Nº 3 MAIO 2006. O Especialista Fala. Enxaqueca e comorbidades. Mario Fernando Prieto Peres



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Transcrição:

Nº 3 MAIO 2006 O Especialista Fala Enxaqueca e comorbidades Mario Fernando Prieto Peres

O Especialista Fala Enxaqueca e comorbidades Mario Fernando Prieto Peres Neurologista do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, professor de Neurologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC), doutorado pela Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (Unifesp/EPM), pós-doutorado pela Thomas Jefferson University, da Filadélfia, Estados Unidos Enxaqueca: prevalência e impacto A enxaqueca ou migrânea é uma doença neurológica crônica e debilitante que se manifesta pela cefaléia e por um conjunto de sintomas associados de maneira recorrente. É caracterizada pelo aparecimento de dores de cabeça uni ou bilaterais, em geral com caráter pulsátil de intensidade moderada a intensa, precedida ou não por sintomas neurológicos focais, denominados de aura. Seguem-se náuseas, vômitos, foto e fonofobia. A cefaléia tem duração de 4 a 72 horas. Trata-se de uma doença muito comum em todo o mundo. Um percentual de 10% a 12% é uma estimativa razoável da prevalência de enxaqueca por 1 ano em adultos (6% em homens e 15% a 18% em mulheres) 1. A enxaqueca é uma das cefaléias de maior impacto na sociedade e no indivíduo, determinando um imenso prejuízo funcional e um grande impacto econômico: admite-se que os custos direto e indireto podem chegar a 14 bilhões de dólares ao ano nos Estados Unidos. Ela ocorre principalmente nas décadas de vida em que há maior produtividade. Um estudo nacional nos Estados Unidos mostrou que a enxaqueca causa uma restrição nas atividades em 74,2 milhões de dias ao ano. É difícil conhecer o impacto no trabalho doméstico, porém estima-se que 38 milhões de dias por ano estejam comprometidos. A cefaléia é um fator que determina exclusão social pela incapacidade para atividades escolares e de trabalho. Sabe-se também que menos da metade dos sofredores de enxaqueca são diagnosticados, e uma parcela ainda menor recebe tratamento adequado 2. A Sociedade Internacional de Cefaléias (SIC) publicou recentemente a segunda edição (2004) da classificação das cefaléias, com critérios diagnósticos revisando alguns conceitos das cefaléias primárias. Atualmente, a enxaqueca é dividida em episódica e crônica. Esta, definida pela ocorrência de crises com freqüência maior que 15 dias por mês por mais de 3 meses, tem uma prevalência de 2% a 3 % na população geral 3-5 e, na área das cefaléias, é uma das entidades clínicas mais desafiadoras quanto ao tratamento. Um dos aspectos mais importantes no manejo da enxaqueca episódica, mas principalmente na enxaqueca crônica, é a presença de comorbidades psiquiátricas. Os transtornos de humor e de ansiedade são os mais correlacionados à enxaqueca e bem mais prevalentes na enxaqueca crônica. Comorbidade psiquiátrica em enxaqueca Em um estudo realizado recentemente, observou-se a presença de sintomas ansiosos significativos (definidos por escores maiores que 46 na escala IDATE) em 75% dos pacientes com enxaqueca crônica, algum grau de depressão presente em 85,8% e depressão grave em 25%. Aspectos particulares da depressão também foram avaliados, mostrando que 40% dos O diagnóstico e o tratamento das comorbidades em enxaqueca representam um dos tópicos de maior desafio na área das cefaléias 2

Enxaqueca e comorbidades pacientes apresentaram algum grau de pensamento suicida, sendo que 5% manifestaram ideação suicida 6. Estudos comparando casos de enxaqueca com controles mostraram 4,2 vezes mais depressão, 6,1 mais pânico e 2,8 mais ansiedade em enxaquecosos 7. Enxaqueca com aura apresentou uma relação ainda mais estreita. O risco de início de depressão foi 3,2 vezes maior em enxaquecosos 8. Transtornos do espectro de ansiedade também foram associados à enxaqueca, sendo o transtorno de ansiedade generalizada 2,7 vezes mais comum em indivíduos com enxaqueca; pânico, 3,3 vezes; fobia social, 2,4; fobia simples, 3,4 (Gráfico 1) 9. Depressão e ansiedade foram com freqüência diagnosticadas juntamente, com o início da ansiedade precendo o da enxaqueca, que era seguida de depressão. Tabela 1. Prevalência de 1 ano de diagnóstico psiquiatricos em pacientes com e sem enxaqueca Diagnóstico Com enxaqueca n = 457 Sem enxaqueca Depressão maior 14.7 7.3 Transtorno bipolar 8.8 3.3 Ansiedade generalizada 9.8 2 Fobia social 6.5 2 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Prevalência anual por 100 indivíduos Fonte: Adaptado de Merikangas et al. Arch Gen Psychiatry 1990; 47: 849-853 A detecção e o diagnóstico das comorbidades em enxaqueca implicam significativas janelas e limitações terapêuticas. As oportunidades aparecem quando existe a possibilidade de se utilizar uma mesma medicação para duas doenças presentes, a exemplo do uso de antidepressivos e neuromoduladores em enxaqueca e comorbidades psiquiátricas. As limitações devem ser respeitadas quando a utilização de um medicamento comprometer algum outro aspecto envolvido, como a flunarizina em pacientes com depressão, os betabloqueadores em pacientes com fadiga e/ou asma, o divalproato em tremor, o topiramato em alterações cognitivas e todas as medicações que aumentam o peso em indivíduos obesos. Fisiopatologia, comorbidades e uso de neuromoduladores Diversos mecanismos vem sendo propostos na fisiopatologia da enxaqueca. Desde a teoria trigêmino-vascular 10, que integra o neurônio e o vaso, ressaltando a influência de neurotransmissores e neuropeptídeos na deflagração do processo, como a bradicinina, a substância P, o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP) e o neuropeptídeo Y, que ganharam recentemente importantes aliados, como o óxido nítrico e os aminoácidos excitatórios. A discussão se amplia quando também é observada a influência das estruturas cervicais, tornando-se relevante o complexo cérvico-trigêmino-vascular 11. A depressão alastrante cortical 12, correspondente ao fenômeno clínico da aura da enxaqueca 13, associada ao mecanismo de hiperexcitabilidade cortical que explica a fotofobia, a fonofobia e a osmofobia presentes na enxaqueca 14 pode nos elucidar as causas da inter-relação da enxaqueca com comorbidades psiquiátricas. Clinicamente, observa-se que, na crise da enxaqueca, ocorre além de hipersensibilidade à luz, barulho e cheiros uma irritabilidade do humor, fato compartilhado pelo espectro de sintomas da depressão (principalmente bipolar) e da ansiedade. Tal irritabilidade seria resultado de uma hiperexcitabilidade cortical como ocorre definitivamente no córtex occipital do paciente com enxaqueca, mas teria também causaria o comprometimento cortical mesolímbico 15 (Figura 1). 3

O Especialista Fala Enxaqueca Irritabilidade Ansiedade Excitabilidade Som Depressão Figura 1. Espectro enxaqueca, bipolar, ansiedade. Nota-se a irritabilidade como elemento comum aos três aspectos, em que o mecanismo fisiopatológico hipotético é a hiperexcitabilidade cortical freqüentemente associadas à enxaqueca. O glutamato e o GABA podem se constituir como alvos terapêuticos a serem atingidos na descoberta de novas moléculas, bem como tratamentos que tenham condições de interferir na transmissão GABAérgica possam ser candidatos para profilaxia da enxaqueca, a exemplo dos neuromoduladores. Os medicamentos neuromoduladores de ação mais eficaz no tratamento preventivo da enxaqueca são o divalproato e o topiramato, ambos com ação na estabilização da hiperexcitabilidade cortical. São necessários mais estudos para sabermos com precisão qual o melhor esquema de tratamento (medicamentoso ou não-medicamentoso) para o paciente com enxaqueca e comorbidade de transtorno de ansiedade e/ou humor. É possível que a politerapia com neuromoduladores e antidepressivos seja necessária em casos mais graves e refratários, mas a experiência clínica nos dá segurança para a tentativa em monoterapia com neuromoduladores. Ao escolher entre as diversas opções de tratamento preventivo para a enxaqueca, como os betabloqueadores, os bloqueadores de canal de cálcio, os antidepressivos e os neuromoduladores, quando há a presença de um transtorno de ansiedade e/ou humor, devemos observar inicialmente a gravidade dos dois diagnósticos e escalonar O mecanismo de hiperexcitabilidade cortical sofre importante influência de aminoácidos excitatórios e inibitórios. O maior neurotransmissor excitatório no cérebro é o glutamato, e o de maior importância inibitória, o ácido gama-aminobutírico (GABA). Ambos ativam receptores ionotrópicos (GABA-A, ligantes a canais iônicos) e metabotrópicos (GABA-B, acoplados à proteína G) e geralmente são associados à comunicação neural. Atualmente, estão identificadas 16 subunidades de receptores de glutamato ionotrópicas e 8 metabotrópicas, assim como 21 ionotrópicas e 2 metabotrópicas de GABA. Os receptores de glutamato ionotrópicos são NMDA (NR1, NR2A-D, NR3), AMPA (GluR1-4) e cainato (GluR5-7, KA1,2), e os metabotrópicos são classificados em grupo 1 (mglu1,5), grupo 2 (mglu2,3) e grupo 3 (mglu4,6,7,8). Na comorbidade psiquiátrica, levanta-se o papel do GABA em condições como depressão, ansiedade (especialmente o GABA-B) e também em insônia, situações Na escolha do tratamento preventivo da enxaqueca, deve-se levar em conta a presença de comorbidade. Medicações que interferem na modulação do mecanismo de hiperexcitabilidade cortical e dos sistemas GABA e glutamato apresentam grande potencial terapêutico 4

Enxaqueca e comorbidades o tratamento. O antidepressivo pode ser a primeira opção, mas, se houver algum traço de oscilação do humor ou irritabilidade intensa, o espectro bipolar deve ser considerado e, neuromoduladores com eficácia comprovada em transtorno bipolar devem ser indicados como primeira escolha. A terapia cognitivo-comportamental está indicada para pacientes com comorbidades psiquiátricas e pode ser de grande importância no manejo desses indivíduos. A avaliação da preferência do paciente, além do perfil de eventos adversos dos medicamentos, pode determinar a escolha do tratamento preventivo. Os antidepressivos tricíclicos como a amitriptilina e a nortripitlina, apesar de bem tolerados, podem causar sonolência diurna e sialosquese. Na minha visão, a flunarizina não deve ser indicada como primeira escolha em pacientes deprimidos e/ou acima do peso. Betabloqueadores podem agravar a fadiga, comum na enxaqueca 16. Em pacientes com tremor, deve-se evitar o divalproato. Em pacientes com queixas cognitivas e litíase renal, o topiramato não é o mais apropriado. Futuros estudos são necessários para o melhor entendimento da epidemiologia, da fisiopatologia e do manejo da comorbidade entre a enxaqueca e os transtornos psiquiátricos. 5

O Especialista Fala Referências bibliográficas 1. Lipton RB, Goadsby P, Silberstein SD. Classification and epidemiology of headache. Clin Cornerstone 1999; 1 (6): 1-10. 2. Headache Classification Committee. The International Classification of Headache Disorders. 2. ed. Cephalalgia 2004; 24. 3. Lipton RB, Stewart WF, Diamond S, Diamond ML, Reed M. Prevalence and burden of migraine in the United States: data from the American Migraine Study II. Headache 2001; 41 (7): 646-657. 4. Castillo J, Munoz P, Guitera V, Pascual J. Epidemiology of chronic daily headache in the general population. Headache 1999; 38: 497-506. 5. Scher AI, Stewart WF, Liberman J, Lipton RB. Prevalence of frequent headache in a population sample. Headache 1998; 38: 497-506. 6. Lu SR, Fuh JL, Chen WT, Juang KD, Wang SJ. Chronic daily headache in Taipei, Taiwan: prevalence, follow-up and outcome predictors. Cephalalgia 2001; 21 (10): 980-986. 7. Mercante JP, Peres MF, Guendler V, Zukerman E, Bernik MA. Depression in chronic migraine: severity and clinical features. Arq Neuropsiquiatr 2005; 63 (2A): 217-220. 8. Breslau N, Davis GC. Migraine major depression and panic disorder: a prospective epidemiologic study of young adults. Cephalalgia 1992; 12: 85-90. 9. Breslau N, Davis GC, Schultz LR, Peterson EL. Migraine and major depression: a longitudinal study. Headache 1994; 34: 387-393. 10. Merikangas KR, Angst J, Isler H. Migraine and psychopathology. Results of the Zurich cohort study of young adults. Arch Gen Psychiatry 1990; 47 (9): 849-853. 11. Moskowitz MA. The neurobiology of vascular head pain. Ann Neurol 1984; 16 (2): 157-168. 12. Bartsch T, Goadsby PJ. The trigeminocervical complex and migraine: current concepts and synthesis. Curr Pain Headache Rep 2003; 7 (5): 371-376. 13. Leao AA. The slow voltage variation of cortical spreading depression of activity. Electroencephalogr Clin Neurophysiol 1951; 3 (3): 315-321. 14. Sanchez del Rio M, Alvarez Linera. Functional neuroimaging of headaches. Lancet Neurol 2004; 3 (11): 645-651. 15. Ambrosini A, de Noordhout AM, Sandor PS, Schoenen J. Electrophysiological studies in migraine: a comprehensive review of their interest and limitations. Cephalgia 2003; 23 (suppl. 1): 13-31. 16. Peres MF. Enxaqueca, aminoácidos e melatonina, a ponta do iceberg? Revista Migrâneas e Cefaléias 2005. 17. Peres MF. Fibromyalgia, fatigue, and headache disorders. Curr Neurol Neurosci Rep 2003; 3 (2): 97-103. 6

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