SUSCEPTIBILIDADE A PROCESSOS GEOLÓGICOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA ÁREA URBANA DE MARIANA, MG



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Transcrição:

SUSCEPTIBILIDADE A PROCESSOS GEOLÓGICOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA ÁREA URBANA DE MARIANA, MG Frederico Garcia Sobreira Departamento de Geologia da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto Campus Morro do Cruzeiro S/N, Cep:35400-000, Ouro Preto, Minas Gerais,Brasil e-mail: sobreira@degeo.ufop.br ABSTRACT. This work analyses the hazards related to superficial geodynamic processes by using a qualitative approach. By means of cartographic analysis of geological properties, geothecnical characterization of terrenes and geomorphologic features, it was possible to build up a hazard map in which the potential places and the kind of processes that can take place in the urban area of Mariana are reported. The analysis of the hazard map in the urban context of Mariana defines some critical places. The higher risks are related to landslides and floods that affect many neighborhoods in the city. The work also points to the need of land use regulations. However, areas in critical conditions must be subject to immediate intervention. This study was supported by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais FAPEMIG. Key Words: Geological hazards, urban geology, land use and planning, Mariana. RESUMO. O trabalho aborda a suscetibilidade à ocorrência de processos geodinâmicos na área urbana de Mariana, MG em termos qualitativos. A partir da cartografia e análise dos aspectos geológicos e geomorfológicos de interesse e da caracterização geotécnica dos materiais ocorrentes, chegou-se a uma carta de suscetibilidade a processos geológicos. A integração dos dados e sua análise no contexto da área urbana permitem a análise local e definição de áreas de mais problemáticas devido à ocorrência de processos geológicos. Os maiores problemas, relacionados a escorregamentos e inundações, podem atingir boa parte da malha urbana, caracterizando situações de risco. O estudo aponta a necessidade de normas disciplinadoras da ocupação do meio físico, que levem em conta suas características. Entretanto, as áreas mais críticas são, pela sua atual situação, áreas prioritárias de intervenção. Este trabalho foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais. Palavras Chave: Suscetibilidade Geológica, geologia urbana, uso do solo, Mariana. INTRODUÇÃO A transferência da população rural para os centros urbanos é um fenômeno mundial característico dos últimos 50 anos. O crescimento das cidades brasileiras, inseridas neste contexto, intensificou-se a partir da década de 60, quando a população rural representava cerca de 75% do total, e desenrola-se até hoje, quando quase 90% da população vive em áreas urbanas na região sudeste, segundo o último censo (IBGE, 2000). Devido a este crescimento rápido e acelerado, conjugado com a falta de planejamento e políticas habitacionais a médio e longo prazo, as cidades brasileiras cresceram e crescem ainda hoje de forma desordenada, com a população resolvendo por si só seus problemas mais imediatos de moradia e acesso aos equipamentos urbanos (luz, água, disposição de lixo e esgotamento sanitário). A conseqüência 43

mais imediata deste processo foi o surgimento de problemas relacionados a estabilidade de encostas, inundações e alagamentos em áreas urbanas. Em muitas regiões urbanas notam-se grandes taxas de degradação ambiental, ocorrendo em contrapartida reações violentas do meio físico à ação antrópica, contribuindo para a multiplicação dos problemas que interferem na qualidade de vida da população e na segurança e eficiência das obras civis (Amaral, 1988). Assim, a necessidade e importância de estudos que caracterizem o meio físico natural devem ser levadas em consideração para se planejar e gerenciar o uso do solo. Com um planejamento adequado, problemas de áreas de risco devido a escorregamentos e inundações, o desperdício de recursos naturais e a má utilização do meio físico podem ser evitados ou previstos, orientando as medidas preventivas e mitigadoras destes problemas. Dentro deste contexto, o município de Mariana, objeto de estudo deste trabalho, apresenta graves problemas decorrentes da má utilização do meio físico. Apesar da existência de estudos realizados pela Fundação João Pinheiro (Fundação..., 1975), nos quais constavam várias recomendações sobre uso do solo na área urbana, a ocupação do espaço urbano procedeu-se desordenadamente, trazendo como conseqüências os mesmos problemas de sempre. A grande complexidade geológica da região, a morfologia de seus terrenos e o clima chuvoso no verão são fatores que predispõem o meio físico em Mariana a movimentos de massa (escorregamentos e erosões). Conjugada a estes fatores, a ocupação inadequada prepara o cenário para o desencadeamento de acidentes geológicos em áreas mais declivosas. Além destes problemas de instabilidade de taludes, o assoreamento de canais de drenagem pelo material proveniente das encostas e de atividades mineiras no Ribeirão do Carmo propicia a possibilidade de inundação na planície aluvionar e nas partes mais baixas da cidade. Consequentemente, em muitos locais a população vive em risco quase permanente, com agravante nas épocas mais chuvosas, quando os processos geológicos se manifestam mais intensamente. ÁREA DE ESTUDO O município de Mariana situa-se na porção sudeste do Quadrilátero Ferrífero, distando cerca de 100 km de Belo Horizonte e 12 km de Ouro Preto (Fig. 1). O principal acesso é feito pela Rodovia dos Inconfidentes (BR-356) passando por Ouro Preto (MG-129) ou pela rodovia do Contorno (MG-262). A área estudada tem aproximadamente 14 km 2, representando um retângulo que cobre não só o setor urbano do Município de Mariana, mas também as zonas periféricas ainda não ocupadas. As primeiras ações de planejamento urbano da cidade de Mariana começaram em meados do século XVIII, quando a Real Vila do Nossa Senhora do Carmo foi elevada a categoria de cidade (23 de abril de 1745), tornando-se a primeira cidade mineira. Em conseqüência, foi traçada a planta da cidade por José Alpoim, garantindo-lhe assim também o título de primeira cidade possuidora de planejamento urbanístico em Minas Gerais (Fundação..., 1975). Figura 1 - Localização da área estudada. Findo o ciclo do ouro, Mariana passou por longo período de estagnação, fato que 44

contribuiu para a preservação de seu patrimônio arquitetônico. No final dos anos 50 do século passado, o incremento das atividades mineradoras promoveu o reaquecimento da economia local e consequentemente a retomada do crescimento da cidade. A partir dos anos 70, o processo de urbanização provocou o aumento da população no distrito sede, aumentando a necessidade de ocupação de novas áreas. Hoje Mariana possui uma população de 46.710 habitantes, sendo que 29.782 pessoas habitam a área urbana (IBGE, 2000). GEOLOGIA A área de estudo situa-se no extremo leste do Quadrilátero Ferrífero-MG, sudeste de Minas Gerais. O ambiente geológico da área urbana de Mariana e adjacências é constituído essencialmente por rochas metassedimentares de idade proterozóica, formando uma grande estrutura regional, conhecida como Anticlinal de Mariana e compõem sua terminação periclinal a oeste da cidade. Todo o anticlinal encontra-se fortemente perturbado por várias zonas de cisalhamento dúcteis, falhas reversas e de empurrão (Nalini Jr. 1993). Foi elaborado mapa litoestrutural a partir de levantamentos de campo e dos trabalhos anteriormente realizados (Barbosa, 1969 e Nalini Jr. 1993). Embora individualizados, os materiais rochosos encontram-se em avançado estado de alteração, por vezes tendo comportamento de solos. As figuras 2 e 3 mostram o mapa litoestruturas e seções esquemáticas da área. De um modo geral, as unidades mapeadas respeitam as designações estratigráficas formais do Quadrilátero Ferrífero e podem ser agrupadas em afloramentos rochosos e depósitos superficiais e são descritas a seguir. Figura 2 - Mapa geológico da área urbana de Mariana. Afloramentos rochosos O Grupo Nova Lima é constituído por xistos e filitos, que apresentam-se na maioria das vezes alterados e exibindo complexa rede de descontinuidades. Localmente podem ser observados litotipos menos intemperizados. Ocupam toda a borda leste da área, fora do perímetro urbano, e pequena parte na porção oeste, no interior da estrutura antiformal, perfazendo cerca de 20% da área. O Grupo Caraça é composto por quartzitos, quartzitos sericíticos finos a médios, localmente amarelados, da Formação Moeda e por filitos marrons da Formação Batatal. Ocorre em estreita faixa na região interna da estrutura antiformal e na porção nordeste da área, representando apenas 3% da área, encontrando-se fora dos limites da malha urbana. 45

Figura 3 - Seções esquemáticas representando as unidades geológicas e depósitos. A Formação Cauê é constituída por formações ferríferas bandadas compostas principalmente por hematita e quartzo. Estas litologias apresentam cores cinza prateado e marrom a ocre (itabirito anfibolítico) e estão geralmente alteradas. Localmente estão intensamente dobradas e fraturadas. Ocorrem no núcleo da estutura antiformal, a noroeste e na porção nordeste da área perfazendo cerca de 6% do total. A Formação Gandarela ocorre fora do limite urbano da cidade. É composta por dolomitos róseos a cinzentos e dolomitos itabiríticos. Afloram bordejando o antiforme em faixa delgada a oeste da cidade de Mariana, não alcançando 1% do total da área. A Formação Cercadinho aflora em vários pontos, estando as maiores ocorrências localizadas bordejando o anticlinal de Mariana, a oeste, e em extensa faixa na porção leste da área, com direção aproximada N-S. Esta unidade é bastante heterogênea, sendo composta por quartzitos ferruginosos e quartzitos sericíticos, intercalados a filitos e filitos cinza prateados. Estas litologias estão geralmente bastante alteradas. A Formação Cercadinho perfaz área de cerca 16% do total e encontra-se quase na sua totalidade dentro do perímetro urbano de Mariana. A Unidade Barreiro/Taboões é representada por quartzitos muito finos interestratificados com filitos carbonosos cinza a negros, englobando as formações Taboões e Barreiros. Os filitos na maioria das vezes têm aspecto terroso, incoerente e pulverulento, sendo facilmente erodíveis (Fig.4). Representa cerca de 9% da área estudada. A Formação Taboões não foi individualizada por não possuir representatividade cartográfica na escala de trabalho. O Grupo Sabará ocupa cerca de 12% da área total ocupado por boa parte da área urbana. É composto por xistos diversos e encontra-se em estágio avançado de alteração, apresentando cores variadas como vermelho, castanho avermelhado, castanho arroxeado, amarelo, cinza prateado chegando até a cinza negro (Fig. 5). O Grupo Itacolomi é composto de quartzitos, com camadas de filitos e metaconglomerados intercalados. Os quartzitos encontram-se muito fraturados, com destaque para as fraturas subverticais. Afloram na parte sul da cidade, em escarpa abrupta e representam apenas 1% do total da área estudada. Depósitos de Cobertura Os Depósitos de Tálus ocupam os contrafortes da Serra do Itacolomi e são resultantes da acumulação de material dela provenientes (grupos Sabará e Itacolomi). Estes depósitos ocupam área aproximada de 1,3 km 2 e têm espessura variável, que pode ultrapassar 10 m, representando cerca de 9% da área total. O relevo é irregular, com trechos íngremes e áreas mais aplainadas pela intervenção humana. A composição textural é bem heterogênea, 46

com grande número de blocos rochosos de tamanhos e litologias variadas, predominantemente de quartzitos, imersos numa matriz argilo-siltosa (Fig. 6). Os Depósitos de Colúvio são representados por rampas que recobrem colinas e morros de Mariana. Estendem-se por uma faixa de direção norte-sul no centro da área, geralmente recobrindo o Grupo Sabará e perfazendo 14% da área estudada. O material apresenta textura homogênea e cor avermelhada, as vezes com grande quantidade de fragmentos angulosos de quartzo (Fig.7). São também freqüentemente observadas linhas de pedras na base destes depósitos. Sua espessura é variada, mas localmente podem ultrapassar os 6 metros. Os Depósitos Aluviais são os depósitos recentes que formam a planície de inundação do Ribeirão do Carmo e seus afluentes, cobrindo uma extensa faixa na porção centro-norte da área. Esta unidade perfaz cerca de 10% da área total. Os aluviões são constituídos no geral de areias, cascalhos e argilas, depositadas por processos fluviais e por atividades antrópicas, principalmente a mineração. Figura 5 - Aspecto do xisto Sabará alterado, recoberto por colúvio. Figura 6 - Depósito de tálus no bairro Santa Rita de Cássia. Figura 7 - Colúvio recobrindo o xisto Sabará alterado. Figura 4 - Aspecto do filito da Formação Barreiro. 47

GEOMORFOLOGIA A área estudada é representada por um grande vale com direção norte-sul, que é interceptado em sua porção centro-oeste por outro vale de direção leste-oeste, no qual se encaixa o Ribeirão do Carmo. Neste ponto, o ribeirão inflete para norte, ocupando o vale principal. O relevo é bastante dissecado, com formas do tipo cristas com vertentes ravinadas e vales encaixados. Os terrenos planos perfazem 20%, enquanto que os terrenos montanhosos ocupam 70% e os escarpados 10%. As altitudes são superiores a 800-900 m na parte sul decaindo para norte. A planície do Ribeirão do Carmo possui altitudes inferiores a 710 m na porção central da área e inferiores a 700 m a norte. A rede hidrográfica é representada pelo Ribeirão do Carmo, principal curso, e pelos córregos do Catete e do Seminário a sul e Canela, a norte. Destes, apenas o córrego do Catete não apresenta uma planície bem delimitada, tendo parte de seu curso canalizada por ocasião de intervenção para implantação do bairro Vila do Carmo e a abertura do principal acesso à cidade. O córrego do Seminário recebe as águas provenientes dos contrafortes da Serra do Itacolomi e, juntamente com o córrego do Catete, drena todas as águas superficiais provenientes do setor sul da área. A partir do estudo de fotografias aéreas e trabalhos de campo, foi elaborado mapa de unidades morfológicas territoriais (Fig.8), definidas como terrenos formados por um processo natural, que tem uma composição definida e um conjunto de características físicas e visuais que aparecem onde quer que se encontre a unidade morfológica territorial (MOPT, 1992). Foram cartografadas diferentes formas de relevo como escarpas, colinas, vales fluviais e outras feições menores, como cicatrizes de escorregamentos e ravinamentos, e definidas sete unidades morfológicas territoriais para a região estudada, que são descritas a seguir. A Unidade Relevos Escarpados compreende parte da Serra do Itacolomi, na porção sudeste e toda a parte leste da área, além do setor noroeste, nas partes mais elevadas do anticlinal de Mariana (Fig. 9). Essa unidade corresponde às maiores altitudes da área (1.000-1.200 m) e possui vertentes com declives em torno 25-45%, podendo chegar aos 60%. Normalmente os terrenos estão recobertos pela vegetação mais exuberante, não estando ocupados pela malha urbana. Os processos geodinâmicos superficiais característicos desta unidade são os movimentos gravitacionais de massa (escorregamentos). A Unidade Colinas é representada pelas faixas alongadas com topos aplainados de direção grosseiramente norte-sul, que ocorrem na porção central da área, bordejando a planície aluvionar do Ribeirão do Carmo (Fig. 9 e 10). As altitudes dos topos ficam em torno de 800 m e os declives em torno de 35-40% nas vertentes, tornando-se bem mais suaves nas cumeeiras (relevo ondulado a levemente ondulado nos topos). Esta unidade apresenta alta taxa de ocupação, estando nela instalados parte do centro histórico e vários bairros importantes da cidade. Os escorregamentos e, secundariamente processos erosivos por ravinamentos, predominam na dinâmica superficial desta unidade. A Unidade Vales Encaixados é representada por linhas de drenagem profundas, geralmente nas cabeceiras dos cursos d água, mais freqüentes na porção sul da área. Os declives das vertentes dos vales são sempre superiores a 45%. O principal processo que pode ocorrer nesta unidade é o grande fluxo de águas durante os períodos chuvosos, que pode provocar corridas de lama e detritos, caso associado a escorregamentos nas vertentes e cabeceiras da drenagem. 48

Geo.br 1 (2001) 43-60 A Unidade Rampa ocorre na porção tem forma de leque e perfaz uma área de aproximadamente 1,3 km2. A forma é claramente individualizada devido ao relevo geralmente mais suave, apesar de ocorrer em locais com declives mais fortes. Os declives são variados, predominando os valores entre 10 e 25% mais para jusante, passando para a faixa dos 45 a 60% mais a montante. Esta unidade está sujeita a processos erosivos por ravinamentos e movimentos de rastejo localizados, típicos deste tipo de depósito. Figura 8 - Mapa de Unidades Morfológicas Territoriais. 49

Figura 9 - Unidade morfológica relevos escarpados e unidade Colina em primeiro plano. Figura 10 - Unidade Morfológica Colina. Figura 11 - Unidade morfológica Rampa. A Unidade Relevos Suaves é representada pelos setores mais baixos das vertentes de algumas colinas, transição entre estas e a planície aluvionar (Fig. 12). As altitudes giram em torno dos 700-750 m e os declives estão entre 10 e 20%. O relevo característico é suavemente ondulado e estas áreas encontram-se quase que totalmente ocupadas. Escorregamentos localizados são os processos mais comuns, geralmente decorrentes de ações locais como pequenos cortes e aterros mal executados. A Unidade Planície Aluvionar tem declives sempre abaixo dos 10%, predominando os valores mais baixos. Aparecem em duas faixas que se encontram no centro da área, uma mais estreita, de direção E-W e outra mais extensa, com direção norte-sul. Toda a planície do Ribeirão do Carmo encontra-se ocupada pela malha urbana, quase sempre com alta densidade de ocupação. Inundações e alagamentos são os processos a que esta unidade está sujeita. Foi ainda individualizada na parte centro-oeste da área uma zona de intervenção humana, totalmente modificada em sua morfologia e hidrografia por cortes e aterros executados para a implantação da avenida Nossa Senhora do Carmo, principal acesso à área urbana de Mariana, e do bairro Vila do Carmo. A área é praticamente plana e circundada por taludes de escavação íngremes e com amplitudes variadas, alguns com mais de 20 m. CARACTERIZAÇÃO GEOTÉCNICA Figura 12 - Unidade morfológica Relevos Suaves (área ocupada). Segundo Silva (1990), é difícil definir um comportamento geotécnico geral para o produto do intemperismo das rochas do Quadrilátero Ferrífero, principalmente pela heterogeneidade litológica e também pela variabilidade do estado de alteração, parâmetro decisivo para a definição do comportamento geotécnico dos materiais. Um outro aspecto importante são as feições estruturais, sempre presentes e 49

reliquiares nos materiais mais alterados, cuja distribuição e intensidade influenciam fortemente o comportamento hidrogeológico e consequentemente geotécnico. Segundo Carvalho (1982), estas condições tornam impossível definir domínios homogêneos para fins geotécnicos das áreas de ocorrência de rochas do Grupo Nova Lima e Supergrupo Minas. No entanto, segundo este autor, é possível analisar individualmente cada unidade litológica, expressando suas propriedades em termos qualitativos. Objetivando uma melhor caracterização e classificação dos principais terrenos da área urbana de Mariana, foram coletadas e analisadas em laboratório dezenove amostras segundo sua representatividade e distribuição territorial, sendo onze do material coluvial, três da matriz do depósito de tálus, duas dos solos residuais da Formação Sabará, duas dos solos residuais da Formação Barreiro e uma da Formação Cercadinho. Os resultados dos ensaios são apresentados na Tabela 1. As características e índices obtidos permitiram a classificação geotécnica destes materiais, que apresentam boas relações com o observado em campo. As demais unidades com representatividade em área foram analisadas apenas qualitativamente, a partir de observações de campo. Os xistos do Grupo Nova Lima encontramse intensamente alterados, com uma foliação marcante bem preservada e com padrão de fraturamento variando muito. Segundo Silva (1990), estes xistos possuem baixa permeabilidade, porém elevada capacidade de retenção da umidade. A baixa resistência confere ao material uma grande susceptibilidade aos ravinamentos e escorregamentos superficiais. Os quartzitos e filitos da Formação Cercadinho encontram-se em avançado estado de alteração. O quartzito está geralmente muito fraturado e a foliação bem marcante dos filitos caracteriza-se como descontinuidade principal, dependendo da sua relação com a topografia local a estabilidade da encosta. Esta unidade possui resistência aos processos erosivos muito maior nas vertentes paralelas à foliação. O produto da desagregação destas rochas é uma areia siltosa não plástica. A interdigitação entre os quartzitos e filitos, o grau de alteração, o sistema de fraturamento em combinação com a morfologia das encostas acarretam às rochas da Formação Cercadinho alta susceptibilidade a processos erosivos, confirmando a má qualidade geotécnica destes terrenos nesta situação, conforme estimado por Carvalho (1982). Os filitos pretos carbonosos e manganezíferos da Formação Taboões estão muito alterados. Quando umedecidos apresentam aspecto untuoso, quando secos mostram-se pulverulentos, desagregando-se com facilidade. A foliação, descontinuidade principal, é cortada por fraturas perpendiculares. Segundo Silva (1990), a coesão é média e a permeabilidade deste material é baixa, dependendo do grau de fraturamento local. O material foi classificado geotecnicamente como uma areia argilosiltosa não plástica. Seu comportamento geotécnico em encostas depende fortemente da atitude de sua foliação em relação à face da encosta, mas pode ser considerado pobre (Carvalho, 1982; Silva, 1990). O xisto do Grupo Sabará ocupa toda parte central da cidade de Mariana, margeando a planície de inundação do Ribeirão do Carmo, mas estando amplamente recoberto por colúvios. Estas duas unidades formam, por seu relevo próprio, a unidade morfológica Colinas. O xisto encontra-se intensamente alterado, tendo em muitos pontos comportamento de material inconsolidado. 50

Tabela 1 Resultado dos ensaios de caracterização geotécnica e classificação dos materiais de Mariana, segundo Sistema Unificado de classificação de solos (Gomes Correia, 1988). Unidade Amostra % Argila % Silte % Areia % Seixos % LL LP IP γ solo (g/cm 3 ) γ sólido ( g/cm 3 ) Classificação SUCS MD1 18 47 34 01 44 24 20 1,66 2,95 CL argila magra arenosa MD2 33 16 50 01 41 25 16 1,55 3,01 SC areia argilosa MD3 31 08 52 09 38 24 14 1,86 2,75 SC - areia argilosa MD4 48 07 44 01 40 25 15 1,52 2,61 CL argila magra arenosa MD5 32 10 58 - NP NP NP 1,78 2,76 SC-SM areia argilo siltosa Colúvio MD6 40 06 50 04 38 27 11 2,15 2,15 SC - areia argilosa MD7 32 18 48 2 38 22 16 1,43 2,71 CL argila magra arenosa MD8 35 11 51 3 44 29 15 2,00 2,57 SC - areia argilosa MD9 46 13 37 4 NP NP NP - - SC-SM areia argilo siltosa MD10 58 5 35 2 74 41 33 - - MH silte elástico arenoso MD11 51 03 44 02 55 32 23 1,52 1,52 MH silte elástico arenoso MS1 20 48 32-41 25 16-2,55 CL argila magra arenosa Sabará MS2 17 30 53 - NP NP NP 1,54 2,72 SC-SM areia argilo siltosa MB1 21 24 53 02 NP NP NP - 3,13 SC-SM areia argilo siltosa Barreiro MB2 27 20 53 - NP NP NP - 3.82 SC-SM areia argilo siltosa Cercadinh MC1 04 44 52 - NP NP NP 1,86 3,03 SC-SM areia argilo siltosa o MT1 43 06 48 03 39 28 11 1,61 2,45 SC - areia argilosa Tálus MT2 26 08 62 04 32 23 9 2,19 - SC - areia argilosa MT3 12 09 77 02 NP NP NP 2,01 2,80 SC - areia argilosa LL- Limite de Liquidez; LP- Limite de Plasticidade; IP- Índice de Plasticidade; γ Solo - peso específico aparente; γ sólido - Peso específico dos sólidos. NP não plástico. 51

Nestas circunstâncias, pode ser classificado como uma argila arenosa de baixa plasticidade. É comum influência de estruturas reliquiares como a foliação e fraturas diversas. Segundo Silva (1990), a coesão deste material lhe confere uma qualidade geotécnica razoável. Na maioria das vezes, este material mostra-se estável em cortes, mas taludes de forte inclinação e maiores que 4 m tornam-se instáveis e são problemas constantes. Trata-se de um material de permeabilidade baixa e moderadamente resistente a erosão, com coesão média, segundo Silva (1990). O depósito de tálus é composto por material heterogêneo, solos finos, fragmentos de rocha e blocos rochosos de dimensões variadas, mas que podem ter grandes volumes, alguns ultrapassando 10 metros em uma de suas dimensões. A matriz presente é uma areia argilosa de baixa plasticidade ou não plástica. As características do depósito lhe conferem baixa qualidade, principalmente pela alta susceptibilidade a ocorrência de movimentos do tipo rastejo, provocados pela saturação do material, conforme observado em alguns pontos no bairro Cabanas. Outro processo muito comum no local é a erosão interna pelas águas servidas e de escoamento superficial, que se infiltram em cavidades e vão carreando o material mais fino, provocando a desestruturação do terreno. Este processo pode ser comprovado pelo grande número de ocorrências de afundamento em ruas e terrenos que ocorrem no bairro Cabanas. Os depósitos coluvionares são compostos por material argilo-arenoso, segundo classificação de campo, de coloração avermelhada, cujas espessuras variam de poucos centímetros no topo das colinas, normalmente ultrapassando os 4 metros no terço inferior das vertentes. O comportamento desses depósitos depende da morfologia da vertente em que se encontram e da sua espessura. Geotecnicamente estes materiais podem ser classificados como argilas arenosas de baixa plasticidade e areias argilosas, siltosas ou não. Os depósitos aluviais são compostos por materiais extremamente variados, predominando cascalhos e areias grosseiras, mas também ocorrendo materiais mais finos, silto-argilosos. Esta variabilidade de composição confere a estes depósitos uma baixa qualidade como fundação. As atividades de garimpo do ouro no curso do Ribeirão do Carmo, até hoje executadas, promoveram uma intensa alteração nos depósitos naturais, que foram remobilizados várias vezes, não possuindo mais suas características originais. SUSCETIBILIDADE E RISCO GEOLÓGICOS Entende-se como susceptibilidade (hazard) a possibilidade de ocorrência de fenômeno geológico (evento), sendo o risco (risk) a possibilidade de que o fenômeno seja acompanhado de danos e perdas (acidente) (ABGE, 1998). Constantemente verifica-se uma confusão entre os conceitos de suscetibilidade e riscos, sendo um dado como o outro. Suscetibilidade refere-se ao processo natural em si mesmo, e pode ser caracterizada pela potencialidade de um evento como causador da transformação no meio físico, independentemente de suas conseqüências para as atividades humanas (MOPT, 1992). A análise da suscetibilidade envolve técnicas de natureza preditiva, objetivando definir os tipos de eventos perigosos e definir as condições espaciais e temporais de sua ocorrência (Bitar, 1995). Segundo Cerri (1990) risco geológico é definido como uma situação de perigo, perda ou dano, ao homem e suas propriedades, devido à possibilidade da ocorrência de processos geológicos, sejam eles induzidos ou não. Por definição só há risco geológico quando é possível a identificação de conseqüências sociais e econômicas diretamente relacionadas a determinada condição ou processo 52

geológico e pode ser representado pela expressão: R = P x C (1), onde P corresponde ao potencial de ocorrência de acidente geológico, C às conseqüências sócio-econômicas e R ao risco geológico ou possibilidade de ocorrência de acidente. O risco geológico pode ser classificado também como atual e potencial. A melhor forma de representar e analisar a suscetibilidade aos processos geológicos e os riscos conseqüentes se dá pela cartografia, que pode seguir vários procedimentos e métodos, dependendo dos objetivos, da escala de trabalho e dos processos que se estuda. Entretanto, geralmente as técnicas utilizadas baseiamse em cruzamento de informações cartográficas (cartas temáticas) de forma a obter um produto cartográfico derivado, onde estariam representados os processos geológicos, hierarquizada a suscetibilidade e avaliados os riscos decorrentes destes processos. No estudo da suscetibilidade as bases principais são as descritoras do meio físico (geologia, geomorfologia, declives, cobertura vegetal, mapas de solos, etc.), enquanto que análise de risco incorpora informações sobre o uso do meio físico e a importância das instalações e infraestruturas humanas que, conjugadas com a suscetibilidade, fornecem a hierarquização dos graus de risco, servindo como subsídio básico para a definição das medidas preventivas e corretivas a serem tomadas. SUSCETIBILIDADE AOS PROCESSOS GEOLÓGICOS EM MARIANA A análise da suscetibilidade aos processos geológicos em Mariana foi fundamentada em trabalhos de campo, técnica de cruzamento de informações cartográficas básicas e observações pontuais de campo. A análise da suscetibilidade envolveu vários processos e, devido às dificuldades em representar uma hierarquização da suscetibilidade de cada área a cada processo, apenas foram estabelecidos os locais mais críticos (Fig. 13). Na integração dos dados não foram adotados procedimentos de ponderação e cruzamento automático, mais adequados em estudos que englobam grandes áreas, em escalas médias e pequenas. No presente caso, a escala de mapeamento (1:5.000) e a pequenaextensão da área proporcionaram grande facilidade de verificação dos produtos, à medida que estes foram sendo obtidos, ou seja, o detalhe do estudo possibilitou o aferimento local dos resultados da análise realizada. Foram analisados processos de escorregamento/erosão superficial, inundação, corridas, queda de blocos, rastejo /erosão superficial/rolamento de blocos. Estes processos têm em comum o ambiente e as condições que os deflagram - chuvas fortes ou períodos prolongados de chuvas - podendo ser previsíveis em certas circunstâncias. Consequentemente, uma carta como a presentemente desenvolvida tem grande importância nas ações de defesa civil e de combate aos problemas de origem geológica. Os processos de maior alcance em área são os escorregamentos associados à erosão superficial. Ocorrem principalmente na unidade morfológica Colinas, onde predominam as coberturas coluvionares. Estes processos são condicionados tanto pela constituição dos terrenos assim como pelos declives, mas na área urbana a principal causa é a ação antrópica (Fig. 14 e 15). As áreas suscetíveis de inundação são representadas pelas planícies aluviais dos rios. A natureza das drenagens e das planícies, bem encaixadas e condicionadas estruturalmente, com vertentes abruptas, condiciona esta suscetibilidade. No que se refere a este aspecto, a profunda alteração provocada pelas atividades de mineração e garimpo no Ribeirão do Carmo e seu intenso assoreamento por material proveniente das atividades mineiras 53

passadas pioram as condição do leito do ribeirão (Fig. 16). Os processos de queda de blocos e lascas rochosas restringem-se à pequena área na parte sul, correspondente à escarpa rochosa da Serra do Itacolomi (Fig. 17). O depósito de tálus a jusante deste local reflete o longo tempo em que vêm ocorrendo estes processos e a quantidade de blocos imediatamente abaixo da escarpa demonstra o curto período de recorrência dos eventos de queda de material da escarpa. As características do material de cobertura, tálus, condiciona a ocorrência de movimentos de rastejo, já registrados no local (Fig. 18). O processo de erosão superficial pode provocar o descalçamento e movimentação de blocos rochosos. Outro processo comum é a erosão e carreamento, por águas de escoamento subsuperficial, de material mais fino existente entre blocos rochosos, provocando o colapso do terreno. ANÁLISE DE RISCO A avaliação dos riscos geológicos na área urbana de Mariana pode ser feita a partir da análise das informações da Carta de Suscetibilidade, em conjunto com a representação da malha urbana da cidade. Optou-se por não se apresentar uma classificação hierárquica dos graus de risco, mas sim apontar os locais mais problemáticos no contexto urbano de Mariana. Outro ponto que influenciou para que não se elaborasse uma carta exclusiva de risco foi o fato desta análise estar implícita na Carta de Suscetibilidade, uma vez que esta já vem acompanhada da representação da malha urbana. A Tabela 2 mostra os processos geológicos a que a área urbana de Mariana está submetida, os principais fatores condicionantes e os locais de ocorrência. Como grande parte da cidade foi implantada na planície aluvionar do Tabela 2 - Processos geológicos atuantes e principais fatores condicionantes na área urbana de Mariana. Processos Geológicos Fatores Local Escorregamentos Descontinuidades proeminentes, materiais com alto estado de alteração, cortes Dispersos pela cidade (Talude da Av. N. Sra Carmo; Colina, Rosário) Erosão, corridas, escorregamentos Queda de blocos, corridas, rastejos, escorregamentos Inundações Morfologia da encosta, atitude das rochas Descontinuidades proeminentes, águas superficiais Construções próximas à calha do rio, assoreamento. Bairro Prainha de Santo Antônio, Rosário Bairro Cabanas e Santa Rita de Cássia Bairro Prainha de Santo Antônio, Vila dos Sapos, Vamos-vamos 54

Geo.br 1 (2001) 43-60 Figura 13 - Carta de suscetibilidade aos processos geológicos. 55

Figura 14 - Aspecto da ocupação no Bairro Rosário). Figura 15 - Cortes ousados no xisto Sabará na Vila Nazaré. Figura 16 - Bairro Prainha e aspecto da intervenção do garimpo no Ribeirão do Carmo. Ribeirão do Carmo (Fig. 19), o processo de inundação é o que apresenta maiores riscos, devido tanto à área afetada, como aos bens e estruturas aí localizados. Sob esta ameaça encontra-se toda parte baixa da cidade, parte do centro histórico, Vila do Sapo, Vila N. Sra. Aparecida, Prainha de Santo Antônio e Vamos-vamos. Apesar do poder destrutivo e dos prejuízos decorrentes das inundações serem bem maiores que dos outros processos, seu período de recorrência também é maior. Os escorregamentos e processos erosivos associados são mais freqüentes nos bairros Rosário e São Gonçalo, mas ocorrem generalizadamente pela área urbana (bairro do Galego, Vila Nazaré, Prainha de Santo Antônio, etc.). Também são freqüentes na entrada da cidade, na área de intervenção da Av. Nossa Senhora do Carmo (Fig. 20 e 21). Embora tragam menos danos materiais que as inundações, sua maior freqüência e a maior probabilidade de envolver perda de vidas, torna os escorregamentos a principal preocupação quanto ao risco na área urbana de Mariana. Os locais onde podem ocorrer processos de corrida, em sua grande maioria, localizam-se fora da área urbana. Apenas uma destes vales encaixados localiza-se entre os bairros Samitri e Jardim dos Inconfidentes, a montante do bairro Barro Preto, que pode ser atingido diretamente por corridas de lama e detritos. Este processo, no entanto, pode ter uma área maior de influência, dependendo da energia das enxurradas e da quantidade de material envolvido, podendo atingir a área urbana em alguns pontos. Os processos de queda de blocos e lascas rochosas afeta parcialmente os bairros Santa Rita de Cássia e Cartucha, que se estenderam até o sopé da escarpa rochosa de quartzito do Supergrupo Itacolomi (Fig. 22). Até recentemente o local não estava ocupado, mas o crescimento desordenado e sem planejamento acabou por provocar esta situação de risco. Apesar da pouca 56

extensão em área, o risco no local é alto devido à grande possibilidade de haver movimentos na escarpa e à proximidade das casas e ao perigo a que estão expostas. Figura 19 - Ocupação na planície do Ribeirão do Carmo (Vila do Sapo). Figura 20 - Grande escorregamento na Av. N. Sra. do Carmo. Figura 17 - Aspecto da escarpa rochosa no Quartzito Itacolomi (bairro Cabanas). Figura 21 - Escorregamento translacional em material da Formação Cercadinho. Figura 18 - Local de ocorrência de movimentos de rastejo, bairro Cabanas. 57

Figura 22 - Ocupação no sopé da escarpa rochosa no bairro Santa Rita de Cássia. CONCLUSÕES A grande complexidade geológica da região de Mariana, a morfologia de seus terrenos e o clima chuvoso no verão predispõem o meio físico à ocorrência de movimentos de massa e inundações. O comportamento dos terrenos, em relação à sua estabilidade e resistência é altamente condicionado pelos tipos litológicos e coberturas existentes, embora a morfologia tenha também grande influência. Conjugada a estes fatores, a ocupação inadequada do meio físico, da forma como vem sendo feita nas últimas décadas, prepara o cenário para o desencadeamento de acidentes geológicos em áreas mais declivosas. As unidades geológicas mais problemáticas, do ponto de vista geotécnico, no perímetro urbano de Mariana são os filitos escuros (manganezíferos) da Formação Barreiro e os filitos da Formação Cercadinho. Estes materiais são pouco resistentes à erosão e seu comportamento profundamente condicionado pela posição da foliação em relação à vertente. O xisto Sabará está quase sempre recoberto por depósitos coluvionares de espessuras variáveis, ambos possuindo bom comportamento geotécnico, mas que é comprometido por cortes, muitas vezes com mais de 6 m de altura. O depósito de tálus que ocorrem na zona sul da cidade também é problemático do ponto de vista da sua estabilidade. Nestes terrenos são comuns movimentos de rastejo e rolamento de blocos, além da erosão interna, que provoca a formação de dutos internos e o conseqüente colapso do material sobrejacente. Os depósitos aluviais possuem características geotécnicas muito variáveis, condicionadas pela variação vertical e lateral de composição dos sedimentos da planície. O principal processo a que estas áreas estão suscetíveis é a inundação. Assim, pode-se dizer que as inundações e os escorregamentos são as maiores ameaças presentes. Enquanto as primeiras trazem maiores danos materiais e são inevitáveis, uma vez que a cidade se implantou na planície aluvionar do Ribeirão do Carmo, os últimos são mais freqüentes e podem trazer perdas de vidas mais comumente, embora possam ser evitados e combatidos mais eficazmente. Os processos de corridas, quedas e rastejos são menos freqüentes e localizados, embora em alguns casos tenham alta periculosidade, como no caso da queda de blocos nos bairros Santa Rita de Cássia e Cartucha. A situação atual da área urbana de Mariana quanto aos riscos geológicos é um bom exemplo de como o desconhecimento do meio físico e a falta de planejamento, e o conseqüente crescimento desordenado, podem trazer grandes perdas e perigos para a população, que se traduzem em grandes somas. Estas perdas são aumentadas ao se considerar o montante de recursos a serem gastos na reparação dos problemas, cujas 58

soluções muitas vezes seguem o mesmo erro e, consequentemente, são de eficácia duvidosa. As características do meio físico existentes na cidade e o recente histórico da sua ocupação justificam a exigência legal de estudos geológico-geotécnicos quando das intervenções no meio físico, seja a implantação de um novo loteamento, seja a construção de edificações isoladas. A observação das características dos terrenos antes de sua utilização por si só traria um decréscimo relativo dos problemas ligados a instabilidade de terrenos. No entanto, o atual quadro torna premente a necessidade de intervenções nas áreas mais problemáticas. Estas intervenções podem ser preventivas, mitigadoras ou corretoras dos problemas, com implementação de estruturas de engenharia ou não (contenção de encostas, dragagem de rios, construção de proteções marginais a canais, remanejamento de moradias, etc.). Embora estas medidas sejam desejáveis, seu custo é muito alto e difícil de ser arcado por uma cidade do porte de Mariana. Assim, tem-se que conviver com o risco, e para isto é necessário um plano de defesa civil, para atuação corriqueira ou emergencial. O conhecimento das áreas mais problemáticas e os processos que podem ocorrer são a base indispensável para um plano bem sucedido. Neste sentido, o presente trabalho pode trazer uma contribuição considerável, visto fornecer uma visão geral destas questões na área urbana de Mariana. BIBLIOGRAFIA ABGE, 1998. Geologia de Engenharia. Oliveira, A M. S. e Brito, S. N (editores), São Paulo, ABGE/Oficina de Textos, 586p. Amaral, C. P. 1988. Mapeamento Geológico-Geotécnico da Baixada de Sepetiba e Maciços Circunvizinhos - Parte Sul da Folha de Sta. Cruz. Instituto de Geociências, Universidade Federal do rio de Janeiro, Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, 130p. Barbosa, A.L.M. 1969. Geologic map of the Mariana and Rio das Bandeiras Quadrangles, MG. Brasil, USGS, 140p. Professional Paper 641A, plate 10. Bitar, O. Y. (Coord.). 1995. Curso de Geologia aplicada ao meio ambiente. São Paulo, ABGE/IPT, 247p. Carvalho, E.T., 1982. Carta geotécnica de Ouro Preto., Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, Dissertação de Mestrado, 95p. Cerri, L. A. 1990. Carta geotécnica: contribuições para uma concepção voltada às necessidades brasileiras. In: ABGE, Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia, 6, 1990, Salvador, Anais, 1:309-317. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1975. Plano de Conservação, Valorização e Desenvolvimento de Ouro Preto e Mariana. (Relatório Síntese). Belo Horizonte, Fundação João Pinheiro. Gomes Correia, A. (1988) - Revisão da classificação de solos para propósitos de engenharia. Geotecnia, 52:75-90. IBGE, 2000. Censo Demográfico Brasileiro. Instituto Brasileiro de Geografias e Estatística, Brasil. MOPT, 1992. Guia para la elaboracion de estudios del medio fisico. Centro de Estudos de Ordenancia del Territorio y Medio Ambiente - Ministerio de Obras Publicas y Urbanismo, Madrid, España 809p. Nalini JR., H. A. 1993. Análise estrutural descritiva e cinemática do Flanco Sul e terminação periclinal do Anticlinal de Mariana e adjacências, região sudeste do Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais, Brasil. Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado, 132p. 59

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