RECOMENDAÇÃO EXPEDIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS A RESPEITO DA ILEGALIDADE DA IMPLANTAÇÃO DE CHÁCARAS E SÍTIOS DE RECREIO NA ZONA RURAL Santo Antônio do Descoberto 26, de agosto de 2013. A Sua Excelência o Senhor Itamar Lemos do Prado Prefeito do Município de Santo Antônio do Descoberto/Goiás Assunto: Ilegalidade da implantação de chácaras e sítios de recreio na zona rural, alertando especificamente sobre o grande crescimento de ofertas de Lotes às margens do Lago Corumbá IV. Excelentíssimo Senhor Prefeito, O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, no cumprimento de suas funções institucionais de que tratam os artigos 127 e 129, incisos II e III, da Constituição Federal, e com fundamento no art. 6º, XX, da Lei Complementar nº 75/93, artigo 80 da Lei nº 8.625/93 (LONMP), e art. 47, VII, da Lei Complementar Estadual nº 25/98 (LOEMP), e CONSIDERANDO que cabe ao Ministério Público a efetiva defesa do meio
ambiente, consoante o disposto, dentre outros, no art. 129, inciso III, da Constituição Federal e no art. 25, IV, b, da Lei n.º 8.625/93; CONSIDERANDO que o art. 225 da Constituição Federal estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações; CONSIDERANDO que o art. 3º, caput, da Lei Federal nº 6.766/79, dispõe o seguinte: Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. CONSIDERANDO que a doutrina tem se firmado no sentido de que chácaras e sítios de recreio têm finalidades urbanísticas: "'Ao dispor o caput do art. 3º da Lei 6.766/79 que: 'Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal', afastada está qualquer possibilidade de se instalar um loteamento, ou desmembramento, destinado a chácaras ou sítios de recreio na zona rural'" 1 O parcelamento do solo para fins urbanos, segundo a sistemática da Lei federal n. 6.766/79, só pode ser concretizado nas zonas urbanas ou de expansão urbana. Na zona rural, dada a luminar clareza desse dispositivo, nenhum terreno pode ser loteado ou desmembrado para fins urbanos, ou seja, para a implantação de novo núcleo residencial, comercial, industrial ou de lazer. Diógenes Gasparini2;
CONSIDERANDO que a jurisprudência também tem se firmado no sentido da finalidade urbanística desempenhada pelas chácaras e sítios de recreio: APELAÇÃO CÍVEL. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. SENTENÇA CITRA PETITA. ALEGAÇÃO AFASTADA. PARCELAMENTO IRREGULAR DE IMÓVEL 1 Algumas anotações sobre as chácaras ou sítios de recreio. Boletim do interior, Fundação Prefeito Faria Lima - CEPAM, Secretaria do Interior do Governo do Estado de São Paulo, nº 106, maio/82, apud FRANCO, Alberto Silva et alii. Leis penais especiais e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais: 2001, v. II, p. 2617/2618. 2. O Município e o Parcelamento do Solo", 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1988, pág. 25 LOCALIZADO EM ZONA RURAL PARA FINS NITIDAMENTE URBANOS. FORMAÇÃO DE FALSOS CONDOMÍNIOS. EXISTÊNCIA DE REGISTROS ANTERIORES. IRRELEVÂNCIA. 1 - NÃO HA FALAR-SE EM SENTENÇA CITRA PETITA, QUANDO O JUIZ SOLUCIONA A QUESTÃO COLOCADA EM DISCUSSÃO. 2 - A VENDA DE FRAÇÕES IDEAIS DE IMÓVEL LOCALIZADO EM ZONA RURAL, QUANDO RESULTAR EM METRAGEM INFERIOR AO MÓDULO MÍNIMO, IMPEDE SUA UTILIZAÇÃO PARA FIM RURÍCOLA, TORNANDO EVIDENTE A DESTINAÇÃO URBANA DADA AO MESMO E A FORMAÇÃO DE FALSOS CONDOMÍNIOS. FRISE-SE, AINDA QUE O PARCELAMENTO PARA FINS URBANOS EM ZONA RURAL ENCONTRA ÓBICE NA LEI NÚMERO 6.766/79, QUE SOMENTE O ADMITE EM ZONAS URBANAS OU DE EXPANSAO URBANA, ASSIM DEFINIDAS POR LEI MUNICIPAL (ART. TERCEIRO). 3 - O FATO DE JA TEREM SIDO REGISTRADAS OUTRAS ALIENAÇÕES DE FRAÇÕES IDEAIS EM DESRESPEITO AO LIMITE MÍNIMO ESTABELECIDO PARA FINS DE PARCELAMENTO RURAL, NÃO AUTORIZA A CONTINUIDADE DO REGISTRO IMOBILIÁRIO MACULADO DE IRREGULARIDADES. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E IMPROVIDA. (TJGO. 1º Câmara Cível.
Relator: Des. Leobino Valente Chaves. Fonte: DJ 13757 de 11/04/2002) (grifos nosso) TRIBUTÁRIO. IPTU - MUNICÍPIO DE RIBEIRÃO PRETO. SÍTIO RECREIO. 1. Incide o IPTU sobre imóvel considerado "sítio recreio" situado em zona de expansão urbana do município, cujo reconhecimento de tal situação ocorre em lei municipal. 2. Acórdão que, com base nos fatos locais examinados e em lei municipal, entende incidir IPTU sobre "sítio recreio", por inexistir, no mesmo, qualquer produção agrícola com fins comerciais. 3. Interpretação feita de modo adequado do art. 32, do CTN. 4. Em sede de recurso especial não se examina apontada afronta ao art. 150, II, da CF, por tal apenas ser possível se agitar no seio do recurso extraordinário. 5. Recurso parcialmente conhecido, porém, improvido (Processo Resp 180533/SP. RECURSO ESPECIAL 1998/0048566-0. Relator(a) Ministro JOSÉ DELGADO (1105). Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA. Data do Julgamento 15/10/1998. Data da Publicação/Fonte DJ 01/03/1999 p. 243 LEXSTJ vol. 119 p. 224. RSTJ vol. 122 p. 85) CONSIDERANDO, então, que as chácaras e sítios de recreio devem estar situadas na zona urbana, de expansão urbana ou de urbanização específica; CONSIDERANDO que para ser autorizada a implantação das chácaras e sítios de recreio na zona rural deve o INCRA, previamente, manifestar-se, conforme prevê a sua Instrução Normativa nº 17-b, de 22 de dezembro de 1980, in verbis: 3. PARCELAMENTO, PARA FINS URBANOS, DE IMÓVEL RURAL LOCALIZADO FORA DA ZONA URBANA OU DE EXPANSÃO URBANA 3.1 O parcelamento, para fins urbanos, de imóvel rural localizado fora de zona urbana ou de expansão urbana, assim definidas por lei municipal, rege-se pelas disposições do art.
96, do Decreto n.º 59.428, de 27/l0/66, e do art. 53, da Lei n.º 6.766, de 19/12/79. 3.2 Em tal hipótese de parcelamento, caberá, quanto ao INCRA, unicamente sua prévia audiência. 3.3 Os parcelamentos com vistas à formação de núcleos urbanos, ou à formação de sítios de recreio, ou à industrialização, somente poderão ser executados em área que: a) por suas características e situação, seja própria para a localização de serviços comunitários das áreas rurais circunvizinhas; b) seja oficialmente declarada zona de turismo ou caracterizada como de estância hidromineral ou balnearia; c) comprovadamente tenha perdido suas características produtivas, tornando antieconômico o seu aproveitamento. 3.4 A comprovação será feita pelo proprietário, através de declaração da Municipalidade e/ou através de circunstanciado laudo assinado por técnico habilitado. 3.5 Verificada uma das condições especificadas no item 33, o INCRA, em atendimento a requerimento do interessado, declarará nada ter a opor ao parcelamento. 3.6 Aprovado o projeto de parcelamento, pela Prefeitura Municipal ou pelo Governo do Distrito Federal, e registrado no Registro de Imóveis, o INCRA, a requerimento do interessado, procederá à atualização cadastral, conforme o disposto no item 2.3. CONSIDERANDO que a regularização de um empreendimento desta natureza depende, ainda, de modificação da Lei Municipal de zoneamento urbano, transformando a área rural em urbana ou de expansão urbana, obedecendo os padrões urbanísticos e os dispositivos legais do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01), especialmente a realização de audiências públicas com a participação da população; CONSIDERANDO que a gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, por intermédio da audiência pública, na
formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano é uma das diretrizes da política urbana, conforme explicitado pelo art. 2º, inciso II, da Lei Federal nº 10.257/01 Estatuto da Cidade, in verbis: Art. 2o A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: II gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; CONSIDERANDO que a implantação de parcelamento do solo para fins urbanos em zonas rurais gera um enorme problema urbanístico, haja vista a dificuldade da instalação de obras de infraestrutura no local; CONSIDERANDO que a omissão do Município em relação à fiscalização quando da implantação de parcelamento do solo para fins urbanos em zonas rurais (parcelamento ilegal do solo) gera a sua responsabilidade solidária pela inação do parcelador, especialmente em relação à implantação da infraestrutura mínima exigida na lei federal de parcelamento do solo: REEXAME NECESSÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. FALTA DE COMPLEMENTAÇÃO DO PREPARO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO URBANO. AUSÊNCIA DE INFRA-ESTRUTURA LEGALMENTE NECESSÁRIA. DEVER DE IMPLEMENTAR OS EQUIPAMENTOS URBANOS COMUNITÁRIOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO MUNICÍPIO. 1 A INSUFICIÊNCIA DO PREPARO, QUANDO NÃO SUPRIDA PELO APELANTE, INOBSTANTE A INTIMAÇÃO PARA TANTO, ENSEJA A SANÇÃO PROCESSUAL DA DESERÇÃO, O
QUE IMPEDE O CONHECIMENTO DO RECURSO VOLUNTÁRIO. 2 - DE ACORDO COM O ART. 4º DA LEI Nº 6766/79, E DEVER DO LOTEADOR A IMPLANTAÇÃO EFETIVA DOS EQUIPAMENTOS URBANOS COMUNITÁRIOS DEFINIDOS NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 5º, DA MESMA LEI. 3 - O TEXTO LEGAL, BEM COMO A RESPECTIVA MENS LEGIS, NAO DÃO AZO A INTERPRETACAO ABSURDA INVOCADA PELO RÉU EM SUA DEFESA. 4 - A CF/88, CORROBORADA PELO ART. 40 DA LEI 6766/79, PRECONIZAM A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA MUNCIPALIDADE EM RELAÇÃO A REALIZAÇÃO MATERIAL DA CONSTRUÇÃO DA INFRA-ESTRUTURA MÍNIMA EXIGIDA NA LEI DO LOTEAMENTO DO SOLO, PARA QUE OS ADQUIRENTES DOS LOTES TENHAM CONDIÇÕES MÍNIMAS DE MORADIA CONDIGNA. 5 - APELACAO NAO CONHECIDA. DUPLO GRAU NECESSÁRIO CONHECIDO PARA MANTER INCÓLUME A R. SENTENCA. (TJGO. 3º Câmara Cível. Relator: Des. Felipe Batista Cordeiro. Fonte: DJ 14309 de 12/07/2004.) Resolve RECOMENDAR: Tendo em vista o grande crescimento de ofertas de Lotes às margens do Lago Corumbá IV, na zona rural deste município, o Ministério Público do estado de Goiás RECOMENDA que o Município exerça fiscalização eficiente para evitar a formação destes parcelamentos do solo rural para fins urbanísticos e de lazer, em desacordo com a Lei Federal nº 6.766/79, Lei Federal nº 4.504/64 (Estatuto da Terra), Decreto- Lei nº 58/37, Decreto Federal nº 59.428/66 e Instrução Normativa do INCRA nº 17-b, de 22 de dezembro de 1980 e em detrimento do ordenado crescimento do Município. Alertando especificamente a respeito da consequência da omissão do Município, como ente fiscalizador, que gera a
sua responsabilidade solidária, pelos danos ambientais e urbanísticos causados. Atenciosamente, Santo Antônio do Descoberto, 28 de agosto de 2013. Tarcila Santos Britto Gomes Promotora de Justiça