Conepatus chinga (Molina, 1782) no Brasil



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Causas de ameaça de exlnção: os humanos destroem o hábitat do Cervo e também caçam esse ser vivo em grande quanldade (caça predatória).

Transcrição:

240 Avaliação do Estado de Conservação dos Carnívoros Avaliação do risco de extinção do Zorrilho Conepatus chinga (Molina, 1782) no Brasil Carlos Benhur Kasper 1, Fabrício Pinheiro da Cunha 2 & Manoel Ludwig da Fontoura-Rodrigues 3 Risco de Extinção Menos Preocupante (LC) Ordem: Carnivora Família: Mephitidae Carlos Benhur Kasper Nome popular Zorrilho, cangambá, gambá (português), zorrino común, zorrino andino, zorrillo (espanhol), molina s hog-nosed skunk, andean hog-nosed skunk, hog-nosed skunk (Inglês). Submetido em: 22 / 09 / 2012 Aceito em: 21 / 06 / 2013 Justificativa Conepatus chinga é relativamente abundante, embora restrita ao sul do Brasil, com uma população maior do que 10.000 indivíduos e sem indicativos claros de declínios populacionais. Além disso, é uma espécie aparentemente tolerante a modificações no habitat. Apesar disso, sugerem-se estudos sobre demografia, relações com os novos usos da paisagem dos Pampas (agricultura e silvicultura) e sobre o impacto de atropelamentos da espécie. Existe conectividade com as populações dos países vizinhos, porém não existem informações sobre a dinâmica fontesumidouro. Por esses motivos, C. chinga é categorizada como Menos Preocupante (LC). Notas taxonômicas Conepatus chinga pertence a um gênero composto por quatro espécies atualmente reconhecidas, e que apresenta ampla distribuição em biomas de campo americanos (Wozencraft 2005). Conepatus chinga é uma espécie exclusivamente sul-americana, apresentando uma distribuição central, relativamente ao eixo norte-sul das Américas (Eisenberg & Redfield 1999). Dentro desta ampla área, sete subespécies são tradicionalmente reconhecidas, apesar de nunca Afiliação 1 Universidade Caxias do Sul/UCS. 2 Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros CENAP/ICMBio. 3 Pontíficia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS. E-mails cbkasper@yahoo.com.br, fabriciopc@gmail.com, mlfontoura.roderigues@gmail.com Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Zorrilho Conepatus chinga 241 terem sido revisadas com ferramentas modernas de sistemática (Dragoo 2009). Até o momento, pouco se sabe sobre os exatos limites de distribuição, diferenças morfológicas e de hábitos entre as subespécies, o que deixa clara a necessidade de uma revisão taxonômica ampla. A subespécie na qual está incluída a população brasileira é C. chinga sufocans, a qual englobaria as populações do Paraguai, Uruguai, leste da Argentina e sul do Brasil (Dragoo 2009). Contudo, assim como acontece com as outras subespécies, a validade de C. c. sufocans precisa ser reavaliada. Se sua existência for confirmada em uma revisão taxonômica, serão necessários estudos de distribuição mais precisos, além de uma descrição mais precisa de sua morfologia e biologia. Além de uma revisão taxonômica intraespecífica, uma revisão em nível de gênero também é necessária, pois a falta de estudos referentes a esse grupo deixa em aberto questões filogenéticas mais amplas. É preciso investigar, por exemplo, se C. humboldtii, que apresenta uma distribuição patagônica e, portanto, ao sul de C. chinga, é uma entidade taxonômica separada. Neste caso, cabe estudar também os limites de distribuição e barreiras que separam essas duas espécies. De forma semelhante, é preciso realizar uma investigação em relação à população que habita a região central do Brasil, hoje considerada uma subespécie de C. semistriatus. Finalmente, de forma global, uma análise filogenética em nível de gênero é necessária para que se possa entender melhor a história evolutiva deste grupo. A subfamília Mephitinae, incluída em Mustelidae, foi recentemente elevada a família (Mephitidae; Wozencraft 2005), com base em evidências moleculares. Esse é o grupo que inclui os cangambás. Histórico das avaliações nacionais A espécie não se encontra na lista nacional de espécies ameaçadas publicada em 2003 (MMA 2003). Está listada com Dados Insuficientes (DD) na Lista Vermelha do Estado do Paraná (Mikich & Bérnils 2004). Avaliações em outras escalas Globalmente, a espécie é considerada Menos Preocupante (LC) pela Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da IUCN (Emmons & Helgen 2008). Distribuição geográfica A espécie ocorre do Sul do Peru e oeste da Bolívia, ao centro e norte da Argentina e região central do Chile, Uruguai e Sul do Brasil. No Brasil está restrito aos estados do Paraná, Santa Cantarina e Rio Grande do Sul, embora hajam registros identificados como Conepatus chinga nos estados de São Paulo e Minas Gerais (Carvalho 1979, CRIA 2011) que provavelmente sejam Conepatus semistriatus, dada a maior proximidade destas localidades com o Cerrado do que com os Campos Sulinos. Desta forma, sugere-se uma análise genética dada a similaridade entre as espécies (C.B. Kasper observação pessoal). No Rio Grande do Sul, a espécie é abundante, especialmente nas áreas de campos (Pampas), da metade sul do Estado (Kasper et al. 2009). Tabela 1 Unidades de Conservação no Brasil com a presença de Conepatus chinga confirmada. Unidade de Conservação UF Fonte Estação Ecológica do Taim RS Kasper obs. pess. Área de Preservação Ambiental do Ibirapuitâ RS Kasper obs. pess Parque Nacional da Serra Geral RS Santos et al. 2004 Flona de São Francisco de Paula RS Marques et al. 2011 Biodiversidade Brasileira, 3(1), 240-247, 2013

242 Avaliação do Estado de Conservação dos Carnívoros Parque Nacional do Espinílho RS Bianchin 2011 Parque Nacional de São Joaquim SC Cherem et al. 2004 Parque Estadual Intervales, SP SP De Vivo & Gregorin 2001 População As densidades calculadas para a espécie no Rio Grande do Sul são de 1,1 (0,7 1,2) indiv./ km² a 3,8 (2,9-5,1) indiv./km² (Kasper et al. 2012a), semelhantes às estimativas de Castillo et al. (2011) para a Argentina com 0,68 1,66 indivíduos / km². Também é estimada uma densidade 0,22 indivíduos/km 2 em área de eucaliptos (Vieira 2010). No Chile, a densidade populacional estimada por Cofré et al. (1999) com base no tamanho corporal é de aproximadamente 5 indivíduos/km 2. Porém, na ausência de dados mais concretos, sugere-se que esta estimativa seja desconsiderada. Apesar da avaliação global da espécie pela IUCN (Emmons & Helgen 2008) considerar uma tendência de diminuição populacional de C. chinga, não existem dados ou indícios desta tendência para Brasil, de forma que é considerada estável no país. Habitat e ecologia Conepatus chinga possui hábitos terrestres noturnos/crepusculares (Cheida 2006), habitando áreas abertas, do Chaco paraguaio às estepes da pré-cordilheira (Redford & Eisenberg 1994) e, sobretudo, das formações campestres do Pampa (Kasper et al. 2008). Existem registros da espécie utilizando ambientes de mata na Serra do Mar no estado do Paraná (Cáceres 2004). Porém, este registro pode estar associado à proximidade com áreas abertas, já que a vegetação da área tem influência da floresta ombrófila mista. Os mefitídeos, de forma geral, e Conepatus em especial, são associados a ambientes abertos: C. humboldtii ocorre associado a ambientes desérticos, C. semistriatus tem sua distribuição associada à Caatinga e ao Cerrado, com registros apenas ocasionais em áreas da Mata Atlântica, e C. chinga tem a maior parte de sua distribuição associada ao Pampa e estepes andinas. Desse modo, é possível que áreas florestais como a Mata Altântica representem barreiras à dispersão da espécie. Registros como os apresentados por Cáceres (2004) podem também representar uma ocorrência ocasional ou uma expansão da área de ocorrência devido à fragmentação. Expansões da área de ocorrência da espécie vêm sendo observadas em áreas de mata fragmentadas do Rio Grande do Sul, em que a espécie passou a ser registrada onde não era conhecida pela população (C. B. Kasper, observação pessoal). A dieta C. chinga consiste basicamente de insetos e pequenos vertebrados (Donadio et al. 2004, Medina et al. 2009, Peters et al. 2011, Travaini et al. 1998). A contribuição de vertebrados na dieta é bastante variável, podendo ser expressiva, como no caso citado por Eisenberg e Redford (1999) de um estômago contendo dez anfíbios. A importância do consumo de larvas de insetos é também discrepante entre os poucos estudos disponíveis: Travaini et al. (1998) citam um consumo praticamente insignificante deste item, enquanto Medina et al. (2009) apresentam dados que demonstram ser o item mais consumido em sua área de estudo. Há um único trabalho disponível para o Brasil (Peters et al. 2011), realizado com base em dados de animais atropelados no sul do Rio Grande do Sul. Este trabalho apresenta uma dieta baseada em insetos, sobretudo Coleoptera, Orthoptera, e aranhas (Araneae). Como nos demais trabalhos, a dieta é enriquecida com pequenos vertebrados, sobretudo roedores, além de material vegetal. Contudo, Peters et al. (2011) apresentam apenas dados da freqüência e abundância dos itens alimentares, o que pode representar uma possível fonte de erro para interpretação dos dados, pois itens alimentares muito freqüentes e numerosos aparentam ser os mais importantes na dieta da espécie, o que nem sempre é verdade, já que podem não ser os mais representativos em termos de biomassa consumida. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Figura 1 Distribuição geográfica do Zorrilho, Conepatus chinga.

244 Avaliação do Estado de Conservação dos Carnívoros Estudos sobre área de vida de C. chinga estimam o uso de áreas médias de 1,2 a 1,96 km² (Castillo et al. 2011, Donadio et al. 2001) com alta sobreposição entre indivíduos (Repucci et al. 2009). No Brasil, estudos recentes (Kasper et al. 2012b) apresentam dados que indicam diferenças em relação a diversos aspectos biológicos e ecológicos, entre machos e fêmeas. Embora não tenha sido encontrada diferença na proporção sexual (χ²1 = 2,909; P = 0,0881), foi encontrado dimorfismo sexual em relação ao tamanho, sobretudo no que se refere ao peso, com machos sendo 40% mais pesados que as fêmeas. Neste estudo, o peso dos zorrilhos machos foi significativamente maior que o dos machos que ocorrem na Argentina (t 12 =5,3513; P = 0,0002). Embora não apresentem diferença no comprimento total, os zorrilhos brasileiros possuem o comprimento da cauda significativamente menor (t 8 =8,0398; P < 0,0001) que o dos indivíduos medidos por Castillo et al. (2011). A área de vida média estimada para a espécie no Brasil foi de 1,65 + 1,17 km², com machos utilizando áreas significantemente maiores que a das fêmeas (P = 0,0035), correspondendo a 2,55 + 1,37 km² para machos e 1,00 + 0,31 km² para fêmeas (Kasper et al. 2012b). Os valores encontrados são similares àqueles encontrados por Castillo et al. (2011) na Argentina, tanto na comparação entre machos (t 10 =0,1793; P=0,8613) quanto entre fêmeas (t 14 =0,7615; P=0,4590). A sobreposição das áreas de vida foi altamente variável, sendo em média 46% (variando de 9 a 100%) entre pares de machos e fêmeas, 28% (variando de 16 a 49%) entre fêmeas vizinhas, e 24% (variando de 0,5 a 70%) entre machos com sobreposição de áreas, sendo estas diferenças não significativas (H 2 = 2,9850; P = 0,2248). Em relação ao uso de abrigos foram identificados seis tipos básicos: buracos no solo (56% dos abrigos utilizados), em meio à vegetação (20%), sob troncos, galhos ou palha (9%), construções humanas (8%), em meio a bambuzais (5%) e a céu aberto (2%). Os abrigos localizaramse majoritariamente em campo aberto (53%) e foram utilizados na maioria dos casos (68%) durante apenas um dia. Fêmeas tendem a reutilizar mais os abrigos do que machos (38% e 23% respectivamente), sendo esta diferença significativa (t6= 9,1280; P < 0,01 Kasper et al. 2012b). Os hábitos dos zorrilhos são quase exclusivamente noturnos, com atividades iniciadas logo após o por do sol e encerradas antes do dia raiar. O pico de atividade ocorre entre 20:00 e 03:00 h, período no qual mais de 80% das leituras de atividade dos indivíduos monitorados se mostraram ativas (Kasper et al. 2012b). Entretanto, são necessários dados sobre a história natural da espécie, tais como número de filhotes por ninhada, maturidade sexual, longevidade e dispersão de filhotes, por exemplo. Nem mesmo o popular comportamento defensivo dos zorrilhos está descrito, assim como a maioria dos aspectos etológicos da espécie. São necessários também dados sobre a genética dos zorrilhos sul-americanos, dos quais não há sequer a descrição do cariótipo que, segundo estudos recentes, pode ser bastante variável, com rearranjos cromossômicos (Perelman et al. 2008). Ameaças e usos Segundo Vieira (2010), as principais ameaças à espécie são: caça, presença de animais domésticos, incêndios provenientes de queimadas nas áreas adjacentes a áreas de ocorrência da espécie, alteração e fragmentação de hábitat e atropelamentos. Kasper et al. (2009), reportam a perda de 40% dos animais marcados em um estudo, sendo a maioria por atropelamentos. Nos países vizinhos onde a espécie ocorre, há alguns relatos, como no caso da Argentina, onde a caça na década de 70 e 80 representou grande ameaça (Gruss & Waller 1988), bem como a perda de habitat devido aos prejuízos da pecuária intensiva, e competição com espécies exóticas (Dinerstein et al. 1995, Novaro et al. 2000). A espécie continua a ser caçada na Argentina para o comércio de peles (figura abaixo). No Rio Grande do Sul alguns animais são mortos por pequenos produtores rurais, como resposta a supostas perdas a pequenos animais de criação, sobretudo ovos, pintos e outras pequenas aves. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

Zorrilho Conepatus chinga 245 Figura 2 Gorro de pele de Conepatus em uma loja de Buenos Aires. Ações de conservação Embora a espécie não esteja ameaçada, ações de conservação como a preservação de áreas abertas livres de culturas agrícolas e de silvicultura aumentariam a possibilidade de que a espécie não sofra grandes perdas no futuro. Embora a espécie seja tolerante a modificações causadas pela agropecuária, esta tem um efeito negativo sobre as populações, de modo que o manejo extensivo tende a ser menos impactante. Ações de educação ambiental visando a diminuição das mortes por atropelamento ou retaliação a possíveis perdas de animais de criação também teriam efeito positivo nas populações desta espécie. Porém, nenhuma destas ações vem sendo implementada. Pesquisas Estão sendo desenvolvidas pesquisas sobre ecologia espacial, dieta, abundância/densidade por Carlos Benhur Kasper (UFRGS) assim como de Filogenia, Filogeografia, Biogeografia por Manoel Ludwig da Fontoura Rodrigues e Eduardo Eizirik (PUCRS). É necessária uma ampliação do conhecimento sobre os efeitos da modificação da paisagens campestres do sul do país sobretudo Pampa pelo avanço de culturas agrícolas. Outras pesquisas necessárias referem-se ao status de conservação e diferenças ecológicas entre as populações ocorrentes no Pampa e nos Campos de Cima da Serra. Biodiversidade Brasileira, 3(1), 240-247, 2013

246 Avaliação do Estado de Conservação dos Carnívoros Referências bibliográficas Bianchin, J.F. 2011. Mastofauna não-voadora do Parque Estadual do Espinilho, Barra do Quaraí, Rio Grande do Sul, Brasil. Revista da Graduação, 67 p. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/graduacao/article/ viewfile/8839/6191 acessado em 04/08/2012. Bressan, P.M.; Kierulff, M.C.M. & Sugieda, A.M. 2009. Fauna ameaçada de extinção no estado de São Paulo: Vertebrados. Fundação Parque Zoológico de São Paulo: Secretaria de Meio Ambiente. 648p. Cáceres, N.C. 2004. Occurrence of Conepatus chinga (Molina) (Mammalia, Carnivora, Mustelidae) and other terrestrial mammals in the Serra do Mar, Paraná, Brazil. Revista Brasileira de Zoologia, 21(3): 577-579. Carvalho, C.T. 1979. Mamíferos dos parques e reservas de São Paulo. Silvicultura, São Paulo, 13/14: 49-72. Cherem, J.J.; Ghizoni-Jr, I.R.; Kammers, M. & Martins, A. 2007. Mamíferos de médio e grande porte atropelados em rodovias do Estado de Santa Catarina, sul do Brasil. Biotemas, 20 (3): 81-96. Cherem, J.J.; Simões-Lopes, P.C.; Althoff, S. & Graipel, M.E. 2004. Lista dos Mamíferos do Estado de Santa Catarina, Sul do Brasil. Mastozoologia Neotropical, 11(2): 151-184. CRIA. 2011. Acessado através da rede specieslink, http://www.splink.org.br/, 16-10-2011. De Vivo, M. De & R. Gregorin. 2001. Mamíferos, p. 116-123. In: C. LEONEL (Ed.). Intervales. Fundação para a Conservação e a Produção Florestal do Estado de São Paulo, IX+240p. Dinerstein, E.; Olson, D.M.; Graham, D.J.; Webster, A.L.; Primm, S.A.; Bookbinder, M.P. & Ledec, G. 1995. A conservation assessment of the terrestrial ecoregions of Latin America and the Caribbean. The World Bank and World Wildlife Fund, Washington, DC, USA. Dragoo J.W. 2009. Family Mephitidae. p. 532-563 In: Wilson, D.E. & Mittermeier, R.A. (eds.). Handbook of the Mammals of the World, Volume 1: Carnivores. Lynx Edicions. 727p. Eisenberg, J. F. & Redford, K. H. 1999. Mammals of the neotropics: the central neotropics (Ecuador, Peru, Bolivia, Brazil). V. 3. The University of Chicago Press, 609 p. Emmons, L. & Feer, F. 1997. Neotropical rainforest mammals: a field guide. University of Chicago. 307p. Gruss, J. & Waller, T. 1989. Diagnóstico y recomendaciones sobre la administración de recursos silvestres en Argentina: la década reciente. In: Traffic Sud América (ed.). WWF, Buenos Aires, Argentina. Kasper, C.B., Fontoura-Rodrigues, M.L., Cavalcanti, G.N., Freitas, T.R.O., Rodrigues, F.H. G., Oliveira, T.G. & Eizirik, E. 2009. Recent advances in the knowledge of Molina s Hog-nosed Skunk Conepatus chinga and Striped Hog-nosed Skunk C. semistriatus in South America. Small Carnivore Conservation, 41: 25-28. Kasper, C.B.; Bastazini, V.A.G.; Soares, J.B.G. & Freitas, T.R.O. 2012a. Abundance of Conepatus chinga (Carnivora, Mephitidae) and other medium-sized mammals in grasslands of southern Brazil. Iheringia, Série Zoologia, 102(3): 303-310. Kasper, C.B.; Soares, J.B.G. & Freitas, T.R.O. 2012b. Differential patterns of home-range, net displacement and resting sites use of Conepatus chinga in southern Brazil. Mammalian Biology, 77: 358-362. Kasper, C.B.; Soares, J.B.G. & Freitas, T.R.O. 2012. Differential patterns of home-range, net displacement and resting sites use of Conepatus chinga in southern Brazil. Mammalian Biology, 77: 358-362. Marques, R.V.; Cademartori, C.V. & Pacheco, S.M. 2011. Mastofauna no Planalto das Araucárias, Rio Grande do Sul, Brasil.Revista Brasileira de Biociências, 9(3): 278-288. Mezquida, E.T. & Marone, L. 2000. Breeding biology of gray-crowned tyrannulet in the Monte Desert, Argentina. The Condor. The Cooper Ornithological Society. Novaro, A.J.; Funes, M.C. & Walker, R.S. 2000. Ecological extinction of native prey of a carnivore assemblage in Argentine Patagonia. Biological Conservation, 92: 25-33. Nowak, R.M. 1999. Walker s Mammals of the World. 6 a ed. v. 1 e 2. The John Hopkins Uniersity Press. Paraná. 2010. Instituto Ambiental dos Mamíferos Ameaçados no Paraná. SEMA/IAP. Reis, N.R.; Peracchi, A.L.; Pedro, W.A. & Lima, I.P. 2006. Mamíferos do Brasil. Nélio R. dos Reis, 437p. :il. Rodrigues, A.S.M. & Auricchio, P. 1994. Canídeos do Brasil. Coleção Terra Brasilis, Série Zoológica Zoo II, Mamíferos do Brasil. Rosa, A.O. & Mauhs, J. 2004. Atropelamento de animais silvestres na rodovia RS - 040. Caderno de Pesquisa, Série Biologia, 16(1): 35-42. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade

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