SABEr É PoDEr. DANiEl DE oliveira GomES



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Transcrição:

Saber é Poder

SABEr É PoDEr DANiEl DE oliveira GomES

Conselho Editorial Av Carlos Salles Block, 658 Ed. Altos do Anhangabaú, 2º Andar, Sala 21 Anhangabaú - Jundiaí-SP - 13208-100 11 4521-6315 2449-0740 contato@editorialpaco.com.br Profa. Dra. Andrea Domingues Prof. Dr. Antonio Cesar Galhardi Profa. Dra. Benedita Cássia Sant anna Prof. Dr. Carlos Bauer Profa. Dra. Cristianne Famer Rocha Prof. Dr. Fábio Régio Bento Prof. Dr. José Ricardo Caetano Costa Prof. Dr. Luiz Fernando Gomes Profa. Dra. Milena Fernandes Oliveira Prof. Dr. Ricardo André Ferreira Martins Prof. Dr. Romualdo Dias Profa. Dra. Thelma Lessa Prof. Dr. Victor Hugo Veppo Burgardt 2015 Daniel de Oliveira Gomes Direitos desta edição adquiridos pela Paco Editorial. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor. G6331 Gomes, Daniel de Oliveira Saber é Poder/Daniel de Oliveira Gomes. Jundiaí, Paco Editorial: 2015. 180 p. Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-8148-983-4 1. Construção do saber 2. Aquisição do saber 3. Poder 4. Identidade I. Gomes, Daniel de Oliveira. CDD: 121 Índices para catálogo sistemático: Filosofia 100 Epistemologia 121 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL Foi feito Depósito Legal

Meu avô-macaco Aquele que Darwin buscou Me olha do galho: Busca a força dos caninos O vigor dos pulsos O arfar do peito O menear da cabeça O trabalho Tudo se foi Nada mais resta Do fulgor primata Da força de boi Saber Saber mata Paulo Leminski

Sumário Apresentação 9 Introdução 11 Capítulo 1 Influências de Poder nas Nações, 17 Capítulo 2 O Poder Linguístico 25 Capítulo 3 Desde a Origem 29 Capítulo 4 Das Técnicas da Mecanização 35 Capítulo 5 Cultura e Paisagem Natural 39 Capítulo 6 Comunicações e Lógica do Caos 45 Capítulo 7 O Poderio do Mercado 51 Capítulo 8 Poderes Fanáticos, Saberes Estáticos 59 Capítulo 9 Das Ciências Naturais e Formais 65 Capítulo 10 Saber como Errância 69 Capítulo 11 Um Conjunto de Engrenagens 75 Capítulo 12 Saberes dos Guerreiros 81 Capítulo 13 Espetacularização do Corpo 89 Capítulo 14 Por uma Democracia Global 93

Capítulo 15 Egosclerose 99 Capítulo 16 Da Vaidade do Sábio 105 Capítulo 17 Por um Saber sem Vaidades 113 Capítulo 18 O Âmbito Escolar 119 Capítulo 19 Poder ir Adiante 125 Capítulo 20 Saber Voltar Atrás 129 Capítulo 21 A Falta de Condição do Pesquisador Brasileiro 135 Capítulo 22 Produtividade Científica 141 Capítulo 23 A Dimensão Gritante do Poder 145 Capítulo 24 Poder do Estado 149 Capítulo 25 A Dimensão Silenciosa do Poder 153 Capítulo 26 Descentralização da Noção de Poder 157 Capítulo 27 Ciência ou Culto? 161 Considerações Finais 169 Referências 173 Coleção Foco 177

APRESENTAÇÃO Saber que Sobrevive Em um dos poemas de Caprichos e relaxos (1983), o poeta curitibano Paulo Leminski afirmava: saber / saber mata. A sabedoria é uma forma de conflito com uma sociedade cega a tudo que não sejam os seus valores produtivistas. Este saber mortífero, no entanto, contraditoriamente, nunca se fez tão necessário como uma forma de mudar o curso apocalíptico da presença do homem no planeta. Movido por um desejo de abrir janelas para o saber, e numa linguagem que se permite ser transparente, o professor Daniel de Oliveira Gomes escreveu este livro, um livro que passeia criticamente pelas principais questões que envolvem a aquisição do saber, desde as históricas e filosóficas até as sociais e culturais. Saber é poder talvez pudesse ser definido como um conjunto de verbetes que se comunicam entre si ao mesmo tempo em que guardam uma autonomia própria do ensaio. Desmontável, ele pode ser lido aos pedaços, embora tenha uma estrutura geral. O leitor vai passando de um assunto-célula para outro, entendendo os mecanismos da construção do saber, ou de sua obstrução, sempre com a sugestão de novas leituras. Por isso chamei os capítulos de janelas. Eles se abrem para outras paisagens intelectuais. No centro da reflexão do autor, a influência do último Foucault, na sua defesa da descentralização do poder e do saber, do empoderamento pela linguagem de cada um dos atores sociais periféricos. Pensar deixa de seu um privilégio de classe para ser uma possibilidade comum a todos. É este projeto de ampliação das vozes que encontramos neste livro, que cumpre um papel didático muito importante ao instigar o leitor a pensar, a construir um 9

Daniel de Oliveira Gomes saber que é perigoso principalmente para os poderosos de plantão. Todo saber será sempre uma forma de liberdade individual. No capítulo 10, versículo 9 do Apocalipse de S. João, há a famosa passagem do livro para ser comido. Segue aqui na tradução clássica de João Ferreira d Almeida: E fui ao anjo, dizendo- -lhe: Dá-me o livrinho. E ele disse-me: Toma-o e come-o, e fará amargo o teu ventre, porém na tua boca será doce como mel. É este o papel dos livros focados no saber. Por mais que eles sejam doces aos nossos paladares, sempre cumprirão uma tarefa de estranhamento. Exercitar este estranhamento, esta alteridade, nos faz mais humanos, menos intolerantes, mais próximos daquilo que nos nega. O autor não aceita nem o cientificismo acadêmico nem o empirismo militante, buscando um lugar estratégico de identidade. Todo o saber será sempre uma construção autobiográfica, uma roupa sob medida. E é este o desafio que ele nos propõe, descobrir o que somos, com o que nos construímos. Escrito com a linguagem leve própria da crônica, mas compulsando uma vasta bibliografia, sem nunca descuidar dos fatos históricos recentes, Daniel de Oliveira Gomes compõe um painel filosófico que tem o grande mérito metonímico de apresentar lascas do saber que podem ser complementadas pelo leitor. Dedique-se com calma a cada um destes verbetes e tente tirar deles mais do que uma reflexão, mas um caminho para se chegar a outras latitudes de ser. Pois a máquina do saber, depois de acionada, nunca mais para. É este convite ao movimento que o autor nos faz no livro. Contras as verdades cristalizadas, um desejo insaciável de saber. Miguel Sanches Neto 10

INTRODUÇÃO Poder Saber: saber poder Distingamos bem: quem deseja adquirir o sentimento de poder, recorre a todos os meios e não despreza nada que possa alimentá-lo. Quem o tem, porém, tornou-se bastante seletivo e nobre em seu gosto; raramente alguma coisa o satisfaz. Friedrich Nietzsche Temos um itinerário, claro. Porém, a leitura deste Saber é Poder começa onde o leitor abrir o livro. Significa que não temos um quadro perfeito da relação entre saber e poder, pois seria muito ambiciosa uma postura totalizadora sobre um tema tão amplo, e, acaso o leitor considere que temos sim um mapa do assunto, atente-se que este mapa seria apenas uma das possibilidades de abordagem. Falar do saber não é uma coisa simples, por mais simplesmente se queira explanar sobre o assunto. O objetivo do presente livro, nesta série voltada a estudantes, é entender questões acerca do saber e do poder. Questões que precisam ser redebatidas e mapeadas para que se compreenda o que é o saber, quando surge, com quais condições ele se estabelece na sociedade. E, principalmente, com quais poderes? Todos nos lembramos de um grande músico que lutava contra os males do poder, dizia que era um sonhador mas não o único e convocava que todos se juntassem nesse sonho, porquanto o mundo seria um só, um mundo pacífico. A mensagem de John Lennon, em uma leitura primeira, exprime que os poderosos são irracionais, fogem da paz, que o poder corrompe o homem, que o poder extingue o verdadeiro saber, reprime os sábios, etc. Mas, no fundo no fundo, há muito nos emocionamos com a mensagem de Imagine, de Lennon, sem a entendermos muito bem. Logo depois, viramos o disco e todos voltam às suas vidas. Parece 11

Daniel de Oliveira Gomes que esta mensagem se mescla com as de outros sábios, Ganhdi; Luther King; Madre Teresa de Calcutá; Dalai Lama... No dia a dia, todos buscam uma parcela de poder, nesta selva (nossa sociedade capitalista, funcionalista, competitiva), onde praticamente é cada um por si, tendo os líderes pacifistas como estrelas de boas intenções (porque estes sábios nos guiam por um mundo teórico muito distinto e, aparentemente, mais complexo na avalanche da vida prática). Todos individualmente escalam suas montanhas atrás das várias formas de poder, seja aquele que lhe confere um diploma, que lhe confere uma experiência, uma universidade, um estágio de trabalho, um status social, uma imagem pessoal, uma posição financeira, uma habilidade, etc. As livrarias de hoje estão repletas de livros de autoajuda, neste sentido: o poder da fé, o poder de saber ganhar dinheiro, o poder de se dar bem na vida, o poder dos líderes, o poder da comunicação, etc. Sabemos, assim, que, na sociedade em que estamos, a priori, nem sempre o poder é saber. Nem sempre sábios como John Lennon podem fazer algo de fato... No entanto, o título do presente livro vem a ser: Saber é poder. Aqui, pensaremos nas razões que legitimam esta ideia que o saber é poder, em todas as situações. Afinal, se vivemos em um tempo tão distinto das gerações passadas, se nascemos em um contexto governado pelo poder da informação, da economia, da virtualidade, etc, não precisaríamos debater muito mais esta antiga premissa? É o que faremos aqui, vamos debater vários pontos fundamentais para formar um percurso intelectual sobre o saber (como poder), e para tanto não cairemos em uma visão historicista ou meramente antropológico-cultural. Queremos aqui sintetizar, de um modo claro e acessível, as questões do presente que são suscitadas quando pensamos no saber e no poder, dentro de uma sociedade como a nossa. Uma sociedade que possui heranças específicas, no Ocidente, ou seja, que possui suas próprias memórias de poder, suas próprias formas de saber. Que questões seriam estas? 12

Saber é Poder A priori, notemos que seja lá qual for o interesse do acadêmico: histórico, político, geográfico, literário, científico ou filosófico sempre estaremos a ponderar acerca de questões correlativas entre os temas, ou que botam em relação dois temas, que à primeira vista podem parecer opostos, quais sejam, o tema do saber versus o tema do poder. Nesta acepção, o tema é um só: poder saber: saber poder. O título da presente Introdução pode ser marcante ao passo que parte do pressuposto poder saber, ou seja, o poder entrar em contato com um conhecimento, geral ou específico. Poder saber: a faculdade de ter acesso a uma informação, um ofício. Poder saber: o poder de uma experiência, por exemplo, capacidade de tomar ciência de algo. Poder saber: ter condições para o conhecimento. E tudo isso passa por, também, saber poder. Saber poder significa ter previamente uma iniciação (ao menos discursiva) sobre esta possibilidade do conhecimento. Oras, caímos em uma tautologia (repetição)... Mas como poder saber se confunde com saber poder? O que vem, então, primeiro, o ovo ou a galinha, o poder saber ou o saber poder? O que é mais importante, o poder ou o saber? Será mais importante ter as condições para o conhecimento, o domínio das ideias e das práticas sobre algum campo específico, ou, ao contrário, ter, antes, a sabedoria do que se irá dominar? Lançamos esta questão, mas é impossível responder, na perspectiva que adotaremos aqui, e logo veremos. O leitor precisa saber, antes de qualquer coisa, que o presente livro tem como finalidade prática muito mais propor um percurso, uma iluminação inicial, sobre a questão relacionada do saber e do poder, do que tentar concretizar um perfeito manual. É que se torna impossível um inventário completo deste tema. O tema não se constitui apenas sociológico ou educacional, ele é vastíssimo e poderia ser dilatado para outros subtemas intermináveis. O livro em questão, como integrante de uma série focada a estudantes que acabaram de sair do ensino médio, considera que 13

Daniel de Oliveira Gomes tais alunos vieram deste momento em geral altamente universalizado, dividido em disciplinas rigorosas que, muitas vezes, não abrem espaço para diálogos integradores dos conhecimentos. E porque não queremos integrar os conhecimentos? Porque os professores que dispomos não são os profissionais vocacionados que imaginamos e que deveriam querer desempenhar esta integração? Não é apenas questão de salário, de poder ou de querer. Há outra máxima, semelhante à saber é poder, uma frase que diz querer é poder. Uma velha frase que não passa de uma pretensiosa mentira, pois quantos professores realmente querem proporcionar, do fundo do coração, esta integração entre os conhecimentos, mas não podem, simplesmente pelo fato de que não dispõem da metodologia, do tempo, das condições institucionais, da liberdade, etc. A culpa da dificuldade da interdisciplinaridade sempre recai no professor, porque estamos ininterruptamente a identificar um culpado físico, quando o culpado é o próprio sistema em que a educação se insere (como salvadora, redentora, mítica, ou seja, na parcela de responsabilidade exagerada onde o professor deve ser um sábio exemplar por obrigação ou por dom.). Ao longo do livro, veremos isto. Passaremos pelas forças gritantes do poder e as dimensões silenciosas do poder. Respectivamente o itinerário que traçamos segue esta ordem: falaremos, inicialmente, do poder das nações; do poder da linguagem; dos mitos do poder e os conceitos de técnica. Depois, entenderemos as relações culturais do saber com o espaço natural; o desenvolvimento das comunicações; as leis do mercado; a perseguição dos místicos; o poder das ciências e as grandes invenções, exposições. Em seguida, abordamos o poder militar, o saber bélico; a espetacularização do corpo humano e das culturas na globalização; o saber nas práticas milenares dos iogues indianos. Assim, os temas seguintes passam pela vaidade acadêmica e as ilusões pedagógicas, políticas; os problemas da pesquisa contemporânea e das bases falhas que impulsionam a produtividade 14

Saber é Poder científica; o poder sob as óticas do marxismo tradicional e o que existe na leitura pós-estrutural; os velhos e novos modelos de poder do Estado e a descentralização do conceito de poder. E, enfim, a distinção básica entre os saberes religiosos e os científicos. Acreditamos que, neste itinerário, abrangeremos as questões essenciais, ao mesmo tempo históricas e contemporâneas, do tema saber é poder, pois passamos dos mitos às ciências; passamos das referências nas artes às questões éticas e históricas; passamos das definições técnicas às problemáticas políticas de várias ordens. Um itinerário misto e descentralizador. Assim, o presente livro é escrito com uma intenção interdisciplinar que parte do estudo genealógico e estético dos saberes a partir de leituras particulares que o autor operou ao longo de sua trajetória de constituição da matéria, desde as Ciências Humanas (Letras e Filosofia). Então, vamos à leitura! 15