ANA E AS SUAS IRMÃS: O ESTADO MAIS FORTE DO QUE A SOCIEDADE ESTÁ NA VOLTA DA ESQUINA

Documentos relacionados
Sumário. Proposta da Coleção Leis Especiais para Concursos TEORIA GERAL DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E SEU REGIME DE PESSOAL

DIREITO ADMINISTRATIVO

INFORMATIVO ELETRÔNICO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

DIREITO ADMINISTRATIVO

Regulação e Agências Reguladoras no Contexto Brasileiro. Prof. Marcos Vinicius Pó

AUTARQUIA CARGO QUANT. ESPECIAL

Apresentação do Ombudsman de. Contato Nacional

A Regulação: História e Contribuição para Construção de uma outra Concepção de Estado

REGULAÇÃO NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE SUS. Setembro/2010

AS TAXAS E CIDES ARRECADADAS PELAS INDEPENDËNCIA FUNCIONAL DESTAS: O CASO ESPECÍFICO DA ANCINE.

NAVEGAR É PRECISO EM MEIO ÀS TURBULÊNCIAS

DIREITO ECONÔMICO E ECONOMIA...

ESTATÍSTICAS DE PROCESSOS ELETRÔNICOS EM TRAMITAÇÃO NA JUSTIÇA FEDERAL DE BENTO GONÇALVES, CAXIAS DO SUL E VACARIA ATÉ DEZEMBRO/2013 1

REGULAÇÃO EM NÚMEROS 1. Working Paper 2 Mecanismos de Participação das Agências Reguladoras Federais 3

Industria no Governo FHC -1995/2002

CONHECENDO O INIMIGO PROF. FELIPE DALENOGARE

Direito Administrativo

A Semana em Brasília INFORMA RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS

REGULAÇÃO DO SETOR DE RODOVIAS

SUMÁRIO TÍTULO I NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Nos capítulos anteriores...

APRESENTAÇÃO PROGRAMA DE INSTITUIÇÕES DO SETOR INFRAESTRUTURA (PROIF) Sebastian Azumendi Especialista em Governança Pública

A intervenção federal no Rio 1

28/10/2016 OBJETIVOS DA REGULAÇÃO. Órgãos reguladores na CF/88

Sumário Parte I ComPreensão dos Fundamentos do estado, das Formas e das Funções do Governo, 9 1 estado, Governo e sociedade, 11

Sumário. Proposta da Coleção Leis Especiais para Concursos Apresentação... 17

Página Post Recurso Data de criação Curtidas Comentários Reações Compartilhamentos. 1 VEJA link 19/11/

Mapa de Acesso a Informações Públicas 2017: Informações privadas de interesse público

[Direito Administrativo] [2ª aula] [Turma: Carreiras Policiais] [Bancas: Cespe] [Tópicos a serem abordados neste material] [Prof.

TST reverte decisão sobre discriminação

Sumário TÍTULO I NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

REMUNERAÇÃO DOS SERVIDORES ATIVOS ESPECIALISTAS AFINS DO GOVERNO FEDERAL - DEZEMBRO2007

ABSOLUTISMO E MERCANTILISMO. Profª Viviane Jordão

Quanto custa um parlamentar: deputado e senador Cada senador custa mais de R$ 33 milhões por ano aos cofres públicos

I Seminário Latino-Americano sobre Experiências Exitosas em Regulação Brasília 29 de Fevereiro de Objetivos do Seminário:

Lei de estatais pode gerar problemas na Justiça e travar contratações

Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

Meios Indiretos de Cobrança de Créditos da Fazenda Pública. Fabio Munhoz Procurador Federal

A CRIAÇÃO E A EVOLUÇÃO DA PESQUISA CIENTÍFICA NO INMETRO

Tabela de remuneração de NS corrigida

COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE

MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO PROCESSO SELETIVO INTERNO À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL PARA FORMAÇÃO DE BANCO DE SERVIDORES

VARIAÇÕES ACERCA DA DISSOLUÇCÃO DOS IMPÉRIOS E DOS ESTADOS

Instrução Normativa DNRC nº 114, de 30 de setembro de DOU

COLÔMBIA AMADURECIMENTO DEMOCRÁTICO

PESQUISA DE OPINIÃO PÚBLICA NACIONAL

Administração Pública. Prof. Joaquim Mario de Paula Pinto Junior

Conceito Politico Tempo Difícil

SUMÁRIO. Parte I COMPREENSÃO DOS FUNDAMENTOS DA CIÊNCIA POLÍTICA, ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Você está prestes a assumir a administração de uma empresa simulada. Aproveite esta oportunidade para desenvolver as suas habilidades gerenciais.

Livro de Códigos. Pergunta aberta. P3: Qual carreira? Pergunta aberta. P.2.1: Qual vínculo?

Formatos institucionais das agências Agencificação no mundo e no Brasil

Os servidores ocupantes de cargos efetivos dos Quadros de Pessoal do INSS e do MPS integram as seguintes carreiras e cargos específicas:

A ANM E AS DEMAIS AGÊNCIAS REGULADORAS

REFORMA DO ENSINO MÉDIO: DO MODELO ÚNICO GRAMSCIANO À PLURALIDADE

Brasília Posição: Julho/2007. Brasília

PÚBLICO, ADMINISTRATIVO E REGULATÓRIO

INTERVENÇÃO DO DEPUTADO ANÍBAL PIRES NO ENCERRAMENTO DO DEBATE DE URGÊNCIA AGENDADO PELO PCP SOBRE TRANSPORTES AÉREOS NOS AÇORES 14 de Maio de 2013

16/12/2015 UNIÃO ESTADOS DF. ADMINISTRAÇÃO DIRETA ( Centralizada ou Central ) MUNICÍPIOS ESTUDA A ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA UNIÃO

Capeia Arraiana (2013)

Sumário. Capítulo 1 Breve histórico do setor cinematográfico e audiovisual brasileiro e. mundial Introdução...1

NOSSOS RECURSOS CONCENTRADOS NAS MÃOS DE TÃO POUCOS

PELA LIBERDADE DE INFORMAÇÃO. Cobertura jornalística das campanhas eleitorais

Estratégias do mercado de Regulação e Tendências. Fabio Teixeira

Hidrocarbonetos - O Pré-Sal - Dificuldades e Oportunidades. Adriano Pires Março de 2011

DIRIGENTES QUARENTENA

Você está prestes a assumir a administração de uma empresa simulada. Aproveite esta oportunidade para desenvolver as suas habilidades gerenciais.

A Política das Agências Reguladoras. Pedro Ivo Sebba Ramalho

Carta Econômica Mensal-Julho de Ver para Crer

PROGRAMA DO CURSO EM DIREITO DA ENERGIA E SUSTENTABILIDADE 100 HORAS

Sumário. Apresentação, xiii Estrutura do livro, xv

A Certificação de Conteúdo Local no Setor de Petróleo e Gás

Introdução às Telecomunicações Prof. Wilson Carvalho de Araújo

Direito Administrativo

A CASA DO SIMULADO DESAFIO QUESTÕES MINISSIMULADO 132/360

APLICAÇÃO DA GESTÃO DE RISCOS NA LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO. Clique para editar o cargo Ouvidor autor

PÚBLICO, ADMINISTRATIVO E REGULATÓRIO

Zerar desmatamento no Brasil pode custar R$ 5 bi ao ano até 2030

Carlos Rubens Moreira da Silva

SUMÁRIO Este documento define regras e controles da Política de Relacionamento Governamental da Ambev.

Pequenas Centrais Hidrelétricas: ENERGIA LIMPA, SEGURA E BARATA. Lucas M. Flessak

Plano popular de saúde prevê ao menos 50% de coparticipação

GOVERNANÇA PÚBLICA O DESAFIO DO BRASIL

Análise dos preços dos combustíveis no Estado do Paraná

Autonomia e independência das agências reguladoras

WORKSHOP Regulação e participação social: experiências, desafios e propostas 3 e 4 de novembro de 2008

PROPOSTA DE PROGRAMAÇÃO DO X CONGRESSO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO FLORIANÓPOLIS-SC, 27, 28 e 29 de setembro de 2017

AS ESTRATÉGIAS DE COMPLIANCE E IMPORTÂNCIA PARA A EMPRESA. Advª. Cláudia Bressler

Parte I Compreensão dos Fundamentos da Ciência Política, Estado, Governo e Administração Pública, 9

DIREITO ECONÔMICO E SETORES REGULADOS 1º SEMESTRE DE 2014

Descentralização Administração Indireta

ATUALIDADES. Top Atualidades Semanal. MUNDO Relações Internacionais PROFESSOR MARCOS JOSÉ. Top Atualidades Semanal. Material: Raquel Basilone

WEBINAR O QUE DIZ A LEI SOBRE PRODUTOS COLOCADOS À VENDA - PARTE II

O que é Estado Moderno?

A Gestão nas Agências Reguladoras Fatos e Repercussões

1º ENCONTRO DE COMUNICAÇÃO DA SAÚDE SUPLEMENTAR

Chamada de Apoio a Eventos Científicos em Saúde

PROJETO DE LEI N.º 366/XII/2.ª GARANTE O DIREITO DE ACESSO AOS BENS DE PRIMEIRA NECESSIDADE ÁGUA E ENERGIA

Prefeitura Municipal de Cardeal da Silva publica:

OS DONOS DO PODER. Capa da obra de Raymundo Faoro, Os donos do poder Formação do patronato político brasileiro.

Transcrição:

1 ANA E AS SUAS IRMÃS: O ESTADO MAIS FORTE DO QUE A SOCIEDADE ESTÁ NA VOLTA DA ESQUINA Ricardo Vélez Rodríguez Coordenador do Centro de Pesquisas Estratégicas Paulino Soares de Sousa, da UFJF. Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Professor Emérito da ECEME, Rio de Janeiro. Docente da Universidade Positivo, Londrina. rive2001@gmail.com Imaginamos que o Estado Patrimonial, caracterizado por ser mais forte do que a sociedade, está em Brasília. Ledo engano. Os seus tentáculos estão na esquina, topamos com eles em todas partes, perto de onde moramos. Aquele mostrengo antediluviano, que Thomas Hobbes chamou de "Leviatã" (apelativo de monstro bíblico que tudo engole) e que o grande Max Weber caracterizou como "Estado das

2 Autoridades" (Obrigkeitsstaat) contraposto ao "Estado do Povo" (Volkstadt), ou simplesmente como "Estado Patrimonial" contraposto a "Estado Contratualista" reside, nos dias de hoje, perto de onde moramos, encarnado nas denominadas "Agências Reguladoras" que, no Brasil, têm como finalidade garantir que os serviços prestados pelo Estado e pelas empresas que o servem, beneficiem realmente aos cidadãos. Os nomes das Agências são monocórdios, parecendo mais as irmãs trânsfugas da Ana, a gastadora: ANA (Agência Nacional de Águas), ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), ANCINE (Agência Nacional de Cinema), ANTAQ (Agência Nacional de Transporte Aquaviário), ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). Dez irmãs perdulárias que fazem as desgraças dos cidadãos. Com estatuto legal de "autarquias sob regime especial", as flamantes Agências viraram cabide de emprego para compinchas partidários dos donos do poder. Não servem ao cidadão. Servem, como diria Aristóteles dos corruptos, "a si próprias". Melhor: aos gatos gordos instalados comodamente nas suas dependências, que ganham os canos sem se incomodarem em dar satisfação à sociedade. É uma sem-vergonhice sem tamanho, ou melhor com tamanho gigantesco, que consome bilhões de reais para manter funcionando uma estrutura que não presta. É urgente reivindicarmos transparência total no funcionamento dessas Agências Reguladoras. Mas sem

3 subterfúgios parlamentares nestes tempos de CPIs fajutas (que, à semelhança da que pretende investigar a Operação Lava-Jato, são instaladas pelo Parlamento para desmontar uma ação saneadora que está dando certo). Precisamos de um mecanismo eficiente de prestação de contas dessas Agências, talvez um comitê misto, criado pela sociedade civil junto ao Ministério Público e integrado por pessoas idôneas indicadas pelos cidadãos e por parlamentares probos, aprovados pela sociedade civil. O saudoso amigo José Osvaldo de Meira Penna chefiou, por dever de ofício uma dessas agências, a ANCINE, nos anos 80 do século passado. (O governo da época tinha decidido sanear esse canto colocando nele um diplomata alheio aos conluios partidários). Contava-me que ficou estarrecido com o que encontrou: um sem-número de oportunistas incompetentes, especializados em "ajudar" cinegrafistas falidos, cuja contribuição à cultura nacional consistia em produzir pornochanchadas de péssima qualidade. "Desse jeito, nem a cama aguenta" frisava o meu amigo, tal o acúmulo de vulgaridade e corrupção que encontrou na agência. O jornalista Claudio Humberto, na sua coluna, tem informado, ao longo dos últimos meses, a situação atual de algumas dessas agências. Tudo se esvai num conluio de oportunismo, corrupção e incompetência, sempre com a mesma finalidade: favorecer amigos e lascar inimigos. Isso ocorre na ANVISA, na ANP, na ANATEL, etc. Essas agências foram ocupadas partidariamente pelo governo, com nomes indicados pelos políticos, a fim de manterem benefícios para minorias incrustadas na burocracia oficial. Sempre lesando os interesses dos contribuintes. Ocorre assim, por exemplo, com a Agência Nacional de

4 Saúde Suplementar, a ANS, cujo atual diretor era advogado das grandes empresas prestadoras de serviços ao Ministério da Saúde e cuja única preocupação consiste em encher as burras das indigitadas empresas, reajustando os planos de saúde suplementar por cima da inflação, onerando assim brutalmente os cidadãos que buscam esses planos, notadamente os que passaram dos 70 anos. A canalhice é de tamanho federal. O cidadão brasileiro, que já é descontado em folha para sustentar o Sistema Único de Saúde (que não funciona), paga somas escorchantes ao Plano de Saúde Suplementar para alimentar a burocracia corrupta. Haja paciência! Algo semelhante acontece na ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) com os fajutos planos de "barateamento de passagens aéreas" que de barateamento não tiveram nada, desde a divulgação das novas políticas há dois anos atrás. O único que ocorreu de bom foi para beneficiar as empresas aéreas mancomunadas com a Agência Reguladora para não deixar entrar a concorrência estrangeira. Foram barradas as empresas europeias e norte-americanas de viagens "low cost", a fim de serem aumentados sem controle os preços dos serviços. O brasileiro passou a pagar caro pela bagagem transportada, sem que as passagens tivessem diminuído de preço. Nova sacanagem com o contribuinte. Evidente que os dividendos dos ganhos devem ter alguma destinação: o bolso dos funcionários corruptos, bem como os dos aproveitadores prestadores de serviço, as gloriosas "empresas nacionais". Coisa semelhante ocorre com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) que tem envidado esforços enormes para cometer duas irregularidades: importar etanol podre caro e forçar a venda do mesmo para as empresas distribuidoras, impedindo aos produtores

5 nacionais de etanol limpo que o distribuam diretamente aos postos, a fim de não deixar baratear os preços. Tudo, claramente, em benefício dos gatunos intermediários mancomunados com a agência oficial. Causa indignação tanta desfaçatez praticada à luz do dia, sem que os organismos de controle do Estado tomem as dores dos lesados de sempre: os brasileiros. De outro lado, as Agências Reguladoras saem caras para o bolso dos contribuintes. Claudio Humberto frisa: "As 'agências reguladoras', frequentemente acusadas de beneficiar empresas que deveriam normatizar, custam ao País R$ 1,575 bilhão por ano somente com o imenso cabide de empregos que criaram. No total, são dez agências ocupando quase 6 mil cargos. A mais cara delas é a de vigilância sanitária (ANVISA), com um orçamento total de R$ 535 milhões por ano. A de telecomunicações (ANATEL) é a mais barata, custa R$ 38,9 milhões, e nem por isso é a menos ineficiente" (In: Folha de Londrina, edição de 23 e 24 de junho de 2018, p. 4). As Agências Reguladoras perderam a sua razão de ser. Ou trabalham em prol de beneficiar os contribuintes brasileiros, ou devem ser fechadas. Como seria bom se os holofotes do Ministério Público fossem projetados sobre esse emaranhado de oportunistas e incompetentes, sentados comodamente nas poltronas das Agências Reguladoras! Pelo menos, na campanha presidencial que se avizinha, poderemos perguntar aos candidatos o que acham de todo esse despautério das Agências Reguladoras e quais são as suas propostas para esse setor em que ninguém mexe. Tais agências funcionam hoje de costas para a Nação, tributárias de um modelo absolutista, como o dos Conselhos que assessoravam o monarca francês Luís XIV

6 que dizia: "Eu sou o Estado" (no século XVII) ou como os Conselhos Técnicos de Getúlio Vargas (inspirados no estatismo de Mussolini). Poderíamos contar com Agências Reguladoras que assessorassem o governo, mas sob rígido controle da opinião pública, prestando contas regularmente ao Congresso e aos cidadãos deste país. Estes, que são os reais detentores da soberania, deveriam ser também os únicos contemplados com a ação das Agências. Estas deveriam regular a prestação de serviços do Estado e das empresas que colaboram com ele.