Plano Mundial de Ação sobre os Recursos Genéticos Animais da FAO: Um Estímulo à Conservação das Raças Localmente Adaptadas Arthur da Silva Mariante 1



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Transcrição:

Plano Mundial de Ação sobre os Recursos Genéticos Animais da FAO: Um Estímulo à Conservação das Raças Localmente Adaptadas Arthur da Silva Mariante 1 1 INTRODUÇÃO Dezenas de anos de seleção e de cruzamentos controlados, somados aos efeitos de um longo processo de seleção natural, geraram uma grande diversidade genética entre as populações pecuárias do mundo. Animais de alto rendimento submetidos a cruzamentos intensivos para fornecer produtos uniformes sob condições de manejo controladas coexistem com raças de uso múltiplo, mantidas por pequenos produtores rurais e pecuaristas, sobretudo em sistemas de produção com baixo nível de insumos externos. A gestão eficaz da diversidade genética animal é essencial para a segurança alimentar do mundo, para o desenvolvimento sustentável e para os meios de vida de centenas de milhões de pessoas. É preciso enfrentar com urgência a demanda por produtos de origem animal, que cresce rapidamente em muitas partes do mundo em desenvolvimento, bem como as doenças animais emergentes e as mudanças climáticas. Muitas raças têm características singulares ou combinações de características resistência a doenças, tolerância a extremos climáticos ou fornecimento de produtos especializados que poderiam ajudar a superar esses desafios. Contudo, não há dúvida de que há um processo de erosão da base desses recursos genéticos. E foi tentando frear esta erosão genética que, em setembro de 2007, a comunidade internacional aprovou o primeiro Plano Mundial de Ação sobre os Recursos Genéticos Animais (PMA-RGA), durante a Conferência Técnica Internacional sobre Recursos Genéticos Animais, realizada em Interlaken, Suíça. 2 SITUAÇÃO DAS RAÇAS EM RELAÇÃO AO RISCO DE EXTINÇÃO Em 1991, com o auxilio de várias organizações e de diversos países (entre os quais o Brasil), a FAO iniciou um levantamento, a nível mundial, sobre a situação das sete principais espécies de animais domésticos. Falando durante a Reunião da Sociedade Brasileira de Zootecnia realizada no Rio de Janeiro em 1993, Keith Hammond, especialista em recursos genéticos animais da FAO já alertava para o grande número de raças ameaçadas as de extinção em todo o mundo (Hammond, 1993). Dois anos mais tarde, ao publicar a primeira edição de sua Lista Mundial de Vigilância para a Diversidade de Animais Domésticos (FAO, 1995) a FAO comprovou aquela assertiva ao chegar à gravíssima conclusão de que taxa de desaparecimento das raças de animais domésticos em nível mundial, aproximava-se a uma por semana. Em 2001, a FAO (FAO, 2001) indicava a existência de cerca de 3.880 raças de 28 espécies de animais domésticos, sendo que desses, cerca de 30% estavam em vias de extinção. Dados recentes mostram que a Base de Dados Global de Recursos Genéticos Animais para a Alimentação e a Agricultura da FAO (DAD-IS) contém informações a respeito de um total de raças de animais de criação, ou seja, essa estimativa duplicou em relação à anterior, de 2001. Cerca de 20% das raças sobre as quais se dispõe de informações são classificadas como ameaçadas de extinção. Motivo de preocupação ainda maior é que, em nível mundial, tem se perdido quase uma raça por mês. Essas cifras apresentam uma imagem apenas parcial da erosão genética. Podem-se identificar várias ameaças à diversidade genética. A mais significativa provavelmente seja a marginalização de sistemas tradicionais de produção e das raças a eles associadas, motivada, sobretudo pela rápida expansão da produção pecuária intensiva, muitas vezes feita em grande escala e utilizando um pequeno número de raças. A produção mundial de carne, leite e ovos baseia-se cada vez mais em um número limitado de raças de alto rendimento as que são mais utilizadas em sistemas de produção industrial. O processo de intensificação foi ocasionado pelo aumento da demanda por produtos de origem animal, e facilitado pela desenvoltura com que material genético, tecnologias de produção e insumos hoje podem circular pelo mundo. A intensificação e a industrialização contribuíram para elevar o rendimento da produção animal e para alimentar a crescente população humana. Contudo, é preciso traçar políticas 1 Pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Brasilia, DF; Bolsista do CNPq; Coordenador Regional de Recursos Zoogenéticos para a América Latina e o Caribe, junto à FAO. E-mail: arthur.mariante@embrapa.br

destinadas a minimizar a perda potencial dos bens públicos mundiais incorporados à diversidade dos recursos genéticos animais. Segundo a FAO (2007a) é preciso considerar a possibilidade de tomar medidas de conservação da raça quando a evolução dos sistemas de produção animal ameaçar o atual uso de recursos genéticos potencialmente valiosos, ou quando for necessária uma salvaguarda contra perdas súbitas catastróficas. Entre as opções para a conservação in vivo estão as propriedades dedicadas exclusivamente à conservação ou medidas de apoio aos que mantêm raças ameaçadas em seus ambientes de produção. A conservação ex situ in vitro de material genético em nitrogênio líquido, ou criopreservação, pode constituir um complemento valioso às abordagens in vivo. É um grande desafio implantar estratégias apropriadas aos sistemas de produção de baixo nível de insumos externos encontrados no mundo em desenvolvimento. Os pequenos proprietários são, de uma maneira geral, os guardiões de boa parte da biodiversidade animal do mundo. Sua capacidade de continuar a cumprir essa função pode precisar de apoio por exemplo, assegurando-lhes acesso suficiente a pastagens. Ao mesmo tempo, é essencial que as medidas de conservação não cerceiem o desenvolvimento dos sistemas de produção nem limitem oportunidades relativas aos meios de vida. Um número reduzido de programas de conservação e melhoramento baseados em comunidades locais já começaram a tratar dessas questões. Ainda segundo aquele Organismo Internacional, os diferentes países e regiões do mundo são interdependentes na utilização dos recursos genéticos animais. Este fato decorre com clareza de evidências relativas a fluxos históricos de genes e padrões atuais da distribuição dos animais. No futuro, os recursos genéticos de qualquer parte do mundo poderão ser vitais para melhoristas e pecuaristas de outras regiões. É fundamental que países em desenvolvimento sejam orientados na caracterização, conservação e utilização de suas próprias raças. Para que haja uso sustentável e desenvolvimento dos recursos genéticos animais, é essencial que produtores rurais, pecuaristas, melhoristas e pesquisadores tenham um amplo acesso a esses recursos. É preciso implantar, nos níveis nacional e internacional, estruturas que propiciem o amplo acesso aos recursos genéticos animais. No desenvolvimento dessas estruturas, é importante levar em conta as características distintivas da biodiversidade agropecuária que foi criada, em grande parte, pela intervenção humana e precisa de um manejo contínuo e ativo. A cooperação internacional e a melhor integração da gestão dos recursos genéticos animais em todos os aspectos do desenvolvimento da pecuária ajudarão a garantir que a riqueza da biodiversidade animal do mundo possa ser usada e desenvolvida, de maneira apropriada, para a alimentação e a agricultura, para que dela possam dispor as futuras gerações. Com a finalidade de uma avaliação mais acurada das informações contidas no DAD-IS, e no documento denominado Situação Mundial dos Recursos Genéticos Animais para a Alimentação e a Agricultura (FAO, 2007a), a FAO desenvolveu um novo sistema de classificação de raças em duas categorias: Locais ou Transfronteiriças. Nesse novo sistema de classificação de raças, a distinção principal se faz entre as raças que só ocorrem em um país, chamadas de raças Locais,, e as que ocorrem em mais de um país, chamadas de raças Transfronteiriças. Dentro da categoria Transfronteiriças, foi introduzida mais uma classificação: raças Transfronteiriças Regionais raças que ocorrem em mais de um país dentro de uma única região, e raças Transfronteiriças Internacionais as que ocorrem em mais de uma região do globo. Nesse contexto, a conservação e o melhoramento de raças consideradas locais justificam-se, atualmente, tanto como animais puros ou utilizados em cruzamentos. É necessário que se defina o ambiente em que estas raças são mais produtivas do que as raças exóticas melhoradas, criando-se assim interesse por parte dos criadores, ao perceberem que podem contar com algum retorno financeiro. A conservação dessas raças está intimamente ligada à sua utilização. Desta forma, a parceria com criadores é fundamental para o sucesso de sua manutenção. Assegurando a sobrevivência dessas raças, estaremos emos permitindo que, no futuro, as mesmas possam vir a constituir fonte de material genético capaz de melhorar a resistência de outras raças a condições desfavoráveis do ambiente de criação. Nos últimos anos, foi constatado que não se pode separar a preservação da utilização dos recursos genéticos animais. Houve uma conscientização sobre a importância as raças de animais domésticos para a biodiversidade mundial, devido aos genes e combinações gênicas que estas possuem e que poderão vir a ser extremamente úteis na produção animal. O progresso e o desenvolvimento futuro da pecuária para atender as demandas da população dependem da variabilidade genética existente entre e dentro das raças e populações, sendo que a presença e a frequência das formas alélicas são a base da variação genotípica. Do total de 7.616 raças mencionadas anteriormente, 1.491 raças, ou cerca de 20% do total são classificadas como em situação de risco. Segundo a FAO, a cifra verdadeira deve ser ainda mais elevada, tendo em vista que não existem dados populacionais disponíveis para 36% das raças incluídas no DAD-IS.

As regiões com mais elevadas proporções de raças classificadas como em situação de risco são a Europa e o Cáucaso (28% das raças de mamíferos e 49% das raças de aves) e a América do Norte (20% das raças de mamíferos e 79% das raças de aves). Essas duas regiões têm uma produção animal altamente especializada, dominada por um pequeno número de raças. Em termos absolutos, a região Europa e Cáucaso tem, de longe, o maior número de raças em situação de risco. Apesar do aparente predomínio dessas duas regiões, a situação de risco pode ser maior ou outras regiões, devido ao alto número de raças cuja situação relativa a risco é desconhecida. Na América Latina e no Caribe, por exemplo, 68% e 81% das raças de mamíferos e de aves, respectivamente, são classificadas como estando em situação desconhecida em relação a risco. Para a África, as cifras são de 59% no caso dos mamíferos e 60% no das aves. Essa falta de dados é uma limitação grave à priorização e planejamento eficazes das medidas de conservação de raças. 3 PRIORIDADES ESTRATÉGICAS PARA A AÇÃO Com a participação de representantes de 109 países, em setembro de 2007 a comunidade internacional aprovou o primeiro Plano Mundial de Ação sobre os Recursos Genéticos Animais (PMA-RGA) (FAO, 2007b), fundamentado por 23 Prioridades Estratégicas para a Ação, organizadas nas quatro Áreas Estratégicas Prioritárias apresentadas a seguir, e que têm como finalidades combater a erosão da diversidade genética, através de uma utilização sustentável dos recursos genéticos animais. 3.1. Área Estratégica Prioritária I: Caracterização, Inventário e Monitoramento de Tendências e Riscos Associados - Esta área consiste em ações que proporcionam uma abordagem coerente, eficiente e eficaz da classificação dos recursos genéticos animais, e uma avaliação de suas tendências e riscos. 3.2. Área Estratégica Prioritária II: Uso Sustentável e Desenvolvimento - Esta área consiste em ações destinadas a assegurar a sustentabilidade em sistemas de produção, concentrando-se na segurança alimentar e no desenvolvimento rural. 3.3. Área Estratégica Prioritária III: Conservação - Esta terceira área estratégica prioritária visa ações voltadas para a preservação da diversidade idade e da integridade genética, em benefício das gerações presentes e futuras. 3.4. Área Estratégica Prioritária IV: Políticas, Instituições e Capacitação - A última área estratégica prioritária consiste de ações diretamente voltadas para as questões-chave relativas à implantação prática, por meio do desenvolvimento coerente e sinérgico das instituições e capacidades necessárias à realização dos trabalhos mencionados nas áreas estratégicas prioritárias 1, 2 e 3. As 23 Prioridades Estratégicas, distribuídas nas quatro áreas Estratégicas Prioritárias e organizadas de acordo com sua utilização (nacional, regional ou internacional) estão apresentadas na Tabela 1. 4 CONSERVAÇÃO E USO DE RECURSOS GENÉTICOS ANIMAIS NO BRASIL As diferentes espécies de animais domésticos foram pouco a pouco sendo introduzidas no Brasil, em sucessivas viagens dos colonizadores. Poucas espécies animais eram criadas pelos indígenas. E a falta de animais, considerados domésticos pelos europeus, não passou despercebida pelo escrivão Pero Vaz de Caminha, que assim se referiu ao assunto, na primeira carta enviada ao rei de Portugal, ainda em abril do ano de 1.500, logo após o descobrimento do Brasil: O povo desta terra não lavra, nem cria, nem aqui há boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens; nem comem senão desse inhame que aqui há muito e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si lançam; e com isso andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. Passados cinco séculos, o Brasil possui hoje diversas raças de animais domésticos que se desenvolveram a partir de uma miscigenação das raças trazidas pelos colonizadores. Durante esse período, estas raças foram submetidas à seleção natural em determinados ambientes, a ponto de apresentarem características específicas de adaptação a tais condições. Estas raças aqui desenvolvidas passaram a ser conhecidas como Crioulas, Locais ou Naturalizadas, mas a

partir do ano de 2012 passaram a ser conhecidas como raças Localmente Adaptadas, já que em sua 14ª Reunião Ordinária, a Comissão de Recursos Genéticos para a Alimentação e a Agricultura ra da FAO aprovou essa nova denominação. As raças localmente adaptadas são formadas por animais reconhecidamente domesticados que já estão a um longo período sob a ação da seleção natural em determinados ambientes. No caso específico do Brasil, os 500 anos de seleção natural a que os grupamentos animais, principalmente de origem portuguesa, estiveram submetidos fez com que as mais diversas raças bovinas, ovinas, equinas, caprinas, asininas e suínas trazidas ocupassem novos nichos ecológicos, desenvolvendo características únicas de tolerância a estresses climáticos, resistência a doenças e ectoparasitas. Entretanto, nos dois últimos séculos, raças exóticas passaram a ser importadas em grande escala e, principalmente através de cruzamentos absorventes, essas raças foram substituindo as raças localmente adaptadas, levando-as a uma situação de quase extinção. No caso específico dos bovinos, importações iniciadas no século XIX, priorizaram raças comerciais selecionadas em regiões de clima temperado, entre as quais, destacavam-se as raças britânicas, que tiveram uma excelente adaptação à região sul do país. Através de cruzamentos absorventes, estas raças, então consideradas exóticas, foram gradualmente substituindo as raças localmente adaptadas brasileiras. Uma nova leva de importa ções iniciou algumas décadas mais tarde, quando passaram a ser trazidas da Índia as raças zebuínas hoje responsáveis por grande parte da carne bovina produzida no país, a partir da latitude onde inicia o estado de São Paulo, seja como animais puros ou como animais cruzados. Como o o ocorrido com as raças britânicas na região sul do país, os animais de raças zebuínas introduzidos no Brasil Central foram utilizados em cruzamentos absorventes com os animais de raças localmente adaptadas, ocasionando mais uma vez uma drástica redução no efetivo populacional dessas últimas, fazendo com que a maioria delas esteja hoje sob séria ameaça de extinção.a expansão das raças zebuínas no Brasil é uma realidade incontestável, pois atualmente, cerca de 80% da população bovina brasileira é formada por gado zebuíno ou por cruzamentos deste com o gado crioulo e com diversas raças taurinas, conhecidas como continentais, de introdução mais recente.

Tabela 1 - Prioridades Estratégicas do Plano de Ação Mundial sobre os Recursos Genéticos Animais da FAO, distribuídas nas quatro Áreas Estratégicas Prioritárias Plano de Ação Mundial sobre os Recursos Zoogenéticos Prioridade Estratégica Área I Caracterização, Inventário e Monitoramento de Tendências e Riscos Associados Prioridade Estratégica Área II Utilização Sustentável e Desenvolvimento Prioridade Estratégica Área III Conservação Prioridade Estratégica Área IV Políticas, Instituições e Capacitação Nacional PE 1 - Inventário e caracterização de Recursos Zoogenéticos (RZ), monitoramento de tendências e criação de sistemas de alerta e resposta precoce com base nacional PE 3 - Estabelecer e fortalecer políticas nacionais de utilização sustentável PE 4 - Estabelecer estratégias e programas de desenvolvimento de espécies e raças nacionais PE 5 - Promover abordagens agroecossistêmicas no manejo dos RZ PE 6 - Apoiar os sistemas de produção indígenas e locais, bem como sistemas de conhecimento tradicional associados importantes para a manutenção e a utilização sustentável dos RZ PE 7 - Estabelecer políticas nacionais de conservação PE 8 - Criar ou fortalecer os programas de conservação in situ PE 9 - Criar ou fortalecer os programas de conservação ex situ PE 12 - Criar ou fortalecer instituições nacionais, incluídos os PFNs, para planejar e aplicar medidas sobre RZ para o desenvolvimento do setor pecuário PE 13 - Criar ou fortalecer as estruturas nacionais de ensino e pesquisa PE14 - Fortalecer a capacitação nacional para caracterização, inventário e monitoramento das tendências, para utilização sustentável, desenvolvimento e conservação PE18 - Incrementar a conscientização nacional sobre as funções e os valores dos RZ PE 20 - Elaborar políticas nacionais e arcabouços legais relativos aos RZ Regional PE 10 Elaborar estratégias e normas de conservação regionais/ mundiais de longo prazo PE 17 - Criar Pontos Focais Regionais e fortalecer as redes internacionais Internacional PE 2 - Desenvolver protocolos internacionais para a caracterização, o inventário e o monitoramento das tendências e riscos associados PE 11 - Elaborar abordagens e normas padronizadas para a conservação PE 15 - Estabelecer ou intensificar o compartilhamento das informações, da pesquisa e do ensino no plano internacional PE 16 - Fortalecer a cooperação internacional voltada para a capacitação em RZ PE 19 - Incrementar a conscientização regional e internacional, sobre as funções e os valores dos RZ PE 21 - Elaborar políticas internacionais e arcabouços legais relativos aos RZ PE 22 - Alinhar as atividades da Comissão no que diz respeito aos RZ com outros foros internacionais PE 23 - Fortalecer os esforços de mobilização de recursos, inclusive financeiros visando aos RZ

4.1 Iniciativas de Conservação de Raças Localmente Adaptadas no Brasil Várias iniciativas têm sido tomadas para evitar o desaparecimento das raças localmente adaptadas brasileiras. 4.1.1 Conservação da Raça Caracu Entre as iniciativas para evitar o desaparecimento de raças localmente adaptadas, destaca-se a conservação do gado Caracu. Este foi um trabalho pioneiro, que foi desenvolvido pelo Instituto de Zootecnia de São Paulo - IZSP, em sua Estação Experimental de Sertãozinho. Aquele Instituto já vinha realizando a conservação da raça Caracu, quando passou a sediar Provas de Ganho de Peso, para animais de raças zebuínas. Em um determinado ano, o IZSP decidiu incluir alguns animais da raça Caracu na Prova de Ganho de Peso e, para surpresa geral, animais dessa raça, que há algum tempo vinha sendo negligenciada por criadores, foram os vencedores. A essa surpresa seguiu-se uma corrida às Centrais de Inseminação para aquisição de sêmen de Caracu. Como as centrais não dispunham desse material genético, formaram-se listas de espera de criadores interessados na aquisição de sêmen. Hoje, graças a esse trabalho pioneiro do IZSP, o Caracu além de não estar mais ameaçado de extinção, conta com uma atuante Associação de Criadores e uma população estimada em mais de 65.000 cabeças. Os animais vem sendo criados tanto puros como em cruzamentos com raças zebuínas, ou até mesmo com raças comerciais de origem europeia. 4.1.2 Rede de Recursos Genéticos Animais da Embrapa Outra iniciativa foi tomada pela Embrapa no ano de 1983 para evitar a perda deste importante e insubstituível material genético. Naquela oportunidade, decidiu incluir em seu Programa de Pesquisa em Recursos Genéticos, que até então contemplava apenas espécies vegetais, as raças localmente adaptadas, ameaçadas de extinção. Na Rede de Recursos Genéticos Animais, que faz parte da Plataforma Nacional de Recursos Genéticos, a conservação dos recursos genéticos animais é realizada por diversos Centros de Pesquisa da Embrapa, Universidades, Empresas Estaduais de Pesquisa, assim como por produtores privados, através de (a) Núcleos de Conservação, mantidos nos habitats onde os animais estiveram submetidos à seleção natural (in situ), e (b) do armazenamento de sêmen, de embriões e de ovócitos em Bancos de Germoplasma (ex situ in vitro), exatamente como preconizado pela FAO. Os animais dos Núcleos de Conservação têm servido como doadores do Banco de Germoplasma Animal (BGA), responsável pelo armazenamento de sêmen e de embriões. Mais tarde, ao sêmen e embriões somou-se se o armazenamento de DNA, hemácias, plasma e tecidos, pelos e fibroblastos. As amostras de DNA têm sido utilizadas em trabalhos de caracterização genética, de forma a se dispor das informações necessárias sobre cada uma das raças/espécies que estão sendo conservadas, colocando-as à disposição de pesquisadores das áreas de melhoramento animal e de biologia molecular. Essa caracterização genética poderá auxiliar no desenvolvimento e acompanhamento racional de programas de melhoramento animal, bem como na conservação das raças localmente adaptadas. As características únicas que as raças localmente adaptadas desenvolveram a partir do longo processo de seleção natural a que estiveram submetidas, tornaram-nas nas adaptadas aos ambientes tropicais. Acredita-se, portanto, que o que permitiu sua sobrevivência em algumas regiões tropicais extremas foi o pool gênico resultante desta seleção natural. Não há dúvida de que os ganhos em eficiência econômica, que poderão resultar da utilização deste material genético, certamente superarão os custos necessários à sua conservação. Pela criopreservação de sêmen e embriões poder-se-á no futuro resgatar populações que por algum motivo possam ter se extinguido e que tenham importantes características para a pecuária nacional. Nestas coleções poder-se-á buscar a variabilidade necessária e características de adaptabilidade às intempéries da natureza que visem aumentar a produção ou acrescentar genes de interesse econômico às raças comerciais. No âmbito da Rede de Recursos Genéticos Animais da Embrapa, a conservação In situ é realizada em Núcleos de Conservação, que foram implantados nas regiões onde se desenvolveram as raças localmente adaptadas. Esses Núcleos são fundamentais, pois permitem que um manejo mais rigoroso seja empregado, visando uma diminuição significativa da endogamia dentro e entre os rebanhos. A endogamia é, atualmente, extremamente preocupante pelo pequeno número efetivo nos rebanhos de conservação. Esta situação vem preocupando inclusive os criadores de raças consideradas comerciais, tanto pelo uso abusivo de sêmen de poucos reprodutores, como pela utilização maciça de técnicas biotecnológicas, como inseminação artificial e transferência de embriões, que aumentam a homogeneidade dos rebanhos, em razão da redução da variabilidade genética. Este fato acarreta na fixação prematura de várias características que

poderiam vir a ser importantes no futuro. As atividades de Conservação In Situ e Ex Situ,, bem como a Caraterização Genética estão em linha com as Áreas Estratégicas Prioritárias I, II e III do Plano de Ação Mundial sobre os Recursos Genéticos Animais da FAO. Atualmente existem vários Centros de Pesquisa da Embrapa, Universidades, Empresas Estaduais de Pesquisa, e criadores que mantém vários rebanhos das principais raças localmente adaptadas de animais domésticos do Brasil. Na Tabela 2 estão listados os principais Núcleos de Conservação ativos. A finalidade de uma coleção in situ tem importância diretamente reconhecida quando se trata de animais em risco de extinção. Dessa maneira, grande parte dos rebanhos contidos nessa plataforma é formada por raças ameaçadas de extinção com efetivos populacionais baixos. A manutenção dos rebanhos ameaçados é estratégica tanto no sentido básico de preservar os animais para servir como futuros doadores em programas de reintrodução como no sentido aplicado porque permite a execução de pesquisas nas mais variadas áreas da zootecnia e biologia como nutrição, genética, saúde animal, reprodução e pastagens. Tal agregação de conhecimento é extremamente desejável em razão do baixíssimo conhecimento acerca da biologia e potencial econômico dessas raças. Tabela 2. Núcleos de Conservação de raças localmente adaptadas brasileiras Núcleo de Conservação Asinino Paulista Bovino Crioulo Lageano Bovino Pantaneiro Bovino Curraleiro-Pé Duro Bubalino Tipo Baio Bubalino Carabao Caprino Azul Caprino Marota Caprino Moxotó Caprino Canindé Equino Baixadeiro Equino Campeiro Equino Marajoara Equino Pantaneiro Equino Puruca Ovino Barriga Negra Ovino Bergamácia Ovino Crioulo Lanado Ovino Santa Inês Ovino Somalis Brasileiro Ovino Morada Nova Suíno Moura Estado da Federação SP SC MS PI PA PA PI PI CE CE MA SC PA MS PA RR DF RS SE CE CE SC Instituição Instituto de Zootecnia de São Paulo Associação de Criadores Embrapa Pantanal Embrapa Meio Norte Embrapa Amazônia Oriental Embrapa Amazônia Oriental Embrapa Meio Norte Embrapa Meio Norte Embrapa Caprinos e Ovinos Embrapa Caprinos e Ovinos Universidade Estadual Maranhão Associação de Criadores Embrapa Amazônia Oriental Embrapa Pantanal Embrapa Amazônia Oriental Embrapa Roraima Universidade de Brasília Embrapa Pecuária Sul Embrapa Tabuleiros Costeiros Embrapa Caprinos e Ovinos Embrapa Caprinos e Ovinos Embrapa Suínos e Aves Alguns estudos têm confirmado que essas raças apresentam características únicas como rusticidade, prolificidade e habilidade para sobreviver em condições de estresse hídrico e alimentar em comparação as raças comerciais (Amarante et al., 2004; Bricarello et al., 2004). A importância social e até mesmo econômica é visível nessas raças. Como um exemplo, podemos citar o Gado Crioulo Lageano, criado no Planalto Catarinense, conhecida como a região mais fria do País. Essa raça assume uma enorme importância por resistir a longos períodos com temperaturas próximas ou até mesmo inferiores a 0 C comuns naquela região do Brasil, onde outras raças de bovinos não conseguem adaptar-se. A conservação e a manutenção dos rebanhos das raças localmente adaptadas são extremamente importantes para o futuro da biotecnologia na pecuária moderna, de maneira que esses rebanhos constituem grandes acervos de variabilidade genética que podem ser usados em inúmeros estudos de buscas de genes de interesse econômico e/ou ligados à

resistência a doenças e parasitas. Uma vez obtida essa variabilidade diferencial, genes ou combinações alélicas podem ser transferidas para rebanhos comerciais tanto por vias de cruzamento como pelas modernas técnicas de biotecnologia como, por exemplo, pelas técnicas de transgenia e clonagem. Visando à caracterização das raças localmente adaptadas envolvidas no programa de conservação e recursos genéticos animais, desde o início a equipe do Laboratório de Genética Animal (LGA) do Cenargen preocupou-se em formar um banco de amostras onde estão sendo armazenados o DNA extraído, hemácias e soro para trabalhos de caracterização genética. A ênfase inicial foi dada a raças de animais domésticos que se encontram em perigo de extinção e que já estavam envolvidos no Programa de Conservação de Recursos Genéticos Animais da Embrapa. De uma maneira geral, as amostras que fazem parte desse Banco de DNA foram obtidas em viagens de coleta realizadas pelos membros da equipe ou pelo envio de material biológico pelos responsáveis pelos Núcleos de Conservação de Recursos Genéticos Animais da Embrapa, ou até mesmo por criadores de Núcleos de Conservação Associados. Todas as amostras armazenadas possuem um código específico e estão cadastradas em um Banco de Dados, separado por espécie e raça, onde dentro de cada raça constam informações a respeito de cada animal coletado, como genealogia, sexo, descendência, data de nascimento, local de origem do animal e coleta do material, localização das amostras no Banco e outras informações pertinentes àquele indivíduo e ao processamento da amostra. Após a extração do DNA com protocolo pré-estabelecido no LGA, o mesmo é quantificado e tem sua qualidade e integridade conferida. Cada amostra extraída é subdividida em duas, sendo uma utilizada nos trabalhos de caracterização/genotipagem das populações no laboratório e a outra armazenada a -80 C (Banco de DNA). Todo animal coletado recebe um código e é catalogado em um banco de dados no qual estão registradas informações do indivíduo. Em julho de 2015, o Banco de DNA é constituído por nove espécies animais, entre as quais estão incluídos 63 grupos genéticos/raças, que contribuíram com um total de 11.850 amostras. É importante ressaltar que além do DNA de cada indivíduo amostrado existem, estocadas nesta coleção, amostras de hemácias e de plasma. O potencial contido num Banco de amostras biológicas, como o existente no LGA, é indiscutível quando se leva em consideração a possibilidade de analisar, com diferentes marcadores e técnicas, amostras que estão conservadas há vários anos. As amostras de DNA armazenadas em Bancos têm demonstrado sua utilidade na caracterização de populações de animais domésticos uma vez que dados obtidos a partir de marcadores moleculares estão sendo cada vez mais utilizados como uma ferramenta para auxiliar a conservação de raças e espécies em extinção, bem como para auxiliar trabalhos envolvendo a busca de marcadores moleculares es que possam estar associados a características de interesse econômico. O desenvolvimento e o refinamento de técnicas de biologia molecular corroboram para a formação/manutenção de Bancos de DNA, uma vez que amostras dos mesmos animais podem ser re-analisadas com técnicas cada vez mais sofisticadas. 4.1.3 Capacitação Nos últimos anos, várias Universidades passaram a incluir disciplinas relacionadas à caracterização, à conservação e à utilização sustentável dos recursos genéticos, o que por si só já demonstra o reconhecimento da importância das raças localmente adaptadas brasileiras. Inúmeras dissertações e teses de doutorado têm sido elaboradas, o que faz com que cada vez se tenha mais informações sobre essas raças. Uma linha de pesquisa extremamente importante para a conservação ex situ é a reprodução animal, uma vez que as raças localmente adaptadas não respondem da mesma forma que as raças comerciais ao congelamento de seu material genético bem como aos protocolos de superovulação. A capacitação está em linha com a Área Estratégica Prioritária IV do Plano de Ação Mundial sobre os Recursos Genéticos Animais da FAO. 5 INFORMATIZAÇÃO DOS RECURSOS GENÉTICOS ANIMAIS BRASILEIROS Em julho de 2014 a Embrapa em conjunto com os Estados Unidos (Agricultural Research Service ARS) e o Canadá completou o desenvolvimento do Sistema de Informações de Recursos Genéticos Animais, conhecido como Alelo Animal. Seu desenvolvimento foi o produto da parceria entre as empresas governamentais de pesquisa agropecuária dos dois países, e tem como objetivo fazer a gestão das informações produzidas pelas atividades de conservação de recursos genéticos animais nesses dois países. Após sua validação, que ocorreu em Brasília, em agosto de 2014, com a participação de todos os curadores de recursos genéticos animais da Embrapa, o Alelo Animal disponibilizará informações dos recursos genéticos animais

produzidas pela empresa para uma base de dados internacional dos dois países. Esta disponibilização ocorrerá com os devidos filtros, respeitando a legislação Brasileira e a propriedade intelectual. O Sistema é baseado em uma Base de Dados centralizada, alimentada de forma descentralizada pelas equipes de curadoria de germoplasma animal, por meio de uso de senhas e perfis de usuários. Também serão disponibilizadas consultas públicas pelo site da Embrapa. Essa Base de Dados conterá informações sobre o cadastro de animais, taxonomia animal, intercâmbio de material, inventário do material conservado, descritores de ambiente, fenotípicos, genotípicos e moleculares, pedigree e imagens. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Espera-se se que sob a orientação da FAO, os países que contam com recursos genéticos animais com características únicas consigam desenvolver os trabalhos preconizados no Plano de Ação Mundial sobre os Recursos Genéticos Animais, afastando-os cada vez mais da ameaça de extinção. No entanto, apesar dos esforços empenhados pelos governos nacionais e pelos organismos internacionais na conscientização da sociedade, fica evidente que os recursos financeiros destinados à implantação do Plano de Ação Mundial sobre os Recursos Genéticos Animais pela maioria dos países em desenvolvimento são insuficientes. Desta forma, a mobilização de recursos financeiros com esta finalidade é fundamental para que este Plano de Ação seja implantado de forma eficaz em países em desenvolvimento que detém a maioria das raças localmente adaptadas. Parcerias bilaterais, regionais ou mesmo internacionais podem ter uma papel importante nesta implantação. No Brasil, espera-se se que as raças localmente adaptadas, hoje ameaçadas de extinção, possam ser utilizadas como fonte de genes importantes nos programas de melhoramento animal. Que características econômicas importantes como rusticidade, adaptabilidade à determinadas condições ambientais, resistência a enfermidades e outras, possam ser descobertas, estudadas, salvaguardadas e, acima de tudo, utilizadas em benefício da sociedade. A utilização dos recursos genéticos animais é fundamental para sua manutenção, pois não existe conservação sem utilização! Para os pesquisadores brasileiros trabalhando na conservação e uso dos recursos genéticos animais, foi extremamente gratificante verificar que haviam sido pró-ativos, pois seu trabalho, iniciado na década de 80, já contemplava as quatro Áreas Estratégicas Prioritárias incluídas no Plano Mundial, adotado pela comunidade internacional, por ocasião da Conferência técnica Internacional sobre Recursos Genéticos Animais, realizada em Interlaken Suíça, em setembro de 2007. 7 REFERÊNCIAS AMARANTE, A. F. T.; BRICARELLO, P. A.; ROCHA, R. A. et al. Resistance of Santa Inês, Suffolk and Ile de France lambs to naturally acquired gastrointestinal nematode infections. Veterinary Parasitology,, 120:91-106. 2004. BRICARELLO, P. A.; GENNARI, S. M.; OLIVEIRA-SEQUEIRA, T. C. G. et al. Worm burden and immunological responses in Corriedale and Crioula Lanada sheep following natural infection with Haemonchus contortus. Small Ruminant Research, 51:75-83. 2004. FAO. In: DAD-IS 2. Domestic Animal Diversity Information System. Rome, Italy: Food and Agriculture Organization of the United Nations. Net. Disponível em http://dad.fao.org. 2001. FAO. The State of the World s Animal Genetic Resources for Food and Agriculture, edited by Barbara Rischkowsky & Dafydd Pilling, Rome, Italy, 2007a. 509p. FAO. Global Plan of Action for Animal Genetic Resources and the Interlaken Declaration. Rome, Italy. 2007b. 47p. HAMMOND, K. The status and Conservation of Animal Genetic Resources. In: Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Zootecnia, 30. Anais... Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 1993.