AdvPs aspectualizadores (modalizadores) no português brasileiro e no italiano e a hierarquia universal de Cinque



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AdvPs aspectualizadores (modalizadores) no português brasileiro e no italiano e a hierarquia universal de Cinque Aquiles Tescari Neto 1 1 Instituto de Estudos da Linguagem (UNICAMP) CNPq Caixa Postal 6045 CEP 13083-970 SP Campinas/SP Brasil aquilestescari@yahoo.it Abstract. The study of modal adverbs available in general Linguistics literature has excluded from the group of modas those which indicate habitual aspect, such as usually, generally. Assuming formal theories of Syntax (Cinque, 1999, 2004), this paper proposes that habitual aspect adverbs are indeed a sort of modal adverbs, as the epistemic ones, usually considered the representatives of modal AdvP classes. As a consequence from this study, it is also claimed that an adequate syntactic analysis of adverbs should take into account just syntactic devices, without depending on semantic tools. Keywords. Habitual aspect adverbs, modal adverbs, functional-specifier theory, adverbial syntax. Resumo. O estudo dos advérbios modalizadores na literatura lingüística exclui dos advérbios modalizadores os que indicam aspecto habitual (como normalmente e geralmente ). O trabalho propõe, ao assumir teorias formais de sintaxe (Cinque, 1999, 2004), que advérbios habituais constituem um subgrupo de modalizadores, como os epistêmicos, considerados os representantes dos AdvPs modais. Como conseqüência, propomos que uma análise sintática de AdvPs deveria valer-se apenas de critérios sintáticos, sem a necessidade de recorrer a uma análise semântica. Palavras-chave. Advérbios aspectuais habituais, advérbios modalizadores, teoria dos especificadores funcionais, sintaxe adverbial. 1. Introdução * Teorias de sintaxe adverbial diferem radicalmente no modo como entendem o papel da semântica (se houver) nas questões de ordenação, escopo, e interpretação do AdvP. Duas teorias de sintaxe adverbial têm-se destacado nos últimos dez anos: de um lado a proposta da adjunção (com antecedentes em Jackendoff, 1972), que basicamente propõe a adjunção livre de AdvPs a diversas projeções e o emprego de princípios semânticos que restringem a ordenação de AdvPs (ordens não lícitas se devem a anomalias semânticas) (cf., dentre outros, Ernst, 2002, 2004, 2007; Costa, 2004); de outro, a proposta defendida por Cinque (1999; 2004), Alexiadou (1997) conhecida por location-in-spec ou proposta dos especificadores funcionais (doravante SFs), segundo a qual advérbios ocupam a posição de especificadores de XPs funcionais, licenciados pelos núcleos de tais projeções, com os quais compartilham traços. Em nosso trabalho, assumimos a abordagem teórica defendida em Cinque (1999; 2004), sobre o posicionamento dos AdvPs em Spec proposta tendencialmente sintática, a priori, visando a propor que advérbios (advs, daqui por diante) que ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008 203

indicam aspecto habitual do tipo de normalmente e geralmente, em português brasileiro (doravante PB), e normalmente, solitamente, generalmente, di solito, em italiano (doravante IT), reconhecidos pela literatura lingüística como advs aspectuais (Cinque, 1999; Alexiadou, 1997; Lonzi, 1991; Quirk et al., 1972; Ernst, 2007; Ilari et al., 1990; Ilari, 1992; Ilari & Basso, s.d.; Castilho, 1993; Chierchia, 1995) e quantificadores (Chierchia, 1995; Lewis, 1975; Ilari e Basso, s.d.; Castilho, 1993; Cinque, 1999), devem também ser considerados advs modalizadores (cf. seção 3), por tornarem a proposição indeterminada em relação a seu estatuto factual (definição de modalização proposta em Narrog (2005)). À essa proposta central agrega-se outra: o trabalho visa também a contribuir com o debate sintaxe x semântica adverbial, no sentido de fornecer evidências de que uma análise tendencialmente sintática (que assuma a proposta da alocação dos advs em Spec) é a mais adequada para uma análise de questões de escopo, posicionamento e interpretação de AdvPs (cf. seção (4)). Propomos também uma reinterpretação da proposta de Cinque no que diz respeito ao aproveitamento de AdvPs altos na zona-direita da sentença (cf. (2.1.)). 2. Fundamentação Teórica Para comprovar empiricamente sua proposta sobre os SFs, Cinque compara a ordem e a natureza dos morfemas funcionais livres e de afixos (que correspondem aos X 0 s das projeções funcionais por ele propostas) com a ordem e a natureza das diferentes classes de AdvPs na oração. Há uma relação de correspondência (um a um) entre o AdvP e o X 0 do XP do qual o AdvP é Spec: segundo Cinque (1999, p. v), [...] diferentes classes de AdvPs entram em uma relação transparente Spec/X 0 com diferentes núcleos funcionais da oração [...]. Cinque está, pois, a sugerir que os advs são uma manifestação clara das diferentes projeções funcionais, no sentido de que são os Specs desses XPs. O autor (cf. 1999, p. 3-4) apresenta alguns pontos que aparentemente poderiam tornar a sua hipótese sobre os SFs falseável. Trata-se de casos em que os AdvPs aparecem em mais de uma ordem numa mesma língua ou em ordens diferentes em línguas diferentes. Tais argumentos poderiam ser tomados pelos adeptos de propostas de adjunção de AdvPs para argumentar contra a teoria de Cinque. No entanto, Cinque oferece razões para o porquê de se considerar tais casos apenas como contra-exemplos aparentes à existência de uma hierarquia única e universal de AdvPs. Os seis pontos contra location-in-spec e hierarquia universal são: i) Quando um AdvP modifica diretamente um outro AdvP, posicionando-se no Spec deste; ii) Quando uma porção mais baixa da oração (que contém o AdvP) é alçada, por razões de Foco, por sobre um AdvP alto; iii) Quando um AdvP é wh-movido por sobre outro; iv) Quando um mesmo AdvP pode ser gerado em duas posições diferentes na oração (sendo uma posição à esquerda e outra à direita de um outro AdvP); v) Quando um AdvP focalizador não inerente do tipo de probabilmente ( provavelmente ) é aproveitado como adv focalizador, do tipo de only ( só ou simply simplesmente ) nesse caso, o AdvP pode assumir diferentes posições e diferentes escopos na sentença ; vi) Quando um AdvP é usado parenteticamente, com entoação diversa da da sentença. Esses seis casos não afetam a validade universal da hierarquia de projeções funcionais da oração, nem mesmo a ordenação rigidamente fixa dos AdvPs proposta por Cinque. Essa ordenação rígida de AdvPs pareados com os núcleos funcionais à direita, bem como a motivação para a hierarquia universal de projeções funcionais, é 204 ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008

determinada primitivamente: a hierarquia é um construto do sistema computacional da UG, apenas indiretamente relacionada, portanto, a propriedades lógicas ou semânticas. 2.1. Posições para AdvPs: reinterpretando Cinque (1999; 2004) Quando se fala em interface sintaxe/semântica na questão da ordenação de advs, uma das primeiras questões que se levanta tem a ver com o papel de princípios semânticos na ordenação dos AdvPs (se tais princípios seriam ou não cruciais para a relação posição/interpretação do AdvP). Em Cinque (1999), propõe-se que os AdvPs são licenciados numa relação do tipo spec/head agreement, e são rigidamente ordenados pela UG. Postula-se, em Cinque, uma relação um a um entre posição e interpretação (i.e., uma interpretação distinta e específica para cada posição de base). Para cada número de ocorrências n de um dado AdvP com interpretações distintas, haveria um número n de X 0 funcionais. Essa relação um para um é crucial para explicar a ordenação rígida, posto que, sem essa relação, outros padrões de ordenação seriam possíveis. Em ocorrências do tipo de (1a-b), em que estamos diante de um mesmo advérbio, em duas posições distintas com diferentes significados, entretanto, Cinque entende que o adv seja gerado na posição em que aparece, sendo, portanto, licenciado por diferentes X 0 funcionais. A diferença não está no significado lexical do adv, mas no licenciamento do X 0. Segundo Cinque (1999, p. 26), em (1), p.ex., o adv alto, à esquerda, em (a), quantifica sobre o evento; em (b), sobre o processo: (1) a. Texans often drink beer. (Os texanos freqûentemente bebem cerveja) b. Texans drink beer often. (Cinque, 1999, p. 26) Haveria uma posição alta para o AdvP, na zona esquerda da sentença, em que o item atuaria como adv de sentença (observação válida não apenas para os quantificadores, mas para todos os AdvPs altos de Cinque). No espaço à direita de VP, haveria n posições quantas fossem necessárias para dar conta das diferentes interpretações que, segundo Cinque, seriam disponíveis a um mesmo AdvP (enquanto item lexical). Em (2a) o adv à esquerda atua como sentencial, tendo escopo sobre o evento; o adv à direita (em (2b)) tem escopo sobre o processo e modifica o constituinte à sua direita. (2) a. Habituellement ils regardent fréquemment la télé. b. Fréquemment ils ont regardé habituellment la télé. (cf. Cinque, 2004) A razão para a pertinência de se propor duas posições distintas para o AdvP decorre do fato de ambas as posições poderem ser preenchidas pelo mesmo item lexical: (3) Geralmente os brasileiros bebem caipirinha geralmente. (4) Di solito i brasiliani bevono generalmente la capirigna. Aqui propõe-se, entretanto, uma intepretação mais parcimônica; um pouco distinta da de Cinque. Tomando por base os dados acima (1-4) e as ocorrências (5-6), a seguir, (5) Freqüentemente, os alunos de Sintaxe se reúnem geralmente de manhã. (6) Geralmente, os homens primitivos caçavam normalmente de manhã, em grupos de seis ou sete caçadores geralmente. sugerimos que AdvPs altos na posição em que são gerados na base, i.e., na zona esquerda da sentença (até o espaço de vp), apresentam a interpretação default (de AdvPs sentenciais), no sentido de serem licenciados pelo núcleo de mesma natureza (realizado ou não foneticamente). Nesse ponto, nossa análise é semelhante a de Cinque: diferentes posicionamentos na zona esquerda da sentença seriam explicados em virtude do movimento de constituintes sentenciais por sobre o AdvP. Para os casos em que o adv ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008 205

(primitivamente) alto se aloca na zona direita da sentença, i.e., no espaço de VP, zona ocupada por advs de VP (AdvPs baixos), propomos (contra Cinque, 1999) que não haveria um núcleo licenciador para o AdvP, por diversas razões uma delas, bastante forte, que questiona inclusive a proposta de Cinque (1999), é a ausência de evidências empíricas para se postular núcleos distintos à direita de V, à medida que se admite AdvPs de mesma natureza nessas posições (cf. (6), acima). Nesses casos, o que na realidade ocorre é o reaproveitamento do AdvP como (adv) focalizador, na zona direita da sentença, atuando como uma espécie de adv de constituinte (no sentido de Quirk et al., 1972). Evidência para a natureza focalizadora desses itens à direita, procede das paráfrases a seguir, que, na esteira de Quirk et al. (1972), apresentam um focalizador dentro de uma oração focal, focalizando o item por ele escopado na oração original: (3a) É geralmente a caipirinha que os brasileiros geralmente bebem. (5a) (6a) É geralmente de manhã que freqüentemente os alunos de Sintaxe se reúnem. É normalmente de manhã que geralmente os homens primitivos caçavam em grupos de seis ou sete caçadores geralmente./ É geralmente em grupo de seis ou sete caçadores que os homens primitivos geralmente caçavam normalmente de manhã. Qual seria, portanto, a razão de se apelar a uma leitura focalizadora do AdvP alocado à direita na sentença, em termos de economia explanatória? A resposta para esse fato leva em consideração, parcialmente, o trabalho do próprio Cinque (1999). Já no primeiro capítulo, Cinque (1999) apresenta casos em que um adv alto pode ser reaproveitado como adv de consitituinte. Um desses é o uso do AdvP alto como focalizador não inerente: segundo o próprio Cinque, nesses usos, o AdvP pode assumir diferentes escopos e, conseqüentemente, diferentes posições na sentença. Pensandose em termos de aproveitamento focalizador do AdvP alto em posições mais baixas, seria possível eliminar um dos referidos seis casos de aparente ruptura da hierarquia universal, a alínea (iv), acima mencionada: Quando um mesmo AdvP pode ser gerado em duas posições diferentes na oração (sendo uma posição à esquerda e outra à direita de um outro AdvP). A motivação para essa nossa proposta procede da interpretação de dados semelhantes aos anteriores: em nosso trabalho propõe-se que advs altos (sejam eles aspectuais ou não) têm uma zona de escopo que é a sentença, donde deriva-se o rótulo AdvPs sentenciais; não seria necessário propor que o AdvP teria duas zonas onde seria gerado, como sugere Cinque, uma nas imediações do Sujeito e outra mais baixa, próxima de V e de seus complementos. O que Cinque postula dá conta de dados como (1a,b), acima. Todavia, para casos do tipo de (5-6), dever-se-ia apelar à alínea (iv) aproveitamento do AdvP alto como focalizador, para justificar o posicionamento do AdvP à direita de V, em posições onde não haveria razão empírica para se postular a pertinência de um X 0 licenciador. Assumindo-se a recursividade da gramática, é mais atraente já pela sua natureza parcimônica assumir a nossa proposta, que dá conta dos casos (1-6) elegantemente em termos de aproveitamento do AdvP como focalizador. O debate sintaxe-semântica adverbial, iniciado sobretudo na década de 90, estendese até nossos dias com publicações recentes (cf. Cinque; 2004; Costa, 2004; Ernst, 2004, 2007). Questões comuns de ambos os lados (teóricos dos SFs e teóricos da adjunção) são pauta freqüente nos trabalhos publicados: como uma teoria trataria de questões como escopo semântico, conteúdo semântico de um AdvP? Como a informação semântica relevante teria um efeito sobre a ordenação linear de AdvPs? Para Ernst (2007, p. 1014), as teorias de sintaxe têm à disposição três caminhos para explicarem o modo como as informações semânticas relevantes são codificadas: (a) a entrada lexical do adv; (b) algum elemento local associado na sentença (p. ex., um 206 ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008

núcleo licenciador); (c) regras gerais (não locais). Nenhuma teoria sintática ignoraria a validade de (a), ao explicar o modo como as informações semânticas relevantes são codificadas. (b) é a saída encontrada pelos teóricos dos SFs, cuja teoria postula um licenciamento local do tipo spec/head agreement: cada adv, em Spec, entraria em uma relação de licenciamento com o X 0 funcional da mesma natureza. (c) é utilizado por teorias de adjunção que se valhem apenas de regras semânticas gerais para explicar o modo como a sintaxe codifica a informação relevante. A teoria dos SFs dispensa (c), naturalmente; a do escopo semântico dispensa (b). Uma vez que em nosso trabalho utilizamos a teoria dos SFs, é natural que, seguindo Cinque (1999; 2004), vamos assumir que a informação semântica relevante se dá numa configuração de concordância spec/head. Assumimos, portanto, (b). (a) também é assumido pela proposta de Cinque, e, conseqüentemente, pela nossa. Diferentemente dos trabalhos dos pesquisadores do escopo semântico, não assumimos (c), mesmo nos casos em que um adv alto é reaproveitado em posições baixas como focalizador. Esses casos não afetam a validade universal da hierarquia funcional, motivo por que não há necessidade de se recorrer como recorre Ernst em seus trabalhos (2007, p.ex.) a regras de escopo semântico para explicar a ordenação de AdvPs à direita de V em relação a outros AdvPs. Estando à direita de V, ou seja, em posições que a UG disponibiliza a advs baixos ( de constituinte ), o adv alto (reaproveitado como focalizador) não é licenciado por um núcleo funcional. Esse é o ponto de vista que propusemos e assumimos em nosso trabalho, assunção que difere da de Cinque (1999; 2004), segundo o qual o AdvP à direita de VP seria licenciado por um núcleo funcional de mesma natureza (cf. discussão acima). A nossa proposta, entretanto, (para os AdvPs altos reaproveitados como focalizadores à direita de V), assume apenas (a) a entrada lexical do advérbio para explicar a sua informação semântica relevante. Dito deste modo, abrimos mão de (b,c) para os casos em que um adv alto se aloca à direita de V. A legitimidade de nossa proposta pode ser testada sintaticamente, já que advs altos reaproveitados como baixos parecem não obedecer a regras de ordenação: (7) Os homens primitivos caçavam freqüentemente de manhã, provavelmente em grupos de seis ou sete caçadores, normalmente vestidos com pele de animais. Assumindo-se Cinque, é sabido que provavelmente > normalmente > frequentemente. 2 Os focalizadores à esquerda de VP, em (7) não respeitam essa ordenação, não estando sujeitos, portanto, a (b,c). Não estando os AdvPs, nessa configuração, sujeitos a (b), a nossa proposta apresenta-se como mais econômica do que a de Cinque (1999, 2004), por evitar (por falta de evidências da contraparte nuclear) a multiplicação de XPs funcionais hospedando Specs adverbiais (na zona de AdvPs baixos). Não assumindo (c) para os focalizadores às órbitas do predicado, lançamos mão de uma série de princípios semânticos para licenciar a ordenação de AdvPs. Tomamos, pois, as sentenças de (1-7), acima, como evidência para a nossa proposta. À esquerda de V, como AdvP alto, o item obedece a (a) a sua entrada lexical e (b) concordância spec/head. À direita de V, um AdvP alto, reaproveitado como focalizador, dispensa (b) e (c): leva-se em conta apenas o significado do adv, i.e., a sua entrada lexical. Este fato leva-nos a questionar, inclusive, se focalizadores de natureza adverbial seriam, de fato, AdvPs, pois eles não seguem a ordenação rígida da hierarquia funcional (cf. sentenças acima). A nossa análise dispensa (c), como também o faz a análise de Cinque (1999), quer esteja o adv alocado à esquerda de V, na zona dos advs de sentença, quer esteja alocado à sua direita, posições em que atua como adv de constituinte. ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008 207

3. Advérbios aspectuais habituais: mais uma subclasse de modalizadores Bellert (1977) seria indubitavelmente um dos trabalhos mais citados na literatura lingüística sobre advs sentenciais. Dentro do grupo por ela denominado tomando como base o trabalho de Jackendoff (1972) de advs sentenciais, distingue-se o subgrupo dos modais, cujos representantes seriam itens do tipo de probably, certainly, surely, evidently, por ela considerados predicados a respeito dos quais o argumento é a verdade da proposição expressa pela sentença (não o fato, evento ou estado de coisas descrito pela sentença em questão) (Bellert, 1977, p. 343). Os aspectuais habituais estariam excluídos do grupo dos modais no trabalho de Bellert e em trabalhos seguintes inclusive Cinque (1999), que tomaram a análise de Bellert por base. Em termos de literatura sobre AdvPs, nenhum dos trabalhos consultados que constam em nossa bibliografia tratam do efeito modalizador dos aspectuais habituais. Os advs que indicam aspecto habitual apenas são mencionados por essa sua função prototípica e por um valor agregado de quantificador (cf. Lewis, 1975; Ilari & Basso, s.d.; Castilho, 1993; Chierchia, 1995). Normalmente, em uma sentença do tipo de: (8) Normalmente os brasileiros são espertos. se fosse tratado por um dos autores mencionados nas referências, provavelmente seria classificado como um adv aspectualizador-quantificador (cf. paráfrase (8b), a seguir, em que o AdvP quantifica sobre um estado de coisas): (8b) Na maioria das vezes, os brasileiros são espertos. Mas AdvPs de aspecto habitual não desenvolvem apenas essas funções. Se a nossa argumentação estiver correta, os testes a seguir apresentam razões fidedignas e pertinentes para o porquê de incluí-los no grupo dos modalizadores. Uma das principais evidências de que dispomos para a consideração desses itens como adverbiais modalizadores vem do fato de os habituais não poderem co-ocorrer com outros AdvPs tratados como modalizadores pela literatura do assunto, a saber, os epistêmicos (provavelmente), irrealis (talvez) e aléticos de possibilidade (possivelmente), que se caracterizam por expressarem um descomprometimento/não engajamento do falante em relação ao valor de verdade por ele veiculado no conteúdo proposicional. O (des)comprometimento do falante em relação ao que expressa no conteúdo proposicional que assumimos como sendo um traço que AdvPs de natureza epistêmica, irrealis e alética de possibilidade compartilham (se [± engajamento]) é uma das extensões da modalização epistêmica (Dall Aglio-Hattnher, 1996: 171). Enunciados em que a modalização epistêmica se faz presente podem ser marcados positiva ou negativamente em relação ao traço [engajamento]. Nos casos em que o falante apresenta o estado de coisas como verdadeiro, dizemos que o enunciado é marcado positivamente no que diz respeito a esse traço [engajamento]; enunciados em que o falante apresenta dúvidas em relação ao que diz, marcam o enunciado negativamente em relação ao traço. Este traço nos interessa ao estudar os AdvPs normalmente e geralmente em PB, normalmente, solitamente, generalmente, em IT, porquanto, em consonância com o que mostraremos a seguir, esses AdvPs, por compartilharem esse traço ([- engajamento]) com AdvPs do tipo de provavelmente (AdvP Modalizador Epistêmico), talvez (AdvP Mod. Irrealis) e possivelmente (Mod. alética de possibilidade), não podem co-ocorrer com esses advs, tradicionalmente 208 ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008

arrolados no paradigma dos modalizadores. Em Cinque (1999), cada um desses AdvPs apresenta um traço característico, o que justifica, com os testes sintáticos, a pertinência de mantê-los em Specs de XPs distintos. No entanto, o fato de esses AdvPs não poderem co-ocorrer entre si, mesmo estando em XPs distintos, faz-nos crer que essa coocorrência não é possível, em virtude de um traço comum ([-engajamento], para opor ao traço [- comprometimento], dos epistêmicos de Cinque (1999)) por eles compartilhado. A explicação que temos para a agramaticalidade das ocorrências a seguir acerta a natureza modalizadora dos AdvPs mencionados: AdvPs habituais, AdvPs epistêmicos, AdvPs irrealis e AdvPs aléticos de possibilidade compartilham o traço [- engajamento], inerente a AdvPs modalizadores, o que faz com que um reaja à presença de outro: 3 (9) a. * Probabilmente i brasiliani forse sono buoni giocatori. b. * Provavelmente os brasileiros talvez são/sejam bons jogadores. (10) a. * Probabilmente i brasiliani possibilmente sono buoni giocatori. b. * Provavelmente os brasileiros possivelmente são bons jogadores. (11) a. * Forse i brasiliani possibilmente sono buoni giocatori. b. * Talvez os brasileiros possivelmente são/sejam bons jogadores. (12) a. * Possibilmente i brasiliani forse sono buoni giocatori. b. * Possivelmente os brasileiros talvez sejam bons jogadores. (13) a. * Probabilmente/*forse/*possibilmente i brasiliani normalmente/di solito/solitamente sono buoni giocatori. b. * Provavelmente/*talvez/*possívelmente os brasileiros geralmente/normalmente são bons jogadores. (14) a. *Normalmente/di solito i brasiliani probabilmente/forse/possibilmente sono buoni giocatori. b. * Normalmente/geralmente os brasileiros provavelmente/talvez/possivelmente são bons jogadores. (9-14), acima, apresentam, cada uma, dois AdvPs que compartilham o traço [- engajamento], motivo por que reagem entre si. Em (9), p.ex., temos um epistêmico (probabilmente, provavelmente) co-ocorrendo com um irrealis (forse, talvez); em (10), um epistêmico e um alético de possibilidade. E assim por diante. (11) apresenta respectivamente um epistêmico, probabilmente/provavelmente, um irrealis forse/talvez e um alético de possibilidade, possibilmente/possivelmente, que reagem à presença de um AdvP aspecto habitual. De acordo com os dados (9-11), AdvPs dubitativos não podem co-ocorrer entre si pelo fato de compartilharem o traço [- engajamento]. Os AdvPs das sentenças (9-11) são reconhecidamente modalizadores nos trabalhos da literatura (cf. Bellert, 1977; Kato & Castilho, 1991; Castilho & Moraes de Castilho, 2002; Lonzi, 1991; Cinque, 1999). Seguindo a definição de Narrog (2005), esses são os advs verdadeiramente modalizadores. Nesse sentido, modalizadores [- engajamento] não podem co-ocorrer entre si. Se os AdvPs (9-12) são modalizadores [- comprometimento], reagindo um à presença de outro, podemos estender a mesma observação aos dados (13 e 14), que envolvem epistêmicos, irrealis, aléticos de possibilidade e habituais. AdvPs habituais, são, portanto, modalizadores: não podem coocorrer com AdvPs (modalizadores) que compartilham o traço [- engajamento]. Sob a definição de Narrog (2005), esses AdvPs também podem ser considerados modalizadores, por tornarem a proposição indefinida em relação a seu estatuto factual. 4 Poder-se-ia argumentar contra a validade sintática dessas nossas observações, pelo fato de a modalidade ser mais bem descrita como uma categoria semântica (cf. Narrog, 2005). Entretanto, assume-se aqui que o efeito modalizador desses AdvPs tem validade sintática e, na próxima seção, vamos fornecer razões empíricas para o fato. Nossa análise está quites com a proposta da hierarquia universal de Cinque (1999, 2004), por ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008 209

respeitar a ordenação de AdvPs ali proposta. Se Cinque (1999) assume que a natureza da hierarquia é primitivamente sintática, tendo o seu correlato semântico como uma conseqüência, assumir Cinque (1999) em nosso trabalho e propor uma análise que esteja quites com essa proposta nos dá a garantia de que o nosso problema pode também ser explicado em termos sintáticos. E as ocorrências acima validam tais observações. Diante de ocorrências como a seguinte (15) Probabilmente gli uomini primitivi cacciavano normalmente di mattina. (Guglielmo Cinque, com. pessoal) (Provavelmente os homens primitivos caçavam normalmente de manhã) segundo a qual probabilmente, co-ocorre com um AdvP aspecto habitual, normalmente, poder-se-ia questionar (como nos fez G. Cinque, em com. pessoal) a validade de nossa hipótese sobre o traço [- engajamento] que legitimaria a interpretação modalizadora de AdvPs aspectuais habituais, por reagirem à presença de AdvPs modalizadores que compartilham o mesmo traço. Entretanto, sugerimos que normalmente, que precede o PP di mattina, em (15), aí se aloca justamente para focalizar esse PP. Devemos tratar de normalmente, em (15) como um focalizador, cf. a paráfrase a seguir: (15a) Istoricamente non sappiamo perfettamente se cacciavano la mattina o la sera. (Não sabemos, historicamente, se caçavam de manhã ou de noite). Estamos, portanto, em (15), diante de um caso de foco contrastivo. Em Cinque (1999), o aproveitamento de AdvPs como focalizadores é tratado como um caso de aparente restrição à hierarquia universal. Nesse sentido, apoiando-nos no próprio Cinque (no caso, Cinque, 1999, 2004) podemos assegurar que a sentença (15) não invalida as nossas observações. Basta confrontá-la com (15b): (15b)??? Probabilmente gli uomini primitivi normalmente cacciavano di mattino. 5 (Provavelmente os homens primitivos normalmente caçavam de manhã) e com (15a), acima. (16), a seguir, também é agramatical: normalmente/di solito precede o VP e não estamos diante de um caso de focalização. (16) *Probabilmente Silvia di solito/normalmente giocava a pallavolo con le sue amiche. (Provavelmente a Silvia normalmente jogava vôlei com suas amigas.) À parte esse aparente contra-exemplo, a hipótese do traço [- engajamento] dá conta de explicar por que os aspectuais habituais também são modalizadores. Além disso, sob a definição de Narrog (2005), esses AdvPs podem ser considerados modalizadores, já que a sua presença na oração torna o conteúdo proposicional indeterminado em relação a seu estatuto factual. 4. A natureza sintática do valor modal dos AdvPs aspectuais habituais A motivação para a hierarquia universal, rigidamente fixa, de projeções funcionais é determinada primitivamente: a hierarquia é um construto do sistema computacional da UG, apenas indiretamente relacionada, portanto, a propriedades lógicas ou semânticas. Há várias razões apresentadas em Cinque (1999, p. 134 et seq.; 2004, p. 685-689) para a primazia da análise sintática em relação à semântica no que diz respeito à ordenação de AdvPs e às relações de escopo entre eles. A principal delas é que a ordem relativa dos elementos funcionais não pode ser determinada por princípios lógico-semânticos (Cinque, 1999, seção 6.3; 2004, p. 685, nota 5). Segundo a hierarquia universal, AdvP Mod Evidential > AdvP Mod Epistemic (cf. (17) e (18)): (17) a. Allegedly John will probably give up. b. * Probably John will allegedly give up. 210 ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008

(18) a. (?) Evidentemente Gianni ha probabilmente lasciato l albergo. b. * Probabilmente Gianni ha evidentemente lasciato l albergo. (Cinque, 1999, p. 135) Se a motivação para a rigidez e universalidade da hierarquia fosse devida a princípios lógico-semânticos, dever-se-ia esperar a agramaticalidade de (19), a seguir, em que um predicado evidencial está sob o escopo de um predicado epistêmico e a agramaticalidade de (20), seguinte, em que um predicado epistêmico precede um avaliativo (um AdvP epistêmico não pode preceder um AdvP avaliativo (cf. 20a)): (19) È probabile che sia evidente che lui è il colpevole (Cinque, 1999, p. 135). (É provável que seja evidente que ele seja o culpado) (20) È probabile che sia per me uma sfortuna che Gianni è stato licenziato. (20a) * Probabilmente Gianni è sfortunatamente stato licenziato. A gramaticalidade de (19) justifica a natureza sintática da hierarquia de projeções funcionais: se a motivação para as relações de escopo da hierarquia fosse devida a princípios puramente semânticos, (19) deveria ser agramatical, à semelhança de (18b), que envolve um modalizador epistêmico tomando um evidencial sob o seu escopo; igualmente dever-se-ia esperar a agramaticalidade de (20), por (20a) ser inaceitável. A hipótese do traço [- engajamento] é igualmente legitimada por princípios sintáticos, o que sugere que os AdvPs de aspecto habitual podem ser tratados como modalizadores na sintaxe. Segundo os dados (21-22), a seguir, um AdvP epistêmico não pode co-ocorrer com um AdvP aspecto habitual em nenhuma ordem (* AdvP epistêmico > AdvP habitual; * AdvP habitual > AdvP epistêmico). Se a motivação para essa agramaticalidade fosse lógico-semântica (não primitivamente sintática, portanto), esperar-se-ia que um predicado epistêmico jamais co-ocorreria com um predicado habitual, o que não é verdade (cf. (21a) e (22a), a seguir), o que ratifica a natureza sintática, a priori, da hipótese do traço [- engajamento]: (21) * Provavelmente os ladrões normalmente vão entrar no banco./* Normalmente os ladrões provavelmente vão entrar no banco... (22) * Probabilmente i futuri papi solitamente saranno sudamericani./ *Solitamente i futuri papi probabilmente saranno sudamericani. (21a) É provável que vai ser normal a entrada dos ladrões no banco./é normal que vai ser provável a entrada dos ladrões no banco... (22a) È possibile che sia normale che Tiago giochi a pallavolo con i suoi amici./è normale che sia possibile che Tiago giochi... A conclusão de Cinque (1999) para a ordenação sintática dos núcleos funcionais e para a natureza da hierarquia funcional, pode, portanto, conforme demonstramos acima, ser estendida à hipótese do traço [- engajamento]. Nesse sentido, se a ordem sintática das projecções funcionais não pode ser reduzida a relações de escopo semântico entre os AdvPs (cf. Cinque, 1999: 136), conseqüentemente a hipótese do traço [- engajamento] também encontra uma motivação sintática, a priori. 5. Considerações finais Propusemos que advs habituais constituem um subgrupo de modalizadores, por compartilharem com os modalizadores tradicionais o traço [- engajamento], motivo por que não podem co-ocorrer com esses AdvPs. Como conseqüência, mostramos que uma análise sintática de AdvPs deveria valer-se apenas de critérios sintáticos, sem a necessidade de se recorrer a uma análise semântica. Assumimos a proposta dos SFs de Cinque (1999), alterando, entretanto, a sua proposta para AdvPs altos à direita de VP. ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008 211

Notas * Agradeço à prof.a Dra. Sonia Lazzarini Cyrino pela orientação e discussão das propostas. 2 Cinque fornece a seguinte hierarquia de ordenação de adverbiais (versão adaptada): francamente > felizmente > evidentemente > provavelmente > [...] talvez > necessariamente > possivelmente > normalmente > novamente > freqüentemente > intencionalmente > [...] caracteristicamente(?) > completamente > tudo > bem > rápido > de novo > freqüentemente > completamente. (cf., 1999, p. 106) 3 Omitimos a tradução das ocorrências em (a), pelo fato de as ocorrências em (b.) corresponderem a uma versão para o PB, já com os julgamentos de gramaticalidade. 4 Apresentamos a Heiko Narrog a nossa proposta de considerar os AdvPs habituais como modalizadores tomando como base a definição de modalidade deste autor (cf. Narrog, 2005). Narrog (com. pessoal) concorda com a nossa proposta de considerar esses itens como modais, tendo como base sua definição de modalidade. Segundo Narrog, os habituais estão muito próximos da modalidade epistêmica. 5 Pedimos o julgamento dessa sentença a Guglielmo Cinque, que a considerou bastante degradada e concordou com a leitura focalizadora de normalmente. Referências bibliográficas ALEXIADOU, A. Adverb Placement: A Case Study in Antisymmetric Syntax. Amsterdam: John Benjamins, 1997. BELLERT, I. On Semantic and Distributional Properties of Sentential Adverbs. Linguistic Inquiry, vol.8, n.2 (Spring), 1977, p. 337-351. CASTILHO, A. A predicação adverbial no português falado. Tese (Livre-Docência) FFLCH, Universidade de São Paulo. São Paulo, 1993. CHIERCHIA, G. Individual-Level Predicates as Inherent Generics. In: CARLSON, G.; PELLETIER, F. (Ed.) The Generic Book. Chicago: Chicago UP, 1995. CINQUE, G. Adverbs and Functional Heads: A Cross-Linguistic Perspective. New York, Oxford: Oxford University Press, 1999.. Issues in Adverbial Syntax. Lingua 114, 2004, p. 683-710. COSTA, J. A Multifactorial Approach to Adverb Placement: Assumptions, Facts, and Problems. Lingua, 114:6 (June), 2004, p. 711-53 DALL'AGLIO-HATTNHER M. M Uma análise funcional da modalidade epistêmica. Alfa, vol. 40, 1996, p. 151-173. ERNST, T. The syntax of adjuncts. Cambridge: Cambridge UP, 2002.. Principles of adverbial distribution in the lower clause. Lingua, 114:6, 2004.. On the role of semantics in a theory of adverb syntax. Língua: 117 (June), 2007. ILARI, R. Sobre os advérbios apectualizadores. In: (Org.) Gramática do português falado. vol.2: Níveis de análise lingüística. Campinas: Editora da UNICAMP, 1992. ILARI, R. et al. Considerações sobre a posição dos advérbios. In: CASTILHO, A. (Org.). Gramática do port. falado. Vol.1. Campinas: Ed. Unicamp, 1990, p. 63-141. ILARI, R.; BASSO, R. Semântica e representações do sentido. Campinas: Unicamp.(s.d.). JACKENDOFF, R. Semantic interpretation in Generative Grammar. Cambridge: MIT Press, 1972. KATO, M.; CASTILHO, A. Advérbios modalizadores: um novo núcleo predicador? D.E.L.T.A. 7 (1), 1991, p. 409-424. LEWIS, D. Adverbs of Quantification. In KEENAN, E. (Ed.) Formal Semantics of Natural Language. Cambridge: Cambridge University Press, 1975, p. 3 15. LONZI, L. Il sintagma avverbiale. In: RENZI, L.; SALVI, G. (Org.) Grande grammatica italiana di consultazione. v. II. Bologna: Il Mulino, 1991. NARROG, H. On defining modality again. Language Sciences,27/2, 2005, p. 165-192. QUIRK, R. et al. A grammar of the contemporary english. London: Longman, 1972. 212 ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (1): 203-212, jan.-abr. 2008