ESTUDOS LI GUÍSTICOS SOBRE LÍ GUAS I DÍGE AS BRASILEIRAS



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SILVA, Wilson. Estudos linguísticos de línguas indígenas brasileiras. ReVEL. Edição especial n. 3, 2009. ISSN 1678-8931 [www.revel.inf.br]. ESTUDOS LI GUÍSTICOS SOBRE LÍ GUAS I DÍGE AS BRASILEIRAS Wilson de Lima Silva 1 wilson.silva@utah.edu APRESE TAÇÃO Estima-se que o número de línguas indígenas faladas no Brasil antes da chegada dos europeus era pelo menos o dobro do que é atualmente (Rodrigues, 2002). Hoje, o número de línguas faladas está em torno de 160, faladas por cerca de 220 grupos indígenas (Moore, 2005) 2. O número de falantes dessas línguas varia. Por exemplo, Tikuna (Isolada) é a língua com o maior número de falantes, cerca de 30.000. No entanto, muitas línguas estão à beira da extinção, como Poyanáwa (Pano), Arikapú (Macro-Jê), Mondé (Tupi), Xipaya (Tupi), Kuruáya (Tupi) e Guató (Macro-Jê), que têm cerca de cinco falantes (cf. Stenzel, 2005). Algumas têm apenas um falante, como é o caso da língua Kaixana (Aruak) 3. Em média, a população de falantes dos grupos indígenas no Brasil é de menos de 200 falantes (Leite e Franchetto, 2000). Apesar dos números alarmantes e da situação de risco de extinção de muitas línguas indígenas, o Brasil ainda tem uma riqueza linguística admirável quando comparado com muitos outros países. Tal diversidade linguística tem chamado a atenção de diversos pesquisadores no mundo todo. É importante mencionar também que o número de comunidades indígenas interessadas em ter suas línguas e culturas documentadas têm 1 Center for American Indian Languages, University of Utah. 2 Esses números variam de acordo com a fonte. Por exemplo, em relação ao número de grupos indígenas, o ISA (Instituto Socioambiental) lista 222 grupos, e o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) lista 235 grupos. Em relação ao número de línguas, Rodrigues (2005) cita a existência de aproximadamente 180; já o ISA (http://pib.socioambiental.org/pt/c/no-brasil-atual/linguas/introducao) cita mais de 180; Moore (2005) menciona a existência de cerca de 160 línguas, e é considerado uma fonte mais acurada (cf. Stenzel, 2005). 3 O último falante Kaixana tem 78 anos e mora no município de Japurá, AM. A maior parte do povo Kaixana mora no rio Solimões e passou a falar Nheengatú antes do português, embora atualmente a maioria fale apenas português (Stefan Dienst, c.p.). ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 1

aumentado. Existem grupos indígenas (no Noroeste Amazônico, por exemplo) que estão à procura de linguistas e antropólogos que possam estudar e documentar suas línguas e culturas. Tais grupos estão também interessados em revitalizar e preservar suas línguas, procurando, assim, reverter a situação de perigo de extinção em que suas línguas se encontram. Preocupados com as línguas indígenas ameaçadas, o Museu do Índio, órgão científico-cultural sediado no Rio de Janeiro (com o apoio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), da Fundação Banco do Brasil e da UNESCO), iniciou neste ano um grande projeto voltado à documentação de línguas indígenas brasileiras que está sendo desenvolvido com pesquisadores brasileiros de diversas instituições 4. O programa de documentação do Museu do Índio vem somar forças com outros programas de documentação linguística que têm sido realizados com o apoio de instituições estrangeiras, como SF/ EH Documenting Endangered Languages Program 5 (Estados Unidos), Hans Rausing Endangered Languages Documentation Program 6 (Inglaterra) e DoBeS Documentation of Endangered Languages 7 (Alemanha) 8. Na última década, o crescimento na pesquisa com línguas indígenas tem sido constante, não somente por pesquisadores estrangeiros, mas principalmente por pesquisadores brasileiros que recebem treinamento linguístico tanto no exterior quanto em várias universidades brasileiras. Diversos estudos têm sido realizados, e o incentivo à pesquisa tem aumentado, contribuindo assim para o conhecimento científico das línguas indígenas (Franchetto, 2000; Rodrigues, 2005; Stenzel, 2005; veja também a introdução do artigo de Rodrigues e Cabral, nesta edição). São várias as razões para o interesse nas línguas indígenas brasileiras. Essas línguas apresentam aspectos fonológicos e gramaticais que são considerados raros na maioria das línguas do mundo (cf., por exemplo, as jóias tipológicas da língua Kotiria, descritas por Stenzel em seu artigo, nesta edição) 9. Por isso, estudos linguísticos nessas línguas têm muito a contribuir para os estudos teóricos e tipológicos da linguística em geral. 4 Informações sobre esse projeto estão disponíveis no site do Museu do Índio: http://prodoc.museudoindio.gov.br/. 5 National Science Foundation / National Endowment for the Humanities www.nsf.gov/pubs/2006/nsf06577/nsf06577.htm. 6 www.hrelp.org. 7 www.mpi.nl/dobes. 8 Denny Moore, Ana Vilacy Galucio, Nílson Gabas Júnior (Museu Goeldi, Belém-PA) fazem um relato sobre os desafios de preservar e documentar as línguas amazônicas. O texto está disponível no site do Museu do Índio: http://prodoc.museudoindio.gov.br/down/o_desafio_de_documentar_e_preservar_as_linguas_amazoniarevisada.pdf. 9 Um breve estudo feito por Aryon Rodrigues sobre as particularidades tipológicas de algumas línguas indígenas brasileiras está disponível em www.unb.br/il/lablind/original.htm. ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 2

Estudos científicos sobre línguas indígenas brasileiras têm ficado cada vez mais disponíveis para o público geral. Tais estudos estão tanto em formas de livros que tratam de aspectos gramaticais como a fonologia de línguas indígenas (por exemplo, Wetzels 1995), como também em coletâneas com estudos em diversas áreas da linguística, com várias línguas (por exemplo, Rodrigues e Cabral 2005) 10. Existem também várias publicações que são resultado de conferências; algumas tratam de línguas indígenas faladas em diversas partes do Brasil (como a revista da ABRALIN 11 e da ANPOLL 12 por exemplo, Cabral e Rodrigues 2002), além das publicações da revista LIAMES 13 que, apesar de englobar estudos sobre línguas indígenas das três Américas, sempre traz estudos sobre línguas brasileiras. Há também vários estudos em formas de livros e periódicos que são focadas em línguas faladas em regiões específicas, como é o caso de estudos em línguas indígenas Amazônicas, incluindo estudos sobre várias línguas e famílias linguística distintas (por exemplo, Derbyshire e Pullum, 1986; Derbyshire e Payne, 1990; Dixon e Aikhenvald, 1999 14 ; Bruno, Pacheco, Queixalós e Wetzels, 2008 15 ). Vários trabalhos (teses, dissertações, artigos, periódicos etc.) sobre línguas indígenas estão disponíveis gratuitamente on-line no site www.etnoliguistica.org 16. Esta edição da ReVEL é dedicada especialmente a estudos linguísticos com diferentes línguas indígenas pertencentes aos grupos Macro-Tupi, Macro-Jê e outras famílias (Aruák, Karib e Tukano). A presente edição tem o intuito de divulgar e estimular a produção de pesquisas e estudos em línguas indígenas brasileiras. Os colaboradores representam várias instituições brasileiras e internacionais de ensino e de pesquisa. O Macro-Tupi está representado aqui por quatro estudos. No primeiro deles, asal Harmony in Awetí: a declarative account, Sebastian Drude descreve e analisa a harmonia nasal em Awetí. Nessa língua, as vogais são intrinsecamente orais, nasais, ou neutras, sendo que as vogais neutras se adaptam foneticamente à vogal (ou consoante) seguinte. Drude postula regras para a análise da harmonia nasal nos níveis fonético e fonológico e analisa 10 Quero esclarecer ao leitor que cito apenas alguns livros entre os diversos que estão disponíveis. Não é o meu intuito fazer aqui um levantamento bibliográfico abrangente. Acredito que o leitor terá acesso a uma bibliografia mais específica e abragente através das referências bibliograficas nas obras citadas aqui. 11 Associação Brasileira de Linguística. 12 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Letras e Linguística. 13 Línguas Indígenas Americanas. Publicação do Instituto de Estudo da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas, Unicamp. 14 Sugiro ao leitor que, ao consultar Dixon e Aikhenvald (1999), também leve em consideração a resenha de Franchetto e Gomez-Imbert (2003) sobre essa obra. 15 Publicação especial da revista etnolinguística Amerindia com trabalhos apresentados no 1 o encontro anual sobre as estruturas das línguas amazônicas realizado em Manaus, AM. 16 Etnolinguística é uma lista de discussão sobre as línguas indígenas da América do Sul. O acesso para os trabalhos é gratuito. ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 3

como esses dois níveis se relacionam no processo de nasalização da palavra em Awetí. Em seguida, temos um estudo fonético das vogais em Akuntsu. No artigo Vowel Acoustic in Akuntsu: dispersion and non-modal phonation, Fernando de Carvalho & Carolina Aragon usam recursos da fonética acústica e apresentam descrição e análise preliminar das vogais laringalizadas da língua Akuntsu. Os autores sugerem que, em Akuntsu, a fonação modal tem papel importante para o contraste do acento no nível lexical. O terceiro trabalho trata das línguas Asuriní e Parakanã. No artigo Considerations on the concepts of language and dialect: a look on the case of Asuriní of Tocantins and Parakanã, Aryon Rodrigues & Ana Suelly A. C. Cabral discutem o conceito de língua e dialeto e como eles são aplicados às línguas Asuriní e Parakanã. Os autores levam em consideração aspectos fonológicos, lexicais, sintáticos e também consideram a opinião dos falantes dessas duas línguas em relação às diferenças linguísticas e culturais entre os dois grupos. Outra língua Tupi representada nesta edição é a língua Sateré-Mawé. Em As Posposições em Sateré-Mawé (Tupi), Dulce Franceschini faz uma análise morfossemântica das posposições dos morfemas relacionais da língua Sateré-Mawé. A autora mostra que, nessa língua, inalienabilidade e alienabilidade não são apenas características das relações de possessão estabelecidas entre os nomes e seus determinantes, tais características servem, também, para caracterizar as relações que se estabelecem entre o núcleo dos verbos de estado e seu determinante (sujeito) e os tipos de relação indicados pelas posposições. O Macro-Jê está aqui representado com dois estudos sobre a língua Canela. Em Estratégias de Indeterminação do Sujeito em Canela, Flávia de Castro Alves & Ana G. G. Aguiar fazem uma descrição e uma análise preliminar das construções relacionadas ao fenômeno da detransitivização. Segundo as autoras, tal fenômeno ocorre em Canela de modo sistemático e é característico da voz média e da passiva impessoal não promocional. Em Tempo, aspecto e modalidade em Canela, Flávia de Castro Alves mostra que, no dialeto Canela Apãniekrá, tempo, aspecto e modalidade (TAM) são expressos através de partículas no início da oração e de operadores pós-verbais. Em Canela, não há morfemas TAM afixados ao verbo. Existe também uma série de palavras funcionais que podem ocorrer no final da oração para expressar categorias de aspecto e modalidade. Tais categorias são indicadas lexicalmente pelo uso de verbos (não-)flexionados. Essas palavras funcionais são analisadas pela autora como auxiliares. A família linguística Arawá é representada aqui pela língua Kulina. No estudo Stative verbs in Kulina, Stefan Dienst faz uma descrição dos verbos estativos na língua Kulina. Segundo o autor, os verbos estativos e os verbos dinâmicos são categorias lexicais que ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 4

apresentam várias diferenças gramaticais. Dienst afirma que tais diferenças são resultados de mudanças gramaticais que ocorreram paralelamente com mudanças no nível semântico, que dividiram os verbos em duas classes lexicais. Tal processo é único na família Arawá, o que torna a língua Kulina uma língua distante das outras na mesma família. Na família linguistíca adahup (também conhecida como Makú), apresentamos o estudo de Patience Epps, O nascimento de um sistema de classificação nominal. Em seu texto, Epps usa a língua Hup como base para sua análise sobre o surgimento de um sistema de classificação nominal. De acordo com a autora, a língua Hup ofererece uma visão única para análise e entendimento do processo de surgimento, pois em Hup, o sistema de classificação nominal ainda é incipiente. Assim, Epps sugere que, em Hup, o sistema de classificação tem se intensificado recentemente devido à inserção de objetos culturais nãonativos que, não tendo nome em Hup, recebem nomes através de extensão metafórica de outros nomes compostos já existentes na língua. O sistema de classificação nominal da língua Hup também é motivado pelo contato com línguas Tukano faladas na região. Sistemas de classificação nominal são uma das características tipológicas das línguas amazônicas, como as línguas Tukano (ver o texto de Stenzel, nesta edição) e as línguas da família linguística Aruák, como vemos na colaboração de Sidi Facundes, Productive compounding and noun classification systems: A case study in Apurinã (Arawak). Facundes sugere que o sistema de classificação nominal em Apurinã surge de maneira produtiva a partir de nomes compostos, onde propriedades semânticas salientes do nome, principalmente das partes de plantas e outros elementos da natureza e partes do corpo recebem extensão semântica para se referir a propriedades de outros domínios semânticos (novos objetos introduzidos na cultura Apurinã, por exemplo). Tipologicamente, o processo é parecido com o surgimento de classificadores em Hup, analisado por Epps, nesta edição. A família linguística Karíb está representada aqui por três línguas: Ikpeng, Kuikuro, e Waimiri Atroari. Frantomé Pacheco colabora com o estudo Construções Deverbais e Processos de Subordinação em Ikpeng (Karíb): breve discussão. Em seu texto, Pacheco apresenta uma análise morfossintática das construções deverbais, discutindo sua estrutura e função dentro das sentenças onde ocorrem. Deverbalizar é uma das estratégias empregadas na língua Ikpeng para a formação das orações dependentes ou subordinadas, além de manter o verbo em forma finita, flexionando-o como o da oração independente. Pacheco discute os diferentes processos de formação das orações relativas e completivas. As construções relativas deverbais, de base verbal transitiva, se comportam estruturalmente como construções genitivas ou como construções adverbiais/adjetivas. Enquanto as completivas estão mais ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 5

próximas, estruturalmente, das construções nominais locativas, ou seja, podem ser interpretadas como deverbalizações locativas do ponto de vista de sua morfossintaxe. Tempo nominal em Kuikuro (Karib Alto-Xinguano) é o título do trabalho de Bruna Franchetto e Mara Santos sobre a língua Kuikuro. Nesse estudo, Franchetto e Santos apresentam uma análise do sufixo nominal -pe. Segundo as autoras, esse sufixo é um morfema gramatical com o valor temporal de passado e é restrito a nomes. Ou seja, em Kuikuro, tempo não se associa à flexão verbal, a não ser de maneira residual ou inferencial. Franchetto e Santos mostram como -pe se comporta em outras línguas da família Karib e sugerem que a idéia de passado expressa por esse sufixo se revele como um rótulo para um conjunto de sentidos existenciais, de posse ou dependência e de anterioridade de um evento em relação a outros eventos relatados, mesmo quando projetados para o futuro. As autoras apresentam uma representação formal do sintagma nominal, comparando-o com o sintagma verbal da língua, e mostram que o nome, em Kuikuro, apresenta projeções funcionais que são encontradas também nos verbos. Ana Carla Bruno colabora com um estudo sobre a língua Waimiri Atroari no artigo Phrase structure, clauses, and word order in Waimiri Atroari (Carib Family). Seguindo a linha teórica da Teoria X-Barra, Bruno apresenta uma análise preliminar da estrutura da frase e a ordem de palavras em Waimiri Atroari. A autora afirma que, nessa língua, o núcleo da frase verbal é posicionado à direita quando não há adjunto, o especificador aparece na primeira posição na frase, e a topicalização é à esquerda e se baseia em fatores pragmáticos, com consequências pragmáticas. Em relação à ordem de palavras, Bruno afirma que a língua apresenta as ordens OVS e SOV, a primeira sendo motivada por movimento resultando na topicalização da frase verbal, e a segunda é motivada pela topicalização do objeto. Apesar de não analisar as ordens SV e SVO nesse trabalho, Bruno sugere que elas podem ser resultado da influência do português, já que a ocorrência delas é mais comum na fala dos falantes mais jovens, que apresentam um alto grau de bilinguismo. A família linguística Tukano é representada aqui com dois estudos em duas línguas do ramo Tukano Oriental: Kubêo e Kotiria (também conhecida como Wanano). Thiago Chacon colabora com o artigo Estrutura métrica em Kubêo. Chacon apresenta uma análise do acento na língua Kubêo, considerando suas propriedades fonológicas, tipológicas, funcionais e rítmicas. Chacon define a língua Kubêo como sendo uma língua acentual, apesar de também apresentar um sistema tonal. Chacon caracteriza dois tipos de acentos, um rítmico com derivação regular em pés métricos jâmbicos e um lexical que é arbitrário e precisa ser marcado lexicalmente. Assim, Chacon classifica Kubêo dentro de uma tipologia ampla sobre ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 6

os sistemas prosódicos como uma língua [+acento][+tom]. Kubêo parece ser um caso interessante para a investigação de teorias métricas correntes, especialmente por causa do paradoxo em relação ao tipo de pé métrico e suas implicações tipológicas e teóricas. A edição finaliza com o trabalho de Kristine Stenzel sobre a língua Kotiria. No trabalho Algumas jóias tipológicas de Kotiria (Wanano), Stenzel apresenta algum dos elementos estruturais da língua Kotiria que se destacam por serem tipologicamente raros nas línguas do mundo e também interessantes para a teoria linguística. Por exemplo, na fonologia, a língua mostra uma surpreendente complexidade sonora resultante da interação entre um inventário segmental relativamente simples e três supra-segmentos independentes e contrastivos: nasalização, glotalização e tom. Na morfologia, Kotiria exibe um sistema complexo de classificação nominal cujos marcadores têm múltiplas funções lexicais, sintagmáticas e pragmáticas. Stenzel também nos mostra algumas das muitas noções semânticas expressas pelo recurso produtivo de serialização de raízes verbais e uma descrição da complexa, e rara, categoria gramatical de evidencialidade na língua Kotiria, que exibe cinco subcategorias de evidência: visual, não-visual, inferência, asserção (suposição) e relatada. Stenzel também discute o comportamento do sufixo -re, que geralmente aparece nos argumentos internos de verbos transitivos e bitransitivos como um marcador de caso. Stenzel afirma que tal sufixo não é um marcador de um caso acusativo simples, mas algo mais complexo, que chama de caso objetivo, pois envolve interação de interpretação no nível sintático com reconhecimento de distinções semântico-pragmáticas de animacidade e referencialidade. Esta edição especial da ReVEL tem o objetivo de promover o conhecimento sobre as línguas indígenas brasileiras, apresentando trabalhos que mostram aspectos estruturais, fonéticos, fonológicos, morfológicos, sintáticos e semânticos. Os trabalhos abordam questões descritivas, tipológicas e teóricas que colaboram para o melhor entendimento das línguas naturais de um modo geral. Os colaboradores investigam e sugerem explicações para vários fenômenos linguísticos, o que nos ajuda a entender tanto o que é esperado, quanto aquilo que é inesperado nas línguas naturais. REFERÊ CIAS 1. BRUNO, Ana Carla, Frantomé PACHECO, Francesc QUEIXALÓS, e Leo WETZELS (Orgs.). 2008. La structure des lengues amazoniennes. Amerindia 32. ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 7

2. CABRAL, Ana Suelly A. C. e Aryon D. RODRIGUES (Orgs.). 2002. Atas do I Encontro Internacional do Grupo de Trabalho sobre Línguas Indígenas da A POLL. Tomo I e II. Editora Universitária UFPA. Belém, PA. 3. DERBYSHIRE, Desmond e Geoffrey K. PULLUM (Orgs.). 1986. Handbook of Amazonian Languages. Walter de Gruyter. 4. DERBYSHIRE, Desmond e Doris PAYNE (Orgs.). 1990. Amazonian Linguistics: Studies in Lowland South American Languages. Austin, University of Texas Press. 5. DIXON, R. M. W. e A.Y. AIKHENVALD (Orgs.). 1999. The Amazonian Languages. Cambridge University Press. 6. FRANCHETTO, Bruna. 2000. O conhecimento científico das línguas indígenas da Amazônia no Brasil. In: Queixalós F. & O. Renault-Lescure (Orgs.), As línguas amazônicas hoje. São Paulo, Instituto Socioambiental. 7. FRANCHETTO, Bruna e Elsa GOMEZ-IMBERT. 2003. Review of The Amazonian Languages. International Journal of American Languages, n.69, vol. 2, pp. 232-238. 8. LEITE, Yonne e FRANCHETTO, Bruna. 2000. 500 anos de línguas indígenas no Brasil. Ms. 9. MOORE, Denny. 2005. Brazil: Language Situation: Elsevier. 10. RODRIGUES, Aryon D. 2002. Línguas Brasileiras: para o conhecimento das línguas indígenas. 4a. edição. Edições Loyola. 11.. 2005. Sobre as línguas indígenas e sua pesquisa no Brasil. Ciência e Cultura, 57. 35-38. 12. RODRIGUES, Aryon D. e Ana S. A. C. CABRAL (Orgs.). 2005. ovos Estudos Sobre Línguas Indígenas. Editora UnB, Brasília. 13. STENZEL, Kristine. 2005. Study on Endangered Languages and Their Oral Tradition in Amazonia. Report for UNESCO. Ms. 14. WETZELS, Leo. 1995. Estudos Fonológicos das Línguas Indígenas Brasileiras. Editora UFRJ, Rio de Janeiro. ReVEL, edição especial n. 3, 2009 [www.revel.inf.br] 8