RELAÇÃO ENTRE ESPIRITUALIDADE, ÂNIMO E QUALIDADE DE VIDA EM PESSOAS IDOSAS J. Pais-Ribeiro (jlpr@psi.up.pt) & T. Pombeiro Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação-U.Porto A sociedade moderna está a envelhecer. As Nações Unidas estimam que de 2000 para 2025 o número de pessoas com mais de 65 anos aumentará 67% nos países desenvolvidos e 44% nos países menos desenvolvidos, passando a representar, nesse período de tempo, de 6,9% da população mundial para 10,44%, sendo que nos países desenvolvidos esses valores passarão de 14,39% para 20,9%. Este aumento da percentagem de idosos traz problemas demográficos vários com consequências, nomeadamente, ao nível da saúde e qualidade de vida. No presente estudo assume-se que a espiritualidade é uma variável susceptível de contribuir para uma boa vida, e que haverá relações fortes entre Espiritualidade, Ânimo e Qualidade de Vida (QDV). A espiritualidade (do latim spiritualitas significa golfada de ar) é um conceito mais amplo do que religião (do latim religare significa forçar a juntar), e inclui transcendência, ligação, intencionalidade, e valores. A religiosidade tem sido definida como a participação em crenças, rituais e actividades próprios de uma religião tradicional (Elkins, Hedstrom, Hughes, Leaf, & Saunders, 1988, p. 8), e pode funcionar como alimentador e meio de expressão para a espiritualidade, explicam estes autores. A espiritualidade é mais ampla do que religiosidade, é uma experiência subjectiva que existe tanto dentro como fora dos sistemas de religião tradicionais (Vaughan, Wittine, & Walsh, 1998, p. 497). A espiritualidade tem sido definida como o modo pelo qual as pessoas entendem e vivem as suas vidas tendo em conta do seu significado e valor últimos (Muldoon and King, 1995, p. 336) ou como um processo experiencial cujas características incluem procura de significado e
propósito, transcendência (a sensação que ser humano é mais do que existência material), laços (p.ex. com outros, com a natureza ou com uma divindade) e valores (p.ex. justiça) (Mueller, Plevak & Rummans, 2001). É considerada como um estado de paz e harmonia (Hungelmann, Kenkel-Rossi, Klassen, & Stollenwerk, 1985, p. 151), exprime a capacidade para encontrar a divindade no status quo da vida, e essa transcendência ajuda a ultrapassar os problemas e circunstâncias desagradáveis presentes (Brewer, 1979). Contribui ainda para encontrar respostas satisfatórias para..as questões últimas sobre o sentido da vida, doença e morte (Highfield and Cason, 1983, p. 187). Estas definições de espiritualidade permitem olhar para esta variável como um domínio fora de sistemas religiosos particulares e, embora mostrem variações entre elas, partilham a ideia da importância da espiritualidade enquanto um contexto em que as pessoas podem encontrar um sentido para a vida, ter esperança e estar em paz no meio dos acontecimentos mais graves. Este conceito é de estudo científico recente. Uma definição científica de espiritualidade não pode depender de contextos religiosos particulares, deve ser acessível e observável independentemente de crenças pessoais, e pode ser utilizado para caracterizar uma pessoa (Miller, 1998). Thoresen (1999) numa revisão de investigação que relaciona a saúde com a espiritualidade, verifica que quanto maiores os níveis de espiritualidade maiores os níveis de bem-estar global e de satisfação com a vida, menores os níveis de sintomas depressivos e de suicídio, maiores os níveis de satisfação conjugal, menor o abuso de substâncias. Para Lawton (1975), ânimo (do Inglês "morale" que Paúl traduz assim) consiste numa perspectiva positiva de si próprio, num esforço para aceitar e controlar a realidade; Lawton tem uma visão da ânimo em termos de bem estar geral. Levy, Slade, Kunkel, e Kasl, (2002), num estudo longitudinal, verificam que uma percepção positiva do envelhecimento, medida com a dimensão de Atitude Face ao Próprio
Envelhecimento da The Philadelphia Geriatric Center Morale Scale de Lawton (1975), contribui para que os indivíduos vivam mais 7,5 anos. A Organização Mundial de Saúde define a Qualidade de Vida (QDV) como a percepção que o indivíduo tem acerca da sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores em que vive, e tomando em consideração os seus objectivos, expectativas, padrões e preocupações (Orley & WHOQOL Group, 1994). Os conceitos aqui em estudo, Ânimo (Morale), QDV e Espiritualidade aproximam-se conceptualmente segundo algumas das definições. Se considerarmos que a QDV é um resultado (outcome), então as outras variáveis serão variáveis dignas de intervenção visando uma melhor QDV. Os objectivos do presente estudo são inspeccionar a relação entre Ânimo, Espiritualidade e QDV em indivíduos com mais de 60 anos. MÉTODO Participantes- uma amostra de conveniência, com 57 indivíduos com idades entre os 64 e os 94 anos (M= 75,58) 31,6% homens, 52,6% casados, 57,9% vivendo em casa própria. Material- inclui: a versão Portuguesa da The Philadelphia Geriatric Center Morale Scale adaptada por Paúl (1992) que denominou de Escala de Ânimo; o questionário EuroQOL-5D (EQ-5D); A dimensão Espiritualidade da escala de qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde (WHOQOL-100). Escala de Ânimo - A versão original da escala inclui 17 itens na última versão original, e o estudo da versão portuguesa conservou 14 itens (Paúl, 1992). Os itens consistem em afirmações que os respondentes devem assinalar se se aplica ou não a eles, numa escala dicotómica sim/não. Os itens distribuem-se (na versão portuguesa) por três dimensões, Agitação (quatro itens, alfa de Cronbach de 0,71), Atitude Face ao Próprio Envelhecimento (cinco itens, alfa = 0,71), e solidão/insatisfação (cinco itens, alfa = 0,75).
Escala de QDV- O EQ-5D é uma medida genérica e multidimensional, concebida para descrever o estado de saúde. Inicialmente concebida em 1990 com seis dimensões, passou a cinco em 1991. A versão do EQ-5D aqui utilizada foi traduzida a partir da versão em Inglês e Espanhola (Badia, Salamero, & Alonso, 1999), inclui sete itens que avaliam as seguintes dimensões: Fisica (com três itens, Alfa de Cronbach= 0,77 para a versão aqui utilizada); Dor (com um item); e Saúde Mental (com um item); estas três dimensões agrupam-se num valor total (Alfa de Cronbach=0,61). A escala inclui ainda um item de "Transição de Saúde" e outro de "Avaliação Global da Saúde" no momento. Quanto mais baixa a nota melhor QDV excepto para o último item. Às seis primeiras questões a resposta é dada numa escala ordinal de três posições. A Avaliação Global da Saúde consiste numa escala analógica visual ancorada em dois extremos o melhor estado de saúde imaginável e o pior estado de saúde imaginável, e graduada entre zero e 100 como um termómetro. Escala de Espiritualidade- A escala utilizada é uma das dimensões da WHOQOL de 100 itens. O domínio de Espiritualidade do questionário inclui quatro questões. A resposta é dada numa escala ordinal de cinco posições consoante a magnitude em que as afirmações se aplicam a si próprio. RESULTADOS Os resultados mostram correlações estatisticamente significativas entre Espiritualidade e as dimensões da Escala de Ânimo: r=0,30 com Solidão, r=0,41 com Atitude Face ao Próprio Envelhecimento, e r=0,38 com a Escala de Ânimo total. Apontam ainda para correlações estatisticamente significativas entre Espiritualidade e dimensões da EQ-5D: r=-0,30 para a Saúde Mental (melhor saúde mental mais espiritualidade), e r=0,26 para Percepção de Saúde Actual.
Encontrámos correlações estatisticamente significativas entre as dimensões da Escala de Ânimo e a dimensão Saúde Mental do EQ-5D (entre r=-0,35 e r=-0,42, com um r=-0,52 para a Escala de Ânimo total); verificaram-se ainda correlações estatisticamente significativas entre a dimensão Atitude Face ao Próprio Envelhecimento da Escala de Ânimo e o Domínio Físico da EQ-5D (r=-0,27), Saúde Mental (r=-0,35), e Saúde Global, (r=0,44). DISCUSSÃO A análise global dos resultados aponta para relações consistentes entre os três construtos estudados. As correlações entre as variáveis são moderadas, o que sugere que embora mantenham relações estatisticamente significativas constituem construtos diferentes. Assim sendo, e considerando que uma boa QDV, ou uma boa vida, será um resultado (outcome) desejável durante todo o processo de desenvolvimento nomeadamente na última fase do ciclo de vida, desenvolver programas de intervenção, no âmbito da promoção da saúde ou outros, que foquem o Ânimo e a Espiritualidade, são desejáveis, para promover melhor QDV. REFERÊNCIAS Badia, X., Salamero, M., & Alonso, J. (1999). La medida de la salud: Guía de escalas de medición en Español. Barcelona: Edimac. Brewer, E.D.C. (1979) Life stages and spiritual wellbeing, in D.O. Moberg (Ed.). Spiritual Well-Being, Sociological Perspectives (pp. 99 111). Washington, DC:University Press. Elkins, D.N., Hedstrom, L.J., Hughes, L.L., Leaf, J.A. & Saunders, C. (1988) Toward a humanistic phenomenological spirituality. Journal of Humanistic. Psychology, 28(4), 5 18. Highfield, M.F. & Cason, C. (1983) Spiritual needs of patients: are they recognized? Cancer Nursing, 6, 187 192.
Hungelmann, J., Kenkel-Rossi, E., Klassen, L. and Stollenwerk, R.M. (1985) Spiritual wellbeing in older adults: harmonious interconnectedness. Journal of Religion and Health 24(2), 147 153. Lawton, M. (1975). The Philadelphia Geriatric Center Morale Scale: a revision. Journal of Gerontology,30, 85-89. Levy, B., Slade, M., Kunkel,S., & Kasl, S. (2002). Longevity increases by positive selfperceptions of aging. Journal of Personality and Social Psychology, 83(2), 261-270 Miller, W. (1998). Researching the spiritual dimensions of alcohol and other drug problem. Addiction, 93(7), 979-990. Mueller, P., Plevak, D., & Rummans, T. (2001). Religious involvement, spirituality and medicine :implications for clinical practice. Mayo Clinics Proceedings, 76, 1225-1235. Muldoon, M. and King, N. (1995) Spirituality, health care, and bioethics. Journal of Religion and Health, 34(4), 329 349. Orley J, & WHOQOL Group (1994). The World Health Organisation (WHO) quality of life project. In: M R Trimble & W E Dodson (eds.). Epilepsy and quality of life (pp. 99-107). New York: Raven Press. Paúl, M.C. (1992). Satisfação de vida em idosos. Psychologica,8, 61-80. Thoresen, C. (1999). Spirituality and health. Is there a relationship? Journal of Health Psychology, 4, 291-300. Vaughan, F., Wittine, B. and Walsh, R. (1998) Transpersonal psychology and the religious person, in E.P. Shafranske (Ed.). Religion and the Clinical Practice of Psychology (pp. 483 509). Washington, DC: American Psychological Association.