de área do empreendimento agrícola declarada na PNAD seja proprietária, uma grande parte não é. Ainda que as informações sobre área abranjam apenas alguns tipos de atividades, nas PNAD de 1992, 1996 e 1997, a área total dos empreendimentos agrícolas com informações consideradas válidas pelo IBGE foi superior à dimensão do Brasil, porque estabelecimentos de área muito grande correspondem a áreas gigantescas quando são multiplicados pelo fator de expansão (Hoffmann, 2001). A fim de contornar esse problema e obter um conjunto de informações mais coerentes, foram excluídos das estimativas da distribuição da posse da terra os casos de conta próprias e empregadores que declararam área maior ou igual a 10.000 ha. Excluíram-se também aqueles com área menor ou igual a 0,1 ha (1.000m 2 ), por causa da presença de dados estranhos na cauda inferior da distribuição da terra. Foi observada a presença de empreendimentos de 1 m 2, por exemplo. É importante ainda ressaltar que, nos dados da PNAD, se em um domicílio há duas ou mais pessoas trabalhando como conta própria ou empregador em um mesmo empreendimento agrícola, a área deste empreendimento é informada mais de uma vez. Do total de 112.428 pessoas entrevistadas com área de empreendimento agrícola de 0,1 a 10.000 ha, nas PNAD de 1992 a 2007, 830 eram cônjuges e 1.075 filhos que declararam área igual à da pessoa de referência na família. Os dados foram depurados, excluindo os casos de cônjuges e filhos cuja área do empreendimento é igual à da pessoa de referência" na família. Após todas as exclusões realizadas para estimar as principais características da desigualdade na distribuição da posse da terra, restam 6.742 donos de empreendimentos agrícolas pesquisados somente na PNAD de 2007 (ver tabela 2). Eles representam uma população de pouco mais de 3,4 milhões de produtores rurais, sendo 3,1 milhões de conta próprias (89,4%) e 363 mil empregadores (10,6%), que se apropriam, respectivamente, de 50,7% e 49,3% dos 152,7 milhões de hectares de área agrícola declarados na pesquisa. Tabela 2.- Tamanho da população e da amostra (N) utilizada para as estimativas das características da distribuição da posse da terra, conforme posição na ocupação. Brasil, 1992 a 2007. Ano Todos Conta Própria Empregadores N População N População N População 1992 8.168 4.322.440 7.088 3.785.543 1.080 536.897 1993 7.980 4.233.876 6.973 3.738.736 1.007 495.140 1995 8.261 4.331.635 7.259 3.836.873 1.002 494.762 1996 7.308 3.957.978 6.522 3.562.213 786 395.765 1997 8.130 4.210.461 7.226 3.773.772 904 436.689 1998 7.866 4.160.203 6.979 3.727.516 887 432.687 1999 8.232 4.399.319 7.356 3.950.200 876 449.119 2001 8.040 4.041.149 7.095 3.578.874 945 462.275 2002 8.113 4.050.382 7.284 3.653.233 829 397.149 5

2003 8.146 4.086.530 7.225 3.637.795 921 448.735 2004 8.025 4.056.839 7.067 3.575.988 958 480.851 2005 7.933 3.948.366 6.982 3.480.576 951 467.790 2006 7.701 3.862.983 6.797 3.411.868 904 451.115 2007 6.620 3.413.885 5.909 3.050.491 711 363.394 Fonte: Elaboração dos autores com base na PNAD. Os dados indicam que a diminuição do número de pessoas ocupadas na agricultura se deve, em boa medida, à redução do número de empregadores e conta própria no setor. Entre 1992 e 2007, mais de 900 mil deles deixaram de participar desse setor de atividade, uma queda de mais de 21,0%. A diminuição do número de empregadores foi ainda mais forte e superou 30,0% (ver tabela 2). Cabe ressaltar que grande parte da queda ocorre em 2007 e que os dados não abrangerem a área rural da antiga região Norte, importante área de expansão agrícola no país. De acordo com o Manual de Entrevista da PNAD, a área do empreendimento pode ser constituída por mais de um estabelecimento, mesmo se eles estiverem localizados em estados ou municípios distintos. Inclusive o IBGE recomenda que, se uma pessoa tiver dois ou mais estabelecimentos cujas áreas forem informadas na mesma unidade de medida de superfície, seja registrada apenas a sua soma, ou seja, a área total do empreendimento. Só se a pessoa der informações em unidades de medida de superfície distintas é que a área de cada estabelecimento deve ser registrada separadamente. Neste caso, como utilizamos sempre a área total do empreendimento, as áreas de cada estabelecimento foram expressas em hectares e somadas 1. 3. Mudanças na desigualdade de renda na agricultura, indústria e serviços A tabela 3 apresenta as principais características da distribuição da renda de todos os trabalhos das pessoas com rendimento ocupadas na agricultura, indústria e serviços, de 2001 a 2007. A figura 1 mostra a evolução da desigualdade medida pelo índice de Gini, de 1992 a 2007. Considerando as pessoas ocupadas em todos os setores de atividade, podemos observar uma clara tendência de queda na desigualdade de rendimentos desde 1993. Tendo em vista que as medidas de desigualdade referentes a 1993 ainda são afetadas por uma inflação muito elevada (em setembro d 1993 o INPC cresceu 35,6%), será analisada a evolução dos índices de desigualdade a partir de 1995. O índice de Gini cai sistematicamente de 0,585, em 1995, até chegar a 0,528, em 2007, uma queda de quase 10%. O índice T de Theil, por sua vez, mais sensível às mudanças na cauda superior da distribuição, passa de 0,698 para 0,584, uma diminuição de aproximadamente 16%. Analisando separadamente as pessoas ocupadas por setor de atividade, as mudanças na distribuição da renda apresentam comportamentos bem distintos. O setor de serviços mostra uma nítida trajetória de queda na desigualdade desde 1995, semelhante à da renda do trabalho de todas as pessoas ocupadas. Na indústria, a tendência de queda da desigualdade nesse período não é tão nítida. A desigualdade de renda na agricultura, por 1 Nota-se que, pelo procedimento utilizado, cada conta própria e empregador tem apenas um empreendimento, o qual pode ser constituído por mais de um estabelecimento. 6

sua vez, apresenta oscilações bem mais expressivas se comparada às dos demais setores e nenhum dos dois índices nos permite afirmar que há uma tendência à queda nas disparidades de rendimentos (ver tabela 3 e figura 1). Nota-se que o setor primário é atualmente o que tem maior desigualdade de renda, seguida pelos setores terciário e secundário. Mas não é sempre assim em todo o período analisado. Se por um lado o índice T de Theil é sempre maior na agricultura, por outro o índice de Gini de 1995 a 2001 é maior nos serviços (ver figura 1). A queda contínua da desigualdade no setor terciário fez com que ela, medida pelos dois indicadores, se tornasse sistematicamente inferior à da agricultura a partir de 2002. Tabela 3.- Principais características da distribuição da renda de todos os trabalhos das pessoas ocupadas com rendimento no trabalho, conforme setor de atividade. Brasil, 2001 a 2007. Estatísticas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Todos os setores % da renda apropriada pelos 50% mais pobres 14,8 15,0 15,5 16,0 16,3 16,5 17,2 10% mais ricos 46,1 46,1 45,3 44,6 44,7 44,5 43,2 5% mais ricos 33,0 32,7 32,4 31,7 32,0 31,7 30,7 1% mais ricos 13,3 12,9 12,7 12,7 13,0 12,8 12,3 Índice de Gini 0,566 0,563 0,554 0,547 0,544 0,541 0,528 Índice T de Theil 0,664 0,655 0,635 0,623 0,624 0,616 0,584 Agricultura % da renda apropriada pelos 50% mais pobres 16,2 16,5 16,1 16,5 16,3 16,1 16,8 10% mais ricos 47,8 48,4 48,5 47,5 47,8 47,0 45,4 5% mais ricos 37,2 37,7 37,9 36,7 37,7 36,8 34,6 1% mais ricos 18,6 19,0 19,6 17,8 20,0 19,1 15,6 Índice de Gini 0,562 0,563 0,567 0,558 0,561 0,558 0,544 Índice T de Theil 0,775 0,794 0,817 0,763 0,819 0,775 0,689 Índústria % da renda apropriada pelos 50% mais pobres 18,9 18,3 18,6 19,6 19,5 19,6 20,5 10% mais ricos 42,2 42,9 42,4 40,3 41,4 41,7 39,9 5% mais ricos 30,4 31,0 30,3 28,5 30,0 30,3 28,6 1% mais ricos 12,7 12,3 12,1 11,3 12,6 13,0 11,5 Índice de Gini 0,503 0,513 0,508 0,486 0,494 0,494 0,475 Índice T de Theil 0,551 0,562 0,549 0,500 0,547 0,552 0,490 Serviços % da renda apropriada pelos 50% mais pobres 14,6 15,1 15,7 15,8 16,4 16,6 17,0 10% mais ricos 45,7 44,6 43,9 44,1 43,5 43,4 42,6 5% mais ricos 32,4 31,3 31,1 31,1 30,7 30,6 30,1 1% mais ricos 12,7 12,2 12,0 12,3 12,0 12,0 12,1 Índice de Gini 0,565 0,555 0,546 0,547 0,537 0,535 0,527 7

Índice T de Theil 0,651 0,623 0,603 0,614 0,587 0,585 0,575 Fonte: Elaboração dos autores com base na PNAD. Figura 1. Variações do índice de Gini da distribuição da renda conforme setor de atividade. Brasil, 1992 a 2006. 0,610 Índice de Gini 0,560 0,510 0,460 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 Ano 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Todos setores Agricultura Indústria Serviços Fonte: Elaboração dos autores. Outra forma de analisar a evolução da desigualdade de renda é observando a variação da proporção da renda total apropriada pelas pessoas com maiores e menores rendimentos em cada setor de atividade. Considerando exclusivamente os ocupados no setor de serviços, há um crescimento contínuo da participação dos 50% mais pobres na renda total, que passa de 14,6%, em 2001, para 17,0%, em 2007 (ver tabela 3). O mesmo crescimento não acontece para quem trabalha na agricultura ou na indústria. A desigualdade de renda na agricultura é caracterizada por uma proporção substancialmente maior da renda apropriada por quem está na cauda superior da distribuição do que nos demais setores. Ela é a única atividade em que a participação dos 1% mais ricos na renda total quase sempre supera a participação dos 50% mais pobres. Embora o ano de 2007 seja o único ano em que a proporção da renda total apropriada pelo centésimo mais rico (15,6%) dos agricultores seja inferior à recebida pela metade mais pobre (16,8%), não se pode confiar que isso seja uma mudança permanente, sendo que a parcela de 19,1% da renda pertencente aos 1% mais ricos, em 2006, chega a superar a de 18,6% recebida em 2001 (ver tabela 3). 8

A tabela 4 mostra as mudanças na renda média de todos os trabalhos das pessoas ocupadas com rendimento na agricultura, indústria e serviços, considerando os quatro estratos de rendimentos delimitados por percentis até aqui utilizados. Todos os valores foram corrigidos, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor, para valores reais de setembro de 2007. Nota-se que há uma queda da renda média do trabalho, entre 2001 e 2003, de R$ 917,9 para R$ 831,0 ( 9,4%), que depois é claramente revertida e cresce de R$ 831,1 para R$ 960,1 (15,5%), entre 2004 e 2007 (ver tabela 4). De 2001 a 2007, há um aumento na renda média de 4,6%. Tabela 4.- Variação da renda média geral e de quatro estratos da distribuição do rendimento do trabalho, conforme setor de atividade. Brasil, 2001 a 2006. Estatísticas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Todos os setores 917,9 892,7 831,0 831,1 867,4 930,9 960,1 50% mais pobres 272,2 267,3 258,0 265,7 282,6 307,7 329,9 10% mais ricos 4.232,4 4.111,7 3.761,9 3.702,8 3.880,6 4.138,1 4.149,0 5% mais ricos 6.050,2 5.847,1 5.377,4 5.264,5 5.559,6 5.897,6 5.891,3 1% mais ricos 12.213,3 11.507,8 10.576,8 10.515,8 11.274,4 11.928,7 11.833,7 Agricultura 461,8 470,5 468,3 479,9 498,0 523,6 558,2 50% mais pobres 150,0 155,2 150,8 158,4 162,4 168,8 187,2 10% mais ricos 2.209,2 2.276,6 2.271,5 2.278,0 2.378,9 2.460,0 2.533,9 5% mais ricos 3.440,2 3.545,7 3.552,7 3.523,8 3.758,3 3.851,5 3.866,4 1% mais ricos 8.606,2 8.925,6 9.170,3 8.544,2 9.975,6 9.990,4 8.692,0 Índústria 890,9 858,0 805,0 789,8 833,0 898,5 911,2 50% mais pobres 336,9 314,4 299,7 310,3 324,6 351,9 374,4 10% mais ricos 3.755,9 3.684,5 3.410,6 3.180,0 3.445,1 3.742,2 3.634,3 5% mais ricos 5.420,6 5.321,7 4.874,7 4.498,0 4.997,9 5.443,1 5.212,2 1% mais ricos 11.358,7 10.576,0 9.766,7 8.957,1 10.481,2 11.685,7 10.517,9 Serviços 993,1 916,7 848,0 858,9 887,0 951,6 984,2 50% mais pobres 290,2 277,3 267,0 270,8 290,3 315,7 335,4 10% mais ricos 4.537,4 4.085,5 3.722,4 3.785,6 3.857,2 4.125,7 4.194,5 5% mais ricos 6.442,0 5.739,6 5.271,5 5.344,5 5.442,2 5.816,5 5.933,9 1% mais ricos 12.607,5 11.225,4 10.189,2 10.570,7 10.669,6 11.421,6 11.941,5 Fonte: Elaboração dos autores com base na PNAD. Considerando as pessoas ocupadas em todos os setores de atividade, a queda no nível de renda ocorre em todos os estratos de rendimento de 2001 a 2003. Quando a renda média volta crescer, a queda sistemática da desigualdade faz com que o ganho dos mais pobres aumente mais do que o dos mais ricos. Enquanto o ganho médio da metade mais pobre dos trabalhadores já começa a subir em 2004, o dos grupos mais ricos só passa a crescer a partir de 2005. A variação da renda média dos 50% mais pobres, de 2003 a 2007, 9

é de 27,9%, valor substancialmente superior à variação percentual do rendimento dos 10% mais ricos, 10,3%, 5% mais ricos, 9,6%, e dos 1% mais ricos, 11,9%. De 2001 a 2007, a renda média dos três grupos mais ricos apresenta uma ligeira diminuição, ao passo que a do grupo mais pobre cresce. Em outras palavras, as pessoas com maior rendimento no trabalho passaram a ganhar um pouco menos, e as com menor rendimento a ganhar mais. Como o nível de renda na agricultura é menor do que na indústria e nos serviços, a redução da diferença entre a renda dos agricultores e a das pessoas ocupadas nos outros setores da economia contribui para reduzir as desigualdades de rendimentos do trabalho. De acordo com a tabela 4, a renda média do trabalho das pessoas ocupadas na agricultura sobe de 2001 a 2002, cai de 2002 a 2003, e depois aumenta de forma sistemática a partir de 2003. O ganho médio, na indústria, só começa a crescer a partir de 2004 e, nos serviços, a partir de 2003. Entre 2001 e 2007, o crescimento percentual do rendimento médio no setor primário de 20,9% é muito maior do que o 2,3% observado no setor secundário. No setor terciário, inclusive ocorre uma ligeira diminuição de menos de 1,0% no ganho médio. O fato de a desigualdade de renda na agricultura apresentar fortes oscilações faz com que o rendimento médio nos diferentes estratos de renda apresente comportamentos bastante distintos: o da metade mais pobre cresce quase sistematicamente de R$ 150, em 2001, até chegar a R$ 187,2, em 2007, enquanto os dos estratos mais ricos apresentam grandes variações, especialmente o do centésimo mais rico. Não dá para afirmar que há uma tendência de diminuição da razão entre a renda média do centésimo mais rico e a da metade mais pobre, que assume os seguintes valores: 57,4 em 2001, 57,5 em 2002, 60,8 em 2003, 53,9 em 2004, 61,4 em 2005, 59,2 em 2006, e 46,4 em 2007. O fato de as disparidades de rendimentos agrícolas não mostrarem uma tendência à queda é particularmente grave. A desigualdade na atividade não só é mais alta como também está associada a um maior nível de pobreza do que nos demais setores, porque o nível de renda dos agricultores ainda é substancialmente inferior aos das pessoas ocupadas na indústria e nos serviços. Como os estudos coincidem em destacar a concentração fundiária como o principal fator responsável pelas enormes disparidades de renda na agricultura, o próximo passo será analisar as mudanças recentes nas principais características da distribuição da posse de terra 2. 4. Evolução recente da distribuição da posse da terra no Brasil É importante ressaltar que, por se tratar de uma pesquisa domiciliar, a PNAD capta melhor as áreas dos empreendimentos agrícolas de pessoas físicas do que de pessoas jurídicas. Existem os casos das empresas de sociedade anônima. Seus sócios 2 Devido à falta de dados sobre a propriedade de capital, é usual medir o efeito do capital físico sobre a desigualdade utilizando apenas a variável posição na ocupação. A hipótese básica é que as diferenças de acesso à propriedade estão fortemente correlacionadas com a discriminação ocupacional: empregado, autônomo e empregador (ver Langoni, 1973). Além dos fatores já considerados usualmente em equações de rendimentos ajustadas para o setor primário, Ney e Hoffmann (2003) estimaram equações de rendimentos para pessoas ocupadas na agricultura em que também incluíram, como variável explanatória, a área dos empreendimentos agrícolas. A contribuição marginal do capital físico, medido pela área e pela posição na ocupação, é 21,3%, valor substancialmente maior do que sua contribuição quando medido apenas pela inclusão da posição ocupacional (13,7%), como é comum na literatura. 10

provavelmente não consideram os empreendimentos agrícolas da firma como sua propriedade. Além disso, alguns donos de empresas industriais e de serviços que também investem na agricultura devem informar ao IBGE que trabalham nos setores secundário e terciário. Eles não respondem a pergunta sobre a área do empreendimento agrícola, porque ela só é feita para quem diz estar ocupado como conta própria ou empregador na agricultura. De acordo com as "Estatísticas Cadastrais" do INCRA, têm crescido o número e a participação de imóveis rurais de pessoas jurídicas no país: em 1972, existiam cerca de 29 mil imóveis de pessoas jurídicas, que representavam 0,9% do total de propriedades rurais e ocupavam 9,6% da área cadastrada; em 1978, o número subiu para 43 mil imóveis, 1,3% dos imóveis e 13,7% da área; em 1992, para 54 mil imóveis, 1,7% dos imóveis e 19,5% da área; e em 1998, para 70 mil imóveis, 1,9% dos imóveis, e 19,4% da área. A falta de informações sobre as áreas de grandes empreendimentos agrícolas de pessoas jurídicas pode subestimar a desigualdade fundiária no país medida pelos dados da PNAD. Apesar dessas limitações, análises anteriores indicam que os dados sobre área dos empreendimentos agrícolas nas PNAD são, em linhas gerais, consistentes com as informações sobre estrutura fundiária provenientes dos censos agropecuários e do Cadastro do INCRA (Hoffmann 2001, p. 455). Por ter periodicidade anual, diferente das outras duas fontes de dados, a PNAD é uma fonte a mais de informações que permite o acompanhamento de forma bastante confiável da evolução mais recente da estrutura fundiária brasileira. A tabela 5 e a figura 2 apresentam as principais características da distribuição da área dos empreendimentos agrícolas com base nas informações da PNAD. Nota-se que não há uma tendência sistemática de mudança na área média dos empreendimentos agrícolas no país. Ela diminui de 48,2 hectares (ha), em 2001, para 44,7 ha, em 2007, mas depois de ocorrer um significativo aumento para 53,8 ha em 2003, 55,5 ha em 2005, e 63,8 ha em 2006. Tabela 5.- Principais características da distribuição da área dos empreendimentos agrícolas com área de 0,1 a menos de 10.000 ha. Brasil, 2001 a 2007. Estatísticas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 N o na população (1.000) 4.041,1 4.050,4 4.086,5 4.056,8 3.948,4 3.863,0 3.413,9 Área total (10 6 ha) 194,9 201,2 219,9 196,4 219,0 246,5 152,7 Área média 48,2 49,7 53,8 48,4 55,5 63,8 44,7 % da área apropriada pelos 50% menores 2,3 2,3 2,2 2,3 2,0 1,8 2,9 10% maiores 77,9 78,2 79,3 78,1 80,1 82,7 75,4 5% maiores 66,6 67,5 67,9 67,1 69,6 73,6 64,8 1% maiores 38,6 41,2 38,4 38,8 40,8 48,5 39,0 Índice de Gini (G) 0,848 0,850 0,854 0,848 0,860 0,879 0,831 Índice de Atkinson (A) 0,851 0,851 0,859 0,850 0,866 0,883 0,832 11

Dual do T de Theil (U) 0,864 0,872 0,868 0,867 0,877 0,907 0,855 Fonte: Elaboração dos autores com base na PNAD. Figura 2.- Evolução da proporção da área total apropriada pelos 50% menores, 10% maiores, 5% maiores e 1% maiores empreendimentos agrícolas de 0,1 a menos de 10.000 há. Brasil, 1992 a 2006. % da área total dos 90,0 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 78,4 79,3 77,1 68,0 66,8 64,5 39,9 39,2 36,1 79,9 69,2 42,7 80,3 76,3 78,2 69,5 44,2 64,7 66,8 37,5 40,2 77,9 78,2 79,3 78,1 80,1 67,5 66,6 38,6 41,2 67,9 38,4 69,6 67,1 38,8 40,8 82,7 73,6 48,5 75,4 64,8 39,0 10,0 0,0 2,3 2,3 2,1 2,0 1,9 2,4 2,2 2,3 2,3 2,2 2,3 2,0 1,8 2,9 1992 1993 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 50% menores 10% maiores 5% maiores 1% maiores Fonte: Elaboração dos autores com base na PNAD. Tendo em vista que a área do empreendimento é uma variável com distribuição muito desigual e assimétrica e que a amostra corresponde a cerca de 0,2% da população, a área média obtida com os dados da PNAD está sujeita a substancial erro de amostragem. A área mediana é uma medida de tendência central menos afetada por valores muito altos e é quase sempre igual a 6 ou 7 hectares. Quase sempre o primeiro quartil é igual a 2 hectares e o terceiro quartil é igual a 24 ou 25 hectares. Embora os dados da PNAD mostrem uma diminuição sistemática do número de pessoas com empreendimentos agrícolas a partir de 2003, por causa do aumento da área média não há uma diminuição contínua da área total ocupada, que em 2006 chega ao seu maior valor em todo período analisado, 246,5 milhões de hectares. Além do índice de Gini, foram estimadas duas medidas de desigualdade: o dual do T de Theil [ U = 1 exp( T )], relativamente mais sensível a mudanças na cauda superior da distribuição, e o índice de Atkinson [ A = 1 exp( L)], que é uma transformação monotonicamente crescente do L de Theil e mais sensível às mudanças na cauda inferior da distribuição (Hoffmann, 2001). No período 2001-2007, os três índices, depois de apresentar oscilações expressivas, chegam ao seu valor máximo em 2006, e depois caem bruscamente, em 2007, quando alcançam os seus menores valores nesse período (ver tabela 5). Assim como acontece com as disparidades de rendimentos na agricultura, os dados da 12

PNAD não mostram nenhuma tendência sistemática de redução ou aumento da concentração fundiária nos últimos anos. A desigualdade fundiária no Brasil é altíssima: os 50% menores empreendimentos ocupam, em 2007, menos de 3,0% da área total agrícola declarada na PNAD, ao passo que os 10%, 5% e 1% maiores empreendimentos se apropriam, respectivamente, de 75,4%, 64,8% e 39,0% da área. Se considerarmos os dados a partir de 1992, não há aproximação da proporção da área ocupada por quem está na cauda direita da distribuição da posse da terra em comparação à proporção de quem está na cauda esquerda (ver figura 2). A concentração da posse da terra é tão elevada que, em 2007, a área de 59,5 milhões de hectares ocupada pelos 1% maiores empreendimentos é 13,6 vezes superior à área de 4,4 milhões de hectares possuída pelos 50% menores. E essa diferença ainda está subestimada pela exclusão dos empreendimentos com menos de 0,1 ha e mais de 10.000 ha dos dados da PNAD. A desigualdade fundiária, inexplicavelmente, sobe de forma brusca, em 2006, e cai de forma abrupta, em 2007. Essas fortes variações fazem com que 2006 seja, de 1998 a 2007, o ano de maior disparidade na distribuição da terra, sendo a razão entre a área total ocupada pelos 1% maiores e 50% menores empreendimentos igual a 27,1. O ano de 2007, ao contrário, é um dos que têm a menor desigualdade nesse período. Conforme pode se observar na tabela 6, a concentração da posse da terra está fortemente associada à variável posição na ocupação. Em 2007, os empregadores no setor primário ocupam uma área média de 213,1 ha, valor 8,6 vezes superior à média de 24,7 ha dos conta própria. Por ocuparem áreas tão grandes, os 77,5 milhões de hectares (50,7%) apropriados pelos pouco mais de 360 mil empregadores superam os 75,2 milhões de hectares (49,3%) apropriados pelos mais de 3 milhões de conta própria. Tabela 6.- Valor do área média, área total e do índice de Gini (G), de Atkinson (A) e do Dual do T de Theil (U) para a desigualdade na distribuição da área dos empreendimentos agrícolas com área de 0,1 a menos de 10.000 ha, conforme posição na ocupação. Brasil, 2001 a 2007. Estatísticas 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Empreendimentos de conta própria N o na população (1.000) 3.578,9 3.653,2 3.637,8 3.576,0 3.480,6 3.411,9 3.050,5 Área total (10 6 ha) 91,3 93,6 104,8 101,0 92,3 111,7 75,2 Área média 25,5 25,6 28,8 28,2 26,5 32,7 24,7 Índice de Gini (G) 0,791 0,782 0,802 0,808 0,794 0,832 0,762 Índice de Atkinson (A) 0,777 0,765 0,790 0,795 0,782 0,821 0,752 Dual do T de Theil (U) 0,811 0,801 0,825 0,850 0,813 0,885 0,764 Empreendimentos de empregadores N o na população (1.000) 462,3 397,1 448,7 480,9 467,8 451,1 363,4 Área total (10 6 ha) 103,6 107,6 115,1 95,4 126,8 134,8 77,5 Área média 224,1 270,9 256,5 198,5 271,0 298,9 213,1 Índice de Gini (G) 0,776 0,781 0,774 0,775 0,789 0,814 0,792 13

Índice de Atkinson (A) 0,804 0,816 0,809 0,806 0,821 0,843 0,809 Dual do T de Theil (U) 0,728 0,734 0,725 0,728 0,741 0,787 0,759 Fonte: Elaboração dos autores com base na PNAD Se por um lado a desigualdade entre as duas categorias ocupacionais é alta, por outro a distribuição de terra dentro de cada uma delas também é muito heterogênea. O índice de Gini que mede a desigualdade fundiária é de 0,762, entre os conta próprias, e de 0,792, entre os empregadores. Em nenhuma das duas posições ocupacionais o índice de Gini, o dual do T de Theil e o índice de Atkinson mostram uma tendência contínua de diminuição da concentração da posse da terra. Para a distribuição da área dos empreendimentos de empregadores, constata-se que há, no período 1992-2007, uma tendência de crescimento da desigualdade. A regressão linear simples do índice de Gini contra o tempo produz um coeficiente angular positivo e estatísticamente significativo ao nível de 1%. 5. Conclusões A análise dos microdados da PNAD mostra a tendência de redução da desigualdade da distribuição da renda de todos os trabalhos por pessoa ocupada, no Brasil, de 1995 a 2007. O mesmo tipo de tendência é observado quando se consideram apenas os ocupados em serviços ou na indústria. Entretanto, nesse período não há tendência de redução da desigualdade para os ocupados no setor agrícola. Desde 2002 o índice de Gini da distribuição da renda entre pessoas ocupadas na agricultura supera os valores correspondentes para os outros dois setores da economia. O motivo é a queda sistemática das disparidades de rendimentos no setor de serviços a partir de 1995, que faz com que atualmente a desigualdade de renda medida tanto pelo índice de Gini quanto pelo T de Theil seja maior no setor agrícola. Além de ser mais alta e resistente à queda, a desigualdade da distribuição da renda na agricultura também se caracteriza pelo fato de que até 2006 a porcentagem da renda apropriada pelo centésimo mais rico supera substancialmente a porcentagem que fica com os 50% mais pobres. Embora essa não seja uma das finalidades centrais desse levantamento de dados realizado pelo IBGE, a PNAD permite que se analise a distribuição da posse da terra no país, considerando a área dos empreendimentos de empregadores e conta própria ocupados no setor agrícola. Não se constata tendência de redução da desigualdade dessa distribuição de 1992 a 2007. O índice de Gini permanece entre 0,84 e 0,87 de 1992 a 2005, alcança 0,879 em 2006 e cai para 0,831 em 2007. Curiosamente, quando se analisa separadamente a área dos empreendimentos de empregadores, verifica-se que há uma tendência de crescimento da desigualdade no período 1992-2007. 6. Referências bibliográficas BARROS, R. P., FOGUEL, M. N., e ULYSSEA, G. (Org.) Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. IPEA, Brasília, 2006. BARROS, R. P., HENRIQUES, R. e MENDONÇA, R. A estabilidade inaceitável: desigualdade e pobreza no Brasil. Texto para Discussão n. 800, IPEA, Rio de Janeiro, 2001. 14

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