PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA: A AIDS E O DISPOSITIVO DE COMBATE À HOMOFOBIA

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Transcrição:

PROGRAMA SAÚDE NA ESCOLA: A AIDS E O DISPOSITIVO DE COMBATE À HOMOFOBIA Sandra Karina Barbosa Mendes 1 Resumo Neste artigo me proponho problematizar o combate à homofobia na parceria entre saúde e educação como um dispositivo para o controle do corpo, individual e coletivo, através da análise de uma política pública voltada para a promoção da saúde de adolescentes e jovens da educação básica. Trata-se do Programa Saúde na Escola. Como ferramenta de análise, uso os conceitos foucaultianos de biopoder e biopolítica como um elemento fundamental no processo de subjetivação dos corpos dos adolescentes e jovens. As análises feitas levam ao entendimento de que a sexualidade está cruzamento entre o individual e o coletivo e a homofobia atua, nesse ínterim, como um dispositivo que produz a necessidade do cuidado com o corpo para o controle dos riscos e prevenção de doenças. Palavras-Chave: Saúde. Homofobia. Escola. As condições possibilidade para o nascimento da preocupação com a saúde dos LGBT no âmbito da educação escolar O lançamento do Programa Federal Brasil Sem Homofobia em 2004, a criação pelo Ministério da Educação (MEC) da Rede Educação para a Diversidade em 2005 e, em 2006, do Programa Gênero e Diversidade Sexual na Escola junto com os Cadernos da SECAD 2, a aprovação do Projeto Escola Sem Homofobia (2011); a elaboração pelo Ministério da Saúde (MS) do Plano Nacional de Enfrentamento da AIDS e DST em 2007 e o Programa Saúde na Escola, parecem formar um conjunto de evidências que apontam o uso do combate à homofobia como um dispositivo para o governo dos corpos de adolescentes e jovens nas escolas públicas brasileiras. O investimento cada vez mais crescente do Estado na criação de políticas públicas voltadas à promoção da saúde da população juvenil, em especial dos que são gays, associada à ideia de respeito à diversidade e garantia dos direitos humanos fez brotar a inquietação em problematizar o modo como a subjetividade destes jovens está sendo produzida nesse 1 Doutora em Educação, Universidade Federal do Pará, karinamendes@ufpa.br. 2 Sobretudo, o Caderno 4 - Gênero e Diversidade Sexual na Escola: reconhecer diferenças e superar preconceitos e o Caderno 5 - Proteger para Educar: a escola articulada com as redes de proteção de crianças e adolescentes.

contexto. Neste texto, proponho pensar sobre o combate à homofobia na parceria entre saúde e educação como um dispositivo para o controle do corpo, individual e coletivo, através da análise de uma política pública voltada para a promoção da saúde de adolescentes e jovens da educação básica. Trata-se do Programa Saúde na Escola (BRASIL, 2007a). Uma população de acontecimentos no campo do direito e justiça, na cooperação internacional, na segurança, no trabalho e seguridade social, na área da cultura, entre outras, tem produzido os enunciados que constituem o discurso de combate à homofobia. E este mesmo discurso estabelece relações com diferentes grupos de enunciados, que produzem outras formações discursivas, mas todas elas referentes ao mesmo objeto de discurso a sexualidade LGBT. Mas, talvez seja no campo da saúde que as relações entre esses enunciados tornam o combate à homofobia um problema para a educação. Para chegar a esse entendimento, voltei a atenção para as duas últimas décadas do século XX. O que constituí para mim foco de interesse, no momento, é pensar sobre a produtividade do biopoder na criação de uma política da sexualidade para os LGBT. Isto é, pensar sobre como a partir do início do século XXI, após o controle nos índices de contaminação por HIV, o que não quer dizer eliminação total da doença, o biopoder põe a funcionar um conjunto de estratégias, técnicas e mecanismos para produzir uma verdade sobre a sexualidade dos LGBT. Enquanto que no mundo, os casos diminuíram, no Brasil os índices da aids aumentaram até 2002, reduziram gradualmente até 2007, e depois voltaram a crescer em 2009. Torna-se especialmente importante o fato de que, como veremos mais adiante, tenha ocorrido uma hipotética expansão da doença entre os jovens gays e travestis no Brasil a partir de 2009. O que tem sido uma das justificativas para o investimento político na prevenção e combate à doença entre estes. As primeiras ações do Governo Federal voltadas para os LGBT no Brasil foram produzidas no âmbito da saúde, especificamente no que se refere ao controle da epidemia do HIV/AIDS e das Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST). Para conter a disseminação da AIDS/HIV fez-se necessário voltar à atenção para o comportamento sexual dos LGBT, considerado pelo governo um risco à proliferação da doença. É possível observar, sobretudo a partir dos anos 2000, uma série de ocorrências que produziram o que podemos chamar de história política dos investimentos na saúde dos LGBT no Brasil. É no dispositivo da sexualidade que se cruzam as estratégias do biopoder, a disciplina e a biopolítica (FOUCAULT, 1988), atuando sobre os corpos, para resguardar a sociedade de

normalização. É colocado em atuação um conjunto de ações sobre os modos de agir dos LGBT, para conduzir a conduta e comportamento desses sujeitos no que se refere à sua sexualidade e no que diz respeito à sua saúde e condições de vulnerabilidade às doenças. Atualmente, a perspectiva dos direitos humanos perpassa todas as estratégias e ações do PN-DST/Aids. Este programa tem atuado na promoção da saúde e prevenção, dos direitos humanos, realizando grandes campanhas nacionais e ações de prevenção para as populações vulneráveis. As campanhas para o sexo seguro, o que envolve o incentivo ao uso da camisinha, as campanhas contra a homofobia e respeito às diferenças, constituem um conjunto de ações do governo para o controle dos riscos, e se tornam, possivelmente, dispositivos de controle individual e coletivo, estando a sexualidade, aqui, situada nesse cruzamento entre o individual e o coletivo. A parceria entre este programa voltado ao controle da aids e a educação se deu em 2003 através do Projeto Saúde e Prevenção na Escola e a atuação política internacional se estabelece pela cooperação com os organismos internacionais UNAIDS e Organização Pan- Americana de Saúde/ Organização Mundial de Saúde (OPAS/OMS). Em 1999 é criada a Política de Nacional de DST/Aids para orientar as ações do PN- DST/Aids. Segundo o documento, a parceria entre Estado e a sociedade existe desde que a batalha contra a aids começou. Essa parceria, que se construiu inicialmente em resultado da atuação dos movimentos sociais e ativistas em São Paulo, considerando o vínculo entre a doença e os homossexuais, porém, caminhou, aos poucos, para um novo tipo de relação. A comunidade científica passa a compor essa parceria e cada vez mais o governo toma a iniciativa em formular e definir estratégias de diagnóstico, prevenção e assistência aos infectados pelo HIV/aids (BRASIL, 1999). Um fato importante para pensar são as mutações que tem ocorrido no perfil epidemiológico da aids no Brasil e no mundo. Segundo a Política Nacional DST/aids (1999), atualmente o perfil da no Brasil aids é caracterizado pela é caracterizada pela feminização, pauperização, heterossexualização e interiorização. Então, a aids já foi uma doença gay nos anos 80, passou pelo processo de heterossexualização e feminização e, pesquisas mais recentes, indicam que tem atingindo em maior grau homens maiores de 50 anos, jovens entre 15 e 24 anos, mulheres em idade reprodutiva e se mantido estabilizada entre homossexuais (SILVA, et al., 2013). Essas características do perfil da aids exercem influência significativa na elaboração e priorização das ações desenvolvidas pelo governo. A política atual parte do consenso de que embora a aids seja uma doença que possa atingir a população indiscriminadamente, porém, há

grupos e indivíduos em situação de risco e vulnerabilidade, de modo que constitui um desafio e prioridade os esforços para a redução da incidência da aids entre estes e para a garantia dos direitos de cidadania e de qualidade de vida. Na atual política de saúde, percebemos que a preocupação está voltada para, dentre a população pobre, aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Isto é, além da situação de pobreza, existem fatores, tais como raça e etnia, orientação sexual e identidade de gênero, doenças sexualmente transmissíveis, faixa etária, que interferem diretamente na saúde da população. Daí decorre que a escola seja pensada dentro de um contexto de garantia dos direitos humanos aos grupos minoritários. O Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Estatuto da Juventude, colocam crianças, adolescentes e jovens como aqueles que por se enquadrarem nessas condições, precisam ter prioridade do atendimento de seus direitos, entre eles o direito à dignidade e igualdade, o direito à educação e à saúde. As ações previstas como essenciais no PSE variam de acordo com o nível de ensino e estão compreendidas em três componentes: Componente I: Avaliação das condições de saúde, Componente II: Promoção da saúde e prevenção das doenças e agravos, Componente III: Capacitação permanente dos profissionais de saúde e educação. É no Componente II, Promoção da saúde e Prevenção de doenças e agravos que estão previstas ações no âmbito da alimentação saudável, prática corporal, saúde sexual e reprodutiva, prevenção ao uso de drogas, cultura de paz, saúde mental, saúde ambiental e desenvolvimento sustentável. Fica evidente que o PSE se trata de uma política que integra o acontecimento da promoção da saúde e marca a sua continuidade no campo da educação, e neste acontecimento, dispositivos atuam estrategicamente na governamentalidade dos sujeitos, objetivando-os e subjetivando-os pelos discursos e normas. O biopoder, em sua intenção de fazer viver, atua sobre os corpos dos sujeitos escolares, classificando corpos vulneráveis e corpos resistentes, e produz o ideal de aluno para a sociedade normalizadora - aluno saudável (LOPES, 2012; ALMEIDA, 2013). Nesse contexto, a AIDS tem sido pensada como uma das ameaças na produção do aluno saudável. O crescimento dos índices de contaminação entre os jovens nos últimos anos coloca para a escola mais uma função, além da promoção da saúde, a de investir na sexualidade dos alunos para produzir a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e da AIDS.

A preocupação com a saúde dos jovens assume uma proporção maior no caso dos que são constituídos como estando em situação mais propensa de contágio a essas doenças, os jovens LGBT. Assim, é também produzido o sujeito aluno vulnerável. No caso destes, a homofobia tem sido colocada como um empecilho a mais para à produção do aluno saudável. O Programa Saúde na Escola, lança então um pacote pedagógico composto por seis histórias em quadrinhos e uma coleção de oito fascículos chamada Educação entre Pares, voltadas à promoção dos direitos sexuais, enfrentamento do HIV/aids e promoção da saúde de adolescentes e jovens. Nesse material, sugerido para ser utilizado nas escolas, os estudantes são incentivados a falar sobre sexo e sexualidade como um tema natural. Argumenta-se que não há como mudar a atitude dos adolescentes e jovens em relação à prática do sexo seguro e a prevenção da aids com campanhas terroristas, a postura a ser adotada é a de ver a sexualidade e o sexo como temas ligados à vida, ao cotidiano de cada um, portanto, podem ser tratados no dia a dia da escola, nas relações espontâneas que os estudantes desenvolvem uns com os outros. Numa análise mais específica do material, sobretudo dos fascículos da coleção Educação entre Pares, identifico uma pedagogia do sexo que em ensina a confessar, promove o fazer falar. Nessa coleção são propostas oficinas em que os estudantes, através de metodologias de trabalho com música, poesias, filmes, debates, diálogos em pequenos e grandes grupos, sintam-se à vontade para confessar, se avaliar e ser avaliado a partir de sua confissão. Uma pedagogia que deseja conhecer o estudante, fazê-lo conhecer-se, para produzir uma verdade sobre ele. Uma dessas verdades produzidas é a de que o estudante gay ou travesti, é mais vulnerável à contaminação das DST e HIV/aids por conta dos preconceitos que sofre. As situações de homofobia que vive o tornam mais vulnerável, porque o deixam inseguro, com medo de ir à rede pública de saúde para aquisição de preservativos, para fazer exames e testes ou para ter acesso os insumos de saúde. Enfrentar essa vulnerabilidade envolve combater à homofobia, envolve produzir jovens e adolescentes que encarem as diferenças sexuais como normais, envolve desenvolver nesses estudantes o hábito de falar sobre sua sexualidade livremente, confessar sua orientação sexual, assumir a sua identidade de gênero sem medo. Confessando o que são podem conhecer a si mesmos e cuidar melhor de si, do seu corpo, podem também conhecer seus direitos em quanto grupo em situação de risco.

No segundo aspecto, as estratégias implementadas pelo PSE articulam discursos e práticas para evitar a resistência dos adolescentes e jovens. Estes são levados a concordar ou aceitar a ideia de que falar sobre sexualidade é sempre polêmico, irá causar constrangimentos, porém, são conduzidos a acreditar que é natural estranhar esses temas, que é necessário enfrentar esses constrangimentos em nome da proteção, da garantia da saúde. As oficinas propostas pelo PSE são planejadas para envolver os jovens, não tratam da sexualidade de qualquer modo, utilizam linguagem e metodologia que os envolve, os faz sentir importantes protagonistas de sua história, dos rumos de sua vida. Enfrentar o preconceito e procurar informa-se, buscar os mecanismos da proteção no SUS, conhecer a sua sexualidade e saber negociar com o parceiro no ato da relação sexual, saber posicionar-se para se proteger, para manter relações sexuais seguras e sem riscos, são ações que adolescentes e jovens precisam entender como necessárias para garantir a segurança deles, a escola e o Estado estariam, nesse caso, cumprindo o seu papel social por zelar pela segurança destes sujeitos, politicamente considerados como os responsáveis pelo o futuro do país. Vejo que uma das possibilidades de praticar uma educação que poderá produzir relações de resistência e de liberdade entre os sujeitos seja aquela em que os estudantes sejam levados a pensar sobre o modo como cada um de posiciona em relação ao que lhe é ensino como sendo o certo para ele, ou seja, a posição de sujeito que adota diante das regras e normalizações. Referências ALMEIDA, L. O aluno saudável: análise das práticas de governamentalidade em políticas de saúde na escola pública no Brasil de 2003 a 2012. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Belém, 2013. BRASIL. Presidência da República. Decreto Presidencial nº 6.286/2007. Institui o Programa Saúde Prevenção na Escola. Brasília, 2007a.. Ministério da Saúde. Plano Integrado de Enfrentamento da Feminização da Epidemia de AIDS e outras DST. Brasília, 2007b.. Plano Nacional de Enfrentamento da Epidemia de Aids e das DST entre Gays, HSH e Travestis. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Brasília, 2007c.. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília, 2010.

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988. LOPES, A. Saúde no processo de democratização brasileiro: promoção da saúde, biopolíticas e práticas de si na constituição de sujeitos da saúde. Tese de Doutorado. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Florianópolis, Santa Catarina, 2012. SILVA, R.; DUART, F.; NELSON, A.; HOLANDA, J. Epidemia da Aids no Brasil: uma análise do perfil atual. Revista da Enfermagen On Line, v.7, n. 10, p.6039-8, out. 2013.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE - FURG Catalogação na Publicação: Bibliotecária Simone Godinho Maisonave CRB -10/1733 S471a Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade (7. : 2018 : Rio Grande, RS) Anais eletrônicos do VII Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade, do III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade e do III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade [recurso eletrônico] / organizadoras, Paula Regina Costa Ribeiro... [et al.] Rio Grande : Ed. da FURG, 2018. PDF Disponível em: http://www.7seminario.furg.br/ http://www.seminariocorpogenerosexualidade.furg.br/ ISBN:978-85-7566-547-3 1. Educação sexual - Seminário 2. Corpo. 3. Gênero 4. Sexualidade I. Ribeiro, Paula Regina Costa, org. [et al.] II. Título III. Título: III Seminário Internacional Corpo, Gênero e Sexualidade. IV.Título: III Luso-Brasileiro Educação em Sexualidade, Gênero, Saúde e Sustentabilidade. CDU 37:613.88 Capa e Projeto Gráfico: Thomas de Aguiar de Oliveira Diagramação: Thomas de Aguiar de Oliveira