POLÍTICA PÚBLICA DE ÁLCOOL, FUMO E OUTRAS DROGAS NO MUNICÍPIO DE RECIFE: avanços e desafios. keywords: Public Policy, drugs and Harm Reduction.



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Transcrição:

UFMA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS III JORNADA INTERNACIONAL DE POLÍCAS PÚBLICAS QUESTÃO SOCIAL E DESENVOLVIMENTO NO SÉCULO XXI 1 POLÍTICA PÚBLICA DE ÁLCOOL, FUMO E OUTRAS DROGAS NO MUNICÍPIO DE RECIFE: avanços e desafios Pollyanna Fausta Pimentel de Medeiros 1 RESUMO Historicamente, os usuários de substâncias psicoativas sofrem escassez de cuidados e vivem em um contexto de exclusão social. O presente trabalho tem como objetivo fazer um resgate das formas utilizadas pelo governo brasileiro, desde o início do século XX, para o enfrentamento da questão. Apresentaremos o Programa + Vida da Secretária de Saúde. Este programa esta baseado no paradigma da Redução de Danos, que visa resgatar o usuário em seu papel autoregulador, sem a preconização imediata da abstinência e incentivando-o à mobilização social. Analisaremos a política em relação à implementação. Palavras-Chave: Políticas públicas, drogas e Redução de Danos ABSTRACT The use drugs suffered without care and social exclusion. This work on presents public policy for use drugs in Brazil, since century XX and the Programa + Vida is public health policy for drugs users in Recife. Based in the harm reduction concept. These pratics not accepting abstinence as the only possible alternative. The use, abuse and dependence of drugs is the serious public health problem, because high prevalence in the town centre and the complex nature. Analyzed to implement the public health policy. keywords: Public Policy, drugs and Harm Reduction. 1 INTRODUÇÃO O presente estudo evidencia a experiência do desenvolvida no âmbito do Sistema Único de Saúde no Município de Recife, em relação à Política de Álcool, Fumo e Outras Drogas no que diz respeito ao tratamento dos usuários de substâncias psicotrópicas. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2001) cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas 2 independentemente da idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo. Para tanto, consideramos importante uma aproximação com o panorama das drogas no Brasil. Depois, faz-se uma descrição da rede de álcool, fumo e outras drogas do 1 Assistente Social. Mestranda em Saúde Pública no Programa Integrado de Pós-Graduação do Departamento de Medicina Social/UFPE; Especialista em Políticas Públicas e Gestão de Serviços Sociais pelo Departamento de Serviço Social, UFPE. 2 O conceito de substâncias psicotrópicas ou psicoativas é definido como qualquer substância química, natural ou sintetizada, capaz de produzir efeitos sobre o funcionamento do corpo, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento (INCA, 1997, p.09)

2 Município do Recife. Por último, a partir da prática do Serviço Social na gestão da política de álcool, fumo e outras drogas, discute-se os avanços e os desafios. 2 PANORAMA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NO BRASIL O ser humano ao longo de sua história, constantemente recorreu ao consumo de substâncias psicotrópicas álcool, fumo e outras drogas, seja em rituais religiosos, seja para se alienar do sofrimento ou na busca de prazer. O século XX, conforme Carneiro (2002) foi o momento em que esse consumo alcançou a sua maior extensão mercantil, por um lado, e o maior proibicionismo oficial, por outro. Embora, sempre tenha existido, em todas as sociedades, mecanismos de regulamentação social do consumo de drogas, até o início do século XX não existiam o proibicionismo legal e institucional internacional. Estudo realizado no Brasil mostra dados relevantes. O I Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas, realizado em 2001, em cidades brasileiras com mais de 200 mil habitantes, com pessoas na faixa etária de 12 a 65 anos, revelou a magnitude do problema. Em 22 cidades da Região Nordeste, verificou-se uma prevalência de 68,4% (78,4% no sexo masculino e 59,6% no sexo feminino), quando se considerou o uso de bebidas alcoólicas pelo menos uma vez na vida, e de 16,9% (26,1% no sexo masculino e 8,8% no sexo feminino), quando se considerou a dependência. Em ambas as situações, a faixa etária de 25 a 34 anos apresenta o maior risco (CARLINI, et al.,2002). Em relação ao uso do tabaco, também na Região Nordeste, observou-se que a prevalência em relação ao uso (na vida) foi de 37,4% (43,3% no sexo masculino e 32,2% no sexo feminino) e em relação à dependência foi de 8,3% (9% no sexo masculino e 7,7% no sexo feminino). Em ambos os casos, a faixa etária que apresentou maior prevalência foi a de 35 e mais anos. A prevalência do uso (na vida) de maconha foi de 5,5%; de solventes foi de 9,7%; de benzodiazepínicos foi de 5,3% (CARLINI, et al.,2002). As políticas públicas no Brasil direcionadas ao consumo prejudicial de álcool, fumo e outras drogas surgem em diferentes momentos e com formas distintas na abordagem para o cuidado com usuário. O Brasil importou dos Estados Unidos a legislação utilizada neste país incorporando um discurso político-jurídico de combate às drogas sem travar uma discussão profunda sobre a questão das distinções entre o usuário e o tráfico organizado (VELOSO, 2004). A questão legal do combate ao uso de drogas, no Brasil, tem início no século XX, com o surgimento de decretos e leis. Tem-se regulamentação sobre as drogas desde

3 1938, inicialmente estabelecida pelo Decreto-Lei nº 891/38, posteriormente incorporada ao artigo 281 do Código Penal (KARAN, 2001). Entretanto, o governo brasileiro, atua mais fortemente na questão a partir da década de 1970, quando é sancionada, em 1976, a Lei Antitóxicos n 6.368. Esta Lei recebe forte influência da conjuntura política dos anos de 1970 do século passado (Regime Militar), que buscou conter os avanços das substâncias psicoativas. Em 2001, concretizou-se a Política Nacional Antidroga - PNAD, que esteve em pauta desde os anos de 1980. Embora, não tenha ultrapassado o binômio repressão/abstinência, trouxe inovações, pois pela primeira vez na história do Brasil, houve a divulgação de um Plano Nacional Antidrogas, com o mérito de ser a primeira expressão pública de uma política governamental sobre o tema no país. Apesar do seu conteúdo limitado, esta trouxe a possibilidade de haver um documento para que a sociedade ampliasse o debate sobre a política de drogas (KARAN, 2001). Neste processo, na área da saúde pública, existia uma ausência de uma política para atender os usuários de substâncias psicotrópicas e as respostas para os usuários dependentes eram oferecidas até recentemente, através de instituições de caráter filantrópico e/ou religioso, incapazes de oferecer cobertura diante da magnitude epidemiológica do problema. Em 2003, é publicada pelo Ministério da Saúde (MS) a Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas. Esta política expõe suas diretrizes consoantes com os princípios da política de saúde mental vigente, em conformidade com a Lei Federal n 10.216/2001 3 e os pressupostos da Organização Mundial da Saúde 4. A política do Ministério da Saúde traz em seu corpo inovações no que diz respeito às questões relativas ao tratamento disponibilizado aos usuários de substâncias psicotrópicas, na medida em que suas práticas não devem ser fundamentadas, apenas, no saber médico e/ou do psiquiatra ou ainda em modelos de exclusão/separação do convívio social. Dentre outros dispositivos, o documento da política traz informações sobre a implantação de estruturas direcionadas ao atendimento específico em saúde mental, em substituição ao modelo assistencial vigente em saúde mental, predominantemente hospitalocêntrico, no seu lugar sendo construída uma rede de atenção especializada composta por dispositivos extra-hospitalares. 3 O texto dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Além disso, esta lei é um marco legal da Reforma Psiquiátrica, retificando de forma histórica as diretrizes básicas que constituem o SUS (BRASIL.Ministério da Saúde, 2005). 4 A Organização Mundial da Saúde publicou um relatório intitulado Saúde Mental: Nova Concepção, que traz recomendações básicas para ações na área de saúde mental/álcool e outras drogas (OMS, 2001).

4 Esta política tem, em última instância, como ponto fulcral, a estratégia de redução de danos, que, segundo Veloso (2004, p.172), pressupõe respeitar as diferenças, garantir o direito de cidadania, caracterizando ser uma alternativa para aquelas pessoas que não se encontram em condições de cessar de imediato, como uso de drogas, devido a fatores inerentes a singularidade de cada ser humano. 3 A POLÍTICA DE ÁLCOOL, FUMO E OUTRAS DROGAS NO MUNICÍPIO DE RECIFE Seguindo os parâmetros do Ministério da Saúde, implementou-se na Secretaria de Saúde no Município de Recife, no segundo semestre de 2003, a Política de Atenção ao Usuário de Álcool, Fumo e Outras Drogas, denominada de Programa + Vida redução de danos no consumo de álcool, fumo e outras drogas, que compunha a Diretoria Geral de Atenção à Saúde DAS. Esta política direciona o modelo assistencial proposto pelo município. De acordo com Mendes (1996, p.192) os modelos assistenciais podem ser definidos como "as formas como se organizam, em determinados espaços-populações, os serviços de saúde, incluindo diferentes unidades prestadoras de diversas complexidades tecnológicas e as relações que se estabelecem dentro delas e entre elas". Esses princípios são os que orientam a Rede de Serviços do Programa + Vida no Município de Recife. O modelo de atenção 5 aos usuários do Município de Recife dividese em três eixos de abordagem: 1 - promoção e prevenção específica, 2 - assistência à saúde: tratamento e reabilitação e 3 - sistema de informação epidemiológico. Em relação ao eixo da promoção e prevenção as atividades desenvolvidas têm na Educação Popular e Saúde um dos pontos relevantes, no sentido de atuar na diminuição da influência dos fatores de risco para a vulnerabilidade dos indivíduos para tal uso. O sistema de informação epidemiológico, apresentado no eixo 3 da política, ainda não está implantado no município. Têm-se informações correlatas em relação às morbi-mortalidades provocadas pelo uso de drogas, mas não é específico para demonstrar, por exemplo, o número de dependentes no município. No entanto, deteremos a explanação nos serviços do segundo eixo que cuida da assistência à saúde, do tratamento e da reabilitação, este eixo é composto por unidades especializadas: 5 Modelo de Atenção à Saúde compatível com a construção de uma cidade saudável, entendendo-a como um conjunto de ações intersetoriais, que nortearão as prioridades sociais da Prefeitura do Recife (Secretaria de Saúde do Recife, 2002, p.2).

5 A Unidade de Desintoxicação 6 (UD) Arnaldo D lasi, é um dispositivo para usuários de drogas que não se encontram em condições clínicas de serem atendidos em unidades extra-hospitalares (CAPSad e Casa do Meio do Caminho) devido ao grau de intoxicação e comprometimento pelo uso de substâncias. Os CAPSad são dispositivos assistenciais, que estão de acordo com a Portaria GM 336/1999, caracteriza-se por um papel articulador na rede de atenção aos usuários de álcool, fumo e outras drogas, responsabilizando-se pela regulação do fluxo de usuários diante de suas necessidades. Os projetos terapêuticos devem incluir a construção de trabalhos de reinserção social, respeitando as possibilidades individuais e os princípios de cidadania que minimizem o estigma e promovam o protagonismo de cada usuário frente à sua vida. O CAPSad oferece uma clínica de cuidados que conforme Goldberg (1994:22) conjuga num mesmo espaço o tratamento e a reabilitação e busca uma atuação mais globalizada frente às questões da saúde mental". Em relação a este serviço, a rede do Programa + Vida encontra-se estruturada da seguinte forma na Cidade do Recife: 6 CAPSad, um em cada distrito sanitário, atendendo em média a 1.200 pessoas/mês entre adolescentes, jovens e adultos de ambos os sexos. Além disso, há um outro equipamento que não existe portaria ministerial que regulamente, mas que atende usuários de drogas referenciados pelo CAPSad, este é chamado de Casa do Meio do Caminho. A Casa do Meio do Caminho, também denominada Albergue Terapêutico, é um dispositivo psicossocial, voltado às pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade na exposição aos riscos do uso prejudicial de drogas (riscos à saúde, à relação familiar, de morte iminente) e que precisam de um tratamento integral, protegido, sob regime de internação, por um período aproximado de 45 dias, variando em função da avaliação técnica e do projeto terapêutico individual. 4 DESAFIOS Constata-se que a equipe de profissionais da rede não constituem uma totalidade orgânica naquilo que se refere à abordagem proposta pelo MS, tendo em vista que os profissionais dos CAPSad são formados por várias áreas de conhecimento, com perspectivas teóricas e técnicas diversas, desenvolvendo atividades terapêuticas com os usuários na perspectiva de redução de danos. 6 A Unidade de Desintoxicação está funcionando de acordo com as normas da Portaria GM 1612 de 09 de setembro de 2005, que aprova as Normas de Funcionamento e Credenciamento/ Habilitação dos Serviços Hospitalares de Referência para a Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas.

6 Isto pode ser justificado seja por não haver clara definição do próprio MS para os profissionais em relação como abordar, seja ainda por haver uma indiferenciação dos conhecimentos e das competências do no trabalho coletivo na saúde mental. Isso se expressa, por exemplo, quanto aos profissionais serem subsumidos no papel de técnicos de referências a eles pré-estabelecidos. Este modelo está voltado para a atenção da demanda espontânea, não alcançando os indivíduos ou grupos populacionais que não percebam a existência de problemas de saúde. Os recursos assistenciais ofertados à população são organizados para atender à pressão de uma demanda desordenada, sem considerar as necessidades de uma população definida (PAIM, 1994). Um outro desafio segundo Delgado (1998) ocorre após a implantação dos serviços, pois se faz necessário criar um dispositivo de avaliação técnica permanente, indispensável para a qualificação e manutenção de equipamentos tão radicalmente novos no cenário assistencial do município, vem se constituindo e foi colocado em funcionamento. É importante esclarecer que delimitamos esta análise a partir da implantação da política no município de Recife até o presente momento, já que participamos desde início deste processo. 5 CONCLUSÃO Para atuar quer seja no tratamento quer seja na prevenção às drogas deverá passar necessariamente, pela compreensão da sociedade na qual está inserida, sua posição na mesma, bem como a função que a droga aí desempenha e, sobretudo, por uma análise e abordagem multidimensional apropriada ao complexo fenômeno. Reorganizar o modelo assistencial vigente no país não é tarefa fácil. Ainda mais quando se trata de mudar o comportamento dos usuários perante os recursos de saúde, bem como o do próprio segmento produtor de serviços nessa área. Para substituir as práticas tradicionais de assistência, o compromisso e a responsabilidade devem ser de todos: desde os governos federal, estadual e municipal, seus respectivos gestores, as equipes multiprofissionais, até a sociedade civil, através de comunidades organizadas em prol de cada família, de cada cidadão. A Rede de Atenção aos usuários de drogas do Município de Recife, nesse sentido, favorece, inicialmente, o estabelecimento de novas relações, em que cada parte atuante é sujeito do processo. A tendência é que com o tempo, os profissionais da rede qualifiquem-se para que possamos entender que o paciente deixe de ser objeto de ação, passe a compreendê-lo enquanto ser político-social, psico-biológico, cultural e contextualizado no ambiente em que vive.

7 Qualquer trabalho desenvolvido no campo da dependência envolvendo prevenção, educação e tratamento, numa perspectiva crítica e de qualidade de vida, requer que nos afastemos o máximo possível dos preconceitos e dos estigmas que contribuem para aumentar a exclusão social e podem nos levar a tomar medidas equivocadas que não favorecem o enfrentamento da problemática. Nessa perspectiva, requer práticas que além da capacidade técnica, incorporem uma dimensão humana, um compromisso ético-político com a valorização da vida e a construção de uma sociedade mais igualitária na busca da inclusão social. Pelo exposto, percebe-se que as políticas sociais, conseqüência imediata do desenvolvimento do Estado capitalista, avançam ou retrocedem segundo a conjuntura política. Assim sendo, para o reconhecimento da natureza dos processos de transformação que estão ocorrendo no campo social, demanda-se a análise de como estas políticas se desenvolveram ao longo da história. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Reforma Psiquiatra e política de saúde mental no Brasil, Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS, Brasília: 2005. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e Outras Drogas, Brasília 2003. CARLINE, E. A. et al. Levantamento Domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil. São Paulo: CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas no Brasil); UNIFESP, 2002. CARNEIRO, Henrique. As necessidades humanas e o proibicionismo das drogas do século XX. OUTUBRO Revista do Instituto de Estudos Socialistas. n. 6, São Paulo, 2002. DELGADO, P. G., Contribuição do IFB para a Rede de Atenção Psicossocial do Rio de Janeiro. IN: 18 de Maio, Informativo do Instituto Franco Basaglia, ano V, n. 13, p. 10-12. Ano,1998. GOLDBERG, J. Clínica da Psicose. Um projeto na rede pública. Rio de Janeiro: Te Corá Editora,1994 KARAN, ML Aspectos Jurídicos. In: Seibel, S & Tosacno Jr, A, editores. Dependência de Drogas. Rio de Janeiro: Editora Atheneu; 2001. Lei Federal 10.216/2001, In: Ministério da Saúde, Legislação em Saúde Mental: 1990-2004 - 5ed. Ampliada- Brasília: Ministério da Saúde, 2004. MENDES, E. V., 1996. Uma Agenda para a Saúde. São Paulo: Hucitec.

8 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS. Relatório sobre a Saúde no Mundo 2001 Saúde Mental: Nova Concepção, Nova Esperança. OMS, Genebra, 2001. PAIM, J.S. A Reforma Sanitária e os modelos assistenciais. In: ROUQUAYROL, M.Z.(Org). Epidemiologia & Saúde. Rio de Janeiro: Medsi, 1994. RECIFE. Secretaria de Saúde. Plano Municipal de Saúde 2002/2005. Recife, 2002.. Proposta Municipal de Educação Popular e Saúde. Recife, 2002a. VELOSO, Laís et al. Redução de danos decorrentes do uso de drogas: uma proposta educativa no âmbito das políticas públicas. In: BRAVO, Mª Inês Souza (org). Saúde e Serviço Social. São Paulo, Cortez; Rio de Janeiro: UERJ, 2004.